ONTEM, HOJE, AMANHÃ

"Hoje é o amanhã que sempre

nos preocupava ontem."

Capítulo 26

- Agente Scully? Agente Scully?

Um longo suspiro escapa-se-lhe do fundo do sofrido peito.

Ouve seu nome sendo chamado. Vem de tão longe... tão distante!

- Agente Scully?

Sente as pálpebras pesadas. Movimenta os olhos. Abre-os e vê que alguém está ali, bem à sua frente.

- Senhor...?

- Agente Scully, sente-se melhor?

- Melhor? - senta-se no leito e olha ao redor - Eu estou numa cama ... de hospital? Por que?

Seu olhar alonga-se para mais distante e vê Byers e Langly. Frohike encontra-se no oposto do lado da cama, onde está Skinner.

- O que aconteceu comigo? Ahn... eu...

- Você estava desmaiada no chão da sua sala, Scully. - explica Frohike.

Scully faz menção de levantar-se.

- Não, não deve agora. - Skinner a impede.

- Por que não? Não vou ficar aqui! Quero sair daqui!

O seu ar tão decidido até intimida os dois ao lado da cama, que entreolham-se.

Dana percebe o olhar trocado entre eles.

- O que houve com ele? Podem me dizer! Eu exijo, agora! O que houve com Mulder?

Langly aproxima-se:

- Por favor, não faça assim, fique calma! Você precisa descansar, Scully.

- Parem com isso, todos! - puxa o lençol para cobrir o corpo vestido na camisola do hospital - Chamem a enfermeira aqui! Quero sair!

Langly antecipa-se. Não espera que os outros concordem e sai para atender ao pedido de Dana.

Ela olha para os três que estão dentro do quarto.

- Quero que me falem agora! O que houve com Mulder?

- Nada sabemos, ainda, Agente Scully. - afirma Skinner.

O rosto dela contrai-se num chôro:

- E eu aqui...! Nesta cama... parada sem fazer nada! Chamem a enfermeira! - pede num lamento.

Ela olha para Byers e Frohike, que com ar penalizado a fitam neste instante.

- Byers... Frohike... me ajudem! Ajudem Mulder!

Byers fala com convicção:

- Pode ter certeza, Scully. Estamos aí! - balança a cabeça, confirmndo.

- Não vamos descansar, Scully... - inicia a falar Skinner.

- ... enquanto não soubermos a verdade! - ela conclui o pensamento dele.

- Claro! - confirma Byers.

A enfermeira entra no quarto.

- Quero arrumar-me, por favor! Eu estou bem! Preciso sair daqui!

- Está bem. Você já está liberada mesmo. O seu caso foi somente uma indisposição. - concorda a enfermeira.

Os quatro homens retiram-se do recinto.

Mais um dia de angústia e desesperança.

Dana, com a ajuda dos Pistoleiros ainda nada conseguira obter e sente-se cada vez mais derrotada.

Abate-se a cada dia mais.

O sentimento de infelicidade havia tomado conta de seu ser.

Skinner a havia liberado de suas funções de agente especial temporariamente, pois psicológicamente não se encontra com situação favorável a recomeçar seu trabalho normalmente.

Ela está no seu apartamento agora, sofrida, amargurada, temerosa.

Caminha por dentro de casa como um autômato, pouco se interessando pelo que se passa ao seu redor.

Vai até o quarto. Deita-se na cama, vagarosamente, com os olhos abertos, como que vendo algo diante de si.

Como uma tela que exibe o desenrolar de um filme, as cenas vão passando diante de seu olhar maltratado.

- Bem jovem, determinada, feliz pela escolha, pusera em seu coração a vocação para ser uma

agente federal do Governo dos Estados Unidos.

Escolha louca, segundo seu pai; mas ninguém poderia mudar o que estava plantado dentro do seu coração repleto de desejo de aventurar-se em averiguar casos excepcionais nos arquivos do FBI.

Depois, a louca corrida pelos casos bizarros, estranhos, sobrenaturais.

Seu parceiro, Fox Mulder, o seu amigo de todas as horas, quase até nas horas íntimas, a deixava entender que aquela sua opção de vida fôra acertada.

Fox... Mulder; Mulder... o seu parceiro; Mulder, que tornara-se o dono definitivo do seu coração.

E há quanto tempo isso acontecera, Deus!

Ela não havia aceito em princípio que o amava; sempre dizia convictamente a si mesma.

Mas a cada vez que alguma mulher lançava um olhar de cobiça para Mulder, o seu coração dava um sinal de alerta, como quem dizia:

"Olhe, eu estou bem aqui! Eu quero você pra mim! Eu te amo, Mulder!"

Sempre fôra difícil aceitar isso lá dentro do seu íntimo, mas aos poucos, a cada toque, a cada olhar, a cada palavra terna, o seu ser estremecia de desejo por ele.

Não somente o desejo de vêr feliz e ditoso sempre o seu amigo, mas o desejo da paixão irrealizada, não concretizada.

E Dana Scully, enquanto deitada, mãos cruzadas sobre o peito, deixa que as lágrimas escorram sobre suas faces e caiam na colcha da cama.

- Mulder! - murmura baixinho - Mulder! - aumenta a voz - MULDER! - grita aflita de dor e saudade.

Porem ele não responde.

Tudo ali no apartamento está quieto.

Não há o som dos pesados passos dele que ressoam na madeira do taco no chão.

Não está lá jogado displiscentemente no espaldar da cadeira o paletó dele, arrancado do corpo apressadamente, como se todos os seus gestos fossem como os casos que resolvia que deveriam ser sempre para "ontem".

Mulder não está ali para ficar com a respiração afogueada junto a seus cabelos, aspirando com gosto seu perfume, dando mordidinhas nos lóbulos de suas orelhas, nem com sua voz mansa e sensual a cantar bem juntinho a seu ouvido, enquanto dançam num dia e numa hora qualquer de suas vidas.

Ela ouve dentro do coração ele entoando baixinho a melodia, enquanto a abraça e a beija ternamente: "Return to me..."

Ele não está ali neste momento para apertá-la em seus fortes braços, nem passar propositadamente o rosto áspero pela barba que desponta, na sua face muito branca e rosada, enchendo-a de prazer.

Não! Mulder não está ali mais, agora!

- Ele não está aqui! Não me vê sofrendo, gemendo! - murmura.

E Dana chora, soluça.

Ela leva a mão ao estômago. Aquele enjôo novamente aparece e sente-se mal.

Por alguns minutos ela arfa de ansiedade. Senta-se e percebe que à sua volta tudo parece rodopiar.

Por mais alguns instantes permanece sentindo-se horrível.

Aos poucos, vai sentindo aliviar o mal-estar.

"Estou péssima! - pensa - Tenho que melhorar disso tudo! Tenho que prosseguir até encontrar Mulder.

Meu Deus! E o amanhã, como será?

O que me reserva o dia que virá?"

Leva a mão à sua corrente de ouro no pescoço.

- Deus! Eu preciso de ajuda! - ela geme baixinho.

- Filha, eu nunca a vi tão abalada! - diz Margareth, acariciando os cabelos de Dana, enquanto esta está sentada, braços apoiados na poltrona, olhar perdido no espaço.

Dana sorri, brevemente.

Um sorriso triste.

- Eu acabei de lhe preparar um alimento quente, filha! Você vai ter que comer alguma coisa!

- Mãe, eu não estou podendo fazer isso! Não tenho vontade nenhuma! Por favor, não insista!

- Está bem, então. Um chá vai bem, estou certa?

Dana a olha complacente:

- Está bem, mãe. Só um chá; eu estou enjoada.

Margareth afasta-se e vai até a cozinha.

Na mente de Dana os pensamentos voltam a formar idéias, e, aos poucos, estas sendo liberadas.

Hoje Dana Scully está assim: dentro de seu coração o amor platônico transformara-se num maravilhoso sentimento de entrega total.

Já tornara-se definitivamente de Mulder. Já entregara-se a ele. Pertencia a ele de corpo e alma.

Todos os desejos mais secretos desse amor tão antigo estavam realizados junto a quem adora.

Mas... e agora?

Agora sua vida encontra-se num caos completo de perturbações e ansiedades.

Dana não sabe para onde dirigir suas idéias e tentar descobrir o fato, esse terrível acontecimento destes últimos dias, que a faz sofrer a mais miserável dor, que é a dor da perda, do irreparável.

Estar ali, sem Mulder, o seu Mulder, que a fez sentir-se mais mulher, mais certa de que a vida é boa, de que a vida vivida com amor é a realização maior de qualquer ser humano.

Estar sem ele é morrer aos poucos, é deixar sua alma sair pelo infinito, elevar-no no espaço sem fim, carregando todos os seus sonhos, os seus ideais. Está perdida!

Se ontem estivera em busca de um motivo real para viver e se hoje corre em busca da recuperação desse motivo, o que poderá acontecer amanhã?

Como poderá suportar a dor da definitiva solidão, a tristeza da perda e da separação?

Mas não pode ser este o fim!

Não deve o Criador permitir tão doloroso desenlace!

E Dana elabora em sua mente uns versos, umas rimas que ficarão fixadas no seu cérebro cansado, numa homenagem à sua vida de mulher tão lutadora, tão corajosa, tão sincera e destemida... mas também tão frágil, tão apaixonada, tão sofrida!

Ontem eu e ele nos vimos

nos mesmos ideais e sonhos nos unimos

tal como amigos, sempre nos sentimos

até que um dia, de azul o nosso céu de amor colorimos.

Hoje, sofrendo a dor da separação,

o desconforto total e triste da solidão,

o desespero agudo de não ter mais a mão

amada dele a dar-me carinho e aquecer-me o coração.

Amanhã, só Deus sabe o que pode haver

em tanta dor e angústia sem ele, ter que sofrer

e só na lembrança de um passado permanecer

e buscar nas lágrimas a recordação pra poder viver!

- Filha, tome o seu chá! Precisa, Dana!

- Ahn? - Dana parece somente agora perceber a presença de sua mãe, cuidadosa.

- Vamos, deixe de pensar negativo! Tudo vai sair bem, você vai ver! Eu ainda quero dar um grande abraço no Fox e dizer: Fox, estou muito feliz por ver vocês se amarem, estarem juntos!

Dana sorrí, sem abrir os lábios e deixa-se afagar nos cabelos como quando era criança. O seu olhar para sua mãe é de ternura e agradecimento.

"Mãe - estrela brilhante

que a vida nos guia."

Casimiro de Abreu