9 – Face revelada
O dia seguinte amanheceu ensolarado, mas perto da hora do almoço o céu se tornou um cinzento pálido, refletindo melhor o que Cinthia, Fred, Jorge e Aline estavam sentindo. Não ia ser nada divertido o que iriam fazer, mas iam apesar do medo que sentiam. Durante a manhã, Cinthia explicou todos os pontos sobre a missão de Douglas e o que eles teriam que fazer à tarde, mas ainda precisava "checar o terreno" antes de irem para a loja de animais.
Lá por umas duas e meia, Fred e Jorge fecharam a loja, sendo que Cinthia e Aline já estavam lá desde cedo. Não adiantava ficar lembrando a cada minuto que iam, de livre e espontânea vontade, esbarrar num Comensal da Morte, então se ocupavam falando de qualquer outro assunto. Até conseguiram dar algumas risadas quando Fred colocou um dos Chapéus Sem Cabeça e assustou alguns dos clientes. Todos os que não saíram correndo da loja compraram seus próprios exemplares, e uma leva deles saiu na rua com as cabeças invisíveis.
Eles se juntaram à Cinthia e Aline na cozinha, enquanto Cinthia olhava atenta para alguns mapas e pergaminhos espalhados por toda a mesa. Um dos mapas parecia ser em 3D, já que os prédios e casas se levantavam do papel quando Cinthia tocava alguma rua com a varinha.
- Olhem! – Cinthia puxou o mapa 3D para a ponta da mesa para que os três pudessem vê-lo melhor. – É aqui que vamos aparatar. – Ela indicou a esquina de uma rua estreita, e algumas casas de aspecto mal-cuidado se levantaram transparentes do pergaminho, aumentando de tamanho até aparecer apenas algumas quadras por todo o mapa. – Damos a volta na esquina e ficamos vigiando a loja de animais de longe, para não atrair suspeitas. É um bairro trouxa, por isso precisamos ter cuidado para que ninguém nos veja usando magia. Suponho que o Comensal vá ficar umas duas horas esperando os outros para passar a informação, então vamos ficar vigiando para ter certeza de que todos os outros Comensais já passaram por lá. Não é bom que eles descubram que estamos atrás deles, isso pode fazer com que fiquem alertas, dificultando o trabalho dos aurores.
- Não podemos simplesmente capturar o Comensal que estiver dentro da loja? – Perguntou Fred. – Assim os aurores poderiam ficar um passo à frente dos Comensais que não receberam a mensagem.
- Ia parecer muito suspeito, e eles iam acabar mudando os planos antes que os aurores conseguissem achar Douglas e os outros. Eles têm que acreditar que não estão sendo observados, assim abaixam a guarda. Bom, aqui é a loja. – Ela continuou e apontou para uma construção no meio da quadra do outro lado da rua, de apenas um andar e um pouco mais cuidada que as casas em volta, sem nenhuma janela na parte da frente para que os trouxas não vissem os animais. – Calculo que uns vinte Comensais da Morte entrem a partir das três horas, por isso é bom fingirmos que não estamos vigiando a loja. Podemos ficar nas mesas do lado de fora dessa lanchonete na esquina mesmo, comprar algum jornal trouxa ou qualquer coisa assim. – A lanchonete não parecia um lugar muito agradável, e mesmo no mapa o lugar aparentava ser sujo e mal cuidado. Até algumas das cadeiras de metal de cinco milímetros pareciam enferrujadas. – Depois de entrarmos, deixem que eu falo com o Comensal, já sei como lidar com eles na teoria, e vou estar levando um gravador dentro da roupa, por isso tenho que ficar mais perto.
Jorge cruzou os braços e ficou olhando para o mapa, mas umas duas vezes seus olhos se desviaram para Cinthia. Apesar de tudo parecer certo e o mais seguro possível, ele ainda estava preocupado com o que poderia acontecer de errado.
- Muito bem, diga logo o que está te incomodando. – Cinthia disse também cruzando os braços e olhando para ele pacientemente.
- Eu ainda acho que você devia deixar Tonks ir – Ele disse, sustentando o olhar dela. – Ainda dá tempo de você trocar de lugar com ela.
- Nós já falamos sobre isso ontem à noite. Não vai ser tão perigoso porque estamos em quatro, e mesmo que nenhum de nós saiba duelar muito bem, não vai ser difícil capturar apenas um Comensal.
- O problema é que pode ter mais de um.
- É para isso que vamos ficar vigiando do lado de fora. Sinceramente Jorge, não adianta falar nisso outra vez. Nós vamos e ponto final. Já combinei até com Tonks onde vamos nos encontrar com o Comensal, e eu não pretendo mudar o plano.
- OK, eu desisto. – Ele disse descruzando os braços. – Mas não espere que eu finja que estou gostando de ficar nessa lanchonete. Não quero nem saber como é a comida desse lugar.
Cinthia deu um sorriso leve e passou a guardar os mapas e pergaminhos, mostrando uma última vez o quão longe Bristol ficava de Londres para que todos aparatassem no lugar certo.
Dez para as três eles aparataram, deram a volta na esquina e se sentaram nas mesinhas de metal da lanchonete, Fresh Flavor, e Aline limpou alguns farelos da cadeira antes de se sentar. Cinthia se sentou de frente para a loja de animais e definitivamente aquele lugar repelia os trouxas. Não tinha nenhum atrativo especial além de um letreiro acima da porta com o nome, Hooteford House, em letras de madeira entalhada em um arco. A maioria das pessoas devia simplesmente passar por ali sem olhar, a menos que quisesse mesmo entrar ali.
Mas ela não podia ficar encarando a loja o tempo todo. Olhou em volta e achou uma caixinha de jornal, colocando uma moeda trouxa e tirando o jornal de dentro. Quando voltou para a mesa, uma mulher de meia idade e meio robusta veio atende-los.
- Boa tarde! Vão querer o quê?
- Só uma xícara de café. – Cinthia disse com um sorriso para a mulher, se virando em seguida para os outros. – E vocês? Nada? Só o café então, sem açúcar.
- Saindo em um minuto.
Assim que a mulher entrou na lanchonete novamente, Cinthia percebeu que os outros a estavam olhando estranho.
- Você não vai tomar café de um lugar como este, vai? – Perguntou Aline, sentada à sua frente, com um leve tom de nojo na voz. – Olhe só, todo esse movimento deve comprovar que o lugar é ruim – Ela fez um gesto abrangendo todas as mesas vazias, do lado de dentro e do lado de fora da lanchonete.
- Temos que fingir que somos trouxas fazendo algo acima de suspeitas. – Cinthia falou simplesmente. – E a mulher ia ficar ofendida se ocupássemos uma mesa da lanchonete dela e não comêssemos nada, e pode até pedir que nos retiremos. Não se preocupem, eu tenho dinheiro trouxa pra pagar o café.
- Ela vai ficar igualmente ofendida se você não tomar o café. – Aline disse com um tom de quem não estava se importando nem um pouco com os sentimentos de alguém que nunca mais ia ver na vida. Havia feito aquela pergunta só para ver se Cinthia também tinha uma resposta para aquilo.
- Se você não reparou, eu estou sentada bem ao lado de um vaso de planta. Quando sairmos eu simplesmente jogo o café ali, com certeza a Hortência não vai se importar. Agora ajam normalmente, vamos ficar mais de uma hora sentados.
Aline soltou um suspiro alto e cruzou os braços. Definitivamente o que ela menos gostava era de ficar esperando sem fazer nada, mas já estava fazendo mais do que se ficasse só em casa contando os tijolos das paredes, o que a consolava um pouco.
A mulher robusta saiu de dentro da lanchonete e trouxe uma xícara em um pires, colocando um bule prateado com café e outro menor com leite na frente de Cinthia.
- Se precisarem de mais alguma coisa, é só chamar. – Ela disse.
- Sim, pode deixar. – Respondeu Cinthia com o mesmo sorriso atencioso de antes, e a mulher se retirou.
Aline soltou um resmungo de impaciência, mas Cinthia ignorou isso. A xícara até que estava bem limpa em comparação com o resto da lanchonete, mas mesmo assim ela não arriscaria tomar o café, mesmo sentindo vontade. Cinthia correu os olhos pela primeira página do jornal, verificando rapidamente as notícias e abrindo na página seguinte calmamente.
- Você vai ler mesmo isso? É inútil! – Fred disse.
- Eu gosto de me manter informada do que acontece no mundo dos trouxas. – Cinthia disse, virando a página. Sempre evitava ler notícias muito desastrosas, apenas lendo os títulos dessas ou quando eram realmente importantes. – Além do mais, a próxima hora vai ser lenta, por isso é bom conversar sobre qualquer coisa comum.
- Como se estivéssemos no clima de falar sobre nuvens e vassouras. – Fred replicou, se recostando na cadeira.
- Ou você podia responder uma perguntinha básica. – Jorge disse, mas Cinthia não abaixou o jornal. – Você por acaso já esteve em uma "missão" como esta antes?
Cinthia ainda não abaixou o jornal, mas seus olhas não estavam se movendo de linha em linha como antes.
- Não. – Ela disse, levantando mais o jornal para esconder seu rosto. – Mas eu já saí algumas vezes do escritório e sei os procedimentos padrões desse tipo de situação. E, sinceramente, é um tanto lógico o que se deve ou não fazer nesses casos. Também assisti uns bons filmes de espionagem enquanto estava no Brasil que suponho serem bastante úteis.
- Isso é muito reconfortante. – Jorge falou amargo, e Cinthia finalmente abaixou o jornal.
- Ninguém te forçou a vir comigo. Eu expliquei tin-tin por tin-tin as diferenças do meu trabalho para o de um auror da ECI, e você sabia dos riscos. Se vai só ficar reclamando, eu sugiro que volte para a loja.
- Não precisa ficar nervosinha. – Ele disse com um leve riso pelo nariz, colocando um dedo no topo do jornal, prendendo-o na mesa para impedir que ela o levantasse outra vez. – Eu só queria saber o quanto você está se arriscando e me certificando de que você realmente precisa de nós três pra ter juízo por você.
- Hah... juízo...? Você acha que eu...
- Só estava verificando. - Jorge tirou o dedo do jornal, mas Cinthia não o levantou. Ele mantinha um sorriso divertido no rosto, e aparentemente só Aline e Fred haviam entendido porque.
Mas depois de franzir o nariz, Cinthia sorriu, também entendendo o que ele achava tão engraçado nela.
- Eu devo parecer bem idiota quando fico tensa ou nervosa.
- Veja bem, isso não é típico de você, por isso parece que tem alguma coisa fora do lugar. – Explicou Jorge. – Agora relaxe e aja normalmente.
Cinthia deixou o jornal de lado e colocou uma mão no rosto de Jorge, juntando seus lábios nos dele num beijo carinhoso e quente.
- Isso é normal o suficiente? – Perguntou quando afastou o rosto do dele.
- É você quem tem que dizer, é quem sabe das coisas por aqui.
- Ei, mais atenção no trabalho. – Fred disse com um tom sério que trouxe Jorge e Cinthia de volta à realidade. Ele estava sentado de frente para a rua, e apontou com a cabeça a loja de animais. – Tem uma pessoa entrando, e parece suspeito para mim.
- É, muito normal para um bruxo disfarçado de trouxa. Certamente cuidadoso em excesso. Não, não olhem. – Ela disse antes que Jorge e Aline virassem para olhar a loja. – Dá pra ver ele no reflexo do bule de café.
- Bem pensado. – Aline disse.
- Eu disse que aqueles filmes de espionagem foram úteis. – Ela sorriu. – E já apareceram mais dois lá na esquina.
- Três já foram, só faltam dezessete. – Fred disse observando os prováveis Comensais da Morte.
- E não temos outra opção senão ficar esperando sentados. – Aline disse desanimada.
Depois de uma hora, eles já haviam visto dezesseis pessoas entrando na loja, e Cinthia descartou duas delas porque não foram muito cuidadosas ao se vestirem como trouxas, o que os deixava com a contagem de catorze Comensais da Morte.
- Eu não agüento mais. – Aline disse depois que o décimo quarto saiu da loja e desapareceu na outra esquina com um som característico de aparatação. – Vamos simplesmente entrar na loja e fazer o que viemos fazer de uma vez!
- Espere só mais meia hora. – Cinthia disse sem tirar os olhos do jornal. – Eu também não agüento ficar sentada por muito tempo, mas não podemos entrar antes que todos os outros Comensais o tenham feito.
Aline usou toda a paciência que tinha para continuar sentada durante essa meia hora, e Fred e Jorge não estavam se sentindo muito diferente dela. Apenas Cinthia parecia calma enquanto esperava, falando pouco quando eles conseguiam manter uma conversa normal por mais de cinco minutos, mas era apenas uma fachada. Elas estava tremendo de medo por dentro, mas se não se mostrasse confiante ia acabar estragando o plano. E também fingia estar calma para ajudar a se acalmar, apesar de fazer pouco efeito.
Às quatro e meia em ponto, Aline abaixou o jornal de Cinthia bruscamente.
- Eu sei que só entraram dezessete até agora, mas faz vinte minutos que não entra nem uma molécula de ar naquela loja, e você disse que íamos acabar com isso logo.
- É, OK. – Cinthia dobrou o jornal e olhou para a lanchonete, se certificando de que a balconista não estivesse olhando. Ela jogou parte do café e do leite na terra do vaso enquanto falava. – Eu não esperava que exatamente vinte aparecessem, mas é bom ficarmos alertas caso algum deles entre na loja atrasado. Esperem aqui que eu vou pagar isso.
Cinthia entrou dentro da lanchonete e um minuto depois já estava de volta.
- É melhor vocês colocarem os capuzes dos blusões. – Ela disse para Fred e Jorge, que vestiam moletons de zíper. – Temos que parecer um pouquinho suspeitos, entendem?
- Certo. – Fred disse já puxando o capuz. – Mas e vocês.
- Hum, não tenho nada cobrir o rosto, mas... Aline, você pode soltar o cabelo.
- Ah, ótimo. – Ela resmungou enquanto desfazia o rabo de cavalo que havia feito com muito cuidado antes de sair de casa, mas não falou mais nada.
- Vamos então.
Eles andaram um pouco e atravessaram a rua na frente da loja, entrando e ouvindo a sineta de boas vindas enquanto o faziam.
O lugar era até bem organizado e limpo para uma loja de animais, mas tinha muitos cantos escuros entre as prateleiras de produtos por haver apenas janelas laterais no lugar, proporcionando pouca iluminação. Em baixo das janelas haviam tanques e gaiolas com diversos tipos de animais domésticos, desde crupes a amassos e corujas, e todo o lugar tinha um estranho cheiro de produto de limpeza disfarçando outro odor. Na parede de fundo da loja ficava o balcão, e atrás deste a parede estava coberta com prateleiras cheias de produtos para animais como coleiras especiais e aperitivos, com uma porta baixa no meio que dava para o provável depósito.
Havia um bruxo encapuzado examinando os produtos em cima do balcão, parecendo interessado nos tipos de ração para fiunns, mas não sabiam se era ele ou o balconista que seria o contato. Atrás do balcão estava o balconista Óbvio, né?, um senhor de idade e cabelos brancos meio ralos, muito magro e enrugado, mas exibia um sorriso abobalhado e um olhar vago que logo indicava que havia sido vítima de repetidos obliviates. Definitivamente o bruxo encapuzado era o contato deles.
Cinthia andou à frente dos outros, sentindo que eles andavam bem próximos à ela. O bruxo examinando as rações do balcão pareceu não reparar que eles haviam entrado de tão concentrado que estava.
- Vocês tem ovos de hipogrifo? – Ela perguntou ao balconista, que era a senha.
- Oh, não. Mas tenho uns pacotes de ração muito boa se estiver interessada. – O velho respondeu, deixando Cinthia e os outros frustrados. Aquele não era a resposta que estavam esperando. – Eu vou ver se sobrou algum pacote lá nos fundos. Volto em um segundo.
O homem saiu animado e energeticamente pela porta entre as prateleiras, desaparecendo de vista. Foi nessa hora que o bruxo ao lado deles falou, revelando pela voz fina e aguda que era uma jovem mulher que estava debaixo do capuz.
- Aqui eles não vendem isso, mas tenho alguns artigos que podem lhe interessar.
Era essa a contra-senha. Cinthia prendeu a respiração brevemente, lembrando com certo alívio que já havia ligado o gravador escondido antes de entrar na loja, se virando então para a Comensal. Seu rosto estava encoberto pelo capuz, mas Cinthia notou que ela fez um leve movimento repentino com a cabeça ao vê-la.
- E onde eu encontro estes três produtos? – Perguntou Cinthia, mostrando que sabia do que ela estava falando para receber a informação correta.
A Comensal pareceu hesitar antes de responder, eu sua voz mal disfarçava a desconfiança que sentia dos quatro. Cinthia pensou que teria sido melhor se tivessem entrado dois de cada vez, mas agora era tarde.
- Eles estão guardados em Berna, na Suíça, em um lugar chamado K9. Vão lá dentro de cinco dias, nem antes nem depois.
A Comensal fez uma pausa, olhando para cada um dos quatros, mas sem poder ver Fred e Jorge muito bem. Agora Aline achava que tinha alguma coisa familiar naquela voz, mas não conseguia se lembrar o que.
- Qual é o interesse de vocês nestes produtos? – A Comensal perguntou. Cinthia não esperava uma pergunta daquelas, e lançou um olhar rápido aos outros indicando que puxassem as varinhas enquanto tirava a sua própria do bolso.
A Comensal da Morte tinha bons reflexos e tirou a varinha ao mesmo tempo que eles. No instante seguinte o ar estava congelado entre os cinco, e ninguém ousava se mexer.
- Você pode se render pacificamente, ou podemos fazer isso do jeito que é pior para a sua saúde. – Cinthia disse pausadamente enquanto dava passos lentos para cercar a Comensal. Agora Fred e Jorge lhe barravam a saída, e Cinthia e Aline estavam perto do balcão, cada uma de um lado, dando à mulher encapuzada poucas chances de escapar. – Abaixe a varinha, agora.
Mas a Comensal não se mexeu. Ela continuou olhando para os quatro e para a única saída do lugar, logo atrás de Fred e Jorge. Quando Cinthia se decidiu por simplesmente estupora-la e leva-la a Tonks como combinado, a porta atrás do balcão se abriu, distraíndo-a.
- A ração de hipogrifo deve ter acabado, mas tenho... - Disse o velhinho passando pela porte, sem ver as varinhas em punho.
A Comensal aproveitou a distração e lançou um feitiço entre Fred e Jorge, e os dois foram arremessados para os lados como se tivessem sido empurrados por uma enorme bolha de ar, batendo nas prateleiras. A Comensal correu na direção da porta, olhando brevemente para Fred e Jorge estatelados em cima os produtos espalhados no chão, seus capuzes agora caídos para trás.
- Impedimenta! – Cinthia lançou o feitiço, atingindo a Comensal. Ela caiu de costas no chão e sua varinha caiu a alguns metros ao lado dela. A mulher encapuzada fez pouco esforço para se levantar e continuou sentada no chão enquanto Fred e Jorge se levantavam.
- Mas o que vocês pensam que estão fazendo na minha loja! – Gritou o velhinho atrás do balcão, dando alguns passos para trás. – Vocês não podem fazer isso com os outros clientes! Eu vou...
- Obliviate! – Aline lançou o feitiço no balconista enquanto os outros mantinham as varinhas miradas na Comensal. Aproveitando que o homem estava temporariamente abobalhado, Aline passou para trás do balcão e o conduziu para a porta dos fundos. – Tenho certeza de que tem um pacote de ração para filhotes de hipogrifo em algum lugar aí dentro. Não saia até encontrar.
- O cliente sempre tem razão. – O homem disse com um sorriso de quem não tem nenhuma preocupação no mundo, e Aline fechou a porta, se juntando aos outros, apanhando a varinha da mulher encapuzada do chão. Cinthia já havia conjurado cordas para amarrar a Comensal, que estranhamente não fazia nenhum esforço para escapar. E nem poderia, pois Cinthia colocou também um feitiço anti-aparatação nas cordas.
Ao invés disso, ela disse calmamente:
- Eu não esperava ver vocês de novo numa situação dessas. Devia ter imaginado desde o começo que vocês não tinham se tornado Comensais, isso seria impossível.
Agora Aline havia ficado nervosa. Sabia que conhecia aquela voz, mas não conseguia se lembrar quem era. E não ia conseguir descobrir enquanto a mulher continuasse encapuzada. Puxou o capuz dela para trás com um movimento brusco, tapando a boca em seguida de surpresa e espanto ao ver quem era.
- Amanda... - Cinthia disse com a voz fraca e decepcionada ao rever a garota que a alguns anos fora monitora da Sonserina. Seus óculos redondos estavam ligeiramente tortos, e seu cabelo liso e castanho estava um pouco bagunçado por causa da tentativa de fuga.
No sétimo ano, Amanda Darkcat fora acusada de praticar magia negra, mas fora a única inocentada na época, e até aquele momento ela era a única sonserina de Hogwarts que se dava bem com as outras casas. A própria Sonserina parecia não gostar muito dela. Aline e Cinthia acharam que a garota era legal, digna de confiança, mesmo quando a maior parte da escola a isolara depois das acusações de magia negra, e Fred e Jorge criaram certa simpatia por ela.
O que mais os espantou foi ver a expressão no rosto dela de amargura e raiva, que antes era alegre apesar do que passara. Mas ela não parecia estar com raiva deles, e sim de si mesma.
- Não me olhem assim. – Ela disse ao ver o espanto e a horror passar pelo rosto dos quatro. – Eu sei o que vocês estão pensando, então vamos acabar logo com isso.
- Nós acreditamos em você. – Jorge disse com raiva controlada. – Acreditamos que você era inocente quando te acusaram de praticar magia negra.
- E eu era! – Amanda devolveu estreitando os olhos. – Mas também era uma sonserina, e não ia deixar a pessoa que me incriminou sair impune quando eu fui humilhada diante da escola inteira. Eu me vinguei daquela vaca da Whisp, mas toda vingança tem seu preço.
- E você decidiu ser se juntar ao bruxo mais temível do mundo bruxo só para ter a sua vingança? – Aline disse como se aquilo fosse a coisa mais idiota que alguém poderia fazer. Conhecia Amanda desde o primeiro ano, quando recebeu uma ajudazinha em Quadribol dela, e não conseguia acreditar que aquela garota legal de Hogwarts era agora uma Comensal da Morte.
- É mais complicado do que você pensa. – Amanda respondeu, evitando olhar para qualquer um deles agora. – Eu queria que a Whisp fosse presa pelo mesmo motivo que fui incriminada no sétimo ano, mas nenhum dos sonserinos gostava de mim, por isso não era fácil descobrir seus segredos. Quando acabei Hogwarts, me juntei aos Comensais da Morte, e aquela tonta acreditou que eu estava do lado deles. Me custou muitas horas de encenação e serviços ao Lord que eu não gostava nem um pouco, mas consegui que ela confiasse em mim o suficiente para me contar em que parte da casa estavam escondidos os artigos proibidos pelo Ministério.
- Agora eu me lembro. – Cinthia disse abaixando a varinha. – A um ano os aurores receberam um bilhete anônimo, e um grupo fez uma blitz na casa de Margaret Whisp, e ela pegou cinqüenta anos em Azkaban.
- Ela não vai viver tanto tempo. – Um sorriso de vitória passou pelo rosto de Amanda, mas foi breve, fraco e amargo. – É uma pena que eu não tenha conseguido deixar os Comensais depois disso, sabe. Eu estaria arriscando a minha vida, e não isso é uma coisa que eu não pretendo perder cedo.
- Você vai acabar em Azkaban do mesmo jeito. – Fred disse, agora com nojo de Amanda. – Arruinou a sua vida por causa de uma vingança.
- Eu não planejava ser capturada. – Ela o encarou com raiva, mas sua voz era apenas puro amargor. – Mas é algo que eu já esperava, e é o preço que estou pagando por ter sido estúpida o bastante de me juntar aos Comensais. Vamos logo, acabem logo com isso e me entreguem aos aurores. – Ela olhou para os rostos brevemente surpresos de Aline, Fred e Jorge, e deu um sorriso. – Se vocês fossem aurores, teriam dito que vocês receberam a minha mensagem anônima. E suponho que vocês estão no lugar dos verdadeiros aurores também.
- Você é observadora. – Cinthia disse, tirando o gravador de dentro do casaco e desligando-o. – Mas isso é algo que vamos ter que apagar da sua memória.
- É um segredo, então. – Amanda sorriu. Mas assim que Fred apontou a varinha para ela, Amanda ficou séria e recuou a cabeça, sem poder dar nenhum passo para trás por estar amarrada e sentada no chão. – Abaixe isso. Eu quero ter a minha memória intacta enquanto estiver em Azkaban, se não se importa. Prometo guardar o segredinho de vocês se fizerem esse favor. Ainda me resta um pouco de dignidade, sabem.
Fred olhou para Cinthia, esperando que ela dissesse logo para fazer o feitiço, mas ela estava olhando para Amanda com atenção e não o notou.
- Tudo bem.
- O quê? – Disseram Aline e os gêmeos surpresos. – Você está brincando, né?
- Obrigada. – Amanda disse, num tom tão baixo em contraste com as exclamações dos outros que Cinthia só entendeu lendo os lábios dela.
Ignorando os outros, Cinthia ajudou Amanda a se levantar, procurando algo nos bolsos em seguida.
- E quanto ao Jeofrey, lá nos fundos? – Perguntou Amanda.
- O velhinho? – Perguntou Jorge, não acreditando que a Comensal se dera o trabalho de saber o nome do dono da loja. – O que tem ele?
- Eu tive que fazer vários obliviates nele – Ela respondeu como se fosse a coisa mais comum do mundo. – Ele vai ficar bem?
- Vai. – Cinthia disse tirando um grampeador do bolso interno. – Só vai ficar um pouco desorientado por alguns dias, mas logo vai se lembrar do dia certo. Vamos, isso aqui é uma chave de portal que Tonks ia usar para voltar para o Ministério – Ela indicou o grampeador. – Fizemos umas modificações, mas ainda assim vamos chegar bem perto do prédio...
- Ham-ham. – Todos olharam para Amanda, e ela estava com uma cara de que estava achando tudo aquilo muito entediante. – Como vocês esperam que eu use uma chave de portal? Estou toda amarrada, lembram?
- Você vai como uma bagagem de mão. – Fred disse com um sorrisinho, segurando firme nas cordas que a amarravam.
Fred, Jorge e Aline colocaram o dedo indicador em cima do grampeador na mão de Cinthia, e ela contou até três para ativar aquele tipo de chave de portal. Todos sentiram o efeito costumeiro de ser puxado pelo umbigo enquanto uma forte rajada de vento bagunçava seus cabelos. Com a exceção de Amanda, que estava realmente receosa de ser largada acidentalmente no meio do caminho.
Quando finalmente chegaram onde quer que deveriam chegar, Fred soltou Amanda imediatamente, e ela perdeu o equilíbrio, caindo no chão frio. Os outros apontaram as varinhas novamente para ela, mas Cinthia apenas olhou no relógio.
- Estamos atrasados... Tonks já deve passar por aqui em um minuto.
Agora os outros percebiam que estavam num beco sem saída, estreito e mal iluminado por causa dos prédios que o ladeavam. Uma velha gordinha carregando uma bolsa horrivelmente florida passou pela entrada do beco alguns instantes depois, aparentemente sem nota-los, mas voltou de ré e entrou no beco.
- Até que enfim! – Ela disse, e os quatro respiraram aliviados ao ouvir a voz de Tonks, mesmo que não combinassem muito com o que estavam vendo. – Sabe quantas vezes eu tive que dar a volta na quadra, e sempre como uma pessoa diferente? Por que demorou?
- Tivemos um breve contra-tempo. – Cinthia disse sem dar mais explicações. Ela deu um passo para o lado e indicou com a cabeça para Amanda se aproximar. Enquanto tirava o gravador do bolso e o entregava à Tonks, Amanda dava passos lentos e curtos.
- Ela não está estuporada. – disse Tonks surpresa e curiosa. – Por que?
- Não precisamos estupora-la.
- E não precisam me colocar sob tortura também. – Disse Amanda, agora encarando a aurora com um olhar frio. – Eu vou contar o que quiserem saber sobre os Comensais.
- Isso não vai te livrar da prisão, sabe? – Disse Tonks.
- Eu sei. – Respondeu Amanda sem mudar de expressão.
- Você vai entender mais tarde. – Cinthia disse entregando o gravador para Tonks, que parecia levemente confusa. – É bom você apagar tudo na fita depois da informação necessária, e também mudar a voz.
- Eu vou é precisar fazer outro interrogatório nela. Ninguém vai aceitar na gravação de um desses trecos trouxas. Bem, eu te aviso quando tiver mais notícias.
- Obrigada.
A aurora e a Comensal saíram do beco, se perdendo de vista. Todos estavam se sentindo levemente traídos por Amanda, traídos pela confiança que haviam depositado nela nesses anos todos.
- Corruptio optimi pessima... - Cinthia murmurou baixinho, apenas para si, lembrando de algo que seu pai costumava falar, que significava "a corrupção dos melhores é a pior". Não acreditava que Amanda houvesse se juntado aos Comensais por partilhar das mesmas idéias que eles, mas a vingança realmente haviam transformado a garota que um dia ela conhecera, corrompendo-a.
- Você devia ter apagado a memória dela. – Aline repreendeu de repente, seca, andando e parando ao lado de Cinthia com os olhos estreitos. – Se ela vai contar tudo o que quiserem saber sobre os Comensais, quem garante que não vai falar sobre nós?
- Eu confio nela. – Cinthia disse simplesmente.
- Depois do que ela fez? Mesmo depois dela ter se juntado aos Comensais da Morte? Mesmo depois dela ter feito o que fez por vingança?
- Ela nunca mentiu para nós, e para mim já é o suficiente.
Fred e Jorge perceberam que Aline estava zangada com Cinthia, mas acharam que ela estava exagerando um pouco. Claro, eles também achavam que deviam ter apagado a memória de Amanda, mas era melhor que isso fosse desnecessário.
- Vamos voltar para a loja. – Fred disse, tentando evitar que Aline ficasse mais zangada.
- Eu vou para casa. – Ela disse secamente, aparatando logo em seguida.
Cinthia apoiou o cotovelo na mão esquerda e colocou a mão no rosto, soltando um suspiro de cansaço.
"Como eu faço para ela entender que a Amanda não ficou ruim só por ter feito o que fez?" pensou, mal escutando os passos de Jorge se aproximando. "Ela pode ter feito algo errado, mas, Deus!, ela estava arrependida. Dava pra ver nos olhos dela o quanto se odiava por ter se juntado aos Comensais da Morte. Droga, como estou cansada de lidar com isso."
- Cinthia? – Jorge disse, colocando uma mão no ombro dela. – Vamos voltar para a loja?
- Eu acho que vou voltar para a pensão. – Ela disse sem olha-lo. – Vejo você depois...
Jorge segurou seu rosto e o virou para que ela o encarasse, mas Cinthia teve menos de um segundo para olha-lo. Ele a beijou com paixão, conforto e carinho, a fazendo relaxar os ombros tensos. E como ela precisava daquilo. Parecia que o mundo estava pesando demais na sua consciência, e aquele breve momento de leveza era o que ela precisava para seguir adiante.
Ele separou seus lábios do dela, mas manteve o rosto bem próximo.
- Descanse um pouco, OK? Eu não gosto de te ver assim, deprimida. Na verdade, eu quero que você aparate para o quarto da pensão, coma uma barra inteira de chocolate e tome um banho quente.
Cinthia sorriu involuntariamente, percebendo a sorte que tinha de ter Jorge por perto, principalmente agora, quando ela mais precisava de alguém para apóia-la emocionalmente.
- Nem precisa falar duas vezes.
Ela aparatou em seguida, fazendo o que Jorge havia dito enquanto que ele e Fred voltavam para a loja, aproveitando as últimas horas do dia para vender seus logros.
A barra de chocolate animou-a maravilhosamente, mas Cinthia não pôde deixar de pensar em Aline durante o banho. E se sentiu estranhamente nauseada ao fazer isso. Sabia que a amiga estava realmente magoada por ter visto Amanda como uma Comensal da Morte, e ficar zangada com isso era a sua maneira de defesa emocional. E devia estar se sentindo muito pior que o normal, agora que Douglas havia sido raptado por Comensais e ninguém sabia se ele ainda estava vivo.
Depois de concluir que seria impossível fazer Aline ver o lado de Amanda enquanto estivesse preocupada com Douglas, Cinthia amaldiçoou mentalmente o temível Lord Voldemort.
- Tudo isso só está acontecendo por culpa sua! – Ela deu um soco na água da banheira, derramando espuma no piso do banheiro e pensando em Amanda, Douglas e todos os problemas que Hogwarts teve, incluindo o falso Olho-Tonto Moody, a morte de Cedrico Diggory e tantos outros como Sírius Black que tiveram suas vidas arruinadas por causa do bruxo.
N/A: Puxa, isso é que é ficar zangada! Eu esperaria uma reação assim da Aline, mas como todos podem ver, a Cinthia está revelando mais fibra do que achávamos provável que ela tivesse. Ah, e o que vocês estão achando da participação quase-figurante de Fred? Chato, né? Mas eu, sinceramente, não sei o que fazer com ele até o meio da fic, quando ele fica importante. Não adianta perguntar, eu não vou contar o que é porque sou má e adoro torturar todo mundo! BWAHAHAHAHAHA! (Brincadeirinha...)
Bom, comentem o quanto quiserem que eu prometo melhorar o jeito de escrever. Quem sabe alguém me manda um milagre por e-mail, né? Vamos torcer! E vocês repararam que eu deixei o Sírius vivo, né? Até agora não tem nenhum motivo especial, é só porque eu gosto muito do personagem para permitir que a Rowling leve a alma dele para o outro lado. Esse é o meu lado bonzinho, que vocês raramente vão ver pipocando pela fic. E, só pra deixar avisado, o próximo capítulo vai ser absurdamente curto.
