OXFORD UNIVERSITY
Chapter 2 - Madge's Memories
Author: BETTIN
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Oxford. Reino Unido. 1906. Marguerite olhava ao redor para se certificar que o seu maior sonho começava a se realizar. Estava agora na famosa Universidade de Oxford, com suas construções sólidas quanto antigas. A universidade ficava nos arredores na cidade do mesmo nome ao sul da Inglaterra, a poucos quilômetros de Londres.
Marguerite lutara muito para estar ali. Oxford fora o seu maior e mais ardente sonho. Sonho que a acompanhou desde os primeiros anos lá no instituto....
Instituto para Menores Orfãos de Avebury. Seus pensamentos voaram longe, muito longe no seu passado... Recordou-se da vida que tivera no orfanato da cidade. Junto com outras cinquenta crianças, aprendera cedo a mendigar a atenção de adultos severos que acreditavam que uma boa educação vitoriana era incompatível com carinho e afeto. Com exceção de Mr. Sinclair, antigo diretor da instituição, que apesar da sua idade avançada, pedira para acompanhar a educação daqueles orfãos, mesmo após a sua aposentadoria.
Mr. Sinclair se destacava, em muito, dos homens daquele fim de século. Era bondoso e bem-humorado com todos que encontrasse pela frente. Seus modos gentis e o humor refinado, eram motivo de escárnio daquelas pessoas sisudas e melancólicas que viviam naquela cidade. Mais tarde Marguerite entenderia que a severidade era um sentimento inglês. Com seu bom humor, Mr. Sinclair sempre carregava consigo balas de aniz, para dar a todo pequenino que encontrasse tristonho pelos corredores do colégio. Meninos e meninas dormiam e estudavam em dependências separadas. Também recebiam educação diferenciada, como era hábito naqueles tempos.
Mr. Sinclair há muito deixara de pensar como os rabujentos ingleses. Mais velho e mais sábio, podia ver uma promessa de genialidade ou um completo ignorante num só observar. Foi quando conversou pela primeira vez com a menina Marguerite Smith. Recordou-se de quando a deixaram na roda dos enjeitados, aos 6 meses de vida. A viu crescer, esperta e saudável. Não havia um só garoto, isso nos poucos momentos em que as turmas se encontravam para as refeições, que conseguissem vencê-la nos jogos, fossem quais fossem. Ela aprendia rápido, muito rápido. Era agradável jogar xadrez, gamão e pôquer com a pequena. No pôquer então, ela era a melhor. Pena que Mr. Rosswell, o atual diretor, o advertira que era proibido os jogos de cartas na instituição.
- Que pena! Pensava divertido, Mr. Sinclair. Seria obrigado a jogar às escondidas com a pequena e a ensinar-lhe seus melhores truques.
Mas o que mais intrigava Ian Sinclair era a rapidez com que Marguerite lia os livros em latim e grego. Ele mesmo mal conseguia acompanhar a escola dominical do Padre Irving na Capela de Saint John . Marguerite entendia tudo com clareza e muitas vezes revelava os mistérios daquelas missas a um atento professor. Marguerite era um desafio para ele. Foi então que pediu a Mr. Roswell a permissão para lecionar outros idiomas para a pequena Madge, diminutivo carinhoso que desagradou os dirigentes do instituto, mas que encheu de calor a alma daquela menina. Apesar de severo, Mr. Roswell conhecia o bom coração do amigo e declarou que se a pequena assim o desejasse, por ele tudo bem.
Os estudos de Marguerite começaram na semana seguinte. Era a aula que ela mais adorava. Mr. Sinclair não era severo com deveres de casa como os outros professores. Seu método consistia em relatar as viagens que fizera ao redor do mundo e pedir relatos à esperta Madge. Muitas vezes trocava de propósito, nomes de lugares, pessoas e fatos. Mas Marguerite o corrigia rapidamente, fechando a sabatina com a precisão de um jogador de dados. Tudo para a pequena Madge era um jogo. Jogava todos os dias com todos, "tinha que sobreviver" pensava. Os que melhor se destacassem conseguiriam uma adoção, a passagem de idade para um mundo melhor. Era o preço. E agora estava ali, jogando com o velho Sinclair o jogo do quem sabe mais.
Mr. Sinclair ensinou a pequena, mais que idiomas, fatos e referências. Por diversas vezes a advertiu que o mundo lá fora era masculino. E o que representava uma mulher para aquele mundo. Ensinou-lhe que por muitas vezes ela teria de fingir coisas que não sentia, e a proferir palavras que não acreditasse. Sinclair sabia que estava sendo duro com Madge. Mas ela teria que ser forte.
Numa tarde de outono, enquanto passeavam com os demais internos pelo sítio arqueológico de Avebury.
Mr. Sinclair disse a pequena Madge, agora com doze anos, que aos quatorze todo interno era declarado capacitado para conseguir um emprego. Deveriam então procurar emprego numa das fábricas ou lojas da cidade e em seguida deixar a instituição.
- Você está entendendo o que eu estou querendo lhe dizer, não é minha querida? Terá que ser rápida! Conclui a frase e olhou para o alto, sempre fazia isso para desfazer o nó da garganta.
- Pois não Miss...? Em que posso ajudá-la? A voz da atendente tirou Marguerite dos seus devaneios.
- Oh! Boa tarde! Meu nome é Marguerite Krux. Vim para o Curso de Literatura! Sorriu entregando um papel para a atendente.
A atendente recebeu o papel das mãos enluvadas de Marguerite e observou a jovem de longos cabelos castanhos, trajando uma blusa em casemira branca e longa saia em veludo verde que cobriam-lhe os tornozelos. Nas mãos carregava uma pequena valise feita do mesmo material que compunha o chapéu francês com fita verde musgo.
- Oh! Claro! Miss Marguerite Krux! Filha do Capitão Elliot Krux, naturalmente! Afirmou embevecida a atendente.
- Sim! Foi a resposta cortante da jovem Marguerite. – Poderia me dizer onde ficam os meus aposentos? Perguntou altiva indicando com a mão direita, sua bagagem no corredor.
Não gostava que lembrassem que era filha de Elliot Krux, aquele verme! Pensou irritada. E dirigindo-se para seus aposentos no andar superior do segundo prédio, Marguerite lembrou dos seus pais adotivos visitando pela primeira vez o orfanato de Avebury.
Todos os casais que visitavam a instituição se encantavam pela pequena Marguerite. Sua beleza a destacava dos demais internos. Porém Marguerite era muito seletiva. Ouvia por de trás das portas Mr. Rosswell comentar sobre os casais que iriam visitar o orfanato aos domingos. O diretor costumava anotar nas fichas de cada família dados como endereço, tipo físico, comportamento e situação financeira.
Certa vez, Marguerite conseguiu uma cópia da chave da porta da sala de Mr. Rosswell, fazendo o bom homem pensar que a tivera perdido pelas dependências do instituto. Aos sábados, véspera da visitação, a pequena entrava na diretoria para ler as fichas grosseiramente rabiscadas. Tarefa não muito árdua para quem já aprendera a ler hieróglifos. Foi quando viu na ficha dos Krux aquilo que mais a interessava. Casal sem filhos, várias propriedades espalhadas pela Inglaterra e França, cargo do chefe da família: Capitão das Forças Armadas.
- Bom, muito bom! Exclamou Marguerite.
No domingo, trajou-se com o seu vestido de missa, o melhor que tinha. Apertou com as pequenas mãos ambas as bochechas para parecer bem saudável e com um tom de voz melodioso, conquistou de imediato o casal Elliot e Anne Krux.
Sem nenhuma comoção, pois aprendera como sobreviver a quase tudo naquele anos em que estivera ali, a pequena Madge deixa o orfanato. Marguerite Smith passa a chamar-se Marguerite Krux.
Ao atravessar os portões do orfanato na elegante carruagem dos Krux, ela coloca a mãozinha enluvada para fora e acena para Mr. Sinclair, que encontrava-se em pé nos jardins do orfanato, vestido com seu grosso casaco de lã e chapéu côco. Ele colocou a mão direita no peito e ela repetiu o gesto. Era o pacto de ambos. Nunca mais voltariam a ser ver, mas levariam no coração, as lembranças daqueles dias, para sempre.
Mr. Sinclair morreu aos 72 anos, três semanas após a partida de sua pequena Madge, vítima de uma pneumonia. Ou tristeza, talvez?
Os anos se passaram e Marguerite tornou-se uma moça de extraordinária beleza. Recebeu dos Krux toda educação tradicional britânica de sua época. Estudou piano e idiomas no colégio de freiras de Londres. Aprendeu a bordar e a costurar com Mrs. Anne Krux, que também contratou Madame Racine, uma francesa de 60 anos, para ensinar-lhe todo refinamento da classe que representava. Marguerite recebia aulas desde etiqueta à mesa a apreciar jóias e obras de arte.
Mrs. Anne Krux era uma mulher bela e refinada. Seus cabelos eram tão loiros que nem apareciam os fios brancos em seu bem cuidado coque. Trajava-se com elegância e belas jóias. Mas quase nunca sorria. Talvez por não poder gerar filhos legítimos para o Capitão, este não a tratava com mais atenção do que a dispensada à criadagem.
Marguerite, alheia na época a essa informação subentendida, não tinha motivos para ser triste. Estava vivendo a sua adolescência com conforto e bons presentes. Possuía um gargalhar contagiante e não percebeu que estava tirando, dia-a-dia o pouco brilho de sua mãe adotiva.
Anne sabia que a menina não tinha culpa. Mas via que Elliot já não olhava mais para Marguerite com olhos paternos. Havia cobiça de homem neles. Sempre viajando pelo mundo por motivos que ela desconhecia, pois seu marido nunca comentava seu trabalho, Anne sentia-se muito só. Marguerite tentava alegrá-la, fazendo beicinho para que fossem na Harrods Store em Knightsbridge comprarem vestidos e chapéus novos ou passear numa das muitas casas de chá da Trafalgar Square. Marguerite adorava caminhar com Mrs. Anne pelas ruas de Londres, sempre acompanhadas pela dama de companhia, Miss Carter. Depois de um certo tempo tentando agradar sua mão adotiva em vão, Madge chegou a conclusão de que Mrs. Anne era somente uma pessoa de natureza tristonha e só. Mas quem poderia prever o que estava para acontecer....
- Miss Krux? O carregador a chamou – Já coloquei suas malas no quarto. O sino toca às seis horas, o café é servido no refeitório às sete e a primeira aula terá início às oito horas. Acredito que seja inglesa e que conheça nossas regras para com os horários! Declarou solene o jovem carregador.
- Sim! E aqui está! Entregou-lhe cinco shilings. O carregador arqueou uma sombrancelha vendo tão "generosa" gorjeta – Agora saia! Vai, garoto! Não percebe que preciso desfazer as minhas malas! E empurrando o jovem para fora do quarto, desabafou. – Tão arrogante e tão lerdo!
Então ela caminhou pelo quarto e percebeu uma segunda cama na parede oposta. Quem dividiria aquele aposento com ela? Pensou. Em seguida caminhou para a grande janela e contemplou a grama verde e as muitas árvores que circundavam as alamedas naquela tarde ensolarada de agosto. De pé à janela, abraçou-se e disse:
- Ah! Mr. ! Prometi que chegaria aqui, não prometi? E aqui estou!
