New Digimon Story
Capítulo 04
O veneno da aranha
Ken Ichijoji e Miyako Inoue estavam muito cansados.O sol fervia no alto do céu azul, enquanto seus ânimos esfriavam, ao longo da estrada sem fim.
As duas crianças andavam de mãos dadas, quase lado-a-lado.Ken estava um passo à frente, guiando a menina, que não era capaz de enxergar um palmo adiante do nariz sem os óculos.
"Ken-kun... você está vendo alguma coisa?".
"Não... nós ainda estamos na estrada!".
Ken tentou parecer despreocupado, mas teve medo de não ter conseguido.Não queria que Miyako deixasse de confiar nele.
"Ken-kun... nós não vamos encontrar os outros nunca mais, não é?".
"Nós vamos sim, eu tenho certeza, não se preocupe!".
"Você é tão corajoso! Eu queria ser assim como você!" Miyako choramingou, com um dedo na boca.
"Eu acho que você também é corajosa, só não descobriu isso ainda!" O garoto olhou rapidamente para trás, animado.
"Como assim?".
"Meu irmão me disse que as pessoas não aprendem e descobrem as coisas tudo de uma vez! Ele mesmo vive estudando e aprendendo coisas novas! Meus pais sempre dizem que quando ele crescer, vai fazer alguma descoberta muito importante que vai mudar a vida das pessoas... e por causa disso, elas vão gostar ainda mais dele!".
Ken sorriu.Porém, seu olhar entusiasmado se anuviou de repente, encobrindo também o sorriso.
"Ken-kun, sabia que a minha família também gosta muito do seu irmão?".
"É?".
"É! A minha mãe gosta quando ele aparece na TV...meu pai acha que ele é muito inteligente, e as minhas irmãs acham ele bonito!" Miyako deu uma risadinha."Elas sempre escrevem um monte de cartas para ele, sabia?".
"Elas escrevem?" Ken ficou surpreso."Antes Osamu respondia muitas cartas que as pessoas mandavam pra ele... mas foi só no começo, agora quando as recebe ele nunca abre, e joga todas fora!".
O queixo de Miyako caiu."Porquê ele faz isso?".
"Ele diz que não tem tempo..." Ken baixou a cabeça, chateado."... nem pra ler cartas de gente que ele não conhece, e nem pra mais nada".
Ao levantar a cabeça, o garoto parou abruptamente, e não se importou quando Miyako pisou seu pé."O que foi?".
"Tem um carro vindo na nossa direção!".
Miyako estreitou os olhos.Ouvia um ruído de motor.Mas tudo o que conseguia ver era um borrão azul, que se aproximava gradativamente, vindo na direção contrária à que andavam.
Era um jipe azul-escuro, cujo motorista ainda não se podia visualizar com clareza.Havia uma segunda pessoa no automóvel, ao lado do motorista.O passageiro usava um chapéu esquisito, muito parecido com o de uma bruxa.De repente, o motorista apontou para as duas crianças, mas baixou depressa o braço ao levar um beliscão.
Ken engoliu em seco e arregalou os olhos assim que o jipe parou diante dele.De dentro do carro, duas faces sinistras se voltaram para ele e Miyako, exibindo sorrisos que, em sua franca opinião infantil, eram indiscutivelmente assustadores.
"Olá, crianças! Que sorte encontrarmos vocês por aqui!".
O passageiro era uma mulher.Ela usava uma roupa vermelha e longas luvas roxas.Seus cabelos finos e platinados, quase brancos, apareciam abaixo do chapéu.Usava óculos escuros sobre a face pálida, e seu timbre de voz era muito simpático.Mas só isso não foi capaz de varrer a expressão amedrontada do rosto de Ken.
"Oi, garotinhos... nós estamos procurando à muito tempo por vocês,onde tinham se metido,hein?"
Ken olhou para o motorista, cuja voz rouca e debochada só aumentou a péssima impressão que aquela dupla esquisita lhe passava.
"O que aconteceu com seu rosto?".
Miyako estava agarrada ao seu braço.Ken tremia, fitando a face coberta de bandagens do homem.Este deu um horrível sorriso, repleto de dentes amarelos, e seu único olho visível faiscou.
"É que eu sou um digimon... AI!".
"Não se preocupe, querido, ele sofreu um pequeno acidente há uns dias atrás, mas já está bem melhor, certo?".
Muito séria e gentil, a mulher se voltou para o motorista.Ele grunhiu baixinho e espremeu os olhos, como se tivesse acabado de sentir dor.Em seguida, ela fitou as crianças, só então notando que Miyako frazia o cenho e piscava freneticamente em sua direção.
"Oh, o que há com você, querida? Ela é cega?".A dona do chapéu de bruxa fitou Ken, colocando a mão sobre o peito.
"Eu não sou cega! Eu perdi meus óculos e não estou enxergando nada! Quem são vocês?".
"Nós? Nós somos seus guardiões aqui nessa terra... nós estamos aqui para ajudar vocês, não é? E como prova disso, eu vou fazer uma mágica muito especial para você, que é uma linda menina...".
A mulher ficou de pé sobre o banco e saltou por cima do motorista.Mesmo surpreso,Ken segurou o braço de Miyako e a puxou para trás.Viu a estranha de corpo inteiro por pouco tempo, pois logo ela se agachou diante deles, tirando o chapéu e colocando a mão dentro dele.Para espanto maior do menino, ela tirou de lá um par de óculos, idêntico ao que Miyako perdera.
"Tome. Isso é para você".
Ken apenas observou quando a mulher tomou uma das mãos de Miyako e pôs os óculos sobre a palma.Ele não pôde evitar um olhar amuado na direção da estranha, quando sentiu o braço livre e viu a amiga exultante.
"Ai, obrigada, moça, eles são perfeitos, como você fez isso? Nossa, como você é bonita!AH,UMA MÚMIA!"
Miyako vira o homem ao volante, e se escondera atrás de Ken, absolutamente apavorada.
"Venha aqui, seu idiota, depressa!" O humor da mulher mudara muito rápido.Primeiro afável e paciente, agora, irascível e ameaçadora.E isso fez Ken decidir de uma vez por todas que não ia nem um pouco com a cara dela.
"Eu não sou uma múmia, garotinha, de onde você tirou essa idéia?" O homem das ataduras se aproximou deles, ficando ao lado da mulher.Os dois eram muito altos, o que intimidava as crianças ainda mais."Eu sofri um acidente, um acidente muito feio, mas só um simples acidente, e eu agora estou... AI!"
"Cale a boca, seu retardado! Não perturbe os pequenos com as suas bobagens!" A bruxa dera um soco nas costas da múmia, derrubando-o de joelhos no chão.Ken detestava tanto aquele tipo de atitude que teve até simpatia pelo sujeito.
"Você está bem?".
"Ai, ai... estou sim, muito obrigado! Na verdade ela só está demonstrando o quanto gosta de mim!".
"Porquê você bateu nele, senhora? Ele acabou de sofrer um acidente!" Ken levantou a cabeça o máximo possível, e fitou a expressão indecifrável dela.
"Isso não importa agora. O que interessa é a razão de estarmos aqui. Vocês precisam vir conosco".
"Não!".
"Não!"Disse o casal,em uníssono.
"Porquê não, Ken-kun? Nós estamos andando há muito tempo e eles foram os únicos que apareceram!".
Ken sacudiu a cabeça polidamente, embora seu semblante parecesse determinado."Nós não sabemos quem eles são! Osamu-chan me proibiu de falar e andar com estranhos!".
"Osamu..." Disse vagamente a mulher, segurando o próprio queixo."Ele é o seu irmão mais velho, não é?".
Ken baixou os braços."Você conhece o meu irmão?".
"Claro que sim!" A mulher voltou a sorrir."Ele me pediu para vir aqui buscar vocês!".
"A Mina está com ele?".
"Porquê ele não veio junto com vocês?".
"Onde eles estão?".
"Eles estão bem?".
"Chega!".
As crianças se calaram.A mulher cerrara os punhos e seu rosto se enrijecera.O homem da capa azul, que olhava de Ken para Miyako com ar febril e confuso, encolhera os ombros e fechara seu único olho.
"Bom..." Disse a bruxa, após pigarrear e voltar a sorrir agradavelmente."Osamu... está bem. Mas a...Mina,isso,a Mina ficou um pouco doente."
Miyako preocupou-se."O que ela tem?".
"Ela... ela torceu o tornozelo! Eles estão esperando vocês lá na nossa casa! Seu irmão me falou a respeito de você, sabia, ele disse que eu teria muito trabalho porquê você é um garotinho esperto e muito teimoso!".
Ken ficou perplexo."Ele disse mesmo que eu sou esperto?".
O casal assentiu com extrema meiguice, dando as mãos e trocando sorrisos.
"Ken-kun... vamos com eles, eu quero cuidar da Mina!".
Ken deu de ombros, totalmente relaxado."É... acho... acho que sim!".
"É, venham conosco, crianças... mesmo que não quisessem vocês não teriam outra escolha mesmo... AI!".
Após uma breve hesitação, Miyako e Ken deram as mãos à mulher.O homem entrou no carro primeiro, absolutamente feliz.
"Como vocês se chamam?" Perguntou Miyako, exprimida entre Ken e o casal.
A bruxa olhou para ela, a armação de seus óculos escuros refulgindo."Eu sou Arukenimon, a fada madrinha do Digimundo".E um sorriso diferente se formou em seus lábios.
"E eu sou Mummymon..." O homem piscou para as crianças."Ao seu dispor".
A boa notícia: Yusuke e Keiko haviam conseguido descer e chegar até a floresta.A má notícia: se antes estavam apenas confusos, agora estavam terrivelmente perdidos.
A proximidade entre as árvores e a exuberância de suas copas quase impedia o alcance de luz solar naquela área.Keiko olhava ao redor com receio e atenção, enquanto seguia Yusuke.Nunca estivera numa floresta tão escura antes.No alto do penhasco, o brilho do sol contrastando com o azul do céu se fazia um grande espetáculo.Mas ali embaixo, além da falta de iluminação, havia agora escassez de ar fresco.
"Yusuke, você está conseguindo respirar direito?".
O garoto fungou."Não! Tá muito abafado esse negócio aqui! KUWABARAAA! MINAAA! USAGIII!".
Era a sexta vez que Yusuke berrava os nomes dos amigos, e nada de resposta.Estava tão inquieto com aquele silêncio que seu nervosismo quase chegava a ser maior que a raiva.
De repente, ele virou para trás.Keiko tinha parado de seguí-lo, e estava recostada contra uma árvore, com a mão sobre o peito, tentando recuperar o fôlego.
"O que foi, tá se sentindo mal?".O garoto acudira, preocupado.Ela sorriu, de olhos fechados.
"Não, eu só... só parei pra descansar um pouco... Yusuke... tem alguma coisa errada...".
"Se tem! Ou o safado do professor mentiu quando disse que as plantas dão oxigênio ou então...".
"Yusuke..." Keiko olhou para ele com calma, mas havia uma certa urgência em sua voz."É como sealguma coisa estivesse sugando o ar dos meus pulmões... você já reparou que não tem ar circulando por aqui?".
O garoto assentiu."Eu não tô gostando dessa merda!".
"Cuidado com essa boca suja!".
Yusuke se voltou instintivamente para trás.Não havia ninguém ao redor.E mais vozes misteriosas eram o que ele não queria e não precisava naquele momento, especialmente a voz autoritária de uma velha asmática!
"Aqui, seu moleque!".
Yusuke sentiu suas entranhas contraírem-se, tamanha era a tensão.A voz estava vindo agora de trás, do lugar onde Keiko estivera...
"QUE DROGA É ESSA...?".
O tronco da árvore estava se contorcendo, como se fosse uma mola.Os galhos, parecendo tiras de borracha marrom, apertavam-se ao redor de Keiko, um deles cobrindo sua boca.Ela não era capaz de mover um só músculo, apenas seus olhos arregalados conseguiam expor alguma reação.
"Agüenta, eu vou tirar você daí!" Yusuke se precipitara sobre a árvore, mas não tinha força o suficiente para afastar os galhos e cipós que circundavam a garota.Ele socou, chutou, enfiou as unhas o mais forte que pôde, mordeu, xingou, tomou distância e golpeou o tronco com os pés diversas vezes.Mesmo quando se cansava a ponto de cair sentado no chão, exausto e ferido, já que o vegetal revidava todas as suas agressões, ele se levantava e tentava outra vez.
"Sua coisa desgraçada, solta ela!".
Yusuke conseguira meter os dedos entre um dos cipós e os ombros de Keiko, fazendo um grande esforço para tentar puxá-lo em sua direção.O garoto fechou as pálpebras, ante o suor que lhe escorria do rosto e lhe fazia arder os olhos.
"Me largue, seu moleque idiota!".
Yusuke olhou para cima.Seus braços continuavam tensos, empenhados na luta quase desigual, e nem o susto foi capaz de lhe tirar a concentração.A árvore possuía olhos e boca, uma imitação grotesca de rosto humano que ele tinha a certeza de que não estava ali ainda há pouco!
Urameshi virou a cabeça ao ouvir rumorejos ao redor: toda a vegetação daquele lugar parecia ter criado vida de alguma forma!Cada planta e cada árvore contemplava a agonia dos dois humanos com maligno prazer, alguns rindo perversamente enquanto a maioria apenas esperava com ansiedade...
"Vocês estavam sentindo falta de oxigênio? Nós também gostamos muito disso... por isso vamos drenar essa fresca energia vital que vocês possuem... afinal, ela não está sendo de muita ajuda agora, não é?".
As árvores ao redor riram com gosto.
"Calem a boca, vão pro inferno todos vocês!".
Não havia espaço para mais nada dentro de Yusuke que não fosse o desespero: os olhos de Keiko se fechavam lentamente e seu rosto estava muito pálido.
"Keiko! Não faz isso, menina, deixa de sacanagem! Keiko... droga, eu sei que você pode agüentar mais do que isso!".
Yusuke tomou o rosto da menina entre as mãos, sem se importar se tinha acabado de levar uma chicotada de um dos cipós ou se chorava copiosamente.Era a primeira vez que estava frente à algo que seus punhos não podiam resolver.E o que estava em jogo desta vez era justamente o que ele mais amava.
Capítulo 05 em breve.
