8 – Sempre unidos contra os regulamentos
- Eu vou dar uma saída.
Fred olhou para ela surpreso e desconsertado, sem saber se Cinthia estava com os parafusos meio frouxos ou se tinha voltado para a Cinthilândia de vez. Ela guardou o pergaminho que tinha nas mãos dentro da maleta e levantou os olhos para ele, percebendo esse olhar esquisito.
- O quê?
- Por que você vai sair, exatamente?
- Ah, eu esqueci umas coisas no escritório e vou precisar delas durante a licença. – Cinthia disse, pensando que era uma boa desculpa para dar também aos colegas de trabalho.
- E não pode pegar depois? Aline vai ficar aqui, lembra?
- Eu não demoro nada. São só umas coisinhas. Avisa os outros por mim?
- Aviso, mas...
- Obrigada!
Cinthia aparatou outra vez para o escritório, sabendo que os outros já haviam voltado do almoço. Sentia-se mal por sair da loja assim, de repente, mas era preciso. Ela sabia o quão lentamente as coisas funcionavam no escritório e não queria dar falsas esperanças a Aline, muito menos deixar Douglas nas mãos dos Comensais.
Todos no escritório estranharam vê-la de volta, mas por sorte Farfield estava na sala dele e não viu ela voltando.
- Puxa, já se passaram dois dias? Eu nem notei! – Disse Wyatt sorrindo.
- Não, eu ainda não estou de volta definitivamente. – Cinthia disse. – Eu só esqueci algumas coisas na minha mesa e voltei para pegar.
Ela olhou para os papéis e penas que havia deixado em cima da mesa, mas não tinha nada ali que precisasse. Abriu as gavetas fingindo que procurava alguma coisa para disfarçar enquanto "puxava assunto".
- Então, já mandaram a mensagem para a SCE?
- Farfield mandou assim que você saiu. – Respondeu Lou. – E logo depois do almoço eles informaram qual era o auror que vai a tal loja de animais. É a Tonks, do Quinto Esquadrão.
- Sério? – Cinthia disse tentando parecer indiferente, mas aquilo realmente a animou. Conhecia Ninfadora Tonks, pois ela faz parte da Ordem da Fênix. Só havia encontrado a aurora poucas vezes, mas já foi o suficiente para ficar amiga dela. E dois dos seus casos já foram parar nas mãos dela, o que significava que Tonks já sabia que Cinthia trabalhava na DI e era de confiança, além de competente. – Eu não acredito que a SCE vai mandar alguém do Quinto Esquadrão para resgatar o Terceiro da SCI.
- Pois é. – Concordou Wyatt. – O Stottlemeyer, chefe da SCE, acha que são melhores que a SCI e por isso não deu muito crédito quando Farfield disse que o caso era importante.
- Parece que eles competem entre si, não é? – Comentou Emily. – Os chefes da SCE e da SCI, e até Farfield se mete no meio deles. Os três iam ganhar muito mais se não tentassem ser melhor que o outro.
- É, tem razão. – Cinthia concordou pegando qualquer coisa na última gaveta e jogando dentro da maleta. – Achei! Bom, agora eu vou ter que ir mesmo. É capaz do Farfield prolongar essa licença por um ano se me pegar aqui.
- Até daqui a uns dias. – Wyatt disse outra vez.
- Pode apostar nisso. – Ela falou aparatando.
Mas quando desaparatou, Cinthia não saiu do prédio do Ministério, muito menos mudou de andar. Ela foi para perto das mesas dos aurores, procurando por cima dos biombos uma cabeça que se destacasse no meio de tantas.
Não adiantaria procurar pelo cabelo verde-ácido chanel de Ninfadora, que era como ela estava da última vez em que se encontraram. Tonks era uma metamorfomaga, ou seja, nasceu com a habilidade de mudar sua aparência com um simples pensamento, algo que levava muitos anos de estudo para os bruxos normais. E, como curiosidade, ela odiava ser chamada pelo primeiro nome. Pudera!
Depois de procurar um pouco, ela avistou uma cabeça cheia de cachinhos azuis-marinhos na altura do ombro. Até que hoje Tonks estava discreta.
- Ei, Tonks! – Cinthia chamou se aproximando da mesa dela.
- Cinthia! Há quanto tempo! – Disse a aurora, baixando o tom de voz em seguida. – Você não tem aparecido na Ordem ultimamente.
- É, eu não posso mais fazer aquele trabalho para Dumbledore. – Cinthia respondeu no mesmo tom baixo.
- No Brasil, não era? Bom, quando ele precisar de ajuda ele chama. Eu mesma tenho feito pouca coisa. Quem mais se esfalfa na por lá depois do Dumbledore é o Snape, acredita?
- É, eu sei.
E sabia mesmo. Cinthia e os outros Ladinos haviam descoberto que o professor de poções costumava ser um Comensal da Morte antes de dar aulas em Hogwarts, e pelo jeito Dumbledore o usava como espião da Ordem da Fênix. Snape não parecia gostar muito de voltar para o meio dos Comensais, mas Cinthia nunca o vira reclamar.
- Eu soube que você vai encontrar um Comensal na loja de animais em Bristol, amanhã. – Cinthia disse num tom quase normal, mas voltou a falar quase num sussurro. – Me deixa ir no seu lugar?
- O quê?! – Perguntou Tonks ainda mais baixo. – Você está louca? Não é muito bom para saúde se atirar à frente de todo Comensal que aparece, sabia?
- Por favor! Você sabe que eu trabalho da Sala Fechada e que nós começamos acompanhando o caso.
- Com um código que você decifrou, como sempre.
- É. Eu realmente preciso continuar com esse caso.
- De jeito nenhum! Eu posso ficar em apuros se nos pegarem, e você devia ter pedido antes para o seu chefe.
- Mas ele me colocou em uma licença forçada, por isso eu estou pedindo pra você. Por favor, Ninfadora.
- Argh!
- Ops! Desculpa, Tonks. E então?
Tonks olhou bem para Cinthia, tentando entender porque de repente ela estava dando uma de suicida e se lembrou dos aurores que foram capturados.
- Douglas era um dos três capturados, não é? Eu sinto muito.
- Você devia ver como Aline ficou.
- Eu imagino. – Tonks percebeu o quanto àquilo era importante para Cinthia, e depois de uma pausa acrescentou: - Olha, você sabe que é perigoso dar de cara com um Comensal sem ser treinada em combate, certo?
- Sei.
- E sabe também que depois que conseguir a informação você vai ter que capturar esse Comensal. Não podemos simplesmente deixa-lo à solta.
- Óbvio, né!... Você vai deixar eu ir?!
- Vou, mas só se você prometer voltar viva.
- Eu prometo! Ninfadora, muito obrigada.
- Falta um tanto assim pra eu mudar de idéia. – Ela disse com uma cara feia, mostrando os dedos indicador e polegar bem juntinhos.
- Ops, Tonks. – Cinthia se corrigiu.
Já ia sair quando a aurora a chamou de volta.
- Ei! Boa sorte. Nunca é exagero se dizer isso antes de uma missão.
- Obrigada!
Cinthia aparatou de volta para a loja, se sentindo muito mais leve que antes. Sabia que não ia fazer um trabalho muito melhor que Tonks, mas o simples fato de estar acompanhando o caso diretamente a fazia se sentir menos culpada. E ela precisava disso para não sentir remorso toda vez que olhava para Aline.
Mas a loja não estava vazia como esperava. Pelo visto Fred e Jorge haviam aberto as portas, e Cinthia acabou desaparatando no meio de um grupo de crianças entre oito e dez anos. A cabeça de Fred apareceu atrás do balcão e a cumprimentou, mas logo voltou sua atenção para uma das crianças que não parava de apertar a campainha em cima do balcão.
Cinthia entrou na cozinha e viu Aline, ainda sentada à mesa, escrevendo um rápido bilhete em um pergaminho, aparentemente mais calma. Jorge estava preparando mais chá para ela. Aline só levantou o rosto para a amiga quando terminou de escrever, e Cinthia percebeu que seus olhos estavam marejados.
- Vocês têm uma coruja para me emprestar? Não estou com muita vontade de ir voando eu mesma para entregar o bilhete no meu curso.
Aline se forçou a dar um sorriso, mas que não durou muito tempo. Cinthia tentou sorrir também do comentário que a amiga fez sobre sua forma como animaga, pegando o pergaminho da mesa.
- Pode deixar, Emplumada. Assim que eu subir vou amarrar isso na pata do Porthos. – Ela disse, se referindo à coruja que os gêmeos compraram para a loja. Cinthia que deu o nome à coruja antes que os gêmeos o fizessem, e depois disso o animal não atendeu por nenhum outro chamado.
- O que você foi buscar? – Perguntou Jorge se virando para ela, com um tom de que nada era assim tão importante para ela sair tão de repente.
- Ah, uns papéis e... hã... - Cinthia abriu a maleta e tirou de dentro o que havia pegado do escritório. – Uma pêra...?
- É, isso podia estragar com o tempo. – Ele disse sem nenhuma emoção na voz. – Bom, acho melhor ajudar o Fred, chegou um grupo grande na loja.
- Eu vi. – Cinthia murmurou distraída.
- Pode deixar que eu deixo o bilhete com Porthos.
Cinthia entregou o bilhete de Aline e acompanhou Jorge saindo da cozinha. Deixou-se cair em uma cadeira de frente para Aline, evitando olhar para ela. Sabia que Jorge também estava preocupado com Douglas, e o seu jeito de esquecer ou ignorar a preocupação era se manter ocupado, de preferência se distraindo com coisas engraçadas como os logros e a loja. Assim ele se sentia melhor, e Cinthia deixava que ele escapasse da realidade.
- Você ouviu algo sobre Douglas enquanto esteve no Ministério?
A pergunta de Aline pegou Cinthia de surpresa, interrompendo seus pensamentos abruptamente.
- Eu... - Ela quase disse que conseguiu trocar de lugar com Tonks na missão de amanhã, mas isso não faria o menor sentido para Aline, além de que exigiria algumas explicações sobre o seu trabalho, e Cinthia conseguiu emendar com uma mentira. – ...Não ouvi nada de diferente sobre ele.
- Oh! – Aline olhou desapontada para a chaleira vazia, e Cinthia teve a impressão de que seus olhos não iam conter as lágrimas por muito mais tempo.
No segundo seguinte, a chaleira que Jorge pôs no fogo começou a apitar, e Cinthia se levantou. Ela serviu chá na xícara de Aline e foi surpreendida por outra pergunta a meio caminho da sua cadeira.
- Como eu vou saber se eles estão perto de encontra-lo? – Aline parecia mais ter perguntado para si mesma do que para Cinthia, mas continuou falando. – Os aurores não deviam avisar o que estão fazendo para que as famílias das pessoas seqüestradas fiquem menos preocupadas?
- Hum, não. Não acho que eles façam isso.
Ela sabia muito bem que as famílias só eram avisadas dos passos dos aurores se fossem necessárias para resgatar a pessoa, o que não era o caso de Douglas. E agora ela percebia que esse sistema estava errado, já que a família do seqüestrado ficava agonizando com a falta de informação. Se ela, que já sabia mais sobre o que estava acontecendo do que Aline, Fred e Jorge, estava nervosa, os outros deveriam estar dez vezes mais.
- Mas deviam! – Aline disse, e algumas lágrimas escaparam de seus olhos enquanto falava. – Suponho que eles não falem nada para as famílias nem quando é um caso perdido. Eles devem simplesmente dizer que estão fazendo tudo o que podem quando na verdade acabam arquivando o caso.
- Aline, acalme-se! – Cinthia sabia que eles contavam imediatamente às famílias quando arquivavam os casos. E de qualquer maneira, ela estava cuidando do caso, e sabia o que estava acontecendo. – Eu tenho certeza que eles vão te avisar caso aconteça qualquer coisa, boa ou ruim. Douglas desapareceu ontem à noite, e eles não vão desistir assim tão fácil de três dos melhores aurores que eles têm.
Aline piscou algumas vezes e mais lágrimas rolaram por seu rosto. Nunca havia ficado tão desesperada na vida, e definitivamente não gostava disso.
- Eu sei... eu sei. – Murmurou, secando os olhos com as costas da mão. – É só que dessa vez eu não queria que ele tivesse ido, desde o começo eu não estava gostando da missão. E agora que algo ruim realmente aconteceu, eu não sei o que fazer. Eu queria saber, não, fazer alguma coisa para encontra-lo. Não suporto a idéia de ser inútil quando o homem que eu amo está em risco de vida em algum lugar, cercado de Comensais da Morte, sabe-se lá em que condições.
Por mais que Aline enxugasse as lágrimas, mais escorriam de seus olhos à medida que soltava as palavras que estavam entaladas em sua garganta, até que desistiu de contê-las e levou a xícara aos lábios.
Aline odiava chorar na frente dos outros, por isso todos achavam que ela era durona, mas o que ela sentia estava queimando por dentro e não sabia se ia agüentar mais um dia sem ter notícias de Douglas. Por sorte tinha Cinthia ali, a única em quem confiava o suficiente para mostrar que por dentro era tão mole quanto um kiwi. Só agora ela pouco se importava que outros a vissem daquele jeito, apenas querendo colocar para fora o que sentia.
Aquilo era uma cena extremamente dolorosa para Cinthia, porque ela entendia o quanto Aline devia estar sofrendo para falar tão abertamente do que sentia. Tinha que fazer alguma coisa para animar a amiga, mas se contasse sobre o que iria acontecer amanhã em uma certa loja de animais em Bristol, ela teria que revelar qual era o seu trabalho.
"Ah! Dane-se o meu emprego" Pensou. "Não vou deixar a minha melhor amiga nesse estado."
- Olha, Aline, amanhã já vamos saber onde os Comensais estão mantendo o Douglas e os outros aurores presos. Eu mesma vou descobrir isso, por isso você não precisa se preocupar tanto, OK?
- Como... como assim? – Aline abaixou a xícara já pela metade, sem conseguir evitar uma fungada.
- Hoje eu não fui no escritório para pegar o que eu tinha esquecido, mas sim para ver se eu podia fazer alguma coisa.
- Como assim?!
Cinthia percebeu que ia precisar dar explicações mais completas que aquela. Com um suspiro, ela começou a explicar, mas evitando olhar para o rosto de Aline por muito tempo. Percebeu que a loja ainda estava bastante barulhenta, não correndo o risco de ser escutada por Fred ou Jorge, podendo assim explicar tudo desde o começo.
- Olha, eu nunca falei antes do meu emprego para você e os outros porque é mais seguro que o menor número de pessoas saiba. Douglas já deve ter comentado com você sobre a Divisão da Inteligência, mas poucos aurores sabem quem são as pessoas que trabalham lá. Por isso também somos conhecidos como a Sala Fechada. Nós lidamos com todas as informações que os aurores conseguem, e somos nós que juntamos as peças quando os casos são muito complicados.
- Quer dizer que você sabia da missão dele, desde o começo e todos os pontos? – Aline quase engasgou ao dizer aquilo, e Cinthia não desviou o olhar ao responder.
- Fui eu quem decifrou a mensagem em código que o levou lá.
- Caracoles! Então é isso o que você faz?
Cinthia se virou para trás assustada, e Aline olhou por cima do seu ombro surpresa. Nenhuma das duas havia ouvido a porta da cozinha abrir, mas para o alívio (parcial) de Cinthia era apenas Fred, e sua expressão era de total espanto.
- Ai, não. Fred, eu explico melhor mais tarde, mas, por favor, não conte ao Jorge, está bem?
- Tarde demais. Eu já ouvi. – Jorge disse logo atrás de Fred, abrindo um pouco mais a porta. Agora não havia nenhum som vindo da loja, já que os clientes haviam saído, e Fred e Jorge ouviram apenas parte do que Cinthia dissera.
- Ai, não – Ela repetiu se levantando.
Toda a cozinha parecia ter congelado no tempo. Fred e Jorge ainda estavam parados à porta, Cinthia não conseguia dar nem um passo, e até os soluços de Aline haviam silenciado.
- Por que você não queria que eu soubesse? – Jorge perguntou antes que Cinthia tivesse chance de falar qualquer coisa, mas nada inteligente lhe ocorrera até então. Ela teria que colocar finalmente em palavras o que sentia desde que aceitara o cargo na DI, desde que saíra de Hogwarts há quase dois anos.
- Eu não queria que você ficasse preocupado comigo. No começo você ainda tinha a construção da loja para pensar, e eu não queria te dar mais preocupações à toa.
- Espera. Vamos começar isso desde o começo. Você trabalha na...
- Divisão da Inteligência, no Setor dos Aurores. – Ela completou com um suspiro, sabendo que agora tinha que dar todos os detalhes.
- E o seu trabalho é...
- Basicamente, eu sou uma detetive de escritório, e o que eu mais faço é decifrar mensagens em código. Foi a professora Hannah que me falou sobre o trabalho no nosso último ano em Hogwarts, e foi quem me indicou para o cargo. Depois que ela deixou a vaga aberta para dar aulas de Aritmancia, a DI não conseguiu encontrar nenhum bom decifrador.
- A professora Vector foi uma detetive antes de dar aulas em Hogwarts? – Fred perguntou bastante surpreso.
- É. Eu também não acreditei no começo, mas aí ela me disse que volta e meia ela recebia corujas pedindo para que voltasse, especialmente depois do nosso sexto ano. E foi graças à indicação dela que eu consegui o emprego. Até entendo porque ela não queria voltar na idade dela. Todas as informações que os aurores conseguem vão parar na DI, e é nosso trabalho saber tudo o que está acontecendo. É bem mais calmo dar aulas do que lidar com a idéia de que você pode ser uma rica fonte de informações para o Comensal que quiser saber dos passos dos aurores.
- Mas vocês não têm nenhum tipo de treinamento para se proteger ou coisa parecida? – Perguntou Aline, agora preocupada com o que Cinthia fazia.
Cinthia reparou que Jorge estava falando muito pouco apesar de parecer parte chocado, parte alarmado e parte incrédulo, mas resolveu ignorar esses detalhes.
- Normalmente tem que se fazer um curso de um ano de combate básico e dos procedimentos das investigações para os investigadores de campo, mas tudo isso dá para aprender enquanto eu trabalho lá. E eles só precisavam de um bom decifrador no momento, e vocês se lembram das notas que eu tirei em Aritmancia, né?
Cinthia quase sorriu ao ver os outros concordarem com a cabeça e ouvir Aline dizer algo como "foram perfeitas, melhores que as minhas".
- Isso foi o bastante para eles me contratarem o mais cedo possível, e só o que eu precisei fazer para ser finalmente aceita foi um curso de seis meses de Oclumência, que era o tempo mínimo requisitado. Depois disso, a indicação da professora Vector foi o suficiente. Acho que eles estão mais preocupados com a segurança das informações do que com a das pessoas que trabalham lá.
- Quando foi que você arranjou tempo para fazer Oclumência? – Aline perguntou.
- Foi logo nos primeiros seis meses que eu passei lá no Brasil. – Cinthia respondeu com um sorriso. – A professora Hannah me disse desde o começo o que eu precisava para entrar na DI, e eu procurei me esforçar. Foi até uma sorte para mim, já que os maiores mestres na arte da Oclumência se encontram na América Latina, e eu tive aulas com um brasileiro.
- Mas o que é Oclumência, afinal? – Perguntou Fred.
Cinthia devia ter adivinhado que Aline ia conhecer o assunto por sempre estar lendo algo informativo e devia fazer parte do curso de auror, mas Fred e Jorge não faziam a menor idéia do que era Oclumência. A própria Cinthia só soube o que era quando a professora Vector explicou a ela.
- É um método de fechar a mente para que outras pessoas não possam invadir os pensamentos. Seria extremamente desastroso para a DI e todos os aurores se algum bruxo das trevas conseguisse extrair 10 de tudo que eu sei sobre as missões dos aurores. Por isso Oclumência foi algo que eu precisava fazer para conseguir o emprego.
- Mas por quê? Por que você foi ser justo uma detetive? – Aline perguntou perplexa.
- É a única coisa que eu queria fazer desde o sexto ano. Depois que aquele falso Olho-Tonto Moody nos deu aulas de Defesa contra as Artes das Trevas, eu realmente me empenhei em fazer alguma coisa que fosse importante, e juntei ao que eu sabia fazer melhor.
- Mas você era tão...
- Distraída? – Cinthia terminou a frase para Fred, sabendo que ele ia usar uma palavra menos delicada. – Nem tanto. Eu reparava em muita coisa, mas ficava quieta. Claro, certas coisas eu não percebia mesmo, mas foi só na metade do sexto ano que eu passei a ser mais observadora.
- Deixa eu ver se entendi. – Jorge disse finalmente, e Cinthia mordeu o lábio inferior já imaginando o que ele iria dizer. Jorge foi contando nos dedos enquanto falava: - Você sabe de tudo o que acontece com os aurores, corre o risco de ser interrogada até murchar o cérebro caso algum bruxo das trevas descubra que você sabe um bocado sobre os aurores, e ainda acha que eu ia estar me preocupando a toa com você?
Cinthia abriu a boca para falar, mas fechou-a ao perceber que "a toa" não era o melhor termo que ela podia ter usado. Ela pensou por alguns segundos, percebendo que não queria que os outros se preocupassem porque assim pareceria que ela não sabia cuidar de si mesma, algo que tentava provar para sua família desde pequena.
Mas não era apenas esse o motivo de ter escondido aquilo de Jorge e seus amigos por tanto tempo, ou pelo menos era nisso que ela queria acreditar.
- Não é só isso. Eu não queria colocar vocês em perigo também. Se chegasse aos ouvidos de algum Comensal que um de vocês conhecia alguém que trabalhasse na Sala Fechada, vocês podiam ser usados para, sei lá, me chantagear ou qualquer coisa assim.
Cinthia não pensava direito no que dizia e sabia que estava soando idiota, mas foi a única coisa em que ela conseguiu pensar para responder a Jorge.
- Se for por isso. – Começou Aline. – Não ia fazer muita diferença para mim. Eu já corro o mesmo risco por ter me casado com um auror.
- Eu sei, eu devia ter contado a vocês. Mas eu não queria...
- Que nos preocupássemos com você. – Jorge completou, dando alguns passos na direção dela. – Você já disse isso. Mas como você quer que eu não me preocupe com você quando você mesma diz que está fazendo algo tão perigoso? Você sabe que eu me preocupo mais quando você esconde essas coisas de mim do que quando você diz que fez algo perigoso. Você não precisa passar por isso sozinha, eu estou aqui justamente pra fazer você se sentir melhor, não importa o que você faz da sua vida. Se você quiser pular de uma vassoura sem pára-quedas, por mim tudo bem, desde que me avise antes, assim eu posso conjurar um colchão antes que você se esborrache no chão.
- Ah, Jorge! – Cinthia o abraçou o mais forte que pôde, percebendo que havia sido uma boba de não ter contado antes para ele se o que iria receber em troca era simples e puro apoio. – Eu devia ter contado antes. Achei que você ia achar muito perigoso e eu ia sempre ver em você aquele olhar preocupado antes de ir trabalhar, até que algum dia você ia finalmente pedir para que eu fosse trabalhar em outra coisa. Eu achei que você não ia gostar. – Disse rapidamente.
- Bom, eu certamente não gosto da idéia de ter você arriscando sua vida diariamente, mas no momento eu estou mais preocupado em respirar, sabe.
Cinthia folgou um pouco o abraço, sorrindo ao ver ele inspirar algumas vezes com dificuldade. Sabia que ele estava fingindo estar sufocado, mas era o jeito dele de dizer que estava tudo bem. Se havia espaço para piadas, então o problema nunca era tão sério quanto ela pensava.
- Agora você só tem que explicar mais uma coisinha. – Aline disse, aparentemente mais calma com a idéia de que alguém que ela conhecia estava realmente fazendo alguma coisa para resgatar Douglas. – Como é que você pretende descobrir onde está Douglas? Pelo que você nos contou, isso é trabalho dos aurores.
Fred e Jorge ficaram particularmente confusos e surpresos com isso, já que até onde sabiam, Cinthia estava de licença forçada, o que significava que ela não estava trabalhando e aquilo simplesmente não fazia sentido.
- E você não estava de licença? – Fred disse.
- Ééé. Na verdade, eu discuti com o meu chefe justamente porque queria que alguém da DI continuasse as investigações, e acho que eu não devia ter insistido muito. Bom, eu não vou simplesmente ficar sentada em casa. Consegui convencer a aurora a trocar de lugar comigo na missão de amanhã.
- E o que exatamente você vai fazer? – Perguntou Aline.
- Bom, não é nada de mais, sabe. – Cinthia falou, tentando fazer com que os outros não a achassem maluca por fazer aquilo. – Só vou ter que encontrar um Comensal, conseguir a informação de onde estão mantendo os três aurores prisioneiros e capturar o contato. Ele vai dar a informação de graça se achar que também sou outra Comensal, mas a única parte complicada vai ser captura-lo.
- E só isso é complicado? – Jorge disse, não querendo acreditar no que ouvia. – Quem, em sã consciência, teria trocado de lugar com você sabendo da sua licença e que você não é uma aurora, e que não sabe bulhufas de como combater Comensais?
- Vocês se lembram da Tonks, lá da Ordem? – Cinthia disse, torcendo as mãos.
- Ah, só podia ser ela! – Fred disse. Sempre achou a aurora muito legal das vezes em que se encontraram na Ordem da Fênix, mas também a achava "fora do comum". E olha que pra ele achar isso, a pessoa tem que ser muuuuito estranha mesmo.
- Olhem, eu não vou ficar sentada enquanto posso fazer alguma coisa para consertar o que eu fiz. – Cinthia disse, ficando séria. Estava tão determinada desde o começo a fazer aquilo e não ia deixar que nada a impedisse de seguir em frente, mesmo que não estivesse pensando com clareza. – Eu decifrei a mensagem que dizia que ia ter só meia dúzia de Comensais lá no antigo correio, o que levou Douglas para uma emboscada. Se o capturaram é porque precisam dele vivo, e eu não vou deixar que os Comensais consigam o que querem por causa de uma licença boba como essa. – Ela olhou para Aline, abrandando o tom de voz e sorrindo de leve: - Eu não juntei vocês dois pra vê-los separados tão cedo.
- Então eu vou com você! – Aline disse se levantando, apesar da sua voz parecer levemente rouca. – E não diga que não vou porque pode ser perigoso e tudo o mais, eu não vou deixar você ir sozinha. Além do mais, eu posso ser útil se você se machucar. Estou fazendo o curso de medicina mágica, lembra?
E pelo jeito que falava, Cinthia nem precisou que ela falasse duas vezes, sabendo que seria mesmo difícil de impedir que a amiga fosse junto. Aline não suportaria esperar que Cinthia voltasse com a informação, e iria até disfarçada como coruja se fosse impedida de ir.
- Você tem mais direito de ir do que eu. – Cinthia disse, com um meio sorriso, sabendo que Aline estaria se pondo em um perigo desnecessário.
- Não pense que eu vou deixar vocês irem sozinhas. – Jorge abraçou Cinthia de lado, e ela o olhou surpresa. – É, eu vou junto. Alguém vai ter que capturar o Comensal, e eu não quero que a minha garota se machuque.
- Jorge! – Cinthia disse em um tom meio indignado, meio embaraçado, mas ele ignorou isso e lhe deu um beijo exagerado na bochecha.
- E não pensem que vocês vão me deixar pra trás. – Fred disse. – Vocês precisam de alguém com inteligência se quiserem sair vivos disso.
- Parece que eu não tenho escolha. – Cinthia deu um suspiro, mas sorriu. Com eles por perto ia se sentir muito mais segura, como das vezes em que planejavam alguma coisa para "contornar" algumas regras da escola e corriam tanto o risco de serem descobertos quanto de dar alguma coisa errada na brincadeira. Agora ia ser um pouquinho mais perigoso, mas nenhum deles estava com medo.
N/A: "Êêêêêê!!! Vamos todos nos jogar de uma ponte, é muito mais prático!" Não, eles não são suicidas, só estão se deixando levar um pouquinho pelas emoções. Lembram quando um amigo ficava em apuros, e você tinha oito anos, e enfrentar o valentão que era duas vezes o seu tamanho não parecia uma idéia tão idiota assim? Então, é mais ou menos isso o que esses quatro estão pensando...
