2 – A virada do ano na Toca

- Do que você está com medo desta vez? É só uma porta. Francamente...

- É que você sempre me falou que a sua mãe dava bronca em vocês por qualquer coisa que ela não gostava. E se ela não gostar da mim?

- Nesse caso, paciência. O que realmente importa é que eu gosto de você. E ela não tem motivos para não gostar de você, ela já te viu na Ordem. É só não dizer que nas horas de tédio você se transforma em um guaxinim ilegal que tudo vai ficar bem.

- E se eu deixar escapar...

A porta da Toca se abriu, mostrando uma mulher gorducha e pouco mais baixa que Cinthia, com cabelos quase tão ruivos quanto os de Jorge. Ela estava sorrindo, um sorriso de boas vindas que não deixou Cinthia mais aliviada.

- Faz quinze minutos que estamos esperando os dois entrarem. Você deve ser Cinthia. Entrem, entrem. – Ela disse dando um passo para trás para que os dois pudessem passar.

- Obrigada por me convidar para passar o ano novo na sua casa, Sra. Weasley.

- Oh, não foi nada. Desde que Gui me contou o que Jorge devia ter me contado eu pedi para ele convidar você para vir aqui, mas como você estava no Braszile...

- Brasil. – Corrigiu Cinthia sem querer parecer rude.

- Isso, no Brasil, então nunca tivemos uma oportunidade. Você devia ter me apresentado ela desde o começo, mocinho. – A Sra. Weasley disse para Jorge, que encolheu os ombros. – Não sei o que tem de errado com você e o Fred. Nunca contam nada para ninguém e querem se achar os adultos por serem independentes. Francamente...

- O Gui já chegou, né, mamãe? – Jorge perguntou, pensando em chutar a bunda do irmão por ter revelado aquilo na hora errada, proporcionando a Jorge longos interrogatórios por dias intermináveis.

- Já, já chegou. Ele está lá atrás com Carlinhos, Fred, Rony e Gina. Pedi que os dois viessem para casa nesse Natal. Ah, a Gina está entrando.

- Oi! Eu lembro de você lá na escola – a garota disse cumprimentando Cinthia. – Então você é a namorada do Jorge?

- Gina! Seja mais educada. – Repreendeu a Sra. Weasley.

- Tudo bem. – Cinthia falou rapidamente. - Eu não esperava que ele tivesse falado muita coisa sobre mim. Tenho um irmão que é igualzinho. Namorou uma garota por três meses e nós só ficamos sabendo há duas semanas atrás.

- Espero que não existam muitos como eles pelo planeta. Seria um desastre se eles se espalhassem!

Jorge não estava gostando muito do rumo da conversa, já que era para a família dele conhecer Cinthia, e não para eles ficarem falando sobre ele. Com uma rápida olhada Cinthia percebeu que ele não estava gostando e encerrou o assunto do seu jeito.

- Não acho que seja tão ruim assim, caso eles se espalhem, desde que sejam legais no resto do tempo.

- E que tenham alguém para agüentar eles. – Acrescentou Gina.

- Você não tem nada para fazer não? – Jorge disse lançando um olhar assassino para a irmãzinha.

- Já que você insiste... eu vou mostrar aquelas revistas que você e Fred ainda têm guardadas para Gui e Carlinhos. Eles vão adorar!

- Ah, não vai mesmo!

Gina correu escada acima, e os gritos de Jorge ainda eram audíveis perto do último andar da casa enquanto a perseguia.

- Vou ter que dar uma olhada no quarto deles mais tarde. – A Sra. Weasley murmurou para si mesma.

Cinthia percebeu que ela acabara de saber das revistas, e teria que avisar Jorge mais tarde. Para jogar as revistas fora, claro.

- Bom, vamos deixar as duas crianças brincando de pega-pega em paz. Sente-se. – Ela apontou o sofá.

Cinthia reparou só agora N/A. Emplumada: Para variar, né. N/A. Pelúcia: Shush! Não me interrompa! que a Toca era exatamente como Jorge a descrevera para ela: pequena, meio pobre, nada muito novo ou moderno. Mas para Cinthia ela parecia aconchegante, com coisas bruxas que ela não tinha em casa e que deixavam o ambiente bastante interessante. Eles não seriam considerados pobres no Brasil. Afinal, pobre por essas bandas nem casa tem! No máximo um puxadinho... Eles seriam considerados pessoas humildes e honestas, que pelo menos não sonegavam imposto para ter uma casa que não podiam. Como certas pessoas que eu conheço... não citarei nomes.

"O Jorge não dá muito valor ao que tem aqui" pensou ela enquanto se sentava no sofá ao lado de Molly. "Isso é um lar, é o que basta."

- Então, como você fez para chegar aqui? Não é muito perigoso aparatar a uma distância tão grande?

- Na verdade... eu ainda não tenho permissão para aparatar. – "Droga! Agora sim que ela vai me achar uma incompetente", Cinthia pensou desanimando. "Mas eu não vou mentir." – Quando eu fiz o teste pela primeira vez eu errei, e até agora eu não tenho tido tempo para fazê-lo de novo. Vou ficar mais um mês no Brasil para tentar outra vez.

- Não se preocupe com isso. Com certeza você irá melhor da próxima vez.

"HEIN?!" Cinthia pensou, demonstrando a surpresa sem querer com um olhar confuso.

- Gui também não foi muito bem no primeiro teste, mas foi quase perfeito da segunda vez. Se você não aparatou, como chegou aqui?

- Pó de Flu Transcontinental.

- Ah, sim, foi o mesmo que Fred e Jorge tiveram que usar para visitar você e os outros dois há mais de três anos. Eu quase me esqueci.

- Mas acho que teria sido melhor aparatar. Eu achei que havia me perdido quando saí da lareira, mas Jorge já estava lá me esperando. Não sei como eles agüentaram fazer essa viagem duas vezes.

- Eles estão acostumados desde pequenos a usar o Pó de Flu, acho que não tem nada parecido com isso nos meios de transporte trouxa, não é?

- Não, ainda não inventaram nada parecido. – Depois de uma pausa, Cinthia decidiu falar de um assunto que a estava incomodando um tiquinho menos que em conhecer a família de Jorge, mas que era mais urgente. - Sra. Weasley...

- Me chame de Molly.

- OK, Molly. Como estão as coisas na Ordem? Aconteceu alguma coisa enquanto eu estava fora? Você sabe que o Profeta não está falando muita coisa, praticamente nada, e eu achei melhor não perguntar nada por cartas.

Desde que acabaram Hogwarts, Fred e Jorge tiveram permissão para entrar para a Ordem da Fênix. Como Dumbledore precisava de mais pessoas de confiança para fazer parte do grupo, os dois indicaram Douglas, Aline e Cinthia, três dos seis brasileiros que estudaram em Hogwarts por motivos que ainda desconheciam em partes. Dumbledore ficou muito feliz em ouvir os nomes dos três, mas ao mesmo tempo havia ficado pensativo. Lupin garantira que Douglas era de confiança, assim como Vector aprovara Cinthia e McGonagall indicara Aline. A palavra dos cinco foi o suficiente para trazer os três para a Ordem, e a persistência deles também ajudou bastante.

Mas até agora eles não haviam recebido muitas ordens, além de não espalhar as informações obtidas para Deus e meio mundo e para tentarem convencer o máximo de pessoas a acreditarem na volta de Voldemort. Fred, Jorge e Douglas estavam ficando entediados, mas como Cinthia e Aline haviam retornado ao Brasil elas puderam fazer um "trabalhinho" extra. Dumbledore tinha certeza que Voldemort planejava algo maior que da última vez e que talvez ele tentasse alcançar outros países além da Inglaterra. As duas estavam vendo o quanto o retorno de Voldemort havia afetado o Brasil, pelo menos na região sul, sudeste e centro-oeste.

Mas a situação estava pior e melhor que na Inglaterra. Por um lado, ninguém sabia de nada, a volta do Lord não foi manchete de primeira capa, apenas um bruxo mau que havia reaparecido do outro lado do Oceano Atlântico e que poderia trazer problemas para um outro país, e não o Brasil. Mas como a história foi abafada por Fudge, nada mais apareceu nos jornais brasileiros, nem mesmo uma simples frase de que aquilo fora invenção de uma mente adolescente obsessiva por fama, que era como o Ministro queria que Harry Potter fosse interpretado. Isso fazia com que grande parte da comunidade bruxa ficasse cega para o perigo que se aproximava, e era exatamente o que Dumbledore não queria que acontecesse.

Cinthia e Aline fizeram o que podiam, mas apenas um bruxo se convenceu da história delas: Agustinho, um dos tios bruxos de Aline. O outro se recusou a acreditar nela, dizendo que ele não tinha nada a ver com os problemas ingleses e que aquilo não passava de ladainha. Aline quase teve um ataque, mas se conteve. Elas não sabiam nem se Luciana ou Jonathan acreditavam em Dumbledore ou não, ficando ainda mais difícil convencer pessoas do outro lado do oceano.

Por causa disso Cinthia e Aline foram só uma vez até a Base da Ordem da Fênix, e foi para receberem essas ordens, mal tendo tempo para conhecer os outros integrantes. No sétimo ano deles em Hogwarts, Fred e Jorge já haviam falado sobre a Ordem e que seus pais e irmãos mais velhos faziam parte dela, e por isso Cinthia havia perguntado por novidades a Sra. Weasley, já que não teve tempo de falar sobre isso com Jorge e no momento ele estava mais preocupado em salvar o próprio pescoço ainda correndo atrás de Gina. Eles haviam passado rapidamente pelas duas sentadas no sofá, e agora os gritos de Jorge eram audíveis no quintal.

- Bem, infelizmente não conseguimos descobrir muita coisa. – Falou a Sra. Weasley baixinho, como se as paredes pudessem escutá-las. – Sabe, Dumbledore está tentando achar um jeito de falar com alguém do Setor de Monitoramento Mágico para aperfeiçoa o sistema de rastreamento. Parece que depois que alguns bruxos saíram da Inglaterra o rastro deles desapareceu, como se não usassem mais magia, e isso o deixou bastante preocupado. Como pode um bruxo não usar magia durante cinco meses?

- Cinco meses, você disse?

- É. Estranho, não é? Simplesmente impossível!

- Hum... não tem como descobrir quem são? Quer dizer, foi através do Monitoramento que Dumbledore achou os seis brasileiros...

- Eu já sei dessa história, de como você e os outros tiveram que vir para cá. Foi uma das primeiras coisas que o Jorge me contou sobre você, e foi difícil de arrancar isso dele. Mas o que aconteceu foi que ele já estava esperando que seis crianças da América Latina possuíssem essa quantidade de magia e por isso foi fácil de localizar vocês.

- Já esperava?

Aquilo era mais informação do que Cinthia tivera em anos, e o simples fato de que a Sra. Weasley sabia tanto sobre ela era extremamente surpreendente. E estranho. Será que era algum assunto discutido na Ordem?

- É uma longa história. O que acontece é que ele já sabia seus nomes e onde vocês estavam, ao passo de que achar um bruxo desaparecido é muito mais complicado. Não que eles mesmos tenham desaparecido, mas os rastros de magia deles desapareceram. Não há como saber onde eles estão, e nem quem são.

- Há alguma chance de estarem mortos?

- Não. Pelo menos é o que Dumbledore acha. Eu não sei como funciona direito esse Monitoramento, mas Dumbledore acha que esse detalhe não pode ser deixado de lado. Bom, isso não é tarefa para vocês de qualquer jeito, muito menos para mim. O Arthur está no Ministério tentando passar algumas idéias de Dumbledore para os monitoradores, sabe, para melhorar o sistema, mas não está tendo muito resultado.

- Eu queria poder fazer alguma coisa.

- Mas não é nosso assunto. E nós não devíamos estar discutindo trabalho em casa, ainda mais tão perto do ano novo. O que me diz de irmos guardar as suas malas no quarto de Gina e depois irmos lá fora com os outros? Daqui a pouco eu tenho que preparar o jantar mesmo.

- Pode me chamar se precisar de ajuda.

- Não se incomode. – Ela se levantou e Cinthia a seguiu. – Eu preciso que alguém cuide das criancinhas lá fora.

Elas puderam ver Jorge, e agora Fred, ainda correndo atrás de Gina pela janela, e os três passaram pelos canteiros espantando alguns gnomos que não queriam ser pisoteados.

Os Weasley armaram as mesas do lado de fora para o jantar de ano novo e a Sra. Weasley fez os mais diversos pratos para a ocasião (até um que ela pensou ser brasileiro, mas na verdade era jamaicano). Quando o Sr. Weasley chegou foi logo bombardeando Cinthia de perguntas sobre eletrodomésticos trouxas, quais os carros mais correntes no Brasil ("Ah... o bom e velho fuça..." "É fusca, Sr. Weasley"), além de uma infinidade de coisas comuns para ela e ao mesmo tempo fascinantes para ele.

À meia-noite todos os que eram maior de idade soltaram faíscas coloridas da ponta das varinhas (deixando Rony e Gina chupando dedo), além de soltar também alguns dos fogos mais bizarros que Fred e Jorge já haviam produzido, tanto aéreos como terrestres. Também tinha uma versão aquática, mas não tinham onde usar. Teve um que continuou estourando até uma hora depois, diminuindo à medida que as faíscas acabavam. Chegou a ficar tão pequeno que Carlinhos só deu conta que estava atrás dele quando sentiu um cheirinho de roupa queimada, tendo que fazer uma visita à torneira mais próxima para evitar um bumbum chamuscado. Já não bastavam os dragões da Romênia...

Já eram quase duas horas quando Gina começou a bocejar e a Sra. Weasley decidiu que todos deveriam ir dormir, embora Fred e Jorge tivessem acabado de soltar mais alguns fogos de longa duração. Cinthia foi dormir no quarto de Gina em uma cama que eles trouxeram do andar de cima, mas antes de pegar no sono se lembrou de algo que era de extrema importância para Jorge. Pelo menos para o tempo que ainda ficaria na Toca.

- Ham... Gina, o que foi que você fez com as revistas? – Ela perguntou deitada na cama, ouvindo a garota se trocar no quarto escuro.

- Ah, isso. Escondi. – Ela disse simplesmente, se jogando na cama. – Mamãe já estava pensando em revistar o quarto dos dois. Eles têm falado muito com Mundungo, mais do que ela gostaria. Você sabe que ele não liga muito para os meios que consegue a mercadoria, enfim... Eu escutei acidentalmente uma conversa deles dizendo que precisavam se livrar delas. Como eles pareciam preocupados com isso eu resolvi dar uma olhada no que eles estavam escondendo. Vergonhoso! Mas eles não merecem levar tanta bronca por isso (pelo menos não tanta quanto eu sei que mamãe daria), então eu escondi aquilo pela segurança deles.

- Mas eles só souberam agora que você pegou as revistas?

- Nããão. Descobriram no mesmo dia. A princípio eles suspeitaram do Rony, mas ele não teria coragem de revistar o quarto dos dois, mesmo sendo monitor. Eu tive que salvá-lo de uma baita encrenca quando os gêmeos o encurralaram no sótão. Mas se tem uma coisa que Fred e Jorge me ensinaram foi à arte da chantagem, não importando quem é a "vítima".

Cinthia estava impressionada com a irmãzinha de Fred e Jorge. Sempre achou que ela fosse comportada, certinha, mas ela parecia ser quase igual aos gêmeos. "Deve ser a convivência", pensou, mas então se lembrou que ela mesma havia feito algo parecido.

- É, eu também aprendi essa com eles. Também foi bastante útil com as revistas a uns três anos.

- Como assim? – Gina perguntou bastante interessada, se virando e apoiando nos cotovelos para poder ver Cinthia na cama ao lado.

- Digamos que eu descobri como eles começaram a fazer dinheiro em Hogwarts e pedi parte do lucro em troca do meu silêncio.

- Lucro?

- Eles tinham muito mais dessas revistas e venderam tudo. Melhor, quase tudo. Eu deveria ter adivinhado que eles guardariam algumas.

- Eu esperava tudo deles, menos isso. – Disse Gina com um misto de surpresa e admiração na voz. - Acho que é uma boa idéia pedir parte do lucro.

- E aproveite para cobrar uma taxinha extra para dizer onde as escondeu, e mais um bônus por continuar escondendo.

Gina agora estava sentada de joelhos na cama, olhando para Cinthia com uma expressão bastante curiosa. E esta estava olhando para o teto calmamente, com as mãos atrás da cabeça como se ela estivesse dando uma dica de jardinagem.

- Esse é um conselho que eu nunca esperaria ouvir de uma das namoradas deles.

- Você já era irmã deles antes mesmo do Jorge me conhecer. Eu sei como é ser caçula e ter um irmão mais velho como eles. Não é chato, só tem que aprender a lidar com a criatura.

Um dos fogos de longuíssima duração de Fred e Jorge entrou faiscando pela janela do quarto, deixando algumas faíscas para trás, e as duas riram da conversa que acabaram de ter. Aquelas fagulhas iluminaram os rostos sorridentes de ambas, e Cinthia viu Gina deitando outra vez na cama. As faíscas duraram alguns minutos, e quando o quarto ficou escuro novamente Cinthia ouviu Gina virar na cama.

- Sabe, acho que mamãe deve ter gostado bastante de você. Se não gostou, vai gostar.

Cinthia não respondeu nada. Ficou apenas pensando e sorrindo antes de pegar no sono.

Ela foi uma das primeiras pessoas a acordar no dia seguinte. Por algum estranho motivo estava habituada a ter em média seis horas de sono. Talvez tivesse se acostumado a dormir pouco por causa das freqüentes insônias, mas pelo menos essa noite ela dormiu tranqüila.

Quando desceu até a cozinha viu que a Sra. Weasley e Carlinhos já estavam acordados, e desejou "Bom dia!" e "Feliz Ano Novo!" a eles. Não demorou muito para que Arthur também acordasse, e mais uma vez Cinthia foi bombardeada com perguntas sobre as coisas trouxas. ("Como é mesmo o nome... mitcondras?" "É microondas, Sr. Weasley." "Ah, sim, servem para fazer torradas, certo?" "Mais ou menos. Mas para isso é mais comum que se use as torradeiras.") Mas logo Molly perguntou como ele iria querer as torradas dele, com geléia ou à lá microondas, e o Sr. Weasley parou com as perguntas sobre eletrodomésticos.

Ao invés de responder perguntas, Cinthia fez algumas sobre os dragões que Carlinhos estudava na Romênia, o que rendeu boa parte da manhã. Como ele não tinha muitas pessoas com que conversar na reserva de dragões, geralmente eram só os outros tratadores, ele ficou bem contente em encontrar uma ouvinte que ainda não soubesse tanto quanto ele sobre dragões.

Os outros acordaram quase na hora do almoço, desejando também "Feliz Ano Novo!", à medida que entravam na cozinha. Gui foi o último a acordar, e o único que não precisou falar nada ao encontrar os outros. Fred e Jorge lhe pouparam o trabalho de abrir a boca escrevendo isso com enormes letras garrafais no rosto dele enquanto dormia. Quando finalmente conseguiram falar depois de uma série de ataques de risos eles disseram que era uma retribuição pelo favorzinho que ele fez ao contar aos outros que estavam namorando. Depois de uma rápida repreensão, a Sra. Weasley tentou tirar aquelas letras com um feitiço (o que deixou Gui um pouco constrangido por ela tratá-lo como uma criança), mas isso só fez com que as letras começassem a piscar em várias cores. Só depois de mais uma série de risos foi que Fred e Jorge concordaram em tirar aquele letreiro festivo da cara do irmão. Sob o olhar ameaçador da mãe, é claro.

O almoço de ano novo foi magnífico, com muitos pratos especiais para a ocasião. Dessa vez Jorge nem deu tempo para Cinthia oferecer ajuda a Sra. Weasley, distraindo-a com o mais novo invento para a loja: chicletes de bola que mudavam a cor do cabelo. Ele admitiu que haviam se inspirado naquela aurora maluca que fazia parte da Ordem para produzir aqueles chicletes, e que ela deveria se sentir honrada em servir de modelo para grandes gênios como eles.

- Espera só até Ninfadora ver esses chicletes. Aposto como ela vai ficar chocada ao ver outros jovens metamorfomagos pelas ruas. – Ela disse enquanto seu próprio cabelo mudava para um azul elétrico quando mascou um chiclete da mesma cor. Os cabelos de Fred e Jorge estavam agora metade vermelho, metade roxo e metade amarelo, metade fúscia, respectivamente, cada um mascando dois chicletes.

- Mas só vamos fazer chicletes de cores não-normais. – Fred disse depois de estourar uma bola. – Qual é a graça em ter cabelo castanho e mascar um desses para deixar loiro? Não é interessante.

- A mãe de vocês já sabe desse novo invento? – Perguntou ela enquanto via Gina entrar dentro da casa com os cabelos de um tom verde ácido, ainda um pouco ruivos nas pontas.

- Agora ela vai ficar sabendo. – Jorge falou já sabendo o que ouviria da casa. – Três... dois... um...

- MEU DEUS DO CÉU! GINA! O QUE ACONTECEU COM O SEU CABELO!?

Eles ouviram uma pausa, o que seria Gina respondendo. E então a voz da Sra. Weasley outra vez, um pouco mais baixa e menos surpresa que antes, e talvez um pouco zangada.

- Eu já falei para você não aceitar nada que eles inventem! Isso pode não voltar ao normal!

- Ela está sendo injusta! – Jorge disse. – Só oferecemos para os outros quando os produtos já são seguros.

- E os Chicletes Troca-Cor já foram testados muitas vezes até agora. – Fred acrescentou.

- Quantas exatamente?

Fred parou para fazer a conta e mostrou sete dedos no ar.

- Também demos um para o Rony, mas como ele pegou o laranja não dá para ver o resultado muito bem.

Cinthia fingiu que estava tendo um ataque de tosse para devolver o chiclete para o papel, mas instantaneamente o seu cabelo voltou a ficar loiro, a começar pelas pontas.

- Funciona! – Disseram os gêmeos, exultantes com o resultado positivo.

Depois de mostrarem para a mãe deles que os chicletes eram seguros e que já estavam na sua fase final foi que Fred e Jorge puderam ter um almoço sossegado.

Cinthia passou mais duas noites na Toca, partindo logo na manhã do quarto dia. Ela teve uma ótima impressão da família Weasley, mas a única coisa que achou estranho foi que em nenhum momento o nome de Percy fora mencionado nas conversas. Também saía com o sentimento de ter causado uma boa impressão, mesmo achando não ter sido tão boa quanto ela esperava.

Enquanto arrumava as malas no quarto vazio de Gina, Cinthia pensava em como seria bom ficar mais um tempo ali, só que a sua mãe também devia estar preocupada com ela. Por mais que Cinthia fosse maior de idade, sua mãe não disfarçava muito bem a vontade de ter ela sempre em casa, além de que ela era a primeira dos quatro irmãos a já estar procurando um lugar para morar por conta própria. Seu segundo irmão, o Ismael, também estava dando uma olhada em apartamentos na cidade deles, Curitiba, mas até agora não achou nada que encaixasse no salário dele. Entretanto, Cinthia queria alguma coisa na Inglaterra, por isso não podia se dar ao luxo de continuar na casa dos pais por muito tempo.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo som da porta se abrindo, e quando ela se virou, viu Jorge com a cara para dentro da fresta.

- Está ocupada?

- Não. Eu já estava terminando. – Respondeu jogando suas últimas tralhas de qualquer jeito para dentro da mala e fechando-a. – O que foi?

- Bom... você sabe que vai demorar um pouco para a loja ficar pronta, e que vai demorar mais de um mês para isso. Eu estava pensando... se você não queria ficar aqui enquanto não temos um lugar para ficar, já que você volta em um mês do Brasil. Já falei com mamãe e ela concordou.

Alguma coisa na voz dele parecia estranha, e Cinthia tentou decifrar a cara que ele fazia.

- Você já falou com ela mesmo? – Perguntou desconfiada.

- Como você adivinhou? Não importa, eu pergunto depois, mas não tem motivo para ela não deixar você passar uns dois meses aqui.

Cinthia não sabia direito no que pensar. Tudo bem ele querer ficar perto dela, tudo bem querer morar junto, mas eles tinham somente dezoito anos! Quase dezenove, é verdade, mas não fazia muita diferença. Como ela vinha de uma família tradicionalmente trouxa talvez estivesse ignorando algum ponto dos costumes bruxos, mas ela tinha certeza de qual dos costumes era melhor para ela.

- Jorge, pense bem no que você está me pedindo. Nós estamos namorando a pouco mais de dois anos e você já quer morar junto. Nós nem temos nossas carreiras formadas ainda. Nós mal temos carreiras.

- Eu já tenho certeza do que vou fazer, você também (eu acho), e sabemos que isso é garantido. Qual é o problema?

- Você está sendo apressado. Lembra do que aconteceu da última vez que você foi apressado demais?

- Mas agora é diferente. Eu já estou grandinho o suficiente para saber quando estou cometendo um erro.

- Não, não está. – Cinthia sorriu. – E você sabe muito bem disso. Além do mais, eu já procurei uma pensão em Hogsmeade que encaixa no meu futuro salário e reservei um quarto lá para quando eu voltar. Não teria sentido em ficar aqui e pagando lá ao mesmo tempo, não acha? – Antes que Jorge abrisse a boca para dizer um "mas", Cinthia acrescentou meio que o empurrando delicadamente para fora do quarto. – E eu ainda tenho que guardar umas coisas. – "Mentira!" - Antes que a chave do portal passe da hora programada. Te encontro lá em baixo em cinco minutos, ta?

Cinthia fechou a porta e se apoiou de costas nela, suspirando ao ouvir os passos dele descendo as escadas depois de alguns segundos em silêncio.

"Uma criança", ela pensou. "Ele ainda age como uma criança."

Em menos de cinco minutos Cinthia estava na sala com a mala, já que não achou nada para fazer no quarto. Todos os Weasley estavam lá para se despedir dela, e Molly a abraçou como fazia a sua mãe. Eles conversaram um pouco nos últimos dez minutos que lhe restavam, e um pouco antes das oito em ponto Cinthia se despediu de Jorge com um beijo carinhoso (e apaixonado) para mostrar que não havia ficado brava com a pressa dele como da outra vez. Ela pegou a chave de portal (uma lâmpada queimada) a cinco segundos das oito e viu Gina dar-lhe uma piscadela antes de sentir o eventual solavanco e a sensação de estar no meio de uma forte rajada de vento.

Vendo ela ir embora assim, como se ele não soubesse do que estava falando, Jorge teve que tomar providências imediatas.

- Pai, o Hanstrops é do Departamento de Transporte Mágico, não é? Você conhece bem ele, certo?

- É, conheço. Eu já fiz um favor ou dois para ele. Por quê?

- Já falo. Mãe, você ainda tem aquilo guardado, né?