Capítulo 14 – Eu, maluco? Nah, imagina!

Na manhã seguinte, a primeira coisa que Aline e Fred fizeram no café da manhã foi contar para Cinthia e Jorge a conversa que haviam ouvido quando voltaram para a danceteria. E Fred estava certo em dizer que Jorge ia ficar furioso por saber que eles não precisavam ter passado por tudo aquilo. Ele só não mencionou que aquilo foi uma experiência traumatizante para Cinthia porque sabia que estaria exagerando demais. N/E: É impressão minha ou 'exagerando demais' foi um tanto redundante? Cinthia, ao contrário, ficou contente ao ouvir aquilo, pois agora ficava muito mais fácil achar Douglas e os outros.

- Ah, Jorge, não precisa ficar assim – ela disse depois dele ter resmungado e esbravejado o suficiente. – O que passou, passou. Agora tudo o que precisamos fazer é fingir que somos Comensais, pegar a informação e prender esse tal de Quebra-Nozes do mesmo jeito que fizemos na loja de animais com a Amanda. Não temos com o que nos preocupar.

Jorge não falou nada, apenas se surpreendeu levemente em como ela parecia segura depois do que aconteceu na noite anterior. Continuava preocupado com ela, mas de certa forma tinha orgulho da força dela, mesmo que ela não reconhecesse isso em si mesma.

- Você não escutou quando nós falamos que nem aquela Comensal queria falar com ele? – Aline disse, cortando a linha de pensamentos de Jorge. – Eu não sei bem porque, mas o tom de voz que ela usou me diz que não vai ser tão fácil.

- Pelo que vocês ouviram, não vai ser fácil conseguir o nome dele. Mas temos tempo suficiente para descobrir isso, afinal, ainda é sábado, e só precisamos encontrá-lo na segunda-feira.

- Seria bom se pudéssemos ter a ajuda dos aurores daqui – Fred disse. – Aposto como eles iam poder achar fácil, fácil o nome desse cara.

- É, mas só com os nossos aurores isso já seria possível – Cinthia lembrou.

– Espero que a Tonks não esteja tendo muito trabalho por nossa causa – Aline disse.

- Acredite, ela teria o mesmo trabalho com ou sem a gente. Tá certo que atrapalhamos um pouco, mas também conseguimos algumas informações úteis. Acho que seria bom avisá-la do que aconteceu ontem, assim ela pode pensar em alguma desculpa para vir aqui investigar.

- Isso não me parece muito correto – Jorge disse, brincando.

Mas assim que ele terminou a frase, o rapaz que carregava as malas no hotel entrou no salão de lanches e se aproximou da mesa deles, se dirigindo a Cinthia.

- Aquela moça de ontem está na lareira outra vez e quer lhe falar, ao menos eu acho que é ela. Disse que era para você ser mais rápida que da outra vez.

- Mas foi só falar nela que ela aparece!

Os quatro se levantaram e seguiram o rapaz até a sala da lareira, e dessa vez Tonks parecia muito mais bem-humorada. Dessa vez seu cabelo estava vermelho e liso na altura dos ombros, lembrando um dos Weasleys e bem diferente do dia anterior, quando havia aparecido com várias mechas coloridas. Por isso o carregador não a havia reconhecido muito bem. Assim que ele saiu fechando a porta, ela começou a falar rapidamente, sem dar tempo para os outros falarem qualquer coisa.

- Estão todos bem, pelo que posso ver. Não, não respondam. Me escutem primeiro, eu tenho uma ótima notícia! Conseguimos desfazer grande parte do feitiço de memória daquela Comensal facilmente, talvez porque vocês não tenham usado o obliviate realmente, mas eu não entendo muito dessas coisas. Foram os medibruxos que resolveram isso para a gente. Agora a pouco conseguimos fazer com que ela se lembrasse do trabalhinho que iria fazer ontem à noite, mas obviamente não tinha nada que pudéssemos fazer. Agora já podemos ir para a Holanda investigar, e quem sabe conseguir a ajuda dos aurores daí. Só precisamos pensar em alguma coisa para explicar como eu consegui a informação do vampiro. Aliás, o que foi que ele disse?

Os outros hesitaram brevemente em responder, vendo a cara ansiosa de Tonks a espera da resposta, sorrindo. Cinthia foi quem respondeu.

- Bem, nós não conseguimos fazer com que o vampiro nos passasse a informação. Ele descobriu que eu não era a pessoa que ele deveria encontrar e acabou escapando.

- Ih, droga. – Tonks resmungou, parecendo preocupada. – Vocês não tiveram muitos problemas com ele, não é?

- Bem, não muitos – Cinthia falou lentamente. Ia levar muito tempo para explicar a Tonks tudo o que acontecera na noite anterior, e ela não estava com vontade de falar tudo tão pouco. – Estamos todos vivos, não estamos?

- Se eu soubesse que vocês iam ter que enfrentá-lo, eu mesma teria ido. Mas duvido que ele não acabaria escapando de qualquer maneira.

- Mas depois que ele escapou, descobrimos que eles tinham um plano reserva – Aline disse. – Pelo jeito os Comensais descobriram que a tal Didier havia sido capturada e mandaram outra pessoa no lugar dela. E tivemos muita sorte, porque ela chegou atrasada.

O rosto de Tonks se iluminou com a notícia. Um 'plano b' era exatamente o que eles estavam precisando. Mas ela não podia deixar de pensar que estavam lidando com um grupo de Comensais espertos, já que tomavam tantas precauções para que os aurores não os pegassem e para que seus planos dessem certo a todo custo.

Cinthia explicou o que e como eles haviam descoberto o 'plano b' e também do plano original, e logo a animação de Tonks desapareceu.

- Vocês têm certeza de que ouviram o apelido corretamente?

- Pelo menos umas três vezes – Fred disse.

- Quebra-Nozes?

- É.

- Quebra-Nozes? Isso não pode estar certo – ela falou nervosamente.

- Por quê? Você já ouviu falar dele? – perguntou Jorge.

- Bem, foi só uma vez, e ainda foi no ano em que eu entrei para os aurores. Tá, não faz tanto tempo assim – ela acrescentou ao ver as expressões dos outros , mas o cara colocou em cheque os aurores da França. Ouvi dizer que ele usa pouco a varinha, e que é estranho. Ele era o único suspeito de um roubo no Museu da Magia de lá, mas de alguma forma ele conseguiu escapar por falta de provas e se mudou. O pior é que alguns dos aurores que estavam atrás dele foram parar no hospital bem nessa época não só com feridas feitas por feitiços, e pelo que eu ouvi ainda estão lá. O ruim é que não temos nenhuma prova de que tenha sido ele, afinal, um apelido é só um apelido, e quem quer que tenha feito aquilo foi esperto em não deixar evidências.

- Mas não vamos ter muitos problemas dessa vez – Aline disse. – Só o que temos que fazer é dizer o nome dele, pegar a informação e estupora-lo.

- É o que você pensa. Ninguém sabe o nome verdadeiro dele, ninguém consegue encontrá-lo fora do trabalho e ele se esforça em fazer com que os outros o conheçam apenas como Quebra-Nozes. Mas não me perguntem porque, é só isso o que eu sei.

- Mas como nós vamos descobrir o nome dele então? – Fred disse, encolhendo os ombros.

- Suponho que alguém saiba o nome dele. Foi o que vocês ouviram daquele… barman vampiro, não foi? Posso conseguir guiar as investigações a partir disso, afinal, ninguém confia em vampiros. Se pudermos contar com a ajuda dos aurores daí, com certeza vamos conseguir fazer com que esse barman nos fale sobre o Quebra-Nozes, e assim podemos começar logo a procurar o nome dele.

- E se ninguém souber o nome dele? E se vocês não conseguirem fazer o barman cuspir o apelido dele?

- Calma, Aline. Os aurores têm meios bem eficientes para fazer os outros "cuspirem" as informações que queremos. E na pior das hipóteses, nós procuramos pelos pais do Quebra-Nozes e perguntamos o nome dele. Ah, vão me dizer que isso não parece um apelido de infância? – Tonks acrescentou ao ver a cara incrédula dos quatro, já que as chances de encontrar os pais dele eram tão grandes quanto as de conseguir fazer um dragão posar para uma foto: extremamente difícil e o esforço não valia a pena.

- Mas eu quero saber de qualquer coisa que vocês descobrirem nas investigações – Cinthia lembrou. – Das últimas vezes você só me disse o que estava acontecendo porque precisou da minha ajuda.

- É que eu não gosto de falar essas coisas por carta, você entende. Acho até que é melhor não trocarmos mais nenhuma informação importante via coruja, já que agora aquele vampiro sabe que além dos aurores, vocês também estão atrás dos Comensais. Duvido que ele já não tenha alertado os que estão envolvidos no plano, por isso é bom termos cuidado.

- E como a gente vai se comunicar então? – Cinthia disse exasperada. – Eu não posso aparecer na lareira do seu hotel por causa dos outros aurores.

- Vamos fazer como estamos fazendo agora. Eu apareço aqui sempre que alguma coisa significativa acontecer, e se vocês não estiverem no hotel eu deixo um recado com aquele bellboy charmoso, OK?

- É, é melhor.

- Posso só fazer uma perguntinha bem básica? – Jorge disse levemente pensativo, e Tonks olhou para ele interessada.

- Faça.

- Vocês vão precisar mesmo da nossa ajuda para descobrir o nome do Quebra-Nozes? Quero dizer, vai fazer alguma diferença se a gente se meter nesse caso?

- Pra falar a verdade, eu acho que não. – Se Tonks pudesse trazer suas mãos pelo fogo da lareira, ela certamente teria coçado a cabeça.

- Aonde você quer chegar com isso, Jorge? – Cinthia perguntou com a voz firme.

- Bem nós podíamos tirar uma folga, afinal, estamos nisso a mais de uma semana sem intervalos. E eu queria também um tempinho para comemorar, você sabe, nem que seja só uma tardinha.

- Vocês podem ter todo o fim de semana – disse Tonks antes que Cinthia pudesse dar a sua opinião. – Temos tempo de sobra até segunda-feira, e não é como se tivéssemos que desmascarar todos os Comensais da Morte de uma vez. Isso até que não seria nada mal... mas não vai ser tão difícil descobrir um nome. Vocês podem ter quanta folga quiserem!

- Eu não sei mais o significado dessa palavra – Cinthia disse, tentando dizer que não precisava disso e que queria continuar no meio das investigações, e não só acompanhando. Mas eles não entenderam bem o recado.

- É justamente por isso que você precisa de uma folga agora – Tonks afirmou, e depois de uma pequena pausa ela sorriu divertida. – Mas o que é que vocês têm para comemorar?

- Nós vamos ter um bebê – Jorge passou um braço em volta dos ombros de Cinthia, e ela não pôde deixar de sorrir ao ouvir aquelas palavras vindo dele num tom tão alegre.

- Puxa vida! Meus parabéns! Agora eu insisto para que vocês aproveitem o fim de semana. Pode deixar que eu vou te informar cada passo dado na investigação. Não vai demorar para eu e os outros chegarmos aí na Holanda com uma chave de portal, por isso logo você vai receber alguma notícia.

- Ah, tudo bem – Cinthia soltou um suspiro resignado, mas sorria. – Tudo bem.

- Bem, vejo vocês mais tarde. Cuidem-se!

A cabeça de Tonks desapareceu no meio das chamas num rodopio, e todos os quatro se sentiram estranhamente leves e calmos. Já fazia alguns dias que eles não se sentiam assim, e pela primeira vez Cinthia percebeu como era até bom ficar de licença.

- Quer dizer que nós temos dois dias de folga, sem nada para ficar preocupado e com uma cidade nova inteiramente à nossa disposição? – Fred disse. – O que ainda estamos fazendo parados aqui?

- Com isso eu concordo – Aline disse, se levantando. – O que acham de darmos uma volta pela cidade?

E foi o que eles fizeram.

Durante todo o dia eles visitaram as partes bruxas de Roterdã, lojas e lugares indicados por uma revista de turismo, que compraram em uma das lojas, e até praças com estátuas famosas de trouxas. No almoço eles passaram em um restaurante árabe, porque Aline havia falado tanto o quanto queria provar aquela comida que acabou deixando Cinthia (e até os gêmeos) com vontade.

Naquela noite eles tiveram as horas de sono mais longas e relaxantes em dias, mas em nenhum momento haviam recebido um recado de Tonks na lareira. Aquilo já foi o suficiente para encurtar o sono de Cinthia.

- Eu estou começando a desconfiar que você é viciada em trabalho.

- Não é necessidade de trabalhar, mas sim de saber o que está acontecendo. É só preocupação. Vão me dizer que vocês não estão querendo saber o que a Tonks conseguiu descobrir?

- Não nos meta na história – Fred disse.

Já passava algumas horas do almoço de domingo, e Cinthia não pôde se conter de comentar o quanto estava preocupada com o silêncio de Tonks, que já durava mais de trinta horas. Eles estavam de volta ao hotel renovando o holandês deles com os chás, e Cinthia havia bebido a sua xícara rapidamente.

- É claro que queremos saber – Aline disse –, mas pelo visto eles não deram grandes passos na investigação. Ela disse que ia nos avisar se acontecesse alguma coisa importante, o que não deve ter acontecido.

- Vocês está se preocupando demais – acrescentou Jorge.

- Mas vocês não sabem que isso é muito tempo só pra descobrir um nome. Essas são as segundas coisas mais fáceis de achar, depois de um corpo, é claro, e ela já deveria saber o nome de todos os animais de estimação que o cara já teve à essa hora.

- Eu achava que eu ficava chata quando cismava com alguma coisa, mas você está conseguindo bater o meu recorde de implicância – Aline disse, e aquilo realmente fez Cinthia perceber que estava, de fato, um tanto paranóica.

- Oh não… eu estou ficando pior que você! – ela disse, fingindo estar assustada.

- É, está virando um monstro – Fred disse, e acabou recebendo um beliscão de Aline por isso. – Autch! Foi só uma piada!

- Eu sou um monstro, esqueceu? – ela revidou, com os olhos estreitos.

- Já entendi! Criaturas grotescas são vulneráveis a comentários sarcásticos. Não, não precisa me beliscar outra vez – ele disse, saindo do alcance da mão dela. – Já entendi o recado.

Aline fez cara feia para Fred, mas em seguida se virou para Cinthia. – Não precisa se preocupar tanto. Ela disse que ia nos avisar, e até lá nós temos que aproveitar o nosso tempo. Como futura medibruxa, eu recomendo que você relaxe.

- Isso me lembra que nós ainda não tivemos tempo de comemorar. Sozinhos. – Jorge disse, indicando Fred e Aline com a cabeça.

- E precisa?

- É claro! Eu até já pensei no que nós podíamos fazer. Vocês não se importam de ficar sozinhos por algumas horas, não é? – ele se virou para Fred e Aline dessa vez.

- Sem problemas – respondeu Fred, com um sorrisinho cúmplice para o irmão.

- Mas o que você planejou? – perguntou Cinthia, ainda curiosa.

- Bem, não vou falar agora porque é uma surpresa, mas vamos ter que ir aparatando até lá – Jorge disse enquanto olhava no relógio. – Você se lembra daquela vez que eu aparatei nós dois?

- Lembro… espera aí! Vai ser que nem daquela vez? – ela perguntou com um leve sorriso maroto.

- Não, mas tenho a impressão de que você vai adorar essa surpresa também.

Jorge pegou na mão dela, e Cinthia levantou o rosto para olhá-lo nos olhos. E como estavam brilhantes!

- Não pisque – ele disse, e no segundo seguinte os dois já haviam aparatado.

Fred soltou um assobio alto e longo.

- Puxa, eu não sabia que isso funcionava. Toque e contato visual. Eu achava que eram só histórias.

- Legal, mas eles simplesmente esqueceram de nós – Aline cruzou os braços, mas descruzou-os logo em seguida depois de pensar em outra coisa. – Bem, agora não precisamos mais dividir a cidade com eles e podemos ver só os lugares que eu quero.

- A minha opinião não conta mais, por acaso?

- Quer uma resposta sincera?

Quando Jorge e Cinthia desaparataram, havia muito barulho no local e várias pessoas gritavam e pulavam. Cinthia olhou para trás e descobriu que haviam desaparatado atrás de uma caixa preta muito alta com vários fios saindo daquele lado. Ela deu a volta, sem largar da mão de Jorge, e viu a multidão e onde estavam, e mais adiante o motivo daquela gritaria.

- Ah, Jorge! Eu não acredito nisso! – ela disse sem fôlego, levando as mãos à boca, eufórica. Ela olhou para Jorge, que sorria largamente, e começou a abanar os braços freneticamente como uma garotinha abobalhada. – Eu não consigo acreditar. Isso é maravilhoso! Isso… eu… meu Deus, como eu te amo!

Já passava um pouco da hora do jantar, e Aline e Fred estavam de volta ao hotel. Há poucos instantes a cabeça de Tonks havia acabado de desaparecer na lareira, e não eram exatamente boas notícias que eles haviam ouvido.

Aline e Fred estavam se perguntando onde Jorge e Cinthia estavam, quando estes aparataram no saguão de entrada do hotel. Dali Cinthia e Jorge puderam ver os dois na sala em que os hóspedes podiam se encontrar e conversar, e se juntaram a eles em um dos sofazinhos. Para a surpresa deles, Cinthia estava quase dando pulinhos de felicidade.

- Fred, eu devo dizer que o seu irmão é a pessoa mais perfeita do mundo – Cinthia disse com um sorriso enorme, agarrada ao braço de Jorge.

- É claro! Lembre-se que ele é meu irmão gêmeo, eu ensinei tudo que ele sabe.

- Como se o mais novo dos gêmeos soubesse muita coisa – revidou Jorge. Ahá! Aposto como essa vocês não sabiam! Nem eu sabia até inventar isso.

- Eu posso perguntar onde ele te levou? – perguntou Aline, e Cinthia sorriu mais ainda ao se lembrar, se é que isso era possível. Cinthia ainda se sentia meio abobada de felicidade e não conseguia tirar o sorriso do rosto.

- Primeiro ele me levou para um show trouxa que estava tendo na cidade, de uma banda que eu adoro, The Corrs. Você sabia que eles são irlandeses? – Cinthia virou o rosto para Jorge, e tanto ele quanto Fred torceram os narizes.

- Eu reparei. Por causa de uma das músicas – Jorge apenas a olhou com o canto do olho. Praticamente 96 dos Ingleses tinha aversão a Irlandeses, e os bruxos não escapavam dessa estatística. Que, por sinal, é inventada. Mas Cinthia continuou falando, decidida a ignorar na reação de Jorge.

- Ah, aquela é uma das minhas músicas favoritas! Eu adoro a música típica irlandesa, é tão alegre e animada.

- Quer dizer que as músicas inglesas são tristes? – Jorge disse, e dessa vez ele virou o rosto para ela, aparentemente ferido em seu patriotismo.

- De jeito nenhum – Cinthia continuava sorrindo. – Mas como eu sou brasileira, eu posso ter uma opinião bem imparcial nesse assunto. Né Aline?

- Eu não entendo de música, você sabe – ela disse sabiamente, porque Fred e Jorge lançavam olhares ameaçadores.

- Ah, de qualquer jeito, o show estava simplesmente maravilhoso! Disso você não pode discordar. E era a céu aberto, num parque. Como já tinha escurecido no final, eles soltaram fogos de artifício fantásticos! E depois de darmos uma volta, ele me levou para jantar num restaurante com luz de velas. – Cinthia apoiou sua cabeça no ombro de Jorge, sem tirar os olhos do rosto dele. - Eu disse que ele é perfeito.

- Disso eu não posso e nem vou discordar – Jorge a beijou brevemente, afastando pouco o rosto para ver a expressão dela.

Os olhos de Cinthia se abriram lentamente enquanto ele encerrava o beijo, e permaneceram semi-serrados enquanto Jorge a olhava. Mas então ela abriu-os totalmente e se virou para Fred e Aline, sendo que Fred estava com a boca aberta prestes a fazer um comentário.

- A Tonks deixou algum recado? Ela apareceu por aqui?

- Eu estava pensando em te contar só amanhã, ou até mais tarde – começou Aline, enquanto Fred fechava a boca emburrado por ter demorado demais pra fazer o comentário , mas é, ela apareceu por aqui agora a pouco, assim que chegamos ao hotel.

- E o que ela disse? – Agora Cinthia mal reparava na existência de Jorge, o que o deixou um pouquinho chateado. Ele só não falou nada porque também queria saber o que a Tonks havia descoberto.

- Nada – Fred disse. – Os aurores não conseguiram descobrir o nome verdadeiro do Quebra-Nozes, nem os nossos nem os aurores daqui. Nem mesmo os Comensais parecem saber o nome dele. E parece que os aurores Dinamarqueses também estão atrás do cara, mas ela não explicou porquê.

Cinthia se jogou no encosto do sofazinho, soltando um suspiro. Jorge começou a acariciar seu cabelo, e ela deu um leve sorriso que logo se apagou, perdido nas perguntas que não deixavam o seu cérebro em paz.

Como é que eles iam conseguir resgatar o Douglas agora se nem sabiam onde ele estava? E como é que uma pessoa pode apagar o seu nome assim tão facilmente? Se os próprios aurores da Holanda não haviam conseguido descobrir um simples nome no seu próprio país, eles não tinham muitas chances de conseguir.

- Vamos ter que pensar em alguma coisa para descobrir o nome dele sozinhos – Aline disse bastante determinada. – Prometemos à Tonks que tiraríamos uma folga no final de semana, mas amanhã já podemos investigar. Podemos descobrir o nome de manhã e ir falar com ele à tarde.

- E como a gente vai descobrir o nome do Quebra-Nozes? – Cinthia disse quase sem emoção.

- Eu não pensei em nada ainda, mas tem que ter um jeito.

- Os aurores já teriam pensado.

- Os aurores não tem tanta imaginação quanto a gente – replicou Fred, e Aline ficou indignada.

- Ei! O Douglas é um auror, esqueceu?

- Isso só reforça o que eu disse. Logo a gente dá um jeito.

- É bom se manter otimista – Cinthia disse, se levantando. Ela estava ao mesmo tempo feliz e preocupada, o que a deixava cansada. – Eu já vou deitar, assim posso tentar pensar em alguma coisa amanhã cedo. Agora não consigo pensar em nada.

E ela não era a única. Nenhum deles conseguia pensar no que fazer, por isso todos foram dormir cedo, esperando algum milagre aparecer no dia seguinte.

Na manhã seguinte, os quatro haviam acordado tarde e não muito inspirados, e ninguém tocou no assunto 'Douglas' durante todo o café da manhã. Cinthia era a que menos falava durante a refeição, ouvindo a conversa dos outros apenas com a metade da atenção.

"Se tem um jeito de descobrir esse maldito nome, por que ninguém conseguiu pensar em nada ainda?"

- É, cinema é onde eles passam os filmes. Se sobrar tempo, nós levamos vocês para verem uns – dizia Aline.

"Poderíamos vigiá-lo e esperar que ele nos desse algum motivo para prendê-lo. Mas é pouco provável que isso aconteça ainda hoje. Não temos tempo."

- A sorte de vocês é que não vão precisar ver filmes traduzidos. Lá no Brasil eu tinha que ver filme sem a legenda de tão picareta que era a tradução de alguns. O pior eram os títulos! O pessoal viajava quando ia traduzir esses.

"A gente podia fazer com que ele falasse ou deixasse escapar o nome. Mas aí seríamos esmagados vivos. Tem que ter um jeito seguro…"

- Que tipo de tradução eles faziam? – perguntou Fred.

- Bem, tinha uns que, por serem clássicos, até dava para engolir, como A Noviça Rebelde, que no original era The Sound of Music. – Tentem imaginar que ela está conversando em inglês com eles, por isso também traduziu o Noviça Rebelde para inglês, que eu não sei como fica. Vão precisar forçar um pouquinho a imaginação para traduzir o próximo, mas aposto que vocês conseguem! – E tem um outro que assassina até o português! A Ladrona, sendo que o feminino correto de ladrão é ladra. Realmente, as traduções são péssimas, mas esse filme até que é legal. Você se lembra, né Cinthia?

- Hã? Do quê? – ela disse, voltando ao planeta Terra por alguns breves segundos.

- Daquele filme que eu, a Luciana e as outras garotas fomos assistir na sua casa durante uma das férias, aquele com a Whoopy Goldberg. – Como Cinthia ainda não havia dado sinais de que havia se lembrado, Aline acrescentou- O filme em que os tradutores não tinham cursado nem a quarta série.

- Ah, lembro! O que tem ele?

- Eu estava dizendo que seria legal de mostrar alguns filmes para Fred e Jorge. A gente podia até começar por A Ladrona. Eu quase chorei de tanto rir em algumas partes.

Cinthia concordou com a cabeça, mas ficou quieta por alguns segundos. Então deu um largo sorriso, olhando para Aline como se ela estivesse sendo iluminada por uma luz divina vinda de lugar algum.

- Aline, você é um gênio!

- E você percebeu isso só agora? – Jorge disse, sarcástico.

- Você me entendeu. Eu estou dizendo que a Aline acabou de me dar uma ótima idéia! Na verdade, o filme acabou de me dar uma idéia. Na verdade verdadeira, eu estou juntando a idéia de um monte de filmes.

- E essa idéia serve para… - Fred disse.

- Para descobrir o nome do Quebra-Nozes, oras! É tão simples e genial que chega a ser estúpida e a prova de falhas.

- Sou só eu ou isso não soou coerente? – Aline disse.

- Depois que eu explicar, vai fazer todo o sentido do mundo! Mas antes vamos ter que providenciar um presentinho…

Depois de acharem uma caixa comum de papelão O que parece ser muito difícil de conseguir, não acham? 'ôò e de enchê-la com tranqueiras para que ficasse pesada (que na maioria eram os logros de Fred e Jorge), eles a embrulharam com um papel pardo comum.

A idéia que Cinthia teve foi fazer com que aquele pacote fosse entregue pelo Brooms Express, já que as entregas de pacotes muito importantes ou pesados para as corujas carregarem eram feitas por bruxos. Já que o Quebra-Nozes trabalhava num sebo loja de livros antigos/usados., que também servia de biblioteca, essas encomendas deviam ser comuns, não atraindo muita atenção dos clientes do sebo.

- Mas por que nós vamos precisar disso? – perguntou Aline.

- Você não se lembra do filme? Um carinha finge que é um entregador e pede para o outro assinar com o nome num daqueles formulários. Vocês dois – ela se virou para Fred e Jorge – precisam fazer isso o tempo todo na loja, eu já vi vocês assinarem um monte dessas entregas. Não sei como não pensamos nisso antes.

- Mas o que garante que ele não vai nos estraçalhar depois que assinar o nome verdadeiro? – lembrou Fred.

- Bem, se mostrarmos que não somos uma ameaça, ele não tem motivo para nos estraçalhar. Por isso um de nós vai ter que ir com um disfarce de entregador meio retardado. Eu vi no filme A Cartada Final um garoto fingir que era retardado e ele conseguiu descobrir todo o esquema de um sistema de segurança porque os outros acabaram confiando nele.

- Ele era o mauzinho da história? – perguntou Jorge.

- Eh, pode-se dizer isso. Mas o importante são as técnicas que ele usou, e não de que lado ele estava no filme. Em A Ladrona o garoto da encomenda era mesmo meio retardado, mas ele grita e assusta o carinha para conseguir o nome, o que não é aconselhável no nosso caso. E agora só precisamos ir até lá. Vocês prestaram atenção quando eu mostrei no mapa em que parte da cidade que ficava, né? – todos concordaram com a cabeça. – Certo, vamos aparatar naquela rua sem saída da direita, provavelmente não passa ninguém por lá.

Os quatro aparataram para a rua sem saída com o embrulho falso. Quase todas janelas das casas tinham cortinas, e por causa do horário de trabalho não havia nenhum visinho espionando a rua. Cinthia checou outra vez as estampas que haviam colocado no pacote para parecer que havia passado pelo correio e conjurou um formulário de correio padrão em holandês. Agora só faltava decidir quem iria entrar na loja.

- Bom, como eu tenho mais experiência, acho que eu deveria fazer a entrega – Cinthia disse.

- Oh, e você mostrou muita experiência lá na danceteria – Aline lembrou com um certo tom de mofa.

- Se eu não tivesse ficado assustada…

- Mesmo assim – Jorge a interrompeu , eu não quero que você vá dessa vez. Você já se arriscou muito durante toda essa excursão pela Europa e eu ainda não me acostumei com a idéia de que você faz isso como profissão. Deixe um de nós ir dessa vez, que mal vai fazer?

Cinthia abriu a boca indignada e colocou as mãos na cintura.

- Que eu saiba, eu sou a mais indicada daqui para fazer isso, quer você goste ou não.

Jorge colocou as mãos na cintura também para imitá-la e falou num tom mandão, tirando sarro dela.

- Mas eu não quero que o meu bebê entre num lugar daqueles e que muito menos fique perto de pessoas como o Quebra-Nozes. Como pai, eu tenho esse direito.

Cinthia abriu a boca para contestar, mas fechou-a em seguida. Ela abriu a boca outra vez, mas não pensou em nada que fizesse Jorge mudar de idéia, então fechou-a novamente, olhando para a própria barriga com um sorriso torto- Parabéns, você é o guarda-costas mais jovem do mundo. Agora precisamos de um voluntário para servir de entregador retardado. Alguém se candidata?

- Eu vou – Fred disse, dando de ombros em seguida. – Bem, eu não fiz quase nada pra ajudar desde que saímos de Hogsmeade, então eu podia fazer pelo menos isso. Tá certo que eu trouxe toda a sorte que a gente teve até agora…

- Ai, pare de se achar e vai de um vez! – Aline o interrompeu. – Não temos tempo de sobra, sabia?

Apesar de um pouco nervosinha, Aline estava certa. Só faltava aquela informação para que eles encontrassem Douglas, e ela era a mais preocupada dos quatro.

- OK, OK. Eu tento ajudar e é assim que você me agradece, né. Eu não vou esquecer disso.

- Espero que também não esqueça de deixar o seu humor aqui com a gente – Cinthia disse, interrompendo o bate-boca dos dois. – Você tem que parecer o mais bobo, retardado e idiota possível para o Quebra-Nozes não suspeitar de você. Babe se for preciso.

Fred levantou uma sobrancelha e olhou para Cinthia como se ela tivesse ficado louca.

- Tudo bem se eu levar um pouquinho do meu orgulho e não parecer um porco babão?

- Faça como quiser, desde que pareça retardado. – Cinthia parou e olhou para ele de cima a baixo, avaliando a sua aparência. – É, vamos ter que fazer algumas mudanças. Primeiro, você precisa usar o uniforme do correio. Transmútio viestementis.

As roupas de Fred se transformaram num macacão verde com alguns símbolos do correio holandês. Fred se sentiu bastante desconfortável neles, e um tanto ridículo. Ele olhou para o macacão e depois para os outros com um olhar de quem diz "uma piadinha e vocês já eram".

- Hum, ainda não parece muito bobo.

- Sei não, ele sempre teve cara de bobo da corte – Aline disse.

- E você sempre teve cara de Mini Minerva; grande novidade!

Aline não respondeu àquela piadinha, apenas olhou para Fred com os olhos estreitos. Douglas foi o primeiro a chamá-la de Mini Minerva, e aquele apelido a fazia lembrar e ter ainda mais saudades dele. Fred percebeu que ela havia ficado chateada e abaixou um pouco a cabeça, mas também não falou nada.

- Bom, como você é muito alto e tem uma cor de cabelo que se destaca facilmente na multidão, vamos ter que dar um jeito nisso também – Cinthia disse, e Fred fechou a cara outra vez.

- Quer dizer que, além de me vestir como uma vagem, eu ainda vou ter que me parecer fisicamente como um retardado? É muita humilhação…

- Veja o lado bom – Jorge disse apoiando um dedo no queixo, parecendo pensativo. – Ninguém aqui te conhece - além da gente, é claro - e quando voltarmos para Hogsmeade vamos ter uma ótima história para contar aos outros. E ainda podemos usar essa história como chantagem, caso você não queira que ela se espalhe.

- Não vejo nada de bom nisso – Fred mais resmungou do que falou.

- Tem razão, só é bom pra gente – Jorge disse, sorrindo.

- Quanto mais cedo acabarmos com isso, melhor! Vamos logo, me deixem com uma cara idiota – Fred se virou para Cinthia e fechou os olhos como se fossem atirar dardos na direção dele.

- Na verdade, eu não acho uma boa idéia eu fazer isso. A que teve nota máximas em Transfiguração foi a Aline, em todos os anos, lembram? – ela olhou para Aline, que não pôde deixar de dar um sorrisinho orgulhoso.

- Sem problemas, eu faço.

Fred engoliu seco, lembrando da piadinha que fizera a pouco e de todas as piadinhas que fizera com ela durante a viagem. Aline deu uma passo a frente para se aproximar dele e desembainhou a varinha, avaliando o rosto dele por uns instantes.

- Argh! Esse suspense tá me matando! Me transforma logo numa ameba ambulante!

- Você é muito impaciente. Transformalis capilius.

O cabelo de Fred ficou um pouco mais comprido e a tonalidade mudou aos poucos para um castanho pastoso. Ele suspirou aliviado que só o cabelo tivesse mudado. Se Aline mudasse o seu físico, ele quebraria o primeiro espelho que encontrasse pela frente.

- Ufa, eu esperava coisa pior depois das piadinhas.

- Não cante vitória antes da hora, eu ainda não terminei. Transformalis facialia.

O nariz de Fred encolheu até virar uma bolotinha, e seu rosto ficou levemente mais arredondado, lembrando uma versão magra de Neville. Ele começou a apalpar o rosto e sentiu que suas orelhas estavam um pouco maiores que o normal.

- Espero que isso volte ao normal depois, não quero ser confundido com o Dumbo. Mas até que eu gostei do nariz. Posso ficar com ele?

- Não, a não ser que você queira ser apontado como o bruxo que faz encantamentos estético-cirurgicos.

- Acho que o meu nariz de sempre está bom, obrigado. Posso fazer essa entrega agora?

- Ainda não, está faltando um pequeno detalhe. Transformalis estatuo reverti.

Fred sentiu seus ossos diminuindo de tamanho e todos os órgãos dentro de seu corpo encolhendo ligeiramente até que ele ficasse quase da altura de Aline. Ele a encarou como se ela tivesse cometido uma atrocidade contra ele, e em seguida olhou para o irmão e Cinthia, que tentavam a todo custo conter as risadas. Mas eles logo desistiram e começaram a rir, acompanhados por Aline.

- Você não tava brincando quando disse que era um pequeno detalhe.

- Considere como um troco por todas as brincadeirinhas sobre a minha altura.

- Eu mereço…

- Pelo menos ninguém vai suspeitar que você é você mesmo – Cinthia disse, ainda parando de rir. – Não esqueça, você tem que parecer mesmo retardado. Ande meio torto, com a cabeça puxada para o lado e um olho meio fechado. E faça ele assinar isto – ela disse, entregando o formulário que havia conjurado.

- E se ele tentar me bater ou estuporar?

- Ele não vai arriscar perder um emprego tão respeitável fazendo um escândalo. Vai dar muito trabalho para ele achar outro tão "acima de qualquer suspeita" quanto esse. Mas se você perceber que ele está prestes a pular o balcão, saia correndo.

- Meus instintos de sobrevivência não estão tão ruins assim. – Fred deu um longo suspiro e se abaixou para pegar o pacote de papel pardo. – Bom, desejem-me sorte. Ela me acompanhou por toda a semana, mas nunca se sabe quando ela pode acabar.

- Você não vai precisar dela, você é um Weasley – Jorge disse.

- Eu acho que esse é um motivo a mais para precisar de sorte.

Fred andou até o final da rua sem saída e virou a esquina, já andando meio torto e contraindo o lado esquerdo do rosto para parecer convincente quando entrasse na loja. Até que não era tão difícil parecer retardado, considerando que ele estaria com um torcicolo depois que saísse da livraria/loja.

Ele abriu a porta e olhou em volta, não estranhando nem um pouco o cheiro de biblioteca do lugar. Entre a porta e o balcão havia algumas mesas que serviam para estudar e ler os livros, caso a pessoa não tivesse interesse ou dinheiro para comprá-los. Quase todas estavam ocupadas, indicando um bom movimento no lugar. Para trás do balcão e nas paredes haviam muitas estantes, mas todos os livros pareciam velhos, e alguns até raros. Ele andou torto e com uma cara boba até o balcão, ouvindo os próprio passos ecoarem de tão silencioso que era o lugar, mas nem mesmo uma bruxa, com o rosto parcialmente coberto por um lenço, sentada perto do balcão pareceu notá-lo de tão concentrada que estava.

A medida que chegou perto do balcão, Fred pensou na incrível desvantagem que tinha por estar daquela altura. Quebra-Nozes, o balconista, não precisava mesmo da varinha pra fazer muitos estragos alguém. Ele era extremamente musculoso, quase uma montanha, e a careca dele somada ao bigode espesso o faziam parecer tão perigoso quanto realmente era. Mal Fred parou na frente dele, o Quebra-Nozes o cumprimentou com um amistoso:

- O que é?

- Vo-você é o encarregado de pegar as enco-co-comendas? – Fred gaguejou de propósito, virando o rosto e piscando algumas vezes. Até disfarçou a voz, deixando-a mais fraca para combinar com o personagem. Teria até achado interessante dar uma de ator se não estivesse no meio de uma situação tão séria.

- É, sou eu. Mais uma remessa de livros?

- Sim-sim senhor. Assine aqui, por-por favor.

Fred entregou o formulário falso para o Quebra-nozes, mas ele não o assinou com o nome, e sim com o apelido.

- Quebra-N-Nozes? É por causa daquela história-história de natal?

- Não, é por causa da minha fama. Agora entregue logo a droga do pacote e saia, seu debilóide. A menos que você queira que eu quebre as suas nozes.

Ele falava baixo para que os clientes da loja não o ouvissem, mas o tom de ameaça na voz dele fez Fred engolir em seco. Mesmo assim ele continuou com o plano.

- Me desculpe, se-senhor, mas não pode assinar com o apelido, tem que ser com o no-nome verdadeiro.

- Escute aqui, seu merdinha – Quebra-Nozes agarrou Fred pela gola do macacão e o sacudiu ameaçadoramente - eu não assino nada com o meu nome, por isso vai ter que ser com a apelido mesmo, entendeu?

Quando Quebra-Nozes o soltou, Fred teve o impulso de dar um soco nele pelos xingos, mesmo que o cara fosse umas quinze vezes mais forte. Ele se controlou a todo custo, mas então se lembrou de um comentário que Cinthia fizera sobre o filme. Deu uma olhada em volta para ver se tinha muita gente olhando, e então jogou forte o formulário no balcão, dando um susto nos clientes da livraria.

- Escuta AQUI senhor! Eu não VOU TOLERAR que você FALE assim coMIGO! Meu-meu PAI não me deu educação pra eu arranja UM EMPREGO em que eu ACEITASse desaforo dos OUTROS. Por is-isso eu vou FAZER CERto o meu traBALHO, e pra isso você preCISA ASSINAR com o seu NOME verdadeiro, en-entendeu?

O Quebra-Nozes ficou olhando assustado para Fred como se ele fosse um maluco perigoso e desequilibrado, e depois de olhar para os clientes da loja ele balançou a cabeça.

- Tá, tá. Pode deixar, eu assino.

- E escreva em-em letra de forma ao lado – Fred disse bem mais calmamente sem poder conter um sorriso, apontando com a maior calma aonde ele deveria assinar. Ele deu mais algumas puxadas com a cabeça para deixar o Quebra-Nozes ainda mais nervoso, mas teve que se segurar para não rir ao receber o formulário de volta.

- Muito obrigado, Muriel Fergusson.

- Não foi nada. Vê se procura um psiquiatra quando tiver um tempo de folga, hein.

- Pode deixa, eu vou. O-obrigado, Muriel. Eu vou.

Fred saiu andando torto e bobo do mesmo jeito que entrou, e todos os clientes que estavam lendo livros nas mesas o acompanharam com o olhar. O véu da bruxa que estava numa das mesas ali perto escorregou de leve, e Fred quase parou de andar, chocado com o que viu.

Aqueles eram os olhos mais bonitos que ele já vira na vida, de um tom esverdeado meio escuro, bem contornados e com cílios longos e negros. A bruxa também estava olhando para o seu rosto, e Fred fingiu dar um puxão com a cabeça para desviar o olhar dela, ou em um segundo acabaria abandonando o seu disfarce.

Assim que pisou fora da livraria, Fred soltou o suspiro aliviado mais sincero de toda a sua vida. Nunca havia se controlado tanto para não bater em alguém ou para não ir falar com uma garota linda, e também nunca havia enganado uma pessoa tão bem assim. Ele fingiu tão bem que era retardado que convenceu uma loja inteira disso.

Enquanto Fred voltava para a rua sem saída em que os outros estavam esperando, era impossível não pensar nos olhos daquela moça. Se ele não estivesse em uma missão de resgate, certamente não teria desperdiçado a chance de falar com ela. Mas se não estivesse numa missão de resgate, ele nunca a teria visto.

"Oh, droga! E ela me viu com essa aparência de retardado. Que bela primeira impressão… Assim que eu voltar ao normal, vou lá falar com ela."

- E então, conseguiu o nome dele? – Cinthia disse, andando na direção dele.

Fred abaixou a cabeça parecendo desapontado, mas em seguida mostrou o formulário para ela e sorriu.

- É claro que eu consegui! Não acredito que vocês ainda tinham dúvidas disso.

- Nós tínhamos plena confiança em você – Jorge disse extremamente sério. – Mas não sabíamos o quanto ia demorar para o Quebra-Nozes te transformar em picadinho.

- Não me admira que ele não quer que os outros saibam o nome dele – Cinthia disse, meio rindo, meio tentando falar. – Olhem só, Muriel Fergusson.

- Ele deve ter sofrido muito na escola – Aline disse, sem nenhuma pena realmente.

- Pô, vocês não sabem o tamanho que o cara tem. Ele podia ter me esmagado fácil com a altura que eu tô agora. Falando nisso, não dá pra desfazer os feitiços, não?

- Sabe que eu até gostei de você assim?

- Aline, não me faça perder a paciência. Eu já fiz isso uma vez hoje e não quero fazer duas vezes.

- OK, OK. Finito incantatem, finito incantatem, finito incantatem. Satisfeito?

Fred sentiu os três feitiços se desfazerem ao mesmo tempo, o que não foi nada agradável. Ele se sentiu um pouco enjoado depois que voltou ao normal, e se afastou um pouco dos outros para vomitar em uma lata de lixo.

- Ops! Eu não devia ter desfeito os feitiços tão rápido… - Aline disse, guardando rapidamente a varinha no bolso das vestes. – Você está bem?

- Agora estou – Fred disse enquanto voltava da sua pequena excursão ao mundo dos peixes velhos e batatas estragadas , mas não graças a você.

- Dá pra vocês dois pararem com as brincadeirinhas ofensivas por um instante e prestarem mais atenção no que ainda precisamos fazer? – Cinthia colocou as mãos na cintura, e os dois pararam de discutir. – Muito bem. Ainda precisamos fingir que um de nós é um Comensal para pegar a informação de onde os aurores estão.

- OK, eu vou – Fred se voluntariou outra vez, pensando na garota.

- Não, ele pode te reconhecer.

- Ah, é só fazer outra vez aqueles feitiços que ele não vai adivinhar nunca que eu sou as duas pessoas. Eu posso representar o papel que for. Estou até gostando disso, é divertido fazer um brutamontes de bobo.

- Nós estávamos discutindo isso enquanto você estava lá dentro. Os meus feitiços de transfiguração não fizeram tanto efeito quanto você imagina, e você continuou com a mesma cara de sempre. Só mudou o nariz, as orelhas e um pouco no formato, mas você ainda estava reconhecível.

Fred cruzou os braços, mas descruzou-os logo em seguida, percebendo que era melhor que ele não entrasse lá outra vez. Se entrasse, ele teria que falar com aquela garota, a vontade seria mais forte que ele, e assim poria toda a missão por água abaixo. Se desse um pouco de sorte, ele veria ela saindo da loja, e aí ele poderia falar com ela.

- É, OK. Quem vai agora?

- Bom, com eu não posso ir por motivo de força mais insistente – Cinthia disse, lançando um olhar de esguelha para Jorge , vai ter que ser um dos dois. Querem tirar no palitinho, par ou ímpar, ou pedra, papel e tesoura?

- Não precisa, eu faço isso – Aline disse, mas parecia um pouco nervosa.

- Tem certeza? – Fred disse, achando que não era muito seguro para Aline ir, já que ela não parecia páreo duro para o Quebra-Nozes. - Olha, eu vi o cara, e ele é do tamanho de uma montanha, sem brincadeiras. E ele ganhou o apelido de Quebra-Nozes porque essa é justamente a especialidade dele.

- Então eu não tenho com o que me preocupar, já que eu não tenho nozes.

- Não quer mesmo que eu vá? – Jorge insistiu, mas Aline balançou a cabeça decidida.

- Eu vou. Até agora eu fiz pouco para ajudar, e eu sinto que é minha obrigação. Por causa do Douglas, sabem – ela acrescentou, quase num sussurro.

- Você sabe que não precisa ser suicida pra ajudar, sabe?

- Eu sei, mas mesmo assim que quero ir. E se vocês insistirem mais uma vez, eu transfiguro as orelhas dos três por tentarem me fazer mudar de idéia.

- Tudo bem, tudo bem. Mas é melhor esperarmos para pegar a informação depois do almoço – Cinthia disse, e os três ficaram indignados com a idéia, falando ao mesmo tempo e dizendo que não precisavam esperar tanto. – Mas vai parecer muito suspeito se alguém aparecer logo depois dele dar o nome verdadeiro para um entregador. Não podemos arriscar, ainda mais que a sua segurança depende de um bom esquema, Aline.

- E o que a gente faz nesse meio tempo então?

- Como é quase meio-dia, a gente podia almoçar e depois voltar aqui.

Os três concordaram, mas tanto Aline quanto Fred estavam relutantes em fazer isso, obviamente por motivos muito diferentes.

Quando voltaram para a mesma rua sem saída perto da loja, já tinha se passado quase uma hora desde que saíram, e Aline estava ficando muito impaciente. Ela fez logo o feitiço para mudar a fisionomia do rosto, mas preferiu apenas amarrar o cabelo e continuar da mesma estatura, além de transfigurar as suas vestes para ficarem escura. Ela ficou estranhamente parecida com a professora McGonagall, só que mais baixinha, e os gêmeos não paravam de rir enquanto ela ia até a livraria.

Assim que Aline entrou na livraria, percebeu que Fred não estava brincando ao dizer que o Quebra-Nozes tinha um tamanho monstruoso, e se arrependeu de ter entrado lá sozinha. Tentando não parecer assustada, Aline levantou a cabeça e andou até o balcão, sendo que o Quebra-Nozes a olhava com um ar pouco amistoso. Ela o encarou como se não tivesse medo dele, o que não era bem verdade.

- Você é Muriel Fergusson? – ela perguntou, e o Quebra-Nozes contraiu o rosto ao ouvir o próprio nome.

- Sim – ele respondeu seco e curto.

- Me disseram que você sabe onde a carga está guardada.

O bruxo se debruçou no balcão, e Aline deu um meio passo para trás instintivamente.

- Escute aqui, eu não sei quem você pensa que é, mas eu já dei essa informação hoje de manhã. É bom você ter uma boa desculpa, ou não vai mais poder andar amanhã.

"Pense rápido, pense rápido! Invente uma desculpa."

- Três… dois…

- Eu estou substituindo o cara que veio aqui de manhã. Os aurores estava atrás dele há algum tempo e ele acabou sendo capturado antes de falar com a gente. Gostaríamos de saber onde eles estão ainda hoje, se você não se importa. O plano já está atrasado por causa de um idiota, e não queremos que ele se atrase mais ainda.

O brutamontes se desencostou do balcão, fazendo Aline dar um leve suspiro de alívio. Ela havia pensado na desculpa que aquela bruxa havia dado para substituir Didier, e pelo jeito era bastante convincente no meio deles.

- Eu esperava uma preparação melhor do seu pessoal – Quebra-Nozes disse, desdenhando dela. – Parece que a fama dos Comensais da Morte é maior do que deveria ser.

- Ainda precisamos da informação – ela disse, firme e seca.

Se Aline fosse mesmo uma Comensal, ela deveria ter ficado zangada com o comentário, mas não estava ligando muito para o que os outros pensavam deles. Ela deveria ter representado melhor, mas a informação era a única coisa em que ela estava interessada na hora.

- OK. A carga está guardada em Livstance Yuth, no norte da Dinamarca. Os vampiros estão guardando o local até que vocês cheguem, e só vão deixar vocês entrarem se usarem a senha "Drácula não morreu". O lugar está protegido pelos truques deles, por isso duvido que qualquer bruxo consiga achar a carga sem a permissão dos vampiros.

- Era o que eu precisava ouvir. Obrigada.

O Quebra-Nozes acenou com a cabeça, e Aline saiu da livraria o mais rápido que podia. Ela apressou o passo para entrar na rua sem saída, onde os outros a esperavam ansiosos.

- Livstance Yuth, Dinamarca, no norte – ela disse assim que parou na frente deles, sem dar tempo para perguntas. – Vamos logo! Não podemos perder tempo aqui!

- Calma, respira – Cinthia disse. – Eu preciso saber o que ele falou exatamente.

Aline revirou os olhos, impaciente. Não fazia a mínima diferença o que o Quebra-Nozes havia falado, mas mesmo assim ela repetiu as ameaças e escárnios para Cinthia. Ela ficou alguns segundos pensativa, mas não estava exatamente preocupada.

- O que foi? – Aline perguntou, um tanto preocupada. - Por acaso tinha que ler nas entrelinhas? Eu não reparei em nada que parecesse suspeito.

- Não, não é nada muito importante – Cinthia disse, balançando a cabeça. – É que ele disse que ninguém pode achar a carga sem a permissão dos vampiros.

- Ih, é mesmo.

- Isso pode ser um problema – Jorge disse, mas Cinthia balançou a cabeça de novo.

- Não, pelo menos eu acho que não. Alguns vampiros conseguem enfeitiçar suas posses para determinados fins, assim como conseguem retirar poderes de seus escravos para que eles não vampirizem. Eles não enfeitiçam como nós, mas as palavras deles já tem um certo valor.

- Eu não estou entendendo – Fred disse. – O que isso tem a ver com a gente?

- Bom, o Douglas e os outros provavelmente estão em Livstance Yuth, e nós precisamos da permissão de um vampiro para entrar lá, já que eles podem enfeitiçar qualquer coisa que pertença a eles. É mais como uma maldição, e não um feitiço.

- Vocês se lembram o que aquele vampiro disse na danceteria? – Jorge disse, e os outros tentaram se lembrar. - Ele disse que o lugar era dele. Quer dizer que a gente precisava ter pedido "por favor, podemos entrar na sua casa?" Ah, fala sério!

- Eu não tô brincando. Mas, as palavras dele também pertencem a ele, e acho que com isso vamos poder entrar em Livstance Yuth.

- Como assim? – Fred perguntou outra vez. Cinthia estava pensando tão rápido que não conseguia explicar direito.

- Pensem bem. Se ele passou a senha para o Quebra-Nozes, significa que ele pode entrar lá usando a senha. Ou seja, ele deu permissão ao Quebra-Nozes. Por sua vez, o Quebra-Nozes nos passou a senha, passando a permissão dele para a gente. Ou seja…

- Nós também temos permissão para entrar em Livstance Yuth! – Aline disse, mais calma agora. – O que estamos esperando? Vamos logo!

- Nós ainda temos que avisar a Tonks, e ver se ela pode resgatar os aurores. Não deveríamos estar ajudando nas investigações, lembra?

- Mas… mas…

- Nós não podemos ir – Cinthia tentou manter a voz firme, mas também queria resgatar Douglas e os outros dois aurores. – Vamos, temos que voltar para o hotel e avisar a Tonks.

- E se ela demorar a aparecer na lareira? – Jorge disse. - Quanto mais demorarmos, menos chances temos de encontrar o Douglas inteiro.

- Eu sei, Jorge. Mas não tem mais nada que possamos fazer agora. O nosso papel nesse resgate acabou.

Cinthia abaixou a cabeça, se odiando por ter que dizer aquilo. Ela mesma não queria acreditar que não havia mais nada a fazer, mas essa era a verdade.

Assim que os quatro aparataram para o hotel, Aline foi direto para o quarto destransfigurar o rosto e se certificar que não sobrara nada do feitiço. Fred também foi para o seu quarto, mas logo em seguida eles ouviram um "crack" de aparatação vindo lá de dentro, e um minuto depois um outro "crack" indicando a sua volta. Cinthia perguntou ao rapaz que carregava as malas se Tonks havia aparecido na lareira enquanto eles estavam fora, mas ele informou que não.

Depois de alguns minutos, os quatro desceram para a sala com sofás para os hóspedes para esperar Tonks aparecer na lareira, mas se falavam pouco. Depois de um tempo, que pareceu uma eternidade, Cinthia saiu da sala e voltou alguns minutos depois, entrando tempestuosamente.

- Vamos, estamos indo para a Dinamarca! – ela anunciou, e os outros se levantaram meio atordoados com a notícia repentina.

N/A: Ahá! Aposto como vocês não esperavam por essa, hein? Eu também não, tive a idéia na hora. Na verdade, eu ia deixar pro próximo capítulo, mas achei que ia ser legal colocar um final desses. Ficou no estilo "Pam-pam-paaam!" Desculpa se eu estou enrolando um pouco e se os capítulos estão ficando muito compridos, mas já está acabando, viu! Não precisa mais pedir pra Merlin atingir o meu computador com um raio não, eu logo paro com a tortura.