Beijos Desequilibrados
Capítulo XVI – Do cvidanja(1)
Disclaimer : Não pretendia fazer um disclaimer, mas tem tantas coisas estranhas naquele mangá... Incluindo a morte do Kamus. Na temperatura de zero absoluto, Kamus e Hyoga tinham de ficar completamente imóveis ! Mas eles conversaram e até choraram (lágrimas em -273,15ºC ?) ! Como Shion conseguiu sobreviver por tanto tempo ? Ah, é tanta coisa que até esqueci...
Saint Seiya pertence a Masami Kurumada, Toei Animation, etc. Sou apenas mais uma maluca que se aproveita dos coitados dos cavaleiros... '
Amelie Bertaux, Althea, as gêmeas, Lótus, Catarina e Joseph são criações minhas.
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Kamus acordara ouvindo o leve farfalhar do vento em sua janela.
Ainda não amanhecera; tornou a olhar a escrivaninha, donde repousava um maço grosso de papéis. Levantou-se e calmamente se dirigiu à janela. O céu estava lívido e podia-se observar as estrelas.
"Antares está tão brilhante hoje..."
Sentou-se no parapeito, deixando que a brisa leve da madrugada o envolvesse. Fixou seu olhar mais adiante, na 8ª casa zodiacal. Tomara uma decisão ontem à noite após ouvir as palavras de Mu, mas não tinha completa certeza se era realmente o mais correto a se fazer. Sentia não ter opções; porém seu coração lhe dizia que precisava fazer algo antes que seu maior temor se concretizasse.
A realização de um sonho que tanto o atormentava.
Todas as pontas de sua vida pareciam estar quase que completamente atadas. A mão que lhe fora estendida parecia demasiadamente distante; mesmo que a agarrasse, não daria mais tempo. Já era tarde demais.
Decidiu tomar um banho gelado como nunca mais havia feito na vida. Encheu cuidadosamente a banheira, despiu-se e entrou. Seus músculos se enrijeceram com o contato, mas acostumaram-se rapidamente. Seus longos cabelos lisos se espalharam magnificamente na água, dando-lhe um ar quase etéreo.
A jovem Saori chegaria dentro de três horas e, com ela, seu discípulo.
A tolha macia deslizava pelo seu corpo esguio quase como uma carícia. Olhou-se no espelho. Reflexos do mesmo rosto que contemplou durante toda a vida. Mas ele já não era mais o mesmo. Escolheu sua roupa preferida no guarda-roupa e colocou sua armadura. O sol estonteante da Grécia já despontava por entre as casas zodiacais.
Sentiu saudades da pequena Althea.
Prometera-se nunca mais visitar o túmulo de sua amiga grega, mas acabou por se trair. Aproximou-se com receio do local, abaixo da frondosa árvore que tanto lhe refugiou com suas sombras. Observou, admirado, que um lindo pé de althea havia crescido por entre a lápide e estava carregado de flores.
"Assim como esta planta, aquela menina nada tinha a ver com o mito que envolvia seu nome. (2)"
Desprendeu suavemente uma das flores e a depositou delicadamente na lápide. Era a sua singela forma de se despedir do pequeno anjo que surgira em sua vida e lhe fora arrancado tão bruscamente. Perdeu-se durante instantes em lembranças e se afastou. Infelizmente, tudo não passava de recordações agora.
'A jovem Athena se prepara para uma batalha contra o Santuário. É a minha missão defendê-la.'
Em pé, na porta de seu templo, viu pousar o avião que trazia em seu interior os cavaleiros de Bronze. Sentiu a flechada ser desferida contra o peito da jovem e viu com indiferença o relógio zodiacal ser aceso. A batalha finalmente começara. Agora não tinha mais volta.
Notou uma grande demora dos cavaleiros em sair do templo de Áries. Deduziu que Mu deveria estar reparando as armaduras. Mas será que o ariano estava realmente certo ? Isso seria algo que aquela menina teria de provar, todavia não estava interessado realmente naquilo. Percebeu o cosmo amigável de Aldebaran abater sem muitas dificuldades quatro cavaleiros de bronze.
"Ainda é muito fraco, como pensei."
Sentiu um cosmo hostil emanar do templo de Gêmeos. Mas o que aquilo significava ? Saga, o cavaleiro exemplar, não havia desaparecido há treze anos ? Se tivesse retornado, certamente Miro saberia. Afinal, constatava com uma ponta de ciúmes que o geminiano sempre fora uma das pessoas mais importantes da vida do outro grego. Observou atentamente ao desenlace; dois cavaleiros passaram tranqüilamente pelo templo, mas Hyoga fora detido. Pior : havia sido tragado para outra dimensão.
Não poderia ficar mais inerte; era a sua hora de agir.
Desceu apressadamente as escadarias. Conversou brevemente com Shura, explicando-lhe a situação. O espanhol deixara-o passar sem mais problemas. Continuou seu caminho até chegar em Escorpião. Aquela talvez fosse a parte mais difícil que teria de enfrentar.
Miro.
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O dono da oitava morada acordou de um salto naquela manhã; parecia ter borboletas no estômago.
Olhou para cama vazia e suspirou. Tudo não havia passado de um sonho. Mais um entre tantos. Tornara-se rotina ter sonhos acalorados com o francês que lhe roubava os pensamentos e acordar só, na cama bagunçada. Apenas entendia naqueles momentos o quão doloroso deveria ter sido para Kamus acordar sozinho após duas noites de entrega.
Sentiu seu volume latejar pelos efeitos do recente devaneio interrompido, reclamando por ser negligenciado.
Deitou-se novamente, com as mãos atrás da cabeça. Já fazia algumas semanas que soltava indiretas para o francês, que parecia ser simplesmente imune a tal tipo de investida. O relacionamento deles deveria ser esclarecido de uma vez por todas. Se Kamus ainda o amasse, estariam perdendo tempo. Se a resposta fosse negativa, por mais que lhe doesse, seria preciso encarar a realidade e seguir sozinho. Simplesmente não agüentava mais ter seus olhos nublados pela dúvida.
Tal conversa iria acontecer hoje, com ou sem batalha no Santuário.
Levantou-se e foi até o banheiro. Uma chuveirada quente o relaxaria e faria seus pensamentos fluírem melhor. Organizava seu cérebro para escolher as palavras mais adequadas a serem ditas para o aquariano. Deixou para falar com ele depois da batalha, ou tomaria um fora.
Era certo que precisava comer alguma coisa, mas seu estômago parecia recusar tudo o que lhe era oferecido. Dirigiu-se até o saguão de passagem de sua casa e se encostou em uma coluna. Alguns cavaleiros já haviam passado pela casa de Gêmeos, provando que ele acordara tarde. Mas que cosmo estranho era aquele que pairava sobre Gêmeos ?
Pelo que lhe constava, Saga, cavaleiro de Gêmeos, havia sumido há treze anos. Era uma lembrança dolorosa; Saga fora um grande amigo. Nutriu por ele um amor platônico em sua infância e nunca se conformou em desconhecer o paradeiro dele. Se Saga tivesse retornado, com certeza ele seria o primeiro a saber.
Com um balanço de cabeça, afastou todos aqueles pensamentos do passado. Apenas um certo francês pairava sobre sua cabeça, que maquinava na melhor maneira de tê-lo para si. Sentiu um cosmo deliciosamente familiar vir de encontro ao seu.
Kamus.
Olhou-o com alegria; será que Kamus havia aprendido a ler pensamentos ? Andou lentamente em sua direção e parou à sua frente, estendendo os braços.
"Aonde pensa que vai, Kamus ?" – sorriu.
"Miro, não tenho muito tempo." – falou pausadamente – "Hyoga foi capturado por outra dimensão que se abrirá daqui a pouco no templo de Libra."
"E o que você pretende fazer ?" – ergueu uma sobrancelha.
"Não posso deixar que outro cavaleiro o mate, mas também não posso permitir que avance." – seu semblante tornou-se sombrio – "Pretendo impedi-lo, mas sem matá-lo... Talvez, daqui a algumas décadas, ele possa renascer e não ser mais perseguido. Não me perdoaria se outro cavaleiro o matasse. Miro, por favor..."
"Tudo bem, deixo você passar." – recolheu os braços, virando-se de lado – "Mas, por favor, tenha cuidado. E preciso conversar seriamente com você."
"Muito obrigado. Podemos conversar uma outra hora, depois que tudo isso terminar."
Miro sorriu; sabia que Kamus diria algo deste tipo.
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O francês andou a passos largos; a última frase de Miro ecoava em sua cabeça.
Entrou no templo vazio do velho mestre, exceto por uma figura caída exatamente no centro do local. Permaneceu parado, em pé, apenas observando a aparência infantil que Hyoga tinha enquanto dormia. O russo se acordou num salto e, depois de pouco tempo, notou sua presença.
"Há quanto tempo, hein, Hyoga ?" – sorriu.
"O que faz aqui, mestre ? Pela sua presença, esta só pode ser a casa de Aquário !" – estava espantado.
"Não, a casa de Aquário fica bem mais longe." – tornou-se sério – "Nós estamos na sétima morada, a casa de Libra."
"Libra ? Então é a do velho mestre de Shiryu..."
"Sim. Realmente, o velho mestre dos Cinco Picos deveria proteger esta casa, mas ele teve de ficar na China por enquanto. Por isso, este lugar ficou vazio."
"Mas então por que você veio aqui, mestre ?"
"Simplesmente para deter você, Hyoga !" – falou de maneira autoritária – "Eu lhe ordeno, Hyoga : não avance mais ! Se você quer viver, fique onde está !"
"Mestre... Apesar da ordem vir de você, não posso obedecer."
"Então terei de usar a força para detê-lo, meu rapaz." – fechou os olhos e concentrou seu cosmos numa mão, atingindo Hyoga de uma só vez.
O rapaz tombou com a cara no chão frio.
"Levante, Hyoga. Se você pretende ir mais longe, é preciso me vencer."
"Eu não posso. Não sou capaz." – ergueu-se lentamente – "Como vou atacar meu próprio mestre ?"
"Pff... Você sempre foi sentimental demais ! Fui eu quem afundou ainda mais o barco onde está o corpo de sua mãe, sabia ?" – falou provocativamente.
Um calafrio de raiva percorreu todo o corpo do russo.
"Então foi você ! Por quê ?" – encarou o rosto completamente sem emoção de Kamus – "Ela está morta, mas eu ainda tinha uma chance de ver a coitada ! Aquele era o meu único canto de paz !" – falou a plenos pulmões – "Era a única coisa importante para meus olhos ! Por quê, mestre ?"
"Basta ! Eu o livrei de sua fraqueza. Só se pode chorar por um morto por um certo tempo. Mas, se você ficou bravo, venha lutar comigo."
"Você pode ser o meu mestre, mas nunca vou perdoá-lo !" – num acesso de ódio, atacou-o – "Diamond Dust !"
Kamus, desprovido de sentimentos, apenas ergueu seu braço direito e conteve todo o ataque de seu discípulo.
"Ele conteve meu ataque !"
"Você é muito ingênuo... Fui eu quem ensinou este ataque. Como você espera passar pelas outras casas com um golpe desses ?" – olhou-o com censura – "Nestas condições, é melhor que eu mesmo o mande para o outro mundo."
"Hein ?" – Hyoga assistiu, assustado, seu mestre erguer os braços acima de sua cabeça – "Ah ! Essa pose... Os dois braços levantados assumem a forma de um jarro. E a luz que sai deste jarro é..."
"Aurora Execution !" – uma rajada de ar congelante atingiu em cheio Hyoga, que caiu inerte, no chão.
Kamus se aproximou lentamente, encarando com pesar o corpo pálido de seu jovem discípulo.
"Hyoga... A Aurora Execution levou você à morte. Hyoga, meu jovem discípulo ! Se você continuasse nesse caminho, um outro cavaleiro iria detê-lo brutalmente. É melhor que você morra pelas minhas mãos do que pelas de qualquer outro. Perdoe-me, Hyoga. Você tinha oito anos quando foi à Sibéria se tornar um cavaleiro. Em seis anos, sob o tremendo frio do lugar, eu fiz de você um guerreiro. Eu lhe dei a armadura de Cisne, aprisionada nas geleiras eternas, com a autorização do Grande Mestre. Também fui eu quem lhe transmitiu a ordem enviada por ele para executar os demais cavaleiros de bronze durante o Torneio Intergaláctico. E eu mesmo executei a pena reservada para aqueles que traem o Santuário. Agora, o mínimo que posso fazer é oferecer um caixão feito pelas minhas mãos."
Ergueu sua mão direita; um brilho emanou de seu corpo e, aos poucos, Hyoga foi sendo lacrado num túmulo completamente feito de gelo. Kamus se demorou contemplando o rosto sereno de seu discípulo, praticamente morto.
"Aconteça o que acontecer, este túmulo de gelo não derreterá. Nem mesmo um cavaleiro de ouro pode quebrá-lo. Sua alma pode abandonar a terra, mas seu corpo ficará aqui eternamente." – não conteve duas lágrimas grossas que caíram de seus olhos – "Hyoga, você repousará para sempre na casa vazia de Libra."
Foi embora sem ao menos olhar para trás.
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Miro tornou a se encostar em uma das pilastras.
Kamus que o desculpasse, mas iriam conversar assim que ele retornasse de Libra. A angústia da espera o corroia por dentro. Por que demorava tanto ? Hyoga era um cavaleiro de bronze, não daria trabalho. Ouviu passos vindos da entrada de seu templo e virou a cabeça.
Kamus entrava em Escorpião mais pálido que o habitual. O francês nem sequer lhe dirigiu um olhar breve; parecia perdido em seus próprios pensamentos. A garganta entalou à medida que o viu se afastar indiferente. Seria ele invisível aos olhos do aquariano ? Completamente dispensável ? Ao vê-lo beirar a saída, não se conteve.
"Kamus !" – falou alto, dando alguns passos em aproximação.
A cena seguinte jamais sairia de seu coração.
Kamus parou, maquinalmente, de costas para si. Viu o francês virar seu rosto para trás e o cabelo caiu em seus ombros. Duas lágrimas adornavam o rosto sério, saindo de seus olhos belíssimos. Ah, aquele olhar confuso ! Lembrou-se de quando vira-o chorar outrora; fora a cena mais linda e triste que já presenciara. Porém tinha certeza de que desta vez era perfeita porque havia algo diferente.
Seu olhar, além de confuso, era profundamente apaixonado.
Correu de encontro ao francês, sem quebrar o contato visual com aqueles orbes que queriam tragá-lo para dentro de si. Kamus girou todo o seu corpo, ficando de frente para o grego. Miro vislumbrou demoradamente aquelas feições, encantado. Todas as palavras que tinha pensado em dizer vieram-lhe à mente aos tropeços.
"Kamus, eu..."
"Shh..." – pousou suavemente a ponta do indicador nos lábios entreabertos do grego – "Não diga mais nada. Apenas me beije outra vez."
A mão trêmula do francês deslizou em sua bochecha, afagando seus cabelos cacheados. Seus olhos lacrimejaram, deixando uma lágrima fina escorrer quando foram cerrados. As mãos de Miro passearam na nuca de Kamus, trazendo-o para si.
Seus lábios tocaram-se delicadamente. A boca cálida do grego sugava com carinho o lábio inferior do francês enquanto suas mãos alisavam delicadamente os braços dele. Sentiu Kamus entreabrir a boca e deslizou sua língua para seu interior. Os braços do francês o envolveram num abraço possessivo. As pernas enroscaram-se. Era um beijo completamente diferente de todos os outros que trocaram; não havia provocações, raiva, desejo. Apenas a constatação de que amavam e eram correspondidos em igual intensidade.
Miro beijou-lhe as bochechas nervosamente. Abraçou-lhe forte, sentindo o corpo do outro amolecer em seus braços. Minutos que pareceram eternos se passaram e ambos nem ao menos se mexeram. O grego sentiu que precisava lhe dizer algo. Por mais que os atos falassem por si só, precisava ouvir aquilo que tanto ansiara.
As palavras nunca eram dispensáveis.
Kamus encarou aqueles olhos felizes e interrogativos e abriu um grande sorriso.
"Je t'aime, mon amour..." – sussurrou.
Miro soltou um riso de alegria. Encostou sua testa na dele, ainda admirado com tudo aquilo que acontecera tão brevemente.
"S'ayapo(3)"– sussurrou feliz.
Ambos riram, felizes. Trocaram mais alguns selinhos até que a sanidade de Kamus o chamasse de volta a realidade.
"Estamos no meio de uma batalha, Miro. Preciso voltar."
O grego abraçou-lhe possessivamente.
"Não vou fugir de você." – Kamus falou, rindo.
"Mal posso esperar que tudo isso acabe. A felicidade está se abrindo para nós, meu anjo."
O francês não respondeu; apenas pegou sua mão e a beijou com ternura.
Seguiu andando até a sua casa, sempre olhando para trás e sorrindo com os beijos que Miro lhe jogava no ar. Gravou o rosto de felicidade do grego e deu-lhe as costas, andando rapidamente. Acabara de contradizer tudo aquilo que ensinara a seus discípulos e não se arrependera em momento algum.
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Hyoga conseguira se libertar do túmulo de gelo e se encontrava em Escorpião, lutando com Miro. Kamus observava a tudo em Aquário.
O cavaleiro de ouro já lhe aplicara inúmeras agulhadas e o russo tentara, em vão, atacar-lhe.
"Mas não é possível ! Os ferimentos das picadas aumentaram e meu sangue agora está jorrando ! Meu corpo inchou... Minha visão está ficando turva... Não é só a visão. Estou ouvindo cada vez menos e tenho uma sensação estranha no nariz e na boca..." – Hyoga caiu de joelhos – "O que é isso ?"
"Simplesmente porque você está perdendo os cinco sentidos." – o grego olhou-o sério.
"O que ?"
"Quanto mais sangue você perder, menos vai poder usar os sentidos."
"Agora... Antes de desmaiar, eu vou vencê-lo, Miro..."
"É inútil. Nesse estado parcialmente privado do tato, você não vai conseguir fazer nada."
Hyoga ignorou o aviso e o atacou, sendo repelido com um empurrão.
"Você é burro, Hyoga ? Não entendeu as palavras de Kamus ?"
"O que ?"
"Sim... Kamus foi à casa de Libra porque não queria que você morresse ! Você estava quase morto, poderia renascer a qualquer momento... Kamus pretendia poupá-lo agindo desta forma."
"Kamus... Meu mestre !"
Miro deu-lhe as costas e começou a se afastar.
"Em respeito a Kamus, vou deixá-lo vivo."
"Como é ?"
"Em alguns dias seus sentidos voltarão."
"Não... Fazer isso não adianta, Miro. Kamus pode confirmar."
"O que ?" – espantou-se.
"Como vou dormir em sono profundo enquanto meus irmãos lutam com todas as forças ? De que me adiantaria sair de um esquife de gelo daqui a dez ou cem anos ? O que conta para mim agora é viver ! Pouco importam as dificuldades e os sofrimentos que aparecerem ! Sou feliz por marchar ao lado dos meus amigos ! Deus foi maravilhoso ao me dar este destino... Hoje, agradeço por me fazer nascer na mesma época que eles. Mesmo sem sentidos, não vou parar de lutar até morrer !"
Hyoga tentou desferir inutilmente um soco em Miro. O grego fechou os olhos e se comunicou com Kamus através de seu cosmo.
"Você entendeu, Kamus ? Você não ouviu as palavras de Hyoga na casa de Libra ? Deixar o rapaz vivo representa uma humilhação para ele. Tirar sua vida seria considerá-lo um verdadeiro cavaleiro. Então vou usar todas as minhas forças para acabr com a vida de Hyoga ! Ouviu, Kamus ?"
"Eu estou orgulhoso por você perceber que o Hyoga é um ser incrível. Hyoga... Eu sei que, mesmo morto, você continuará lutando. Por Athena, por seus irmãos... Hyoga !"
"Miro, prepare-se para receber meu último golpe ! Já que vou perder todos os sentidos, vou intensificar minha energia cósmica ao máximo."
"Venha, Hyoga ! Eu lhe prometi a última picada do escorpião : Antares !"
"Diamond Dust !"
"Scarlat Needle : Antares !" – Miro atingiu o ponto de Hyoga – "Adeus, meu amigo."
O sangue saiu profusamente do corpo de Hyoga, caído no chão. Miro deu-lhe as costas.
"Conforme sua vontade, Hyoga, você morreu brava,mente no campo de batalha, em uma luta leal." – sentiu pontos frios em seu corpo e se espantou – "O que ! As 15 estrelas de Escorpião cintilam como se estivessem congeladas ! Mas como ! As 15 estrelas de escorpião estão gravadas na minha armadura ! As estrelas da constelação de um cavaleiro representam seus pontos fracos. São seus pontos vitais. Hyoga me atingiu nestes pontos numa fração de segundo ? Quando ? Terá sido em nosso último embate ? Foi quando eu o atingi com Antares... Hyoga conseguiu me atingir em 15 pontos vitais com o seu diamond dust. Minha armadura foi congelada pelo golpe de Hyoga" – uma gota de suor escorreu em seu rosto – "Sem minha armadura dourada, morreria de frio na certa. Sobrevivi a um combate mortal. Mas, na verdade, eu perdi. O cosmo de Hyoga cresceu bem mais que o meu."
Notou que Hyoga ainda se arrastava no chão, parando subitamente.
"Mas... Ele desmaiou porque... Aonde você quer chegar, Hyoga ? Junto de seus companheiros ? Perto de Kamus ? Se você não for levado ao Grande Mestre que seu grupo pretende destronar... Suas forças vão se esvair enquanto o sangue escorre pelo chão. É uma questão de minutos..." – abaixou-se e colocou Hyoga em seu colo – "Não quero prolongar seu sofrimento, jovem cavaleiro. Você só quer ir em frente... E essa Saori Kido, que os cavaleiros de bronze querem tanto proteger ? Será que ela é mesmo a reencarnação de Athena ? Bem, nós... Hyoga..."
Ergueu o dedo e o tocou num ponto vital. Aguardou alguns minutos até que o russo abriu novamente os olhos.
"Você acordou, Hyoga. Eu pressionei um ponto vital, a hemorragia vai parar. Assim é possível recuperar parte dos seus sentidos."
"Por quê ?"
"Hum... Eu quero ver... Quero saber até onde você pode ir." – sorriu.
Hyoga levantou-se e partiu de seu templo. Mal sabia Miro das conseqüências de sua decisão.
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Kamus estava parado na frente do templo de Aquário.
Mestre e discípulo se encaravam, sérios.
"Hyoga, eu..." – estava orgulhoso de seu discípulo e pretendeu exteriorizar o fato – "Não, eu nada tenho a dizer."
"Kamus, meu mestre, eu lhe devo tudo ! Mas palavras não bastam para mostrar o quanto eu agradeço por você ter me transformado em cavaleiro, na Sibéria. Por isso, vou mostrar meu reconhecimento portando-me como um verdadeiro cavaleiro. Eu vou usar tudo o que me ensinou e vencê-lo-ei em combate !"
"Se é isso o que você quer dizer, desta vez eu acabarei com a sua existência. Estou esperando, Hyoga !"
Ambos entraram no templo e se colocaram em posições de luta.
"Diamond Dust !" – Kamus mais uma vez deteve o golpe com apenas uma mão.
"Você esqueceu o que eu disse na casa de Libra ? Fui eu quem ensinou este golpe. Não é possível me vencer assim, ainda mais com tão pouco frio. Eis um frio de verdade !" – com a mesma mão, o francês soltou uma rajada de ar congelante, fazendo Hyoga tombar no chão.
"Minha perna esquerda congelou !"
"O que é o zero absoluto ? Responda, Hyoga !"
"O... Zero absoluto..."
As lembranças invadiram a mente do garoto. Kamus atacou-o novamente com uma rajada de ar frio.
"Minha perna direita também congelou... Não posso mais me mexer !"
"Hyoga, você sabe que o zero absoluto é o limite extremo. Mas criar tal frio é algo impossível... Até mesmo para mim. Em um combate entre dois cavaleiros do frio, a vitória caberá ao que mais se aproximar deste limite."
"A energia cósmica faz a diferença..."
"Sim. Por mais que você amplifique sua energia cósmica, não vai se aproximar tanto do zero absoluto quanto eu." – ergueu os braços acima da cabeça – "O seu frio jamais se igualará ao meu ! Eis a diferença entre ganhar e perder."
"Nossa... Essa postura..."
"Aurora Execution ! Você vai sofrer uma derrota arrasadora, Hyoga ! Que o meu frio o congele !"
O golpe o atingiu em cheio, derrubando-o no chão. Mas, para a total surpresa de Kamus, Hyoga se levantou.
"O que ! Hyoga, você acaba de receber a Aurora Execution e ainda assim..."
"Mestre, o mesmo ataque não funciona duas vezes contra o mesmo cavaleiro. Foi o senhor que me ensinou."
"Que..."
"Mesmo que eu não chegue ao zero absoluto – fez uma postura ofensiva – quero ao menos igualar meu frio ao seu. Eu vou vencer ! Kholodnyi Smerch(4) !"
Kamus rebateu o golpe com um ar ainda mais frio.
"Eu já disse que é inútil !"
"O meu golpe mais potente não surte efeito." – estava caído no chão, inerte – "Sim, você é meu mestre... E a minha força não pode se equivaler à sua."
"Então finalmente compreendeu que seus ataques não podem me fazer nada." – aproximou-se com um ar arrogantemente indiferente – "Portanto, devo felicitá-lo por ter evitado a Aurora Execution." – ergueu a mão direita acima da cabeça – "É inútil ferir você, uma vez que minha vitória é indubitável. Portanto, lhe ofereço algo em troca. Freezing Coffin !"
Seu coração chorou sangue ao ver seu discípulo mais uma vez enterrado naquele esquife feito pelas suas próprias mãos.
"Você já sabe como é : nada poderá derreter este gelo, nem mesmo toda a força de seus amigos reunida. Desta vez, a espada de Libra será inútil. Você pode descansar em paz, Hyoga..." – sentiu seu discípulo impaciente dentro do esquife – "O que você pretende agora ? A morte logo chegará. Seja paciente. Mas o que !"
Completamente horrorizado, Kamus olhou para o esquife em pânico.
"Você está quebrando o bloco de gelo por dentro ? Você não pode fazer isso ! Pare ! Hã ?"
Hyoga despedaçara a sua prisão congelada.
"Impossível... Hyoga fez o que todos os cavaleiros de ouro jamais conseguiram ! Como ele conseguiu ?" – olhou incrédulo o corpo do russo no chão – "Mas como ? Para destruir o bloco, é preciso criar um frio superior ao do seu gelo. Isso significa que você gerou uma temperatura igual a – 273,15ºC. É o zero absoluto !" – estava completamente horrorizado – "Hyoga... Inconscientemente, você..." – Hyoga começou a se levantar lentamente – "Não, é impossível. As duas pernas estão congeladas, o corpo está praticamente paralisado pelo frio... De onde ele tirou tanta força ?"
"Mestre..." – arrastava-se lentamente até manter-se de pé – "Eu disse que, mesmo não conseguindo atingir o zero absoluto, ainda assim eu chegaria ao seu nível e venceria !"
"Pare, Hyoga !" – estava visivelmente preocupado – "Seu corpo não suportará outro ataque !"
Hyoga ignorou o pedido; ambos se atacaram e algo inesperado aconteceu.
"Mas, o que é isso ?" – estava surpreso - "A massa de ar frio ficou bloqueada entre nós dois ! Inacreditável ! Isso significa que Hyoga gerou um frio igual ao meu ! Estou impressionado, Hyoga. Seu frio está na mesma temperatura que o meu. Parabéns. Infelizmente, isso não significa que você vencerá. Tudo tem seu ponto de glaciação. A água congela a 0ºC, o álcool, a -114,5ºC... As armaduras não fogem a regra. As armaduras de bronze congelam a -150ºC. A sua, mesmo criada nas geleiras eternas, entra nessa categoria. As armaduras de prata param de funcionar a -200ºC. Mas, para acontecer isso com uma dourada, é preciso atingir -273,15ºC ! Sim... Para vencer um cavaleiro de ouro, deve-se atingir o zero absoluto ! Você não será capaz de me vencer, Hyoga. Este traje me protegerá." – não ouve reação por parte do russo; preocupou-se – "Hyoga !"
"Ao ultrapassar os limites para gerar um frio igual ao meu, ele desmaiou."
"Hyoga ! Abra os olhos, Hyoga !" – preocupado, não queria matar o garoto – "Se você ficar assim, vai receber toda a carga de frio entre nós e seu corpo vai se desintegrar ! Hyoga ! Hyoga !" – gritava desesperado – "Abra os olhos e saia da trajetória, Hyoga ! O frio está indo na sua direção ! Abra seus olhos, Hyoga !"
No último segundo, o russo finalmente abriu os olhos. Agarrou o ar frio com ambas as mãos e espatifou a armadura de Cisne.
"O que houve ?" – Kamus olhava ainda sem entender; Hyoga arremessou o golpe longe – "Incrível ! Ele conseguiu repelir aquela onda de frio !"
O ar que fora repelido atingira Kamus em cheio, fazendo-o cair. Levantou-se, sem seu elmo e olhou espantado para sua armadura.
"Minha armadura congelou ! Não posso acreditar !"
"O que eu imaginei aconteceu. Para quebrar o bloco de gelo, foi preciso gerar um frio superior ao meu. Superior a -273ºC... Atingindo o zero absoluto ! Isso não faz de você um vencedor." – olhou-o seriamente – "Você está completamente desarmado. O Diamond Dust e o Kholondnyi Smerch serão inúteis contra mim. Você não conseguirá usar o frio ofensivamente. Sua derrota está próxima, Hyoga." – ergueu novamente os braços acima da cabeça – "Desta vez, não há escapatória. Aqui vai o golpe mais poderoso do cavaleiro de Aquário !"
Quando ia disparar o golpe, percebeu que Hyoga imitava todos os seus gestos.
"O que ? Mas esta postura... Impossível. É a Aurora Execution ! Você enlouqueceu ? Seus ataques não surtiram efeito e agora você vai usar suas últimas forças contra um dos meus golpes ? Que besteira, Hyoga ! É o meu ataque mais potente. E o fato de você tê-lo recebido duas vezes não significa que saberá executá-lo. É bom você saber disso. Prepare-se, Hyoga ! Você vai sentir todo o poder da Aurora Execution !"
Ambos soltaram seus golpes ao mesmo tempo. Chocaram-se no ar, causando uma verdadeira explosão de frio.
"Hm..." – sorriu – "Parabéns, Hyoga. Você conseguiu me enfrentar e dominar a técnica da Aurora Execution. Não tenho mais nada a te ensibar. Petrificado pelo frio, você está mais morto que vivo. Seus cinco sentidos o abandonaram, mas, ainda assim, você atingiu o zero absoluto. Sua energia cósmica chegou ao nível da minha. Você se abriu ao maior dos cosmos : o sétimo sentido. Gostaria tanto de colocar esse poder a serviço dos seus ideais... Eu faria tudo para que você vivesse um mais pouco, mas..." – sentiu uma fraqueza nas pernas e foi caindo, lentamente – "Infelizmente nem eu posso ajudar. Perdão, Hyoga."
Kamus caiu de bruços no chão, de olhos fechados. Lembrou-se com carinho das juras de amor que trocara com seu grego maluco naquela tarde. Sorriu. Teve pena de Miro por antecipação, mas tudo era como Isaac lhe disseram uma vez, em sonho.
As escolhas que fazemos decidem o nosso futuro.
Havia escolhido, sim, aquele destino trágico. Mas tinha consciência de que se arrependera a tempo de dizer a coisa mais importante de sua vida. Declarar seu amor a Miro e vê-lo sorrir por sua causa. Sentia-se completamente feliz.
Manteve em sua mente a linda imagem de Miro sorrindo, jogando-lhe beijos no ar, até que toda a dor finalmente desapareceu.
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Miro estava caído no chão desde que sentira o cosmo de Kamus desaparecer. Sabia que não poderia subir até Aquário com a batalha ainda em curso. Seu coração estava completamente despedaçado como também ondas de ódio percorriam seu corpo.
Ódio de si mesmo.
Se não tivesse sido tão estúpido a ponto de salvar Hyoga, seu Kamus estaria vivo. Poderia sentir seu cosmo acolhedor protegendo-o como sempre, mesmo quando o francês lhe fora tão cruel.
Sempre teve certeza, pelo cosmo de Kamus, de que ele nunca deixara de amá-lo.
De tão absorto que estava na própria tristeza, nem sequer olhou quando Ikki passou em sua casa. Apenas emergiu de suas sombras quando, através do cosmo, ouviu as vozes de Mu e Shaka que conversavam sobre a batalha.
"Mu, você o conhece ?" – a voz de Shaka ecoou.
"De quem você está falando, Shaka ?"
"Daquele que Seiya e Ikki estão enfrentando neste momento, é claro. Os cavaleiros de bronze arriscaram a vida ao enfrentar o Grande Mestre e seus asseclas... Tudo para salvar Saori Kido. Se o velho mestre e você se aliaram a esses cavaleiros é porque já sabiam da verdadeira identidade do Grande Mestre !" – o indiano falou indignado.
"Já que tocou neste assunto, Shaka, vou revelar a identidade do Grande Mestre. O Grande Mestre que está no trono é um impostor, outra pessoa tomou seu lugar."
"O que ?" – Touro e Leão se assustaram.
"É verdade, Mu !" – fora impossível a Miro não participar daquela conversa.
"Eu desconfiei disso durante dez anos. – Mu continuou – Quando voltei ao Santuário, a desconfiança se tornou certeza. Desde que senti uma enorme energia cósmica na casa de Gêmeos, a única que não pode ter guardiões..."
"É... Pensando bem, era um cosmo muito estranho..." – Aldebaran se fez ouvir.
"Creio que todos se recordam da história do cavaleiro que desapareceu pouco antes da morte de Aioros, há 13 anos..."
"Nessa época, nós ainda nem éramos cavaleiros de ouro." – Shaka interveio.
"Sim, eu lembro. Você está falando de alguém que foi escolhido por unanimidade para ser o novo Grande Mestre." – Aioria estava cada vez mais intrigado pela verdade.
"O cavaleiro de Gêmeos." – Miro completou, completamente horrorizado.
"Sim." – Mu prosseguiu – "Na verdade, ele nunca desapareceu, mas passou 13 anos no Santuário disfarçado como nosso Grande Mestre !"
As exclamações de surpresa foram unânimes.
"Então o Grande Mestre é o cavaleiro de Gêmeos !" – Miro apenas repetiu, incrédulo.
Miro não podia acreditar. Saga, seu amigo, seu irmão e seu pequeno amor platônico de infância ainda estava vivo e o enganara por todos estes anos ? Ele era o traidor em vez de Aioros ?
"A função do Grande Mestre é ajudar Athena." – Mu continuou – "Mas, na prática, ele tem o poder de comandar todos os cavaleiros. E se de repente ele resolve conquistar todo o planeta por causa disso ? O Grande Mestre precisa de um corpo, espírito e coração puros. É por isso que, desde o princípio, o Grande Mestre costuma indicar pessoalmente seu sucessor escolhendo um dos 12 cavaleiros de ouro. O lugar é ocupado por quem o Grande Mestre considerar o mais digno de assumir tamanha responsabilidade. O velho mestre dos Cinco Picos, o cavaleiro de Libra, chegou a lutar ao lado do verdadeiro Grande Mestre durante a última Guerra Santa. Ele é um cavaleiro da geração anterior. Entre os guerreiros detentores de um poder descomunal, nenhum tinha idade para se candidatar ao título de Grande Mestre. Entre eles, com exceção de Aioros, todos pensavam que Saga seria o próximo a assumir a função de Grande Mestre. Além de ser o mais forte, Saga tinha o coração tão puro que poderia ser comparado a um Deus. Saga era um bom homem que não fazia distinção entre as pessoas, era respeitado e amado como um verdadeiro Deus..."
"Sim..." – Shaka falou pensativo.
"Nós achamos que Saga tinha sumido..." – Aldebaran suava frio.
"Ele se passou pelo Grande Mestre durante 13 anos..." – Aioria parecia contente por dentro em saber que o irmão não era um traidor.
"Não posso acreditar..." – o cérebro de Miro se recusava a chegar em tal conclusão – "Mas o que aconteceu com o nosso verdadeiro líder ?"
"Eu, Saga, matei o Grande Mestre !" – a voz maligna de Gêmeos ecoou por todo o Santuário.
Se ainda havia algo inteiro no coração de Miro, havia acabado de se destroçar. Saga, seu querido Saga, era um grande traidor ! E ouvir isto da própria boca dele tornava tudo muito pior.
"Sim, eu sou um Deus !" – a voz diabólica prosseguiu – "Daqui em diante, reinarei sobre o Santuário e sobre toda a Terra ! Sim, eu, Saga !"
"Saga... Então Mu disse a verdade..." – a decepção de Escorpião era palpável.
"Saga, você está revelando sua verdadeira identidade após tantos anos de mistério." – Mu falou calmamente – "A vitória parece inevitável e ninguém será capaz de impedir a morte de Athena. Mas não vai ser assim, Saga... A chama vital de Athena não se extinguiu por completo !"
"Aquela era mesmo a voz de Saga ? Eu não reconheci..." – Shaka comentou.
"Sim... Aquele com quem falamos parecia mais um Deus..." – Aldebaran completou.
"A energia cósmica que sentimos não pertencia a Deus, mas ao próprio diabo." – Aioria tremia de raiva.
"Aquele não é o Saga que conhecemos..." – Miro finalizou, triste.
A risada maquiavélica ecoou por todo o lugar sagrado.
"Escutem bem, cavaleiros de ouro e soldados do Santuário ! Acabo de me livrar de cinco cavaleiros renegados que vieram me desafiar. A chama do relógio logo se extinguirá e com ela, a vida de Athena. Vocês devem tudo isso ao Grande Mestre, que se recusou a me designar como sucessor há treze anos !"
"Ele se passou pelo Grande Mestre durante 13 anos !" – Aioria caminhou em direção as escadarias – "Tentou matar Athena e fez meu irmão se passar por traidor ! O dever de um cavaleiro é servir à justiça. O do Grande Mestre, então..."
"O velho mestre e eu não nos enganamos..." – Mu constatou.
"Fomos enganados por 13 anos..."
"Então é verdade ? Essa menina é mesmo Athena ?" – diante da verdade que afirmava, Miro sentia não ter em quem descontar toda a sua ira e frustração.
"Mas como é que não senti a energia maligna de Saga durante todo este tempo ?" – Shaka se intrigou.
"Saga ! Agora que tudo se esclareceu, não posso ficar aqui parado !" – Airoia gritava enquanto se apressava para fora de seu templo – "Não vou poupar sua vida !"
"Espere, Aioria !" – Mu usou sua telecinese para impedi-lo.
"Por que você me segurou, Mu ? O mistério acabou ! Precisamos fazer de tudo para salvar Athena e eliminar Saga !"
"Se isso fosse possível, o velho mestre e eu teríamos agido há muito tempo. Mas o céu está testando Athena."
"Uma prova celeste ?" – Aioria empacou.
"Sim. Se Athena não sobreviver a Saga, a encarnação do demônio, quer dizer que ela não é a verdadeira Athena. A batalha que se iniciar será fatal se Saori não for a verdadeira Deusa. Se ela for Athena, não vai morrer. Se Seiya e seus companheiros são cavaleiros de verdade, salvarão Athena mesmo que isso custe a vida. Por ora, é preciso ser paciente e ter fé na vitória dos cavaleiros de bronze nesta luta pela salvação de Saori Kido."
Diante das palavras de Mu, Miro e os outros cavaleiros de ouro se dirigiram lentamente a primeira casa zodiacal. Eles deveriam estar lá caso a menina acordasse. Assistiram impassíveis a Seiya e Saga lutarem e viram, com orgulho, que a menina se levantara do chão, salva.
"Saori Kido, nós, os cavaleiros de ouro que sobrevivemos a esta batalha, reconhecemos você como a verdadeira encarnação da deusa Athena." – Mu tomou a palavra.
"Aioria de Leão."
"Shaka de Virgem."
"Miro de Escorpião."
"Aldebaran de Touro."
"Nós juramos fidelidade a Athena" – Mu continuou – "assim como o velho mestre dos Cinco Picos, cavaleiro de Libra, e todos os demais cavaleiros. Athena, nós nos colocamos ao seu lado para garantir a paz e a justiça sobre a terra !" – todos se curvaram numa reverência.
Mas Saori mantinha um semblante preocupado.
"O que foi, senhorita ?" – Tatsumi perguntou – "Alguma coisa a preocupa ?" – a garota começou a correr escadaria acima, sem responder – "Ei, senhorita ! Aonde você vai ?"
"Deixe-a ir embora." – Mu falou – "Ela se tornou uma garotinha como todas as outras. Agora vai começar uma luta que desafia a imaginação. Por enquanto, deixe Saori levar uma vida de jovenzinha."
Mu subiu lentamente as escadarias, seguindo a garota de longe. Ouviu passos de duas pessoas atrás de si; Miro e Shaka. Miro tinha o aspecto mais nefasto que já vira em toda vida, passando por ele rapidamente. Shaka o alcançou.
"Mu, não vai fazer nada para impedir Miro ?"
"Deixe-o, Shaka, não se meta na vida dele. Já deve estar sofrendo o bastante, não acha ?" – não olhou para o loiro.
"Para onde você vai ?"
"Vou seguir Saori. Ela vai precisar de ajuda."
Os dois continuaram subindo, mergulhados num silêncio mórbido. Apenas se analisavam, até Mu sentir que não era mais seguido.
Shaka entrara no templo de Virgem.
O loiro tentava digerir os últimos acontecimentos. Julgara errado muitas pessoas e cometera muitos erros. Logo ele, o homem mais próximo de Deus ! Sentia-se uma grande piada. Sentou-se em posição de lótus e meditou sobre tudo até ouvir passos. Saori levava os cavaleiros de bronze de volta ao Japão, para serem internados. Assim que saíram, ouviu o silêncio ser cortado por uma respiração tranqüila e um olhar carinhoso sobre si.
"Shaka ?" – ouviu a voz serena de Mu lhe chamar.
"Mu... Ah, Mu !" – correu de encontro ao tibetano, abraçando-o – "Peço-lhe desculpas por te julgar erroneamente, por ter desejado te matar lentamente !"
"Você quis me matar ?" – Mu falou, divertido, e retribuiu o abraço – "Não sabia desse seu lado sádico... Claro que te perdôo, Shaka. Eu deveria ter contado a você sobre minhas desconfianças, mas não o fiz. Apenas fui embora."
"Você não quer entrar ?" – Shaka sussurrou em seu ouvido.
"Quero sim." – Shaka o soltou e Mu passou a mão pela cintura do loiro, repousando sua cabeça no ombro dele – "Temos muito o que conversar..."
Sorridentes, fecharam-se numa sala reservada do templo de Virgem.
- # - # -
Miro entrou no silencioso templo de Aquário e divisou um corpo inerte no chão.
Kamus. Seu Kamus.
Correu em direção a ele o virou de barriga para cima. O francês sorria. Tentou inutilmente acordá-lo; afinal, se Hyoga havia sobrevivido e tinha sido levado para o Japão, por que Kamus não conseguiria ?
Mais uma frustração entre tantas outras.
As lágrimas, que até agora haviam cessado, retornaram mais fortes. Se ele estava morto, fora tudo sua culpa. Unicamente sua. Reuniu algumas forças e colocou Kamus nos braços, levando-o até seu quarto.
A armadura de Aquário tomou sua forma original ao lado da cama e o grego depositou delicadamente o corpo do amor de sua vida no colchão macio. Conhecia aquela roupa que Kamus trajava. Havia dado de presente a ele há muito tempo e quase nunca o vira usar.
Sentou-se na cama e colocou a cabeça do francês em seu colo. Aquele sorriso era da mais plena e sincera felicidade. Isso lhe servia de pequeno consolo : Kamus havia morrido feliz, por sua causa.
Notou um grande envelope volumoso em cima do criado mudo e reconheceu a caligrafia caprichada de Kamus. Havia seu nome escrito no envelope e ele o abriu, encontrado um grande maço de papéis. Kamus havia escrito uma carta para ele antes de morrer.
Miro,
"O céu azul sobre nós pode desabar
E a terra bem pode desabar
Pouco me importa, se tu me amas
Pouco se me dá o mundo inteiro."(5)
Se você está lendo agora estas linhas, então sei que certamente estou morto. Porém não culpe Hyoga por tudo o que aconteceu. E nem se culpe também. Foi uma decisão que acabei de tomar depois de ouvir as palavras de Mu. Hyoga é um ser fantástico e gostaria de lhe dar uma chance de provar que era capaz. Acredito que a jovem Saori possa ser a reencarnação de Athena e por isso quis testar meu discípulo.
Apenas fiz com ele o que fui obrigado a fazer com meu mestre tempos atrás. A última lição do mago da água e do gelo é muito dura, mon ange. Pois é somente numa situação de risco de morte que o verdadeiro poder se revela. E tenho esperanças de que Hyoga possa me superar. Se ele ainda estiver vivo, peço que olhe por ele. Que o proteja como se fosse seu próprio aluno. Jamais me perdoaria se soubesse que desenvolveu um ódio pelo menino por minha causa. Ele não merece tais sentimentos.
"Desde que o amor inunde as minhas manhãs
Desde que meu corpo esteja fremindo sob tuas mãos"
Sabe, é quando pensamos na possibilidade da morte que percebemos o quão efêmera é a vida. Parece que foi ontem que você entrou por aquela porta e quebrou meu vaso e meu abajur. Você não sabe, mas comecei a rir depois que você foi embora. É, só você mesmo para me fazer rir feito um idiota... Fez-me até esquecer Amelie ! Fiquei automaticamente fascinado pela sua beleza, mon chér.
Já que toquei no nome de Amelie... Apesar de tudo o que ela me fez, não tenho ressentimentos. Espero sinceramente que, onde quer que ela esteja, que seja feliz. Ela tinha muitos problemas emocionais, mesmo não aparentando. No fim das contas, ela me lembrava um pouco eu mesmo. Recordo-me quando entrou apressado em meu templo me pedindo para ensinar-lhe um pouco de francês para conquistá-la. O que você viu nela ? Esta era uma pergunta que sempre tive vontade de fazer, mas nunca criei coragem para formular.
Então eu o vi chegar no outro dia, atrasado, exalando aquele cheiro inconfundível de rosas. Ainda posso sentir aquele perfume em minhas narinas. Foi neste mesmo dia que você quase me beijou na biblioteca. Exatamente o momento em que comecei a perder o controle da situação. Se estava tão encantado assim por ela, por que quis me beijar ? É uma pena que nunca poderei ouvir as respostas a estas perguntas...
"Pouco me importam os problemas
Meu amor, já que tu me amas"
Sabe do que me recordei agora ? Da belíssima sonata de Beethoven. Recordo-me muito bem que você disse que parecia alguém morrendo. Uma despedida. Acho que este seria um momento apropriado para ouvi-la novamente, non ? Tenho-a em um cd do alemão em algum lugar desta minha biblioteca, se quiser procurá-la.
Pensando bem, posso fazer um pequeno paralelo de nossa história com o segundo ato de Pathéthique. Havia momentos de grande calmaria, outros de tempestade. Acho que nunca conseguimos alcançar o meio termo, a felicidade completa – a menos que eu faça algo posteriormente a escrita desta carta. Houve mais lágrimas que sorrisos, mais dor que alegria. A grande verdade é que já estava acostumado com isso desde a perda da pequena Althea.
Ah, realmente foi uma grande pena você não ter podido conhecê-la ! Creio que se dariam muito bem. Ela era incrivelmente doce e se importava realmente comigo. Mas, por favor, não tenha ciúmes dela ! Você bem sabe que só tive olhos para você, ange. Aliás, foi ela quem me incentivou a procurá-lo, a demonstrar os sentimentos que sempre tentei inutilmente ocultar.
"Eu irei até o fim do mundo
Mandarei pintar meu cabelo de loiro
Se tu me pedires"
Existe outros acontecimentos que você desconhece também. Há alguns anos, quando cheguei de viagem, encontrei-o sentado em seu quarto, desabafando com as paredes. Juro que pensei que meu coração fosse parar ao ouvir suas palavras ! Justo quando decidi não mais te procurar, não mais te ver... E ouvir tua voz falha pelo choro cantar para mim, mesmo achando que não poderia ouvi-lo... Sim, eu te ouvi, mon ange ! Foi a coisa mais linda que ouvi na vida.
Deve estar se perguntando o motivo pelo qual eu não entrei em seu quarto naquele dia. Só há uma explicação plausível : sou idiota demais para agir sentimentalmente. Sou covarde. Tive medo de me reconciliar com você e, quando voltasse da Sibéria uma outra vez, te encontrasse nos braços de outra pessoa. Sua fama de conquistador não nos ajudou muito. Foi então que Catarina, uma amiga que você não conheceu, me fez abrir os olhos e enxergar que eu não podia ficar longe de você.
Naquele seu aniversário fatídico, em que Isaac veio a falecer, também lhe menti outra coisa. Analisando bem, não passo de um grande mentiroso, non ? Eu vim a Grécia somente para te ver, para tentar me reconciliar contigo. E isso me fez sentir ainda mais culpado pela morte de meu pequeno discípulo. Qual não foi a minha surpresa ao saber que aquelas duas gêmeas ainda trabalhavam em seu templo ! Aprenda mais uma coisa sobre mim : sou extremamente ciumento. Não suportei a raiva que senti e lhe tratei muito mal. Disse coisas horríveis a você e imploro seu perdão.
"Irei despendurar a lua
Irei roubar a fortuna
Se tu me pedires"
A vida realmente foi muito implacável comigo, desde o começo. Nunca tive a felicidade de conhecer meus pais, saber de que lar fui gerado. Nem sequer tinha um nome, quem dirá um sobrenome. Fui abandonado num orfanato católico no mesmo dia em que nasci. Provavelmente sou filho de uma prostituta que me rejeitou desde o primeiro momento – e que não deveria sequer saber ao menos quem era meu pai. Não que isso a diminuísse, muito pelo contrário. A coitada deve ter sofrido muito mais que eu em toda sua trajetória.
Lembro-me das freiras caricatas que viviam naquele orfanato. Faziam-me acordar cedo para rezar e depois regulavam todo o nosso horário. Era uma educação extremamente rígida. Não sei como se diziam devotas do Deus católico quando nem sequer dispensavam poucos minutos de seu tempo para nos dar carinho. Por mais ocupada que seja uma pessoa, ela sempre deverá reservar uns poucos instantes para demonstrar o quanto as pessoas lhe são importantes. Às vezes um pequeno gesto como esse pode salvar uma vida. Mais uma lição que aprendo tardiamente.
Quando as freiras me disseram, aos seis anos, que eu iria morar na Sibéria, não pude deixar de sorrir. Decerto que já estava grande, mas ainda tinha esperanças de encontrar na minha futura casa um lar. Um verdadeiro lar. E a decepção foi enorme. Fui arrancado brutalmente de meus sonhos infantis por um mestre que sempre me ensinou que sentimentos nos levam em direção a morte.
Hoje percebo que ele não estava errado. Sentimentos realmente nos levam a morte, mas não da maneira negativa que me dizia. As emoções nos levam a querer proteger o objeto de afeição de tal forma que somos capazes de abdicar o nosso direito de respirar. Você deve estar se perguntando como ele queria que eu protegesse Athena sem amá-la; dizia que eu devia respeito à Deusa, não amor. Que era apenas a minha obrigação, a minha função. Não deveria viver por mais nada a não ser ela.
"Eu renegarei a minha pátria
Renegarei meus amigos
Se tu me pedires"
Agora finalmente entendo o que Amelie significou para mim. Ao vê-la ali, tão parecida e, ao mesmo tempo, tão diferente de mim, não pude deixar de gostar dela. Gostar como uma amiga que ela não quis ser. Exigiu-me algo que meu mestre me proibira de entregar e não compreendeu a minha recusa. Joseph, que sempre fora encantado por ela, acabou por fazer-lhe as vontades. A única mágoa que guardo reside no fato de que eles não me contaram nada. Mas tudo estará perdoado em memória de Joseph.
Não cheguei a conhecer exatamente Saga, mas sei que ele era importante para ti. Fui negligente demais em nunca te perguntar as razões, em não querer conhecer o seu passado. E agora simplesmente lhe conto tudo sem saber se você realmente quer ler ou não. Minhas típicas atitudes egoístas. Creio que foste apaixonado por este homem e tenho ciúmes destas recordações que tens. Esse foi o exato motivo por nunca ter-lhe indagado estas coisas; não queria imaginá-lo com outra pessoa que não fosse eu. Espero que Saga nunca venha a lhe decepcionar, pois acho muito estranha a história de seu sumiço.
Faço-lhe ainda uma recomendação sobre Aioria. Não o trate tão mal, ele não tem culpa das atitudes que seu irmão tomou no passado. Não o faça sofrer ainda mais com palavras rudes. Se a jovem Saori for realmente quem diz ser, então estavam todos enganados durante todo este tempo. Se esta menina for realmente Athena, creio que Shaka finalmente cairá em si a respeito de Mu. E, finalmente, se ela for a nossa Deusa, não haverá motivos para que você mate Hyoga.
"Bem, podem rir de mim
Farei o que quer que seja
Se tu me pedires"
Há tantas coisas que queria te dizer, mas não sei como...
Acho que todo o meu jeito de ser se deve ao fato da criação que recebi. Posso estar apenas querendo jogar a culpa nos outros, mas é nisso que acredito. O meio influencia demais o homem. Ou, como diria Rousseau : "O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.".
Todos os caminhos que tivemos de percorrer eram sinuosos e a luz no fim do túnel parecia nos cegar, impedindo o avanço.
O meu erro inicial foi querer ser perfeito, auto-suficiente. Admito, no final da minha vida, que era o mais imperfeito dos mortais. Era desagradável o pensamento de dependência; sentia-me muito exposto e vulnerável caso mantivesse um elo amoroso com alguém. Existem muitas coisas que gostaria de não ter feito e milhares que gostaria de ter agido diferente. Nunca tive a real intenção de te machucar; na verdade, queria me destroçar, me estraçalhar todo. Chorar até não conseguir mais e pensar que tinha razão, que ninguém olharia para mim verdadeiramente. Era um grande masoquista emocional.
Foi muito difícil me manter austero e impassível te observando todos os dias. Tinha uma coisa que me queimava por dentro sempre que via o teu sorriso quente, a minha garganta se fechava, implorando para que fizesse algo. Mas não fiz; eu nunca fiz. Sempre pensei que não merecia as coisas que me eram dadas. Vivia de favores naquele orfanato e nunca quis desagradar ninguém.
Afinal, por que um menino qualquer como eu receberia as graças de ser um cavaleiro de Athena, a deusa do amor e da justiça ? Por que, de repente, alguém que sempre foi invisível para o mundo seria acarinhado com tanto amor e dedicação pelos outros ? Não entendo... Por que mereci a atenção de tantas pessoas como Althea, Catarina, Isaac, Hyoga e você, mon ange ?
Algo crescia desesperadamente dentro de mim. Uma vontade de autodestruição que foi semeada pelo meu mestre. Esconder suas aflições e verdadeiros sentimentos é assassinar a própria alma. Era um grande suicida e só agora me dei conta do fato. E o pior : arrastei muita gente comigo. Isso não está certo. Nenhum deles precisava ter morrido.
No fim de tudo, ainda tinha esperanças. Acreditava que você era a única pessoa que poderia me salvar. Salvar-me de mim mesmo. Não existe pior inimigo que o seu próprio reflexo. Talvez agora você deva estar se perguntando : se sabia que eu era o único que poderia te ajudar, por que não aceitou a minha mão ? A grande verdade é que eu não queria ser ajudado. De nada adianta todos os carinhos do mundo se a pessoa que os recebe não consegue ver seu verdadeiro significado. Uma pessoa que não se sente amada não mudará de opinião com cafunés; ela precisa criar a consciência dentro de si que aqueles afagos que lhe são dirigidos não são um mero fingimento, mas uma prova de verdadeiro afeto. E, para enxergar a realidade, é preciso, primeiramente, querer.
Dentro de mim, por debaixo de toda esta máscara de frieza, morava apenas uma criança de seis anos, completamente apavorada e acuada do mundo. Uma criança que queria fugir, mas não sabia para onde. Uma criança que fora obrigada a agir como um adulto rápido demais, quando na verdade só queria ser amada. Ela não queria ser ajudada simplesmente por achar que isso não era possível.
"Se um dia a vida te arrancar de mim
Se tu morreres, se estiveres longe de mim
Pouco me importa, se tu me amas,
Porque morrerei também"
O amor que você devota a minha pessoa deve ser realmente imenso para não morrer com meus gestos grosseiros. Por milhares de vezes, desejei ser uma mulher. Não porque não gostasse da minha condição masculina ou achasse errado o nosso amor; sendo mulher, eu teria a capacidade de lhe gerar um filho. Um fruto, uma prova do nosso carinho. Este filho certamente preencheria o vazio que se abre agora em seu peito e sei que te consome exponencialmente.
Sonhava, às vezes, em adotar uma criança junto com você. Sei que você gostava mais de meninos e eu, de meninas. Poderíamos ter adotado um casal. Os nossos pequenos certamente seriam as crianças mais amadas do mundo. Poderia ter me redimido com eles, pois jamais os criaria da maneira que fui. Sentiriam o verdadeiro amor de um pai, ou melhor, de dois. Dois grandes pais corujas que seríamos.
Estou divagando demasiadamente para um morto. O propósito desta carta era te acordar para a realidade e não te fazer sofrer ainda mais com sonhos imbecis. Não, perdoe-me : sonhos nunca são imbecis. Eles podem ser a grande razão da vida de uma pessoa. Porém, neste exato momento, creio que nossos sonhos sejam mais um fardo para você, porque todos eles foram despedaçados neste chão frio de mármore. Porque não mais tornarei a abrir os olhos para realizá-los contigo. Culpa das minhas escolhas egoístas.
De toda forma, peço que sufoque o sentimento que ainda nutre por mim. Você é muito jovem ainda, tem todo o tempo pela frente. Um sorriso cai melhor em seu lindo rosto moreno. A minha morte teve de acontecer para que a sua felicidade pudesse existir. Nunca daríamos certo juntos, e você sabe muito bem o motivo.
Ambos sabíamos que eu não era o que você precisava.
A pessoa ideal para você é alguém que te dê toda a atenção do mundo, que perceba as suas carências. Alguém que pudesse lhe dar carinho e demonstrar amor, coisas que nunca soube fazer de maneira competente. Cada vez que você se aproximava de mim, não sei quem saía mais machucado. Talvez Saga fosse a pessoa ideal para você, pelo pouco que me contava. Pena ele ter desaparecido; pena ele ter te conhecido quando você ainda era uma criança.
Fui apenas um idiota qualquer que o fez sofrer ainda mais. E é por isso que peço que me esqueça. Apague de sua mente todas as lembranças nas quais apareço. Encontre uma nova pessoa que seja capaz de lhe dar o que eu não pude.
"Teremos para nós a eternidade
No azul de toda a imensidão
No céu não haverá mais problemas"
Viva intensamente todos os dias. Viva por você e por mim também. Aprecie a beleza do mar grego, coma até se enfartar, ria feito um louco, brinque como uma criança. A vida foi feita para ser vivida, não para ser lamentada. Lute por um futuro decente e digno. Faça tudo aquilo que eu não faria, tudo aquilo que te censurei por fazer. É assim que você aproveitará melhor a sua juventude.
Porém, se não fores capaz de me esquecer, não faça nenhuma besteira. Neste exato momento imploro que a próxima Guerra Santa comece o mais breve possível, pois é desta forma que poderei ver seu lindo rosto novamente, no Hades. Lembre-se de que tem deveres para com a Deusa; mas o nosso reencontro não tardará a acontecer. Posso sentir isso.
E, então, na eternidade que nos aguarda, poderemos ser felizes juntos. Prometo mudar para quando você chegar aqui. Dar-te-ei todos os afetos do mundo e o inferno mais nos parecerá os Elísios. Pois, não importa onde eu esteja, se você estiver a meu lado, tenho certeza que estarei no paraíso. Se estivermos juntos, saberei que finalmente encontrei o lugar que posso chamar de lar.
Sentirei novamente os teus lábios doces contra os meus e os teus braços fortes me enlaçando. Você me abraçará forte e dirá que eu nunca mais vou fugir de você. E você nunca estará tão correto quanto neste momento. Porque, no outro mundo, não haverá mais obrigações; nada nos fará temer, mon amour. Je t'aime.
"Meu amor, acredite que nos amamos
Deus reúne os que se amam."
Do cvidanja...
Eternamente seu,
Kamus.
As lágrimas caíam profusamente dos olhos de Miro. Repousou a maciça carta, agora o seu bem mais precioso, em cima do móvel ao lado da cama. O grego encostou sua testa na do francês, deitado em seu colo, e afagou-lhe gentilmente o rosto gelado. Apenas teve forças para sussurrar pequenas palavras que representavam a sua esperança no futuro.
"Ne me quitte pas. Do cvidanja, Kamus."
Fim.
- # - # -
N/A : É com muita saudade que termino o meu adorado bebê. Foram longos cinco meses de dedicação e carinho. Projetei este final desde antes de produzi-la – tenho a estranha mania de pensar no final para começar a escrever – e chorei bastante ao ter a idéia. É engraçado como termino de escrever e constato que não derramei nenhuma lágrima... Mas ficarei imensamente feliz se souber que pelo menos uma pessoa chorou ao ler isto aqui. Era a minha intenção.
Apenas um parênteses : sei que escrevi muitos trechos do mangá, espero não tê-las enfadado. Mas já não agüentava mais escrever "Hyoga", "Aurora Execution", "-273,15ºC" e outras expressões...
Agradeço do fundo do coração a todas que me deixaram reviews e peço humildemente para que todos os que chegarem até aqui dispensem alguns minutos para deixar sua marquinha aqui. Prometo responder cada uma das reviews por e-mail. Quero agradecer a todos, em especial a Anushka-chan, hakesh-chan, Lili, Arashi Kaminari, Anne, Perséfone-san, Anna-Malfoy, Shii, Raposa prateada, Calíope, Thaissi, Celly, Amy-Lupin-Black, Mikage-sama, Kitsune Youko, Ilia-chan, Megara-20, shinomu, Lunne, Dark Faye, Thamichan, Litha-chan, Dark Wolf, Shakinha, Giselle, CrazyMila e Lady Pandora L, que me deixaram reviews ao longo de todos estes capítulos. Agradeço de coração !
Muito obrigada pela atenção !
Chibiusa-chan
Em 21 de julho de 2005.
Notas :
(1) 'Do cvidanja' é um tipo de promessa em russo que significa 'verei você novamente'. Pronuncia-se "do svidânia".
(2) Althea é uma flor conhecida como marshmallow – nada tem a ver com o doce – azul que cresce num pequeno pé e tem propriedades medicinais. Na mitologia, Althea era a esposa de Oineus e mãe de Deianeira e Meleager. Tem uma história um tanto trágica : a deusa do destino lhe avisou que, se a tocha que estava acesa naquele presente momento queimasse até o fim, Meleager iria morrer. Imediatamente ela apagou a tocha e a escondeu. O menino cresceu e se tornou um herói, mas, um dia, matou por acidente seu tio, irmão de sua mãe. Sua mãe ficou louca e atirou a tocha no fogo, matando Meleager imediatamente. Ao notar o que tinha feito, Althea entrou em desespero.
(3) S'ayapo significa "eu te amo" em grego.
(4) Kholodnyi Smerch é um golpe do Hyoga existente apenas no mangá. Posso estar errada, mas creio que ele corresponda em força ao "Trovão Aurora", uma vez que não encontrei tal golpe no mangá.
(5) Os trechos formam a tradução da música Hymne à l'amour, da eterna musa inspiradora do casal Edith Piaf. É a música que Kamus cantarolou no capítulo XIII, aonde apareceu seu último verso.
