Capítulo 10 – Maldita burocracia

Dois dias depois de terem capturado Amanda Darkcat, Aline apareceu na loja, aparentemente precisando mais da companhia deles do que provar para Cinthia que estava certa. Não adiantaria muito bater o pé e ficar emburrada, e nenhum deles mencionou Amanda perto de Aline.

O que provavelmente fez Aline realmente sair do apartamento vazio era a vontade que ela tinha de ouvir as notícias de Tonks assim que chegassem. E ela não parava de perguntar a Cinthia onde era o tal K9, por que os aurores haviam sido levados tão longe, e por que Tonks não respondia logo. Estava pior que uma criança de seis anos numa viagem muito longa.

- Eu não sei – dizia Cinthia sempre que Aline perguntava. – K9 deve ser algum esconderijo dos Comensais, eu acho. E eles devem tê-los levado para a Suíça justamente para os aurores britânicos perderem a pista deles.

- Sabe o que mais é estranho? – Fred questionou no final da tarde, quando finalmente fecharam a loja mais cedo por causa da falta de movimento da época. – O fato deles terem alcançado a Suíça.

- Como assim? – perguntou Cinthia.

- É mesmo – concordou Jorge. – Ele nunca tinha ido tão longe assim, não é?

- Do que vocês estão falando? – perguntou Aline, e Fred e Jorge ficaram muito sérios de repente.

- Papai e mamãe nos contavam todo tipo de histórias de quando Vocês-Sabem-Quem estava no poder da primeira vez – Fred disse. – E ele não tinha muitos seguidores fora da Grã-Bretanha. Era até uma surpresa quando alguma coisa acontecia fora da Inglaterra.

- Lembra quando papai nos contou daquela vez que uma família inteira foi morta em Gales? Simplesmente um assombro na época! E não havia nenhum auror ou pessoa muito importante do governo na família.

- Quer dizer que ele está mais poderoso que antes? – Cinthia disse com a voz fraca.

- Não necessariamente – Fred disse. – Ele pode estar espalhando seus interesses, sabe, focalizando menos na Inglaterra e mais na Europa.

- Isso não é exatamente um consolo – Cinthia disse encolhendo os ombros.

- Será que devemos avisar Dumbledore? – Aline disse, definitivamente assustada com aquilo.

- É provável que ele já saiba a essa altura – Jorge disse.

- É, Tonks pode ter avisado a ele – Cinthia disse -, mas acho que ele já sabia antes da gente. Por que outro motivo ele pediu para que espalhássemos a notícia pelo Brasil?

- Mas será que… ele vai chegar tão longe? – Aline disse. – Quer dizer, tem que atravessar um oceano inteiro pra chegar lá, e não tem nada assim tão importante no Brasil pra ele juntar seguidores tão longe daqui.

- Ah, tem sim – Cinthia disse, surpresa com a própria conclusão. – Lembra o que o Sr. Olivaras disse quando fomos comprar nossas varinhas?

- Não exatamente. Por quê?

- Ele disse que as melhores madeiras mágicas para se fazer varinhas se encontram no Brasil. Isso é algo importante!

- Mas duvido que ele esteja precisando de uma varinha nova – Jorge disse, fazendo Cinthia ficar mais calma. – Não consigo nem pensar num motivo para ele querer poder na Suíça.

- O simples fato de conseguir mais seguidores pela Europa pode ser o motivo – Aline falou com a voz conclusiva.

Todos ficaram com medo de que aquele fosse realmente o motivo, mas tudo que Dumbledore fizera na Ordem da Fênix para impedir os planos de Voldemort pareciam estar se espalhando também para fora da Inglaterra. Com certeza teriam que esclarecer isso com ele da próxima vez que fossem convocados para uma reunião geral, ou do contrário continuariam com dúvidas.

E o atraso das notícias que Tonks prometera os deixava mais nervosos. Cinthia particularmente se irritava com essa demora, mas não havia muito que ela pudesse fazer estando de licença. Se não tivesse brigado com seu chefe, talvez ela estivesse ajudando a achar o tal lugar K9, e assim ajudando a trazer Douglas de volta mais cedo. Ela como trabalhava mais rápido sob pressão, percebera isso ao decifrar a última mensagem no escritório, mas agora estava entediada com a espera.

Para o grande alívio de todos, uma coruja das torres pousou no parapeito da janela da loja no almoço do terceiro dia, bicando de leve o vidro. Aline abriu a janela com as mãos trêmulas, esperando que o animal estivesse trazendo boas notícias. A coruja pousou na mesa da cozinha, estendendo a pata para Cinthia, e ela leu o bilhete, bufando em seguida e o jogando na mesa para que os outros o lessem.

Cinthia,

Não temos nenhum registro de algum lugar marcado dos Comensais com o codinome de K9, e pelo jeito a Comensal que vocês pegaram também não sabe onde é, só foi mandada a passar a mensagem aos outros. Eu e o resto do quinto esquadrão da ECI estamos de partida e vamos trabalhar em conjunto com os aurores da Suíça para cobrir mais terreno. Logo vamos descobrir onde o Douglas está, não se preocupe.

Um abraço pra todo mundo aí,

Tonks.

- Eles já deviam ter ido para a Suíça desde o começo – Cinthia disse depois que os outros leram o bilhete. – Não leva tanto tempo assim para checar os arquivos que a DI tem, é só saber onde procurar. Francamente!

- Bom, agora não tem muito o que a gente possa fazer – Fred disse. – Não podemos procurar o K9 com os aurores dessa vez, e de qualquer maneira eles encontrariam com ou sem o nosso brilhantismo.

Cinthia resmungou e fixou o olhar em algum ponto vazio da parede, pensando. De repente falou baixinho, como se fosse para sua própria cabeça - Mas nós não precisamos procurar com os aurores…

- Como assim nós e procurar? – perguntou Aline, e Cinthia voltou à realidade.

- Você não está pensando em ir para a Suíça e procurar pelo Douglas, está? – perguntou Jorge, achando sinceramente que alguém muito parecido com a Cinthia que conhecia havia tomado o lugar da original em algum ponto entre a saída de Hogwarts e agora.

- Bem, vocês não precisam vir comigo se não quiserem, mas é exatamente isso o que eu vou fazer – ela disse calmamente.

- Não, não vai! – o tom bravo de Jorge assustou os outros, mas ele não se importou que estivesse parecendo machista ou autoritário demais, no momento estava mais preocupado com a segurança de Cinthia. – Olhe, eu não quero ver você caçando Comensais da Morte na Suíça quando é pra isso que servem os aurores!

- Se está tão preocupado, venha junto – Cinthia respondeu indiferente, como se Jorge não tivesse gritado.

- Você não está entendendo direito. Caçar Comensais não é o seu trabalho, é muito arriscado para qualquer um que não seja um auror, e até aurores acabam se dando mal de vez em quando. Você não precisa ir!

- Para o seu governo, o meu trabalho é, sim, caçar Comensais da Morte e qualquer bruxo das trevas, mesmo que eu passe a maior parte do tempo no escritório e não seja uma aurora – ela disse friamente. – Isso pode te deixar incomodado, mas é o que eu faço e gosto de fazer. E se você está preocupado com a minha segurança, eu já lhe pedi para vir junto, e não pretendo pedir outra vez.

Jorge não respondeu de imediato.

Queria mostrar que tinha confiança nela por estar trabalhando com algo tão perigoso e importante, mas seu orgulho o impedia de dizer com todas as palavras que estava preocupado e não queria que Cinthia corresse perigo. Ele daria tudo para que ela estivesse fazendo alguma coisa monótona e segura, como cuidando de um rancho de lesmas lentas por exemplo, ou até ficando somente em casa, só para ter certeza de que ela estava bem. Mas sabia que era um pensamento machista e que Cinthia não agüentaria ser uma simples dona de casa. Era capaz dela até deixa-lo para seguir a carreira que queria, e Jorge tinha que se conformar com isso.

Era estranho como Cinthia parecia frágil e meiguinha por fora, quando na verdade era decidida e independente por dentro. E Jorge não queria ser a pessoa que a faria abandonar o lado meigo, já que era o que ele mais gostava nela. Se lembrava bem até demais da vez em que provocou nela uma emissão mágica de raiva quando estavam em seu sétimo ano, e não queria que isso acontecesse outra vez.

Depois de uma breve pausa avaliando a situação, Jorge deu um suspiro conformado e olhou para Cinthia, que ainda estava com uma expressão fria e paciente no rosto.

- Suponho que vamos ter que comprar algumas caixas de Chá de Línguas quando o horário de almoço acabar. Alguém sabe que língua eles falam na Suíça?

Foi incrível ver a expressão dela mudar tão de repente para um sorriso abobalhado e meio surpreso.

- Você não vai me trancafiar no porão, então? – perguntou, o que fez Jorge e os outros quase rirem.

- Bom, se você prometer que não vai mais fazer missões ilegais e suicidas depois dessa, eu até te deixo sair sozinha na rua.

- 'Brigada por ir comigo – agradeceu sorrindo. Era só aquilo que ela queria ouvir, apesar de saber que estava fazendo uma coisa um tanto quanto estúpida e que dali a alguns anos estaria rindo de si mesma e aconselhando os outros a nunca fazer o mesmo.

- Mas eles não vão achar ruim se você for, mesmo estando de licença? – Aline lembrou, e Cinthia respondeu de imediato.

- Eles não precisam saber que estamos indo. Se eu descobrir alguma coisa que eles não sabem, é só passar para a Tonks. E tenho certeza de que ela não vai se importar em nos ajudar.

- E quando você diz nós, quer dizer nós quatro, certo?

- Hein?

- Ora, é claro – Fred disse. – Você não esperava que nós dois fôssemos ficar para trás, não é? O Douglas é tão amigo meu quanto seu.

- E ele é meu marido – Aline disse -, então eu tenho ainda mais direito de ir atrás dele do que vocês. E ter uma aprendiz de medibruxa por perto pode ser útil quando se lida com Comensais da Morte, sabe.

- E vocês vão precisar de alguém realmente inteligente para tomar as decisões importantes – completou Fred com um sorriso orgulhoso.

- Eu acho que o Dumbledore vai estar muito ocupado para ir com a gente, mas foi uma boa sugestão, Fred. Você pode ir no lugar dele – Jorge disse.

- Mas vocês sabem que não vai ser como o encontro com Amanda – Cinthia disse um pouco preocupada com a segurança dos outros agora. – Vai ser muito mais perigoso que isso, já que mandamos para Azkaban a única porcentagem de Comensais "bons".

- Não pense que vamos te deixar arriscar a pele sozinha – Aline disse. – Você já tentou fazer isso uma vez e não deu certo. Não insista.

- Tudo bem então – ela disse com um suspiro. – Mas alguém tem alguma idéia da língua que eles falam na Suíça?

Em um quartinho pequeno, apenas com três montes de palha, cobertores puídos e uma janela com grades no alto, três homens eram mantidos presos. A janela estreita era a única fonte de luz no quarto, e do lado de fora podia-se ver apenas grama, o que indicava que estavam debaixo da terra. O lugar era frio e úmido, revestido de pedra e chão de terra batida. A porta de madeira era a única saída daquele lugar, mas estava sempre trancada e vigiada por dois Comensais da Morte. Havia uma portinhola que era destrancada apenas para que recebessem comida e água. Pelo menos os três homens sabiam que continuariam vivos por algum tempo, ou os matariam de fome.

Douglas, Quim e Ian haviam chegado àquele lugar há alguns dias, logo depois da emboscada no antigo correio-coruja de Londres. Suas varinhas e apetrechos de profissão haviam sido confiscados, e não tinham nenhuma chance de escapar pela janela ou pela porta. A portinhola de comida era muito estreita, e sempre havia um ou dois Comensais vigiando a porta, dia e noite. No dia anterior, fizeram escadinha para tentar quebrar as barras da janela, mas Ian, que era o mais leve e se sustentava nos ombros de Douglas, foi arremessado na parede oposta ao bater com o prato de comida nas barras de ferro. Certamente era protegida por um feitiço repulsório.

Agora os Comensais da porta estavam trocando de turno e conversavam baixo, de vez em quando rindo e olhando para a porta. Era de manhãzinha, pelo que os aurores podiam ver pela janela.

Quim estava no seu montinho de palha, rosto concentrado como se estivesse pensando. Ian olhava intrigado para a janela, ainda tentando pensar em uma maneira de sair por ela. E Douglas estava recostado na parede, tentando prestar atenção no que os Comensais falavam. Não haviam conseguido se comunicar com nenhum dos seus vigias, eles não respondiam a nenhuma pergunta e de vez em quando riam deles. Mas Douglas não conseguia entender a língua que eles falavam.

- Alguém entende o que eles estão falando? – ele perguntou baixo para que os Comensais não parassem de conversar, mas alto o suficiente para seus companheiros o ouvirem.

- Não é nada de mais – disse Ian, ainda fixando a janela. – Estão falando sobre as famílias e de como estão ficando entediados com a tarefa de nos vigiar.

- Como você sabe?

- Eles estão falando em italiano. Aprendi com a minha avó quando era pequeno. Se eles tivessem falado alguma coisa importante eu avisaria.

- Podia ter avisado que entendia o que eles falavam antes – disse Douglas escorregando pela parede e se sentando no chão. – Eu ia me sentir bem melhor.

- Mas é só algumas vezes que eles falam em italiano – Ian se justificou. – A maioria das vezes eu não entendo nada do que falam.

- Bom, eu achei ter ouvido um pouco de francês, mas não conheço a língua para ter certeza – disse Douglas.

- Acho que eles também conversam em alemão – disse Quim, levantando o rosto. – Ou talvez húngaro ou russo. Um tio meu falava russo, mas eu o via poucas vezes e não sei diferenciar muito bem. Tenho quase certeza de que eles estão falando em alemão.

- O que eles querem falando tantas línguas? – disse Douglas. – Falassem uma só que não ia fazer diferença. Ninguém aqui sabe falar chinês, disso podem ter certeza.

- Não acho que eles iam se esforçar tanto – disse Quim. – Podem não estar fazendo de propósito.

- Ah, sei o que quer dizer – disse Ian, desviando da janela por um instante.

- Mas eu não – disse Douglas.

- Eu não sei como era na América do Sul, mas nem todos os países da Europa falam uma língua só – explicou Quim.

- Quer dizer que podemos estar em outro país?

- É o mais provável. Mas eu não sei qual é o país que fala isso tudo.

Douglas olhou para Ian, mas ele balançou a cabeça em sinal de que também não sabia.

- Não foi de muita ajuda, então.

Eles ouviram algumas risadas altas se distanciando da porta, e Ian balançou a cabeça outra vez sob os olhares de Quim e Douglas.

- Eles se despediram sem dizer nada importante.

- Pelo menos não precisamos nos preocupar por enquanto – disse Quim, se ajeitando melhor no monte de palha. – Se nos mantém vivos é porque precisam da gente assim. Não teria sido trabalho nenhum nos matar lá no correio, então imagino que querem alguma informação da gente. Aposto como é sobre a Srta. Asinhas – ele disse em um tom casual, usando o codinome que inventaram para falar sobre a Ordem da Fênix sem que os outros soubessem.

- E isso deveria ser relaxante? – disse Douglas, incrédulo.

- Bom, suponho que sim. De qualquer maneira, não se pode pensar em um jeito eficiente de escapar com a mente preocupada, então é melhor acreditar que isso é um consolo.

- Ainda acho que essa janela é uma boa solução – disse Ian.

Douglas suspirou. Claro que precisavam deles vivos, mas assim que não precisassem, eles estariam mortos. Quanto tempo isso ia levar? Um, dois dias? Três ou quatro semanas? Cinco meses? Era melhor continuar pensando numa maneira de sair, como Quim sugerira, ou podia dizer adeus ao seu futuro promissor de auror vivo.

N/A: OK, eu menti no capítulo anterior. Esse não ficou tão curto assim, mas em comparação com os tamanhos-monstros que tinha na primeira fanfic… Bem, espero ter mostrado bem o caráter dos personagens até aqui, porque foi pra praticamente apenas isso que serviu o capítulo. Não gostei muito, mas gostei do final e acho que a minha escrita acabou melhorando. Segredinho da receita milagrosa: escutar música do Roxette enquanto escrevo.