Capítulo 13 – Um vampiro e um pequenino

N/A: Eu esqueci de dizer no capítulo anterior que "Bloody Mary" é mesmo uma bebida, e a tradução dela é algo como "Maria Sangrenta" por causa da cor. Agora vocês entendem porque essa senha combina com vampiros.

Às quatro da madrugada, Cinthia, Aline, Fred e Jorge já estavam no tapete mágico rumo a Holanda. Precisavam aproveitar que estava escuro para viajar ou demorariam muito para atravessar um pedaço da Áustria, passando pelo sudoeste da República Tcheca e cruzar a Alemanha até chegar aos Países Baixos. Que é a Holanda, para aqueles Zé-alguém da vida que nunca viram um geoatlas. Quando chegassem, mandariam uma carta a Tonks explicando o que aconteceu, pois ela já deveria ter sido solta quando a coruja chegasse na Hungria sem um feitiço de velocidade. À noite não havia ninguém que trabalhasse nessas delegacias para delitos simples que pudesse solt�-los, então só poderiam sair pela manhã.

Assim que chegaram a Roterdã perto das nove da manhã, uma cidade grande e agitada, eles trataram de comprar chás de holandês, e em seguida enviaram a mensagem a Tonks junto com a fita do gravador.

Eles tentaram descansar nos quartos de um hotel bruxo, mas nenhum deles conseguiu pegar no sono de tão perdidos que estavam nos próprios pensamentos. Aline contava as horas que se esgotavam para às onze da noite; treze horas e meia, treze, doze horas e meia, doze... Fred gastava alguns passos pelo quarto, se sentava na cama, deitava para tentar descansar, se levantava outra vez, ia até a janela e caminhava mais um pouco. Foi só perto da hora do almoço que conseguiu cochilar, mas acordou sobressaltado quinze minutos depois. Cinthia estava tendo problemas para dormir também, mas a insônia era uma companheira antiga e não a incomodava tanto. Quando pudesse dormir sossegada, recuperaria todas àquelas horas de sono, por isso nem se dava ao trabalho de se revirar na cama como Jorge. Quando ele parou de se mexer tanto, Cinthia concluiu que ele tivesse dormido, e pouco tempo depois resolveu tomar um banho.

Já eram onze e meia quando ela se levantou e pegou uma roupa limpa na mala. Remexendo nas vestes, ela encontrou o pacotinho que havia comprado na farmácia quando Aline havia pego pneumonia. Depois de alguns segundos pensando no que fazer com ele, Cinthia entrou no banheiro e trancou a porta.

Quando Jorge acordou do cochilo, já era quase meio-dia. Ele ouviu Cinthia cantando no chuveiro e se perguntou há quanto tempo não ouvia ela fazer isso. Ela devia estar de bom-humor, ou pelo menos melhor que nos últimos dias. Ficou sentado na cama por um tempo, ouvindo ela terminar de cantar.

The colors of the rainbow so pretty in the sky

Are also on the faces of people going by

I see friends shaking hands saying "How do you do"

They're really saying "I love you"

I hear babies cry, I watch them grow

They'll learn much more than I'll ever know

And I think to myself

What a wonderful world

Yes I think to myself

What a wonderful world...

Jorge escutou ela desligar o chuveiro, e alguns minutos depois ela saiu de lá vestida e enxugando o cabelo com uma toalha. Cinthia se sentou na cama, sorrindo ao vê-lo acordado.

- Conseguiu dormir? – ela perguntou.

- Só um pouco. Não consigo parar de pensar se vamos conseguir encontrar o Douglas inteiro. Você parece que está bem mais calma.

- Nem tanto – Cinthia se levantou e pegou uma escova de dentro da sua mala. – Mas eu espero que a Tonks tenha alguma idéia. Ela já deve ter recebido a coruja há essa hora, e eu dei o endereço do hotel para ela mandar a resposta. – Cinthia soltou um bocejo enquanto escovava os longos cabelos. – Eu vou ter que dormir um pouco de tarde, não vou poder esperar pela carta dela.

Jorge abriu a boca para falar que ia ficar acordado quando bateram na porta do quarto. Cinthia deixou a escova na penteadeira e foi atender, achando que podia ser Aline ou Fred. Mas era o carregador de malas do hotel que batera, e ele pigarreou antes de passar a mensagem.

- Daar zijn te dame...

- Fale em inglês, por favor – Cinthia pediu. Ainda não haviam tido tempo de fazer os chás de holandês e ela não entendeu patavinas do que o rapaz dissera.

- Tem uma moça lá em baixo querendo falar com Cinthia Christino. Ela está usando a lareira para hóspedes do hotel. Disse que se chama Tonks e precisa lhe falar urgentemente.

O inglês do rapaz era sofrível, cheio de sotaque e erros, mas Cinthia entendeu a mensagem principal. Ela agradeceu pelo recado e falou que já ia falar com ela, fechando a porta do quarto.

Jorge a olhou surpreso, imaginando o que podia ser tão importante ou urgente que não podia ser dito por uma coruja.

É melhor chamar Aline e Fred também. Troque de roupa enquanto eu aviso os dois.

Cinthia saiu do quarto e bateu na porta dos quartos dos dois, esperando-os no corredor. Os quatro desceram para a recepção do hotel, entrando numa salinha ao lado em que havia algumas poltronas e uma lareira. A cabeça de Tonks se virou para eles no meio das chamas quando entraram, e pediu que Fred, que foi o último a entrar, fechasse a porta.

- Eu não sei se adoro vocês ou azaro um por um – ela começou dizendo enquanto eles se abaixavam para ficar no mesmo nível que ela. – Como é que vocês foram desmemoriar completamente a única pessoa que podia nos levar até os aurores?

- Eu expliquei o que aconteceu na carta – Cinthia disse. – E não foi de propósito. Mas todas as informações de que precisamos estão na fita que eu te mandei. Não tem como vocês fazerem alguma coisa a partir disso?

- O problema é que, supostamente, ninguém a interrogou.

- Eu estive pensando nisso – Cinthia disse. – Três dos suspeitos vocês investigaram na noite passada e acabaram descobrindo nada, não é? Não teria como você sugerir para investigarem os que sobraram só para ver se conseguiam alguma pista?

É uma boa idéia – disse Tonks, seguindo a linha de raciocínio dela. – Eu poderia dizer que, como eles não apresentam muito perigo, só é preciso um auror para investig�-los e me voluntário para seguir Pouget. O problema vai ser explicar como ela ficou desmemoriada...

- Você pode dizer que vocês duas lançaram feitiços, que eles se chocaram e que ela foi atingida pelo próprio obliviate – Aline disse.

É. Mas eu sinto informar que ninguém da minha equipe vai aceitar o depoimento de uma gravação trouxa, principalmente porque eles sabem que eu não uso esses gravadores. Precisamos de provas contra ela, ou algum dos Comensais que a conhecem podem mover uma ação contra a gente. Isso vai dar um rolo danado e vamos ser obrigados a suspender as investigações. Também não vamos poder ir para a Holanda porque vamos precisar do depoimento dela. Temos que achar um jeito de desmemoriar ela o quanto antes, ou vamos empacar nas investigações.

- E quanto ao contato com o vampiro esta noite? – lembrou Jorge. – Não tem como mandar alguém para checar e resolver isso.

- Sem a declaração dela pode ser arriscado. Se algum outro Comensal, ou até amigo ou parente descobre que a acusamos sem poder provar isso porque ela está desmemoriada, corremos o sério risco de perdermos os nossos empregos por botar a culpa em alguém supostamente inocente.

- Bem, nós poderíamos ir – Fred disse lentamente, ainda considerando a possibilidade.

É uma opção – disse Tonks sorrindo. – Essa é uma boa chance para conseguir a informação de que precisamos, e assim não iríamos perder nada.

- Mas e depois, como você vai dizer que conseguiu a informação? – perguntou Cinthia.

- Ah, isso é o de menos. Até lá podemos já ter desmemoriado a Pouget e conseguido descobrir um "plano b" caso esse não desse certo. Eu vou pensar em alguma coisa que não esteja fora das normas.

- Eu estava pensando que você poderia se transfigurar nela, assim seria muito menos suspeito – Cinthia disse.

- Eu não acredito que ele saiba como ela é. Podem ter passado só o nome para ele, o que é mais provável. Mas se vocês forem, só você pode ir falar com ele – disse Tonks, olhando firme para Cinthia, e em seguida virando a cabeça para os outros, já que não podia apontar. – E vocês não podem chegar perto de jeito nenhum, no máximo podem ficar observando da maior distância possível. Vampiros têm excelentes ouvidos e uma ótima percepção do que se passa a volta deles, pelo menos a maioria deles.

- Não seria melhor que eles não fossem? Eu não estou gostando muito dessa idéia.

- Se você não levar a gente, vamos sem que você fique sabendo – Aline disse firme, e Fred e Jorge concordaram com ela.

- Nesse ponto, eu acho que a Cinthia tem razão em não levar vocês – Tonks falou um pouco mais alto que os protestos deles. – Vocês não têm o treinamento de oclumência necessário para enfrentar um vampiro.

- E precisa tanto assim? – perguntou Fred, e Tonks olhou para ele como quem nunca ouviu nada mais absurdo na vida.

- Vocês dois só conhecem os vampiros Decadentes – Cinthia disse para Fred e Jorge. – O que vamos encontrar pode ser um Mestre ou um Perdido, e não apostem que vai ser legal bater um papinho com ele. Esses dois tipos podem entrar na sua mente e descobrir o que quiserem, se transformar em morcegos ou névoa, hipnotizar suas vítimas e até possuir seus corpos. Com a oclumência é fácil de evitar que eles entrem na sua mente, mas mesmo assim há o risco, e vocês não sabem como evitar isso.

- Mas eu também não acho que seja uma boa idéia que você vá sozinha – disse Tonks, e continuou falando rápido antes que Cinthia a interrompesse. – Você vai precisar de ajuda caso ele descubra quem você é e tente te atacar. Eu me sentiria muito melhor se pudéssemos pedir a ajuda dos aurores daí, mas isso está fora de questão. Só não tentem captur�-lo, OK? Isso é trabalho para gente especializada e experiente. Só tentem conseguir a informação.

- Bem, então é só tomarmos cuidado, como sempre – Jorge disse em um tom resignado. – Tem mais alguma coisa que deveríamos saber sobre vampiros?

- Tem muita coisa que era bom vocês saberem, mas eu não vou poder ficar para explicar. Eu disse para o pessoal que ia comprar o almoço e já era para eu ter voltado. Cinthia, você sabe os feitiços que são usados contra eles e as precauções, né?

- Sei sim. Eu ouvi e acompanhei alguns casos sobre eles. Pode deixar que eu sei cuidar deles.

Ótimo! Tomem cuidado, hein. Não façam nada que eu não faria.

- Pode deixar, Tonks.

- Boa sorte! Vocês podem precisar.

A cabeça de Tonks desapareceu nas chamas depois de um estalido, e Cinthia se jogou na poltrona mais próxima.

Vampiros eram extremamente difíceis de se lidar, considerando a vantagem que eles tinham de já estarem mortos e poderem matar com tanta facilidade. Na sua maioria não incomodavam os ainda vivos, bruxos ou trouxas, preferindo lidar com os assuntos de sua própria espécie. Todas as facções de vampiros disputavam entre si por território, poder e reconhecimento, e os bruxos preferiam não interferir em seus negócios desde que não causassem problemas. Vários grupos haviam feito acordos para não atacarem bruxos em troca de serem deixados em paz e atacar quantos trouxas quisessem. Por conveniência, os vampiros eram sempre muito espertos em escolher suas vítimas, e os trouxas só os conheciam por lendas e histórias fantasiosas. Assim não atraíam muita atenção e podiam viver em paz, sem que fossem caçados desmedidamente.

O problema era que alguns desses vampiros não eram tão cuidadosos e eventualmente atacavam algum bruxo, e aí eles precisavam encontrar o vampiro e elimin�-lo por quebrar o acordo que haviam feito com a comunidade bruxa. E tinha até os grupos que não respeitavam esse acordo, e geralmente eram os que davam trabalho para serem eliminados.

Mas quando eles se aliavam com os vivos, aí sim os aurores tinham sérios problemas. Quando lidavam com vampiros e trouxas, tinham que ser cuidadosos para não serem expostos à comunidade não-mágica e ainda proteger os vampiros que cooperavam. E quando lidavam com vampiros e bruxos, bem, aí não precisavam se preocupar muito com o sigilo, mas o trabalho era geralmente três vezes mais perigoso. Por "viverem" eternamente, os vampiros tinham muito tempo para desenvolver seus planos e habilidades, o que tornava alguns mais perigosos que muitos bruxos, e a aliança deles com Voldemort poderia resultar em desastres inimagináveis para a comunidade bruxa, sem falar na possível extinção dos trouxas.

Eram muitos problemas para se preocupar de uma só vez, e Cinthia tentou pensar no que precisariam fazer naquela noite. Os outros perceberam que ela estava preocupada, e Aline sugeriu que fossem almoçar para colocar as idéias em ordem. Ela já estava esquentando a água em seu quarto pouco antes de Cinthia a chamar para irem falar com Tonks, de modo que eles logo tomaram o chá de holandês e saíram do hotel para ir a algum restaurante ali perto.

- Eu suponho que vocês precisem de algumas aulas sobre vampiros – Cinthia disse, depois que chegaram os pratos pedidos no restaurante bruxo.

- Por favor, compartilhe uma parcela de sua sabedoria conosco – Fred falou com um floreio de mãos, e Cinthia pigarreou antes de começar, tentando não rir.

- Bem, primeiro há a classificação deles. Os Deploráveis geralmente são pessoas fracas que foram tão sugadas a ponto da vampirização atingir um estado irreversível de transformação. Isto é, as transforma em um meio termo entre vampiros na forma humana e morcegos. Não servem para nada, pois seus cérebros ficam tão atrasados como o dos morcegos e são descartados pelo vampiro que os mordeu. Alguns bruxos os recolhem e acham utilidades para eles, mas estão tão morto-vivos quanto qualquer vampiro.

- Sem dúvida nenhuma esse é o vampiro que mora no sótão da Toca – Jorge disse. – A única diferença é que ele é um completo inútil.

- Em seguida há os Escravos – ela continuou, sem poder conter uma risadinha. – Esses também não apresentam perigo, pois são impedidos de vampirizar por seus mestres. Eles foram vítimas fortes, de personalidade, e não são sugados apenas como alimento, mas como aliados. Mas eles não podem vampirizar porque, geralmente, seus mestres retiram esse poder deles ou simplesmente os proíbem, dependendo do poder que possuem, e são vigiados e controlados quando saem para se alimentar, o que não acontece toda noite. Eles devem servir e obedecer quem os vampirizou por toda a eternidade, ou até serem libertos ou a morte de seus mestres.

- E eu achava que a minha vida era dura. Nem se compara à morte de um vampiro escravo – brincou Fred.

É, mas pode acontecer de um vampiro Escravo passar a Perdido. Quando um mestre morre mesmo, suas vítimas não voltam ao normal como nas lendas trouxas, mas continuam como vampiros. Aí podem acontecer duas coisas. Se antes eles eram trouxas, vão ser incapazes de começar sua própria facção, pois não podem vampirizar ninguém. Eles não têm poderes suficientes para quebrar o encantamento que seu mestre colocou neles, mesmo depois de sua morte, a não ser em casos muito raros em que o trouxa fosse uma pessoa excepcionalmente forte e tivesse muita ambição. Mas quase todos passam o resto da morte vagando sem nenhum destino. Já os que eram bruxos e perdem seus mestres ou são libertados, tem a capacidade de vampirizar outros mortais e começar suas próprias facções, e podem fazer tudo que um Mestre faz. Por isso os bruxos fizeram um acordo de não-agressão com os vampiros, assim fica mais difícil para eles se multiplicarem e saírem de controle.

- Quer dizer que o Ministério da Magia tem um acordo para deixar esses vampiros em paz enquanto eles continuam atacando os trouxas? – perguntou Aline, achando aquilo extremamente injusto enquanto se faziam campanhas para que os bruxos tratassem os trouxas como iguais. Aquilo parecia mais um acordo de autopreservação.

- Não estou dizendo que é justo, mas é o que é. E é tanto vantagem para os bruxos quanto para os vampiros, já que isso elimina as chances de surgirem dez vezes mais concorrentes pelo poder entre eles caso algum Mestres morra. Eles mantêm uma constante luta pela sobrevivência entre si, e quanto menos concorrentes, melhor.

- E você disse que o contado na danceteria é provavelmente um Perdido – Aline lembrou preocupada.

- Ou até um Mestre. Esses são os mais perigosos, pois contam com dezenas de escravosàs vezes chegam a centenas. Eles formam seus pequenos exércitos particulares para não precisarem enfrentar seus inimigos cara a cara e simplesmente para terem alguém que os obedeça. Eles se tornam muito arrogantes com a idéia da imortalidade e poder, e eventualmente gostam de mandar nos outros. Eles também são avisados que estão correndo perigo quando muitos de seus escravos são eliminados, e tratam de despistar quem quer que esteja atrás deles. A maioria dos Mestres já tem séculos de existência, e é muito difícil para os aurores capturarem um deles. São os Perdidos que pensam em se tornar mestres que geralmente são mortos pelos aurores, e ainda assim é difícil de encontr�-los.

- Bem, então nós só temos que tomar cuidado com a esperteza de séculos desses vampiros. Mas, pelo que você disse, nós não precisamos nos preocupar com a vida pós-morte – Fred disse. – Afinal, há um tratado de não-agressão.

- Bom, nem todos os vampiros costumam cumprir com o tratado – Cinthia tomou um gole de suco antes de continuar. – Os Mestres mais ambiciosos sabem que vampiros que foram bruxos têm mais poder que os de linhagem trouxa, e vêem neles grandes aliados. Algumas vezes eles vampirizam bruxos apenas para libert�-los e assim formar uma aliança. As alianças são mais fortes que as facções individuais, pois consistem de mais de um mestre tentando alcançar o poder, e isso é determinação multiplicada, não dividida. Quando uma aliança chega ao status máximo matando o vampiro mais poderoso, logo se segue um período de traições entre os aliados em que o mais esperto geralmente assume o título de Conde, que não tem nada a ver com os condes trouxas de antigamente. Eu tenho a impressão de que o conde atual se chama Vlad Tpish, e seu território fica no sul da Rússia. Ele está em guerra declarada com Abdur Balkan do Nepal, na Ásia, e Zádar Hatalom da Croácia, na Europa. Vlad conseguiu eliminar os condes da Europa e da Ásia, por isso Abdur e Zádar fizeram uma aliança temporária para elimin�-lo, assim cada um consegue o título de conde do próprio continente no final. Só que essa guerra já vem durando cento e sessenta anos, e não parece que vai acabar tão cedo.

- Como é que pode nada disso aparecer no Profeta Diário? Até as guerras trouxas são reportadas, e eu nem fazia idéia de que existiam vampiros mais espertos que o da Toca – Jorge disse, surpreso com todas aquelas informações.

- Isso é algo que o Ministério não quer que o povo bruxo saiba. Supostamente, o tratado com os vampiros funciona cem por cento, e não há motivos para que a comunidade bruxa fique sabendo das guerras de seres que já estão praticamente mortos. O Ministério sempre preferiu esconder os submundos que dividem o dia a dia com o resto dos bruxos; foi assim logo depois que Vocês-Sabem-Quem ressurgiu, lembram? E nunca houve motivo para se alarmarem com as guerras dos vampiros, então não tem nenhuma razão para colocarem essas notícias no Profeta Diário.

Cinthia parou de falar para respirar um pouco e comer, já que ela mal havia tocado no prato desde começara a dar aquela aula básica sobre vampiros para os outros. Mas os outros haviam comido tão pouco quanto ela, de tão impressionados que ficavam com o que ouviam. Aline estava de boca aberta e já havia esquecido de continuar comendo há muito tempo, e Fred até segurava o garfo a meio caminho da boca.

- Eu devia avisar vocês que vampirizar não é o único poder que os vampiros têm – Cinthia achou que era uma boa hora para lembrar eles do perigo que era a acompanharem naquela missão. – Eu já mencionei que eles são capazes de invadir a mente dos outros, hipnotizar, comandar seus atos e possuir seus corpos, mas eles ainda são mais fortes que os mortais e podem se transformar em morcegos ou névoa para se locomoverem. E deve-se ter um cuidado especial com os dentes deles, pois as presas só aparecem quando eles querem se alimentar ou vampirizar alguém. Hum... a maioria deles também tem uma lábia incrível, mas isso não é necessariamente perigoso. De qualquer jeito, vocês entendem agora porque eu acho muito arriscado vocês me acompanharem dessa vez?

- Absolutamente – Aline disse, balançando a cabeça.

- Mas é um motivo a mais para irmos com você – acrescentou Jorge. – Vai que, mesmo com a oclumência que você fez, ele acaba entrando na sua mente? Alguém precisa estar lá para te ajudar.

- Duvido muito que ele consiga passar pela barreira que aprendi a fazer, mas é sempre bom estar em maior número. Os vampiros não conseguem hipnotizar muitas pessoas de uma vez, e quando algumas delas são capazes de bloquear suas mentes, o trabalho fica ainda mais difícil. Seria o mesmo que ter duas ou três mentes ao mesmo tempo e tentar fazer coisas diferentes com elas. É um quebra-cabeça, literalmente.

- Então você se sente mais segura com a nossa presença l�, se entendi o que você quis dizer – Jorge disse, sorrindo.

- É mais ou menos isso. Mas seria bom que vocês aprendessem alguns feitiços que podem ser úteis caso ele ataque. Sendo ele um vampiro, não precisamos lev�-lo inteiro para os aurores, só a informação basta. Vamos precisar, no mínimo, fazer com que ele conte os motivos de estar se juntando a Vocês-Sabem-Quem e quem mais está fazendo o mesmo.

- E na pior das hipóteses nós...

- O matamos. Não me olhe com essa cara, Fred, ele já está praticamente morto. E é difícil que ele nos dê outra escolha.

- OK. Quais são os feitiços que vamos precisar saber? – perguntou Aline com a voz mais baixa.

- Bem, feitiços estuporantes não funcionam muito bem neles, só atordoam, e quando eles se transformam em morcegos fica difícil de mirar. Nenhum feitiço funciona quando eles estão na forma de névoa, eles simplesmente atravessam eles, por isso existe um feitiço de isolamento. Depois que almoçarmos eu mostro como se deve execut�-lo. Também é bom saber conjurar uma estaca de madeira, isso é bastante útil e simples. Apenas os escravos e deploráveis são afetados por cruzes e cabeças de alho, por isso duvido que tenham qualquer efeito sobre o que vamos encontrar, e aqueles que já vampirizaram alguém são resistentes o suficiente para sair na luz do dia, por isso o feitiço lumus soleim pode não funcionar. – Cinthia suspirou com a falta de opções deles. - Tem tão pouca coisa que se pode fazer contra os vampiros... por isso o Ministério tem medo de que eles se multipliquem e fiquem fora de controle.

- Bem, sempre tem uma opção que funciona com qualquer espécie de criatura viva, morta ou morta-viva – Fred disse pensativo. – E geralmente elas acabam mortas.

- E qual é? – perguntou Aline interessada.

- Explodir a cabeça do individuo.

- Fred, eu ainda estou comendo! – Aline disse com cara de nojo.

- Desculpa, não falo mais nisso. Mas uma outra opção seria arrancar o intestino dele e fazer um ensopadinho...

- FRED! PARA COM ISSO!

À tarde, Cinthia ensinou os outros a fazer um feitiço de isolamento, assim o vampiro não poderia escapar nem como névoa. Eles levaram algum tempo até pegar o jeito, e tiveram que praticar várias vezes para que a barreira ganhasse uma consistência esverdeada e transparente.

Conjurar uma estaca de madeira e fazer com que ela voasse para o peito do vampiro era bem mais simples, mas eles tiveram que treinar pontaria. Aline conseguiu acertar o coração do boneco que haviam conjurado bem antes que os outros três devido aos seus estudos de anatomia no curso de medibruxa, e Jorge insistia em acertar o meio do peito enquanto que o coração ficava mais para a esquerda.

As horas passaram rápido, e mesmo o intervalo que fizeram para jantar foi curto para que voltassem a praticar. Não tiveram dificuldades para encontrar a Flying Discos, já que era uma filial da danceteria de Luciana e já sabiam em que rua ficava.

Luciana conseguiu expandir bem seus negócios devido ao sucesso imediato da primeira danceteria, e estava espalhando outras pela Europa. Atualmente tinha negócios na Inglaterra, Holanda e França, e não permitia a entrada de não-mágicos, mas fazia uma exceção aos abortos porque era filha de um. O grande sucesso das suas danceterias em grande parte era devido à qualidade dos estabelecimentos, mas também porque era um mercado pouco explorado na Europa. Ela havia tirado a idéia quando fez uma viagem ao Canadá em uma de suas férias. Os bruxos da América do Norte se esforçavam em acompanhar o progresso enquanto que na Europa eles mantinham as mesmas tradições por séculos. Havia muitos jovens bruxos na Europa que eram a favor do progresso e se identificaram com a danceteria por ser algo moderno, o que já era comum em quase toda a América. Sem dizer que os fantasmas que queriam dar uma virada em suas mortes (ou que nunca bateram bem da cabeça mesmo) também freqüentavam o lugar, e não eram poucos.

Um pouco antes do horário combinado, eles aparataram para o lugar, mas tinham que entrar pela porta da frente por causa dos feitiços que impediam a aparatação dentro do local, o que era muito comum em qualquer estabelecimento. Ou melhor dizendo, eles teriam que entrar pela porta dos fundos. A fachada do lugar parecia abandonada, um predinho comum e apagado de dois andares espremido entre dois altos edifícios. Entre a danceteria e cada um dos edifícios havia um beco, sendo que a entrada ficava à direita e a porta dos fundos à esquerda, para emergências. Eles entraram na estreita passagem da direita, e no final encontraram a porta de entrada com um letreiro em néon encima indicando o nome do lugar.

Fred tentou abrir a porta, mas ela estava trancada. Ele ia perguntar como faziam para entrar, mas assim que se virou para os outros uma voz saiu da lata de lixo. A tampa se entortou e levantou apenas um canto formando uma espécie de boca, e dela saia uma voz jovial e masculina, levemente metálica.

- Peraê, camarada mágico! Vocês precisam de um carimbo e uma cartinha de consumação pra entrar. Sem pressa, irmão.

- E é com você que a gente consegue o carimbo? – perguntou Aline, se achando um pouco idiota por falar com uma lata de lixo.

- É isso aí, maninha! Acertou na mosca! É só levantar a minha tampa e colocar a mão aqui dentro. Eu prometo que não mordo.

A lata de lixo ficou imóvel, esperando que eles fizessem o que ele disse. Jorge foi o primeiro, já que Aline continuava olhando torto para a lata e ninguém mais se mexeu. Mas assim que ele levantou a tampa teve uma leve surpresa ao ver três mãos ligadas ao interior da lata por bracinhos finos e maleáveis. Uma delas puxou a sua mão esquerda e outra a carimbou, enquanto que a terceira pegou um papelzinho no fundo e entregou a ele. Ele fechou a lata de lixo ainda surpreso, levantando a mão esquerda na altura do rosto para ver melhor o carimbo.

- É, ele não morde, mas mesmo assim deixa uma marquinha. Vão em frente.

Os outros também foram carimbados e receberam as cartas de consumação. Assim que Fred colocou a tampa em seu lugar, a porta à frente deles se abriu, mas ainda não era a pista de dança. Enquanto entravam, puderam ouvir a lata de lixo dando um último recado:

- Aproveitem a música, irmãos. O DJ dessa noite é o alucinante Moija Koca. Fiquem ligados!

Eles entraram naquela salinha e já podiam escutar a música passando baixinha pelas paredes. Havia dois balcões de cada lado, e na parede atrás deles havia letras em néon azul e vermelho dizendo "Curtindo" de um lado e "Dando o fora" do outro. Eles se dirigiram para os bruxos que estavam nos balcões de "Curtindo", obviamente, e eles verificaram o carimbo, dizendo que os salgadinhos eram por conta da casa, e as bebidas seriam marcadas automaticamente nas fichas que eles haviam recebido e que deveriam ser pagas nos balcões do outro lado da sala.

- Aproveitem a música – disse a jovem bruxa mais perto da porta, e esta se abriu automaticamente para que eles passassem.

O som estava bem alto, o que não era de se espantar para uma danceteria, e a batida constante marcava o ritmo da música, acompanhado por luzes piscantes que, numa segunda olhada, perceberam vir da própria parede, que era de um verde luminoso e ficava piscando. O lugar era umas sete vezes maior do que parecia ser do lado de fora, e o teto também era mais alto. Mais ao fundo e do lado esquerdo havia uma plataforma em que estava o DJ, e alguns CDs flutuavam à sua volta enquanto ele fazia um deles girar com a varinha para tocar a música, e às vezes ele misturava dois. Do lado direito ficava o bar, que pegava um pedaço da parede do lado em que entraram e fazia uma curva, ocupando metade da parede da direita. Entre o bar e as pessoas que dançavam havia algumas mesas, e estavam todas ocupadas. Perto da porta havia três seguranças de aparência ameaçadora, e também mais alguns espalhados pelos cantos da danceteria para evitar que as exibições de mágica não virassem tumulto, e havia muitos exibidos ali. Tinha até uma rodinha de fantasmas com roupas dos anos sessenta em um canto da pista, e eles pareciam bem à vontade.

Aquele certamente era o último lugar do mundo que Cinthia entraria por livre e espontânea vontade, mas tinha que admitir que Luciana havia feito um ótimo trabalho com a danceteria. Pelo menos ela não ia precisar dançar, o que a consolava um pouco, já que nunca gostara disso.

Eles se aproximaram da ponta do bar onde a música era abafada por um feitiço para que as pessoas pudessem conversar melhor, mas ainda assim era bem audível.

- Só a Luciana pra criar um lugar desses – Aline disse, ainda olhando para o lugar a sua volta.

- Só não entendo como foi que o Olívio deixou ela fazer toda a decoração do lugar em verde – Jorge disse, sentindo como se tivesse sido jogado no meio de uma festa da Sonserina.

- Ela sempre gostou de verde – Cinthia explicou. – Ela tem uma paixão pela cor, e não é só por causa do Olívio que ela ia mudar de opinião tão fácil. Quando ela coloca uma coisa na cabeçaé impossível tirar.

Ela percorreu os olhos pelo bar procurando por alguém que se parecesse com um vampiro, mas eles eram tão parecidos com os bruxos que era difícil de identific�-los. Por fim ela viu na outra ponta do bar um homem falando com o barman, mais pálido que o normal e cabelos negros que caiam provocantemente no seu rosto, mas não eram muito compridos. Ele não tinha nada que o diferenciasse dos bruxos, sendo que ele estava vestido com roupas escuras de bastante classe até, mas o que chamou a atenção de Cinthia foi o fato de que não havia ninguém sentado perto dele por uma distância de cinco banquetas. Umas duas vezes ela viu alguém ir se sentar ali perto, mas logo em seguida a pessoa dava meia volta. Só podia ser ele.

Ela se virou para os outros para passar as últimas recomendações- Olhem, lá está o vampiro – ela acenou com a cabeça para a outra ponta do bar. – Eu preciso que vocês fiquem nesse lado do bar observando. Só venham me ajudar se ele me atacar ou quando eu der o sinal, que é puxar o cabelo para um lado.

- Tem certeza que não quer que a gente use as Orelhas Extensíveis? – perguntou Jorge pela vigésima sétima vez naquela noite.

- É melhor não. Acredite, vampiros são muito desconfiados e ele certamente ia perceber qualquer coisa estranha, por mais disfarçado que estivesse. Eu vou ficar bem, afinal, não fiz oclumência à toa.

- Mas você nunca precisou fechar sua mente antes – lembrou Jorge, ainda preocupado.

- Mas isso é como andar de vassoura; você nunca esquece. E não estranhem se demorar um pouco para eu conseguir a informação, vampiros gostam de fazer joguinhos mentais e são muito temperamentais. Eu sei que fica um pouco difícil de ver a gente daqui por causa dessas mesas, mas assim ele também não vai ver vocês.

- Tome cuidado – Aline disse antes que Cinthia se afastasse deles.

- Não se preocupem, eu sei fazer isso.

Mas enquanto Cinthia andava até a outra ponta do bar, não pôde deixar de pensar que só sabia fazer isso na teoria. Ela só tentara acalmar os outros, mas estava tão receosa de enfrentar um vampiro quanto eles. Havia conseguido passar nos testes do seu mentor, que era um dos mais renomados na arte da Oclumência e da Ligitimância, mas não pôde deixar de pensar que era muito mais fácil e natural para um vampiro invadir a mente dos outros.

Ele estava sentado na última banqueta do bar, e Cinthia fechou sua mente assim que chegou perto, se sentando a umas duas banquetas dele. O barman veio atendê-la, e o vampiro olhou para ela interessado, provavelmente por não conseguir afast�-la dali como os outros.

- Um Bloody Mary, por favor – ela pediu, e o barman se virou para pegar um copo e uma garrafa. Cinthia viu pelo canto do olho esquerdo o vampiro se levantar e se sentar na banqueta a seu lado, e ela teve o impulso de sair correndo para bem longe dele. Mas ela precisava se acalmar, ou ele poderia invadir a sua mente com facilidade se ficasse assustada e se distraísse.

O barman colocou o copo em cima de um guardanapo, e Cinthia mexeu um pouco o guarda-chuvinha que vinha junto. Ele se afastou dali para servir outras pessoas, e Cinthia não sabia se isso era bom ou ruim não ter outra pessoa por perto.

- Sabe, vocês fez um pedido bem interessante. O Bloody Mary é a minha segunda bebida favorita – a voz do vampiro alcançou os seus ouvidos e parecia ser feita de veludo, soando grave e suave.

- Suponho que seja porque o nome lembra muito a sua bebida favorita – Cinthia disse, se virando para ver o rosto do vampiro. Ele deu um sorriso sem mostrar os dentes, mas já era o suficiente para Cinthia reparar nos traços bonitos de seu rosto. Ele não aparentava ter mais que vinte e cinco anos, mas essa devia ser a idade em que ele foi vampirizado. Os olhos azul-gelo dele a olhavam avaliadores, mas sempre mantendo uma expressão suave e curiosa.

- Está absolutamente certa. – Dessa vez ele abriu o sorriso, mas suas presas estavam recolhidas. – Me chamo Julian Durjon.

- Didier Pouget – Cinthia disse estendendo a mão, mas ao invés de simplesmente apert�-la, o vampiro a beijou educadamente. Seu toque não era tão frio como ela esperava, mas mesmo assim não parecia o de uma pessoa viva. Cinthia recolheu depressa a mão, se lembrando que alguns vampiros eram tão convencidos que chegavam a ser descaradamente galanteadores. Aquele tipo não era mais perigoso, só mais chato de se lidar. – Bem, imagino que você tenha um bom lugar para esconder a carga – Cinthia disse, se lembrando de como a verdadeira Didier havia chamado os aurores.

- Sim, mas qual é a pressa de falar em trabalho? Pelo que eu sei, você não vai sair daqui até que eu diga onde é o lugar, e eu apreciaria uma companhia para conversar.

Cinthia desviou o olhar dele, sabendo que era mais fácil dele invadir sua mente com contato visual, e também porque não estava gostando do jeito que ele a olhava. Ela o observou com o canto do olho, mexendo outra vez no guarda-chuvinha do seu Bloody Mary. Ele não desviou nenhuma vez sua atenção dela, e Cinthia se sentia incomodada.

- Acontece que é importante para nós obtermos essa informação o quanto antes – ela disse, tentando cortar o papo dele.

- Eu sei, Didier, mas no momento eu não estou com vontade de contar. Como eu sou o único que pode te dar essa informação, suponho que você não tenha outra opção senão conversar um pouco.

Cinthia se virou para ele outra vez, não gostando da confiança de Julian. Aquilo era verdade, e se ela o irritasse ele poderia simplesmente sair dali sem dar a informação. O jeito era fazer as coisas do jeito dele, mas sem deix�-lo muito confiante.

- Bem, podemos conseguir um outro lugar para guardar a carga, mas admito que os aurores não vão pensar em procurar em algum lugar relacionado aos vampiros. É apenas por isso que ainda estou esperando a sua informação.

- Então ambos vamos ter o que queremos se você esperar um pouco. Vamos Didier, tome alguma coisa. Não faz mal dar uma relaxada no serviço de vez em quando.

"É isso o que você quer, não é" Cinthia pensou para si mesma, cuidando para esconder aquele pensamento também, mas nem tocou no copo de Bloody Mary.

- Certamente, mas eu prefiro terminar meu trabalho antes de relaxar. Você poderia me dar o nome do lugar e depois nós podemos conversar.

Julian deu um sorriso que fez Cinthia ter calafrios. Não era um sorriso muito diferente dos outros, talvez um pouco menos suave, mas ela não entendia o que poderia tê-lo feito sorrir. Mas em seguida ele olhou para a pista de dança e seu rosto ficou mais brando, sem nunca abandonar o ar de superioridade.

- Você conseguiu fazer com que eu perdesse a vontade de conversar – ele disse baixinho, acentuando a voz de veludo e se virando para ela outra vez. – Mas podemos aproveitar que estamos em uma danceteria, e depois de uma dança ou duas eu te passo a informação que tanto quer. O que me diz?

"Era só o que me faltava" Cinthia pensou, amaldiçoando Luciana por ter construído aquele lugar. Esperava não ter que dançar, apenas pegar a informação e dar o fora dali. Mas só uma ou duas danças não matavam ninguém, e talvez essa fosse a maneira mais rápida de fazê-lo passar a informação.

- Tudo bem. Mas você tem que me dar a sua palavra.

- Como quiser.

Ele se levantou e ofereceu a mão a ela. Cinthia não a aceitou, mas andou com ele através das mesinhas para a pista. Esperava ficar ali perto, em um ponto que ainda era visível para Aline, Fred e Jorge, mas Julian começou a contornar algumas pessoas que dançavam em direção ao fundo da danceteria.

- Não gosto de aglomerações – ele disse, percebendo que ela relutava em segui-lo. – Onde tem menos gente é mais fácil de dançar. – Ele a pegou pela mão e a levou pelo meio da multidão sem que ela pudesse retrucar.

Naquela parte da danceteria havia uma parte aberta do andar de cima para os clientes vip com sofás confortáveis, e uma escadinha em espiral a ligava ao chão. A pista de dança se estendia até para baixo dessa plataforma, mas havia bem menos gente ali que no resto do lugar.

Cinthia olhou alarmada para trás procurando os cabelos ruivos de Jorge e Fred, mas toda aquelas pessoas dançando a impediam de ver qualquer parte do bar. Julian parou onde a plataforma vip fazia sombra sobre a pista e poucas pessoas dançavam, e Cinthia reparou só então, assustada, que ele era bem mais alto que ela, sem falar que, obviamente, era mais forte. A única coisa que a impedia de sair correndo era o fato de que ela conseguia proteger sua mente dele, e isso era uma grande vantagem quando se lidava com vampiros.

Do outro lado da danceteria, Aline, Fred e Jorge estranharam a saída de Cinthia, principalmente porque ela odiava dançar.

- Vocês conseguem ver ela? – Aline perguntou, já que era bem mais baixa que os gêmeos.

- Não – Fred disse se espichando. – Eles devem estar do outro lado da pista.

- Vamos atrás deles então – Jorge disse, se levantando e indo para a pista.

- Mas ela disse que só era para ir se ela desse o sinal ou ele a atacasse – lembrou Aline.

- E você acha que ele não pode atac�-la dançando? Vamos, mesmo que ela não tenha conseguido a informação ainda. A segurança dela é mais importante.

Eles começaram a andar no meio das pessoas que dançavam, procurando Cinthia e o vampiro por toda a pista, mas havia tantas pessoas que eles não conseguiam vê-la, muito menos se movimentar no meio daquela aglomeração.

E Cinthia não estava se divertindo nem um pouco dançando com Julian. Ele não tirava os olhos dela, e Cinthia se arrependia de ter ido com uma roupa tão justa. Teria ido de pijama e pantufas se soubesse que ia precisar dançar, mas agora era um pouco tarde para pensar nisso. Ela procurava olhar para todos os lados, evitando os olhos dele, mas estava começando a ficar impaciente.

Quando o ritmo mudou e Julian chegou mais perto, Cinthia sentiu urgência em sair de perto dele, de preferência deixando o seu pescoço bem longe da boca dele. Ela tentou se afastar um pouco, mas ele a segurava firmemente, apesar de não machuc�-la. Cinthia tentou entrar no jogo dele para poder sair logo dali.

- Já que esta é a segunda dança, porque você não me passa a informação enquanto dançamos? – ela tentou sorrir enquanto falava, mas sabia que isso não ia enganar um vampiro.

- Eu acho que não vou passar a informação para você, Cinthia – ele sussurrou em seu ouvido, e Cinthia se alarmou ao ouvir o próprio nome vindo da voz dele. Julian a segurou mais forte, impedindo que ela fugisse e prendendo seus braços para que não alcançasse a varinha, e continuou sussurrando ameaçadoramente- O bloqueio mental que você fez não foi forte o suficiente para me manter fora da sua mente, mas você pode gostar de saber que me deu algum trabalho para contorn�-lo sem que você percebesse.

- Me largue – ela disse entre dentes, tentando se soltar dele. – Eu não vim aqui sozinha, e você vai se dar muito mal se os outros não verem que eu estou bem.

- Ah, você está falando dos gêmeos ruivos e da sua amiga nanica no outro canto do bar? Aqueles que não são aurores? Eu não acho que eles consigam nos ver daqui, e tenho a nítida impressão de que você não disse nada a eles sobre te socorrer de uma dança.

Cinthia ainda tentava expuls�-lo de sua mente ao mesmo tempo em que tentava se soltar dos braços dele, mas as duas coisas pareciam difíceis. Ele era mais forte que uma pessoa viva, por isso a prendia sem dificuldade, mas agora ela podia sentir os esforços dele para quebrar as últimas barreiras de sua mente que impediam que ele a hipnotizasse. Tanto seu corpo quanto sua mente estavam doloridos na tentativa de se livrar dele.

- Se você não me soltar agora, eu juro que grito chamando os seguranças.

- Eu acho que eles acabaram de deixar o recinto – ele sussurrou meio rindo, agora tão perto dela que seus lábios roçaram de leve na sua orelha. Ele parecia estar se divertindo com os esforços dela para se soltar. – O barman é um amigo meu, um aliado pequeno por assim dizer, e as mentes daqueles seguranças eram tão fracas que até ele conseguiu controlar todos de uma vez. Você está dando muito mais trabalho que eles, mas esse foi o seu erro. Se eu tivesse conseguido entrar na sua mente desde o começo, eu não teria enrolado tanto para passar a informação. Bom, eu ia acabar descobrindo que você não era a Didier, então você ia ficar sem a informação de qualquer jeito.

- Aposto como você ia controlar a Didier e não ia dar a informação a ela tampouco.

- Você devia saber que a palavra de um vampiro é a única parte confiável do nosso temperamento, isso se os outros também manterem suas promessas. Confesso que havia uma parte que Didier desconhecia do acordo que eu fiz com os Comensais da Morte, mas não se pode dizer que eu estivesse quebrando uma promessa.

- Do que você está falando? – Cinthia não se importava em disfarçar o medo agora, agora se preocupando mais em mantê-lo fora da sua mente.

- Acho que é justo te contar que eu sou um vampiro perdido, como você havia suspeitado. Eu mesmo matei o meu mestre – ele disse, com um tom de orgulho doentio na voz. – Como isso foi há poucos anos, Didier seria a minha primeira escrava.

Cinthia empalideceu ao ouvir aquilo, tentando mais do que antes se soltar. A ligação entre um mestre e seu primeiro escravo era a mais difícil de ser quebrada, o que diminuíam muito suas chances de ser libertada. Agora via que havia feito um favor a Didier ao desmemori�-la.

Julian riu do esforço dela em se soltar, e Cinthia duvidou que houvesse alguém prestando atenção nesse detalhe naquela danceteria. Então se lembrou que quase todos ali eram bruxos e que pelo menos um a ajudaria a se livrar de um vampiro, e quem sabe Jorge e os outros a ouvissem.

- SOCor...

Julian tapou sua boca, mas mais que outra coisa, Cinthia sentiu nojo do jeito com que ele a impedira de chamar ajuda, beijando-a para abafar o grito. Ela sentiu as presas dele crescerem dentro da sua boca enquanto tentava se afastar e jogou a cabeça para o lado assustada, arranhando o lábio nos caninos afiados dele.

- Agora ficou mais fácil – ele disse sorrindo, e logo depois Cinthia não sentiu mais nada, nem medo e nem o corte.

Julian não precisava mais segur�-la com força. Cinthia havia ficado tão assustada que esqueceu de manter as barreiras em sua mente, e assim ele pôde finalmente hipnotiz�-la. O olhar dela estava fixo em algum ponto atrás dele, sem expressão, sem vontade, tornando-a uma presa fácil agora.

Primeiro, Julian passou o dedo fino no lábio dela, provando o sangue que escorria do arranhão. Então ele inclinou a cabeça de Cinthia e afastou uma longa mecha de cabelo do pescoço, se preparando para mordê-la. Mas ele sentiu uma cutucada nas suas costas na altura do coração e fechou a boca.

- Afaste-se dela se não quiser que eu finque uma estaca em você agora mesmo – Jorge disse, tomando cuidado para que as outras pessoas não vissem sua varinha nas costas dele. Fred e Aline ficaram na frente do vampiro, também o ameaçando discretamente com as varinhas apontadas para o coração dele. Julian a soltou, mas Cinthia continuava hipnotizada.

É melhor resolvermos isso lá fora – Aline disse olhando em volta. Havia muitas pessoas ali perto, e eles não queriam chamar atenção.

Eles foram até a porta dos fundos, que não estava muito longe deles, mas Cinthia não se mexia.

- Tire ela desse transe – Jorge disse, cutucando a varinha nas costas do vampiro.

- Não enquanto vocês tiverem essas coisas apontadas para mim – ele revidou, e em seguida falou com a voz muito mais suave- Venha, Cinthia.

Ela andou na direção deles, mas seu olhar continuava tão vago e vazio quanto antes. Jorge sentiu muita vontade de dar um soco naquele vampiro, cerrando os punhos para se controlar.

Fred arrombou a porta dos fundos e Aline executou rapidamente o feitiço de isolamento em todo o beco para que o vampiro não escapasse, como Cinthia havia ensinado. Mas o problema era que ela não podia usar outro feitiço enquanto fazia o isolamento, pois precisava se concentrar para que a barreira não se quebrasse.

Julian olhou para aquela luz esverdeada no beco e nem tentou escapar, sabendo o que era. Ele estava de costas para a parede da danceteria, e as varinhas de Fred e Jorge estavam apontadas para eles. Eles haviam virado o jogo, mas o vampiro não deixaria que isso durasse muito tempo.

- Deixe-a ir – Jorge disse outra vez, mal controlando a raiva na voz, mas Julian apenas sorriu.

- Eu fiz um acordo, e o meu pagamento pela informação seria uma escrava bruxa. Eu não vou solt�-la.

- Se você não fizer isso agora, eu não tenho nenhum motivo para te manter vivo.

- Quer dizer que vocês não querem mais saber para onde o seu amiguinho auror est�?

- Você já deve ter contado a ela – Aline disse.

- Como vocês podem ter tanta certeza disso?

Nenhum deles respondeu. Se ele não tivesse mesmo passado a informação, então ainda não podiam mat�-lo, mas se ele já tivesse dito a Cinthia, eles estavam perdendo tempo.

- Espere um pouco – Fred disse. – Você devia passar a informação de onde os aurores podem ser escondidos, e não de onde eles estão. Nós podemos descobrir isso sem você.

Julian soltou uma risada fria, breve e desdenhosa diante do comentário de Fred.

- Você acha? Eu sei o que Didier falou a vocês, mas ela não sabia do plano todo. Os aurores já foram entregues aos outros vampiros do meu grupo e levados a um lugar seguro. Eu, sendo o mais forte deles e dono do lugar, fui o único que saiu de lá para passar a localização aos Comensais da Morte e, como recompensa, eu conseguiria uma escrava. Didier não fazia idéia disso, tampouco vocês.

- Trate de tir�-la desse transe, ou eu juro que nós vamos achar uma maneira de conseguir essa informação sem você – Jorge ameaçou outra vez. Simplesmente não ia deixar que Cinthia fosse vampirizada por causa de uma informação, ainda mais por um vampiro tão arrogante.

- Muito bem, você me convenceu – Julian falou calmo e despreocupadamente. – Pensando um pouco, ela não seria uma boa escrava. Daqui a alguns meses eu ia precisar matar o bebê porque ele não me serviria de nada, e ela ia ficar furiosa comigo, rebelde. Escravos assim são difíceis de controlar.

- Bebê...? Do que você está falando! – Jorge arregalou os olhos, achando que não havia entendido direito o que ele havia falado.

- Ahé mesmo... - Julian lançou um olhar avaliador para Cinthia, que estava parada ao lado de Aline. Depois de ver o que queria dentro da mente dela, olhou para Jorge com um sorriso de desdém. – Ela não contou a você. Isso não é triste? Já tem quase dois meses e ela não contou nem ao pai da criança. A meu ver, parece que ela não tem muita confiança em você...

- DEIXE-A IR, AGORA! – cada sílaba de Jorge tremia de raiva, mas o vampiro continuava a sorrir arrogantemente.

- OK, OK. Eu já disse que você me convenceu – ele disse com a voz cheia de sarcasmo.

O que aconteceu em seguida foi muito rápido, e eles mal tiveram tempo para pensar. Julian fez um largo gesto com a mão, Cinthia piscou algumas vezes antes de desmaiar e Aline precisou segur�-la, mas não conseguiu sustentar o peso da amiga e acabou indo ao chão também. Jorge deu alguns passos na direção delas para ver se Cinthia estava bem, mas apenas Fred e Julian perceberam que a barreira havia se quebrado. Fred conjurou uma estaca de madeira e a lançou no vampiro, mas ela simplesmente atingiu a parede e caiu no chão de cimento enquanto Julian se transformava em névoa.

- Gostou do truque?

A voz veio da própria névoa, e de repente Julian se materializou bem na frente de Fred, segurando com força seu pulso para que ele não lançasse outro feitiço. Por ser um vampiro, Julian era muito mais forte que uma pessoa comum, e Fred ficou sem ar com a força do soco que ele deu em seu estômago em seguida.

- Isso é por tentar me matar.

Julian soltou o braço de Fred e se transformou novamente em névoa enquanto Jorge tentava lançar um feitiço estuporante nele. Fred caiu de joelhos no chão sem fôlego enquanto o vampiro desaparecia no meio da noite sem deixar rastros. Os três estavam estáticos com a fuga repentina de Julian, tentando processar aquela informação.

- Tipo... acho que quebrei as tripas... – Fred disse depois de um tempo, respirando ainda com certa dificuldade, e Jorge o ajudou a levantar colocando um braço dele em seu ombro. – A Cinthia bem que avisou que eles eram fortes... Ui!

- Como ela est�? – Jorge perguntou para Aline, que apoiava a cabeça da amiga no colo. Seus olhos estavam escuros de preocupação.

- Só desacordada. É o que geralmente acontece depois de... olhem, ela está acordando!

Cinthia piscou algumas vezes, tentando lembrar onde estava. Assim que se lembrou do vampiro, levantou a cabeça rapidamente, se sentando assustada na calçada, tremendo.

- O-o que aconteceu? – ela disse olhando de um rosto para o outro a sua volta. – Onde está o Durjon? O que ele fez?

- O vampiro acabou de escapar, se esse era o nome dele – Fred disse, ficando em pé sem a ajuda de Jorge.

- Ele te hipnotizou – explicou Aline. – Conseguimos tirar vocês da danceteria antes que ele te mordesse. Mas quando conseguimos fazer com que ele te tirasse do transe, ele acabou fugindo.

- Hum, estou me lembrando do que aconteceu antes... - Cinthia levou a mão ao corte no lábio, percebendo que ele ainda sangrava um pouco. E ela ainda tremia por causa do susto, mas precisava pensar em coisas mais urgentes. – Vocês conseguiram descobrir onde eles vão levar os aurores?

- Ele escapou antes – Fred disse. – Mas, pelo que ele falou, o Douglas e os outros aurores já estão nesse esconderijo que ele e outros vampiros iam arranjar.

- Bem, vamos ter que pensar em outra maneira de descobrir isso. E temos que avisar a Luciana de que o barman daqui também é um vampiro – Cinthia disse meio desanimada, se levantando com Aline. Mas descobriu que ainda estava um pouco tonta por ter tido a mente invadida a tão pouco tempo, e Jorge a segurou antes que caísse outra vez.

- Ei, vá com calma. Você está bem?

É, acho que estou. Tinha esquecido como era ruim quando a Oclumência não funcionava.

- E quando a esta pessoinha? – Jorge sorriu e colocou uma mão na barriga de Cinthia, que ficou muito surpresa, tanto que parou de tremer totalmente.

- Quando foi que você descobriu? – ela disse, ainda meio atordoada. - O vampiro contou, não foi? Você não está bravo por eu não ter contado antes, né?

- Considerando que esse não é o primeiro nem o segundo segredo seu que eu acabo descobrindo por outra pessoa, eu estou até muito feliz – ele disse sorrindo.

- Ah, me desculpa, Jorge – Cinthia mal ouviu o que Jorge dissera, começando a falar rapidamente para se explicar. – Eu não te contei antes porque eu ainda estava pensando em como te contar, e eu descobri isso hoje, então nem tive tempo de pensar nisso direito. E depois tinha toda essa confusão de vir para cá e encontrar o vampiro que eu esqueci completamente de te contar e...

- Eu disse que estou feliz – Jorge falou pausadamente, vendo Cinthia ficar mais calma. – Eu sei que isso você ia ter que me contar algum dia, pois eu certamente ia reparar se a sua barriga começasse a crescer de uma hora para outra, e não ia ter como não ouvir um bebê chorando e gritando pela casa.

- Você não está mesmo chateado por eu não ter contado antes? – Cinthia perguntou ainda um pouco receosa, mas Jorge a abraçou espantando essa preocupação da cabeça dela.

- Só um pouquinho, mas isso não importa muito. O que importa é que nós vamos ter um filho juntos, e essa é a maior prova do amor que temos um pelo outro. Eu não poderia imaginar nada que me deixasse tão feliz em toda a minha vida!

- Ah, Jorge. Eu te amo!

Cinthia o abraçou ainda mais forte, não querendo ter que larg�-lo nunca mais. Ela estava grávida e ainda não tinha se casado, mas isso era apenas um pequeno detalhe, afinal, ia ter um bebê com o homem que ela amava, que a amava, e a sensação disso era muito mais gostosa do que ela havia imaginado.

- Eu nem acredito que já vou ser titio – Fred disse com a voz fraca, se era de emoção ou pelo soco no estômago, ninguém nunca saberia.

- Cinthia, isso é maravilhoso! – Aline disse, declaradamente emocionada. – Meus parabéns, aos dois! Eu não sei nem o que falar.

- Obrigada, mas não precisa falar nada – Cinthia disse meio sem jeito, se soltando do abraço de Jorge. - Eu não poderia ficar mais feliz do que agora.

- Eu só não entendo uma coisa... Você disse que estava usando proteção.

- Ah, bem... isso... - Cinthia ficou muito vermelha.

- Até um garrafão de cinco litros tem que acabar algum dia – Jorge respondeu por ela, e Cinthia corou ainda mais.

É melhor voltarmos para o hotel agora – Cinthia sugeriu, tentando afastar o vermelho das bochechas. – Não vamos conseguir mais nada se ficarmos aqui, de qualquer maneira.

- Mas você não está pensando em aparatar para o hotel, est�? – Jorge disse, e Cinthia franziu as sobrancelhas.

- Qual é o problema em aparatar?

- Pode ser perigoso, você pode sofrer algum acidente, pode acontecer alguma coisa com o bebê. Mamãe disse que só aparatava quando era estritamente necessário. Na verdade, acho que o jeito mais seguro de voltarmos para lá é este.

Jorge a pegou no colo com facilidade, como se ela não soubesse andar. Cinthia olhou para ele estupidificada, não acreditando que ele pudesse ficar tão bobo por causa daquilo.

- Jorge, me ponha no chão. A gente veio aparatando para cá e não aconteceu nada... Jorge, você está me ouvindo?

- Perfeitamente!

Ele começou a andar para a rua, carregando-a e ignorando os protestos dela de que sabia usar as pernas muito bem.

- Ei, me ajudem aqui! – ela se virou para Fred e Aline antes que Jorge virasse para um dos lados da calçada. – Ele ficou fora de si, não ouve uma palavra do que eu digo. Por favor, me acudam!

Fred e Aline apenas sorriram e deram tchauzinho, vendo Jorge virar à direita com uma Cinthia indignada no colo. Fred colocou a mão outra vez no estômago quando eles sumiram, se virando para Aline.

- Você sabe de algum feitiço pra passar essa dor? Aquele vampiro sabia como dar um soco.

- Feitiço não tem, mas eu tenho no hotel uma pomada que pode resolver.

- E eu peço sigilo médico, se você não se importar, mesmo que não tenha se formado ainda.

- Não se preocupe, eu não digo que você apanhou feio com só um soco.

Fred ia retrucar quando Jorge e Cinthia passaram pela entrada do beco outra vez, e ele ainda não a havia colocado no chão. Eles haviam ido pelo lado errado.

- Ei, vocês podem pagar a minha bebida lá dentro? – Cinthia perguntou antes que perdesse os dois de vista, e Aline usou um feitiço de convocação para pegar a notinha de consumação dela.

Eles entraram pela porta dos fundos, e Aline refez o feitiço que a mantinha trancada. Ninguém os viu entrando, o que não era surpresa nenhuma de tão agitada que estava a danceteria. Já era por volta de meia noite, e a partir desse horário o lugar ficava lotado. Fred e Aline precisaram passar perto do bar para não serem esmagados e pisoteados pela multidão que dançava. Ao passarem pelo barman, eles ouviram um fragmento de conversa, apesar da música alta, que chamou a atenção deles.

- ... procurando pelo Julian Durjon. Ele passou por aqui?

A pessoa que fez a pergunta ao barman era uma bruxa de cabelos encaracolados, aproximadamente da mesma idade que a Comensal que eles desmemoriaram. Eles lembraram que Cinthia disse que o barman também era um vampiro, e acharam suspeita aquela conversa.

Fred indicou a mesa vaga ali perto e puxou dois barbantinhos cor-de-carne do bolso. Tá certo que Cinthia recomendara que não usassem as Orelhas Extensíveis quando se lidava com vampiros, mas os barbantes ficariam muito bem escondidos pelo bar e eles não tinham outra opção.

- Você chegou atrasada, ele saiu há pouco tempo – disse o barman, e a bruxa bufou.

- Me avisaram agora a pouco que a Didier havia sido capturada pelos aurores e que eu tinha que substituí-la. Você sabe onde eu posso encontrar o Julian?

- Não. Mas ele deixou uma mensagem, caso você se atrasasse. Ele disse que era para você perguntar o que quer saber para o Quebra-Nozes daqui a três dias, já que ele só pode ser encontrado de segunda a sexta.

- Espere um minuto. Você está falando do Quebra-Nozes daquela livraria? Aquele Quebra-Nozes? – a bruxa parecia bastante surpresa.

- É, ele mesmo. Já ouviu falar?

- Tá brincando? Eu é que não vou falar com ele. Ainda bem que ele não faz questão de quem são os seus contatos, assim eu posso mandar o resto do grupo no meu lugar.

- Humpf. Então é bom você informar o seu pessoal que a senha é o nome verdadeiro dele. Certamente algum de vocês deve saber.

- Achei que ele tinha matado o último que o chamou pelo nome.

- São apenas boatos, garota. Ele só ameaça as pessoas para não espalharem o nome dele por aí. E nem me olhe com essa cara, eu não sei qual é.

- Ah, tá legal. Valeu pelo recado.

A bruxa se afastou e saiu da danceteria enquanto Fred e Aline recolhiam as Orelhas Extensíveis. Eles estavam surpresos com a sorte que tiveram em escutar aquela conversa, mas também se sentiam enganados pelo vampiro.

- Então eles tinham um 'plano b' afinal – Aline disse. – E a gente achando que não tinha outra solução além de conseguir a informação direto do vampiro e que estávamos perdidos.

- Agora temos que contar isso para a Cinthia e o Jorge. Ele vai ficar fulo quando souber que não precisava fazer a Cinthia passar por isso.

- Também não precisamos contar para eles hoje, né. Deixa eles aproveitarem a novidade deles, amanhã de manhã eles podem saber dessa outra notícia.

Fred concordou, e logo em seguida eles pagaram o Bloody Mary de Cinthia que ainda estava esquecido em cima do balcão. Agora era óbvio porque ela não tomara nenhum gole: estava grávida, não podia tomar bebidas alcoólicas. Logo em seguida eles aparataram para o hotel.

Cinthia havia convencido Jorge a deixar que ela aparatasse, provando para ele que era um meio de transporte totalmente seguro. Teria sido mais convincente se ela não tivesse ido parar de ponta-cabeça em cima das malas, mas pelo menos eles chegaram ao hotel mais rápido. Jorge a ajudou a se levantar, perguntando se ela não havia se machucado e vendo se não havia nenhum galo na cabeça dela.

- Eu estou bem – ela disse afastando as mãos dele da sua cabeça. – Eu só não prestei muita atenção quando aparatei.

- Agora você acredita quando eu digo que aparatar pode ser perigoso? Olha só, você cortou o lábio – ele disse, vendo só agora o corte, já que estava muito escuro antes, no beco.

- Ah, isso não foi de agora – Cinthia passou a mão no arranhão, se arrepiando com a lembrança do medo que havia sentido na hora. Só se lembrava de ter sentido assim quando ela, Fred, Jorge, Aline e Douglas haviam encontrado aranhas gigantes na Floresta Proibida, e em ambas as ocasiões ela quase acabou morta.

- Foi o vampiro que te machucou? O que ele fez com você?

- Ele só fez com que eu perdesse a concentração para conseguir me hipnotizar. Se não fosse por isso, a minha oclumência teria funcionado.

- Mas o que ele fez?

"Como é que ele vai reagir se eu contar" ela pensou brevemente. Sabia que Jorge era bastante ciumento, mesmo que ele tentasse não demonstrar. Será que ele seria capaz de ir atrás do vampiro para tirar satisfações?

- Bem... ele me beijou, eu fiquei assustada e acabei me cortando nas presas dele tentando me afastar – ela disse rapidamente, como se aquilo ajudasse a amenizar a notícia.

- Ele O QUÊ! Eu devia ter matado aquele desgraçado na primeira oportunidade que tive!

- Não precisa ficar com ciúmes. Você sabe que eu não teria deixado se pudesse me defender na hora. E ele não beija tão bem quanto você - ela acrescentou sorrindo, passando os braços em volta do pescoço de Jorge.

Ele acabou sorrindo também e enlaçou sua cintura, concluindo que não valia a pena estragar a felicidade deles tendo um ataque de ciúmes inútil.

- Ninguém beija melhor do que eu.

- Prove.

O toque dos lábios de Jorge era muito mais quentes que os de Julian, mais macio, mais vivo. Na verdade, o toque dele parecia fogo, e Cinthia sentia as mãos dele passando pelas suas costas e a apertando de encontro a ele. Seus braços puxavam a cabeça dele intensificando o beijo, não querendo que essa sensação quente acabasse.

Cinthia pensou brevemente que nunca poderia se sentir tão bem nos braços de outro, muito menos viver sem Jorge, sem os beijos dele, sem o apoio que ele lhe dava. Se fosse vampirizada, seria capaz de se suicidar. O simples fato de estar colada ao corpo de Jorge a fazia se sentir bem, esquecendo tudo à volta deles, e ela nunca viveria sem aquilo.

Jorge foi descendo e passou a dar pequenos beijos no pescoço dela, mas a lembrança do vampiro ainda estava muito nítida na mente de Cinthia e ela se sentiu desconfortável com aquilo.

- Não, Jorge... não faça isso... - ela disse fracamente, não querendo realmente afast�-lo de si.

Ele parou de beij�-la e olhou nos olhos dela. Cinthia demorou um pouco para olh�-lo nos olhos, mas seu sorriso já havia desaparecido.

- Você ficou mesmo assustada, não foi? – ele falou quase num sussurro, entendendo porque ela se sentira desconfortável. Por mais que Cinthia tivesse ficado mais forte emocionalmente depois que começou a trabalhar como detetive, ela ainda ficava traumatizada quando passava por um susto muito grande. Ela ainda era medrosa, e só havia aprendido a esconder seus medos dos outros e dela mesma, se convencendo de que era mais forte que os outros.

- Eu tive tanto medo de te perder, de perder o nosso bebê... - a voz dela não passava de um sussurro débil e fraco. – Eu não suportaria...

- Eu sei, eu sei – Jorge apoiou a cabeça dela em seu ombro, falando baixo para acalm�-la. – Agora já passou e continuamos juntos, nós três. Não pense mais nisso, está bem? Não vale a pena lembrar das coisas ruins. É por isso que eu vou passar o resto da minha vida com você, para sermos felizes.

Cinthia não falou nada, pensando nas palavras de Jorge e aproveitando a segurança dos braços dele. Desde pequena queria provar para sua família que podia ser forte e independente, já que eles sempre diziam que ela tinha um coraçãozinho de manteiga, mas agora percebia que eles tinham razão. Ela aprendera a ser fria e indiferente quando queria, até magoando algumas pessoas antes que fosse magoada, mas era tudo uma fachada. Sabia que por dentro era mole e sensível como algodão, e por isso se esforçava em parecer durona, até se convencendo disso.

Mas ela se sentia sozinha quando via que, de fato, precisava do conforto que só outra pessoa poderia dar, e não se atrevia a compartilhar isso com ninguém. Sabia que Jorge a amava e sempre estaria lá quando ela precisasse, mas mesmo assim isolara seus medos dele. E agora ela descobria que seu maior medo não era ser fraca, ou morrer, ou ser magoada. Seu maior medo era perdê-lo.

Pensando assim, ela percebeu que Aline também devia estar tão assustada quanto ela. Douglas ainda estava vivo, mas eles já estavam tentando resgat�-lo há uma semana, e sem resultados. Não sabiam por quanto tempo ele continuaria vivo, ou se estaria vivo quando o encontrassem. Cinthia tremeu só de pensar nisso, sentindo ainda mais compaixão por Aline que antes, entendendo porque às vezes ela parecia prestes a explodir. Ela não agüentaria passar pelo que a amiga estava passando, mesmo com os amigos por perto. Provavelmente ficaria louca antes que alguém sugerisse ir atrás dele.

- Me prometa uma coisa – Cinthia falou baixinho, sem tirar a cabeça do ombro de Jorge. – Me prometa que eu nunca vou te perder.

- Eu já disse que vou passar o resto da minha vida com você.

- Mas me prometa.

Jorge suspirou, acariciando o cabelo dela por um instante. – Eu prometo.

N/A: Que meigo, que lindo, que fofinho! Que meloso! XP Enfim, o que acharam? Bom, agora vocês sabem porque a Cinthia estava cantarolando no chuveiro antes do almoço, o que era aquela coisa que ela tinha comprado na farmácia quando a Aline pegou pneumonia. (Era um teste de gravidez trouxa, para aqueles que ainda não se tocaram.) Ahn... acho que é só de lembretes. Sem muitos comentários. Me escrevam, hein! Por incrível que pareça, eu adoro ler críticas. (Mas elogiar de vez em quando também é bom, viu.) A Emplumada também não tem muito a dizer, já que ela está amordaçada e amarrada com correntes no banquinho do meu lado e está mais preocupada em se debater e espernear. (Quem mandou ela ficar dando palpites sobre a parte do Julian?) Tenho planos para fazer um próximo capítulo mais engraçado, e mais curto de preferência. Não prometo nada, mas não percam assim mesmo que vai ser legal.

Ah, e não posso me esquecer dos agradecimentos básicos! Lanlan, minha beta-reader querida, que conserta essa fanfic com muita paciência e dedicação. Te adoro fofa! E muito obrigada aos fãs que lêem a fanfic, já que não teria sentido public�-la sem vocês! Bjs e até a próxima! ;-)