Resumo: Duas vidas distintas, dois mundos diferentes. O que poderia acontecer quando um jovem rico e solitário conhece um outro muito simples e alegre?

Disclaimer: Saint Seiya e nenhum personagem referido à série não me pertencem!

Este é o meu primeiro Shun x Hyoga e o primeiro UA sem prévio embasamento literário. Espero que gostem!

Presente de aniversário para Amy Lupin Black Amamiya, que fará seus 15 anos dia 7 de julho. Muitas felicidades, amiga! Que seus dias sejam sempre prósperos e brilhantes e que você brilhe, não só nos palcos de dança, como também nos palcos da vida. Muita saúde, prosperidade e sucesso. Espero poder vê-la dançar um dia e receber a notícia de que se tornou a primeira bailarina de um grupo importante. Muitos beijos e abraços da sua amiga e irmã de coração!


Vidas distintas

Um jovem de pouco mais de 20 anos, com cabelos escuros rebeldes cujo comprimento encobria as orelhas, mas ainda não chegavam a encostar-se aos ombros, adentrava um enorme prédio de mais de 30 andares. Era um local muito requintado e bem visto por todos. Verificou seu traje. Apesar de ser simples, estava bem social e num ótimo nível para poder entrar ali. Suspirou fundo, entrou no estabelecimento com um pedaço de papel na mão e só parou ao ser barrado pelos seguranças, que o mandaram apresentar a autorização da recepção ou o crachá da empresa. Ele não possuía nenhum dos dois e teve que ir à recepção.

Bom dia, em que posso ajudar-lhe? – Perguntou uma moça um pouco mais nova que ele, de cabelos claros e olhos amêndoa, encantada pelo belo par de olhos azuis escuros, a pele bronzeada pelo sol e o porte que o rapaz exibia, mesmo estando com uma camiseta e calça mais soltas.

– Meu nome é Ikki Amamiya e...

– Precisa de autorização para entrar? – Completou fascinada pelo rapaz.

– Exato é que...

– Aqui está! Sabe onde tem que ir? Qual o andar? – Novamente não deixou o moreno terminar. Estava tão hipnotizada que, mesmo se o rapaz fosse algum bandido daria a autorização sem pensar duas vezes.

– Sei. Obrigado. – Pegou o bilhete, adentrou o estabelecimento após passar pelos seguranças e entrou no elevador, apertando o botão com o número 33.

Procurou a sala de número 11 e entrou, indo direto à secretária, uma mulher de 30 anos com uma aparência estranha, mas muito bem vestida. Se não estivesse tão maquiada, certamente poderia dar um grande susto em muito homem e causar asco em outros. O mais intrigante era a bela voz que ela exibia... Uma voz doce, envolvente e, se não estivesse vendo a dona, poderia dizer ser excitante.

– O que deseja, rapazinho? – Dizia com seriedade e um pouco de má vontade.

– Meu nome é Ikki Amamiya e fui chamado para uma resposta de estágio.

– Ah sim. Veio cedo... Ele vai adorar saber que é pontual, acompanhe-me.

O moreno assentiu com a cabeça e seguiu a mulher. Agora que estava ao lado dele, podia sentir melhor o cheiro do perfume cítrico e enjoativo que ela usava. Controlou-se para não ter um ataque de náuseas e entrou numa porta com uma plaqueta preta, estampado em branco a inscrição: "Dr. A. Camus". A mulher falou:

– Senhor Camus, esse é o tal estagiário...

Um homem de longuíssimos cabelos azul-esverdeados lisos se virou na confortável cadeira giratória e fitou o rapaz de forma indiferente. Respondeu de forma fria à mulher:

– Pode sair, Alice. Preciso conversar com ele a sós e não quero ser incomodado até segunda ordem, ouviu?

– Sim senhor. – Saiu encostando a porta.

– Muito bem, senhor...

– Amamiya, Ikki Amamiya. – respondeu com um tom de insegurança pela frieza e imponência do homem à sua frente.

– Pelo que pude ver no seu curriculum, está com 23 anos, cursa o último ano da faculdade, tem domínio sobre 5 línguas e está estudando mais uma. Além disso, tem ótimas notas, boa aparência e nenhum vício ou preconceito! Simplesmente perfeito.

O rapaz levantou uma das sobrancelhas e encarou o homem a sua frente como se tentasse entender o que ele estava dizendo. Como poderia saber que não tinha vícios ou preconceito? Não havia nada na sua ficha que indicasse isso! Onde este homem poderia chegar e o que queria dizer com essas palavras? Bem que havia desconfiado... Tinha conseguido a vaga fácil demais e fora logo depois que enviou um curriculum com foto. Deu um passo para trás tremulamente, temendo o tipo de emprego que havia conseguido.

O homem percebeu a atitude e a face assustada do rapaz e não pôde segurar um pequeno sorriso. "Jovens! Só pensam besteiras..." – pensava enquanto balançava a cabeça negativamente. Antes que o moreno saísse correndo, falou:

– Não é esse tipo de preconceito que você está pensando.

– Ahn? Ah! Desculpe... – começou a fitar o chão.

– Tudo bem. Como você não tem nenhuma experiência nessa área, não tem um estilo de trabalho e aprenderá o meu ritmo. Quando falei em preconceito e vício me referia a isso... Preconceito é, na verdade, um conceito prévio sobre determinado assunto ou situação, muitas vezes uma espécie de julgamento antes de conhecer a fundo o que realmente está envolvido. Quando trabalhamos, adquirimos vícios e preconceitos sobre determinadas coisa, atitudes, normas... enfim! Poderia trazer problemas a mim e a você. Por isso, prefiro eu mesmo treinar os meus próprios funcionários.

– Entendo. Mais uma vez me desculpe pela minha atitude.

– Está desculpado, mas não pense que ficaremos aqui conversando. Não o contratei para admirar suas qualidades ou discutir assuntos banais. Ao trabalho! – levantou-se – Acompanhe-me que lhe mostrarei o que e como fazer. Qualquer dúvida é só vir à minha mesa.

– Certo!

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– E então, como foi?

Ikki chegava em casa exausto do trabalho quando um jovem de cabelos verdes ondulados abaixo do ombro veio correndo em sua direção. Os olhos num tom esmeralda brilhavam de ansiedade e o sorriso sempre alegre e carinhoso estava ainda mais belo. Trajava uma roupa surrada, apropriada para os serviços domésticos que sempre fazia, mesmo quando o moreno reclamava da sobrecarga constante à qual o pequeno e frágil rapaz se submetia.

– Shun, você novamente andou limpando a casa? Sabe que eu...

– Não tem tempo! Eu já disse que gosto disso. Ajuda a manter o meu corpo em forma...

– Ikki balançava a cabeça negativamente. Realmente não adiantava discutir com ele. Sorriu sentando-se no sofá, enquanto falava:

– Devo confessar que o meu chefe é um pouco frio, arrogante, com mania de perfeccionismo, metido e esnobe, mas também é paciente, atencioso, compreensivo e, apesar de todo o rigor, dá pra levar. Ele disse que os dois primeiros meses serão de teste. Se, no fim do prazo eu for bem sucedido... opis, errei! Devo falar: se ao findar do prazo. Até nisso aquele francês metido interfere! Hnf!

– Nossa! Então você conseguiu se arranjar bem... – diz sorrindo.

– Você ri por que não é com você!... – Diz cruzando os braços e fingindo indignação.

– Desculpe, mas o que você ia dizer sobre o findar dos dois primeiros meses?

– Ah sim! Se eu tiver sucesso, serei admitido depois do 6º mês. Caso contrário cumprirei os 6 meses de estágio assinado e serei mandado embora.

– Vai dar tudo certo, niisan!

– Espero que sim. O salário é alto e vai ajudar nas despesas da casa... talvez dê até para pagar uma diarista. Ainda terei vale-alimentação e vale transporte, além de plano de saúde.

– Tudo isso? Estou muito feliz... – Shun chora abraçado ao irmão.

– Como foi o seu dia?

– Nada de interessante... Ah! Vou ter que viajar para um torneio de tênis de mesa e por ter apenas 14 anos precisarei da sua assinatura autorizando. Se eu ganhar, o prêmio será de mais ou menos 2 mil dólares. O segundo lugar ganha 1.000 e o terceiro lugar, 700 dólares. Como vou pelo colégio, ganhei o transporte e a estadia, pois ficarei num dormitório de colégio e só precisarei pagar a comida.

– Já que só preciso me preocupar com gastos em comida, as despesas serão nulas, já que você não come...

– Seu chato! – Finge estar batendo no peito do outro.

Os dois riem e Shun, olhando o relógio, diz:

– Vá tomar banho que eu preparo a janta. Se demorar muito, você perde a primeira aula.

– Quem você pensa que é para me dar ordens? A sua sorte é que você tem razão, senão... – Falava em tom ameaçador, provocando sorrisos no irmão.

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Camus entra em sua luxuosa mansão e dirige-se a um determinado quarto ao fim do corredor. Bate na porta, mas como não é atendido, abre-a e vê o jovem loiro, de 14 anos na cama, distraído com um livro na mão. Ele suspira profundamente e balança negativamente a cabeça, como se reprovasse a cena.

"Como pode um menino, um jovem tão bonito estragar a vida desse jeito? Não tem amigos, colegas... vive num mundo de sonhos e fantasias. Deus, se eu errei, se eu pequei em super protege-lo, perdoe-me! Eu amo demais o meu filho para vê-lo se auto destruindo..." Ao virar seu rosto, o homem deixa um pequena lágrima escapar de seus belos olhos azuis escuros e correr pela sua alva pele.

Camus anda até seu quarto, num ritmo de velório. Perguntava-se mentalmente por que o filho tinha desistido da vida tão cedo, pois não conseguia entender como um rapaz daquela idade poderia ser tão triste e isolado. Deu um suspiro profundo e triste, entrando no banheiro.

Depois de um banho revitalizante, vai ao quarto e começa a olhar alguns retratos. Repara num mais antigo, quase escondido atrás dos outros. Nele, um linda e jovem mulher loira estava agachada, abraçada a um sorridente menino de 8 anos, que Camus imediatamente identificou como seu filho.

– Natassia... – chamou num sussurro triste, lembrando-se da falecida esposa.

A foto havia sido tirada por ele mesmo 2 dias antes da morte dela. O pior é que Hyoga estava ao lado da mãe e a viu morrer depois de um longo período de agonia causado pela forte dor no peito. A mulher havia sido atingida por uma bala perdida, durante uma perseguição policial e o filho ficou ao seu lado durante todo o tempo.

Hyoga nunca foi uma criança maldosa e encrenqueira, mas era um menino esperto e brincalhão, embora fosse alvo de elogio, inveja e admiração de muitos, pois sempre dava exemplo de educação, respeito e etiqueta em qualquer lugar que freqüentasse. Infelizmente mudara muito com a morte da mãe... Continuava com o mesmo ar nobre e educado, mas agora era um menino triste, isolado e vivia trancado em casa. Não tinha amigos, quase não falava principalmente pela gaguez que havia adquirido e só piorava cada vez mais. Só ouvia música durante as aulas e os treinos de ballet, a única coisa que o deixava com um ar mais saudável, mesmo assim, vivia no seu mundinho e isso trazia muita tristeza a seu pai, que via o filho definhar a cada dia.

Camus repôs a foto no lugar e pegou uma outra, onde estavam ele e um amigo de infância cujos cabelos eram azuis, assim como seus olhos e sempre esbanjava um largo sorriso. Seus cachos caíam de forma descontraída pelo corpo bronzeado e perfeito daquele grego que já trouxera tantas alegrias a ele. Com o dedo, contornava a imagem do amigo, chamando-o de forma saudosa:

– Milo...

Uma solitária lágrima caíra de seus olhos. Sentia-se sozinho, mesmo estando cercado de gente. Pagava pela covardia, pela moral, pelo medo! Sabia que o amigo queria ser mais que um amigo, mas sempre tinha algum empecilho. Depois da morte da esposa, afirmava que temia a reação do filho, que já estava tão debilitado psicologicamente, embora os dois soubessem que Milo era o único que conseguia colocar um sorriso franco nos lábios do loiro. O próprio Hyoga o chamava de tio e era por isso que Camus fazia o impossível para que o garoto não percebesse o amor que havia entre ele e o grego. Refletindo sobre isso, deitou-se na cama, abraçou o travesseiro e entregou-se a mais um torturante momento de solidão e auto-julgamento.


Obra do destino

– Parabéns senhor Amamiya, conseguiu o emprego.

– Consegui? Mas...

– Eu sei que só se passaram 6 semanas desde que entrou aqui, mas estou realmente gostando dos seus serviços e decidi admiti-lo.

– Obrigado, senhor Camus! Eu nem sei o que dizer...

– Você fez por merecer. Agora vê se não vai fazer eu me arrepender dessa decisão... Traga-me os papéis da reunião de hoje!

– Certo!

– Senhor Camus, senhor Camus!

– O que foi senhorita Alice?

– Ligaram do colégio. O Hyoga levou uma surra e...

– O quê?

– Exigem a sua presença...

– Era só o que me faltava!... Ikki, cuide de tudo por aqui. Volte assim que puder.

– Certo!

– Licença. Qualquer coisa, liguem para o meu celular...

– Ok!

– Camus pega a sua pasta e sai às pressas da sala, mas apesar do nervosismo, não perde a classe ao caminhar. Logo que ele sai de vista, a secretária comenta com um Ikki confuso:

– Hyoga é o filho dele. Tem 14 anos e... acho que é deficiente mental. Dizem que enlouqueceu depois da morte da maãe... o Camus sofre muito com o filho.

– Eu não sabia...

– Acho que ele tem vergonha do menino, pois não o deixa sair de casa...

– Bom, desculpe, mas não sou pago para discutir a vida pessoal do meu chefe. Licença.

– Toda! – Fala em tom de desdém.

Alice não gostava de Ikki, o achava muito estúpido e insensível. Além do mais, era um estraga-prazeres e sempre a cortava quando a mulher vinha com algum tipo de fofoca... Saiu bufando da sala.

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– P-pai? E-eu... N-não foi... er... n-não...

Hyoga não temia o pai, mas sempre gaguejava na hora de falar. Inicialmente, tinha mania de falar muito rápido e fazer excessivas pausas, esquecendo o que queria dizer. Já havia se acostumado a ser vítima de brincadeiras dos colegas por causa disso, o que só o fazia piorar, pois quanto mais nervoso e inseguro sentia, mais ele gaguejava. Agora era ainda pior, pois estava diante da diretora pela primeira vez e sua insegurança só aumentava.

– Calma, Hyoga. Sei que a culpa não foi sua. – Apesar de não gostar de demonstrar emoções perante os outros, Camus não pensou 2 vezes antes de abraçar o próprio filho que, felizmente não havia tido nenhuma lesão grave – Você não faria uma barbaridade dessas... eu te conheço!

– T-tentei... é... evit-tar a briga... Você m-mesmo diz... é... quando um n-não quer... hm... d-dois não bri-igam, mas... bom, e-eles vi...eram pra cima. Me bat-teram e... eu não... re...resisti. N-não... er... te-tentei lu...tar.

– Eu sei e acredito em você. Não precisa ficar tão tenso. Respira... Pense antes de falar e conte-me o que aconteceu, com calma.

Como sempre, Camus era carinhoso com o filho e fazia o possível e impossível para deixa-lo à vontade, numa tentativa de minimizar a gagueira do jovem. Hyoga olhou em volta e percebeu estar sendo observado pelos outros. Ainda mais tenso, perguntou:

– A-aqui?

Camus percorreu o ambiente com os olhos. Estavam na diretoria do colégio com testemunhas, agressores, a diretora, o psicólogo e mais alguns profissionais que só apareciam nessas ocasiões. Botou a mão no ombro do filho e falou:

– Vamos pra casa.

– Mas o caso não foi totalmente esclarecido. Estamos aqui para ajudar seu filho. – protestou o psicólogo.

– E onde estavam quando ele apanhou? É lastimável ver o estado em que meu filho se encontra. – percebeu que a diretora abriu a boca e, antes que ela falasse alguma coisa, continuou – Hyoga sempre foi um bom filho e aluno, por isso tenho certeza que não fez nada para receber esse agradável tratamento. Eu juro que se isso voltar a se repetir, tiro o meu filho deste colégio e abro um processo por agressão física e psicológica. Nunca levantei um dedo contra ele e não admito que outros o façam. Se me dão licença, tenho mais o que fazer... – pega a mochila do filho com uma mão e com a outra segura na mão dele, saindo sem dar importância aos protestos alheios.

Em casa, Camus liga avisando que não voltaria ao escritório e resolve conversar seriamente com o filho, sem pressioná-lo. Hyoga conta que há anos sempre dava dinheiro a um grupo de encrenqueiros para não apanhar. Ultimamente estava gastando toda a mesada com eles, devido ao alto preço que estavam cobrando. O valor era cada vez maior e, desta vez, decidiu não pagar todo o preço exigido, por isso havia apanhado.

Camus perguntava de forma carinhosa do por que o filho não ter contado antes e, como esperava, o garoto havia sido ameaçado. Hyoga apanharia ainda mais se contasse, podendo se ferir gravemente. O pai abraçou o filho e prometeu que não deixaria isso se repetir. A Hyoga só restou confiar e chorar.

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– Desculpe, senhor Camus, mas tive que trazer meu irmão... – Ikki referia-se a Shun, que ainda trajava o uniforme da equipe de tênis de mesa do colégio. O mais velho dos Amamiya havia sido convocado para uma reunião na casa de Camus, que havia decidido ficar um tempo ao lado do filho.

– Tudo bem. Então você é realmente irmão do famoso Shun Amamiya, o campeão juvenil de tênis de mesa. Desconfiei do parentesco pelo sobrenome, mas como você nunca comentou, pensei ser apenas coincidência ou um parente distante.

– Nossa! Você me reconheceu? Não sabia ser tão famoso.

– Não gosto de misturar a minha vida pessoal com o trabalho.

– Somos parecidos nesse ponto. Como sou empresário, tenho que estar sempre atualizado e confesso gostar de assistir esportes e espetáculos culturais. Por isso, foi fácil reconhecer o grande Shun Amamiya. Saiba que é um prazer estar diante de um atleta tão prodigioso.

– Obrigado, senhor Camus. O prazer é meu! – estende a mão ao outro, que aperta cumprimentando-o.

– Agora vamos aos negócios. Shun, vá àquela mesa fazer seu dever enquanto eu converso com o senhor Camus.

Shun responde com um sorriso doce e um aceno de cabeça, dirigindo-se a uma mesa mais distante. Camus o chama:

– Espere!

O mesatenista vira-se um pouco receoso de ter feito algo errado e logo ouve o pedido.

– Você poderia fazer companhia ao meu filho? Vocês devem ter a mesma idade...

– Claro! Adoro conversar...

– Tatsume, leve o rapaz ao quarto de Hyoga. – ordenou a um mordomo alto, careca e mal-humorado.

– Sim senhor. Venha, garoto...

Shun o acompanhava, seus olhos curiosos observando os detalhes da casa. Era a primeira vez que entrava num ambiente tão refinado e encarava como se estivesse em um outro mundo. A decoração era de muito bom gosto e misturava o estilo rústico com a modernidade e tecnologia. Os quadros eram escolhidos a dedo e as paredes, os tapetes e objetos eram montados de forma completamente diferente nos vários cômodos pelos quais eles passavam. Pararam no final do corredor perante uma porta fechada, de onde se podia ouvir o som de músicas clássicas. Tatsume nem se deu ao trabalho de bater antes de abrir a porta do recinto e justificou-se:

– Ele não ouviria mesmo! Nunca se importa... – gritou para Hyoga, que estava com calça de ginástica e uma camiseta justa, dançando dentro do quarto – Tens companhia. Licença! – Quase jogou Shun dentro do ambiente e saiu, certo de que cumprira sua missão.

– Oi, sou Shun. – cumprimentava o visitante, vislumbrando o quarto e temendo incomodar o dançarino.

Hyoga parou o que estava fazendo e diminuiu o som, analisando o estranho. Não conseguia lembrar de seu rosto e não entendia o que o jovem estava fazendo ali. Ficou na defensiva e manteve-se o mais distante que conseguia. Tentava parecer sério e frio, mas estava muito nervoso, o que só piorava a gagueira.

– M-mas... u-u que... er... c-co..omo…

– Sou irmão de Ikki Amamiya, um empregado do seu pai. Acabei de voltar do campeonato interescolar de jogos esportivos e, como meu irmão não teria tempo de me levar em casa, resolvi acompanha-lo... Seu pai falou de você e perguntou se eu não queria conhecê-lo. To aqui!

Ao ouvir tais palavras, estranhamente um alívio apossou-se do loiro. Ele deu alguns passos em frente, mas não ficou ao lado do estranho. Apenas sentou-se na cama. Era mais uma das inúmeras tentativas de seu pai para dar-lhe companhia.

– Ah! P-papai... U...o que e-ele... f-falou?

– Disse que tinha um filho quase da mesma idade que eu. Sei que não parece, mas tenho 14 anos e achei a sua casa muito bonita...

– É? Hmmm...

– Você não gosta de falar, não é mesmo?

– Não... q-quer di..zer, eu n-não sei uu...que falar.

– Entendo. Fale de você. O que gosta de fazer, se tem namorada, amigos, sei lá! Xingue um professor ou um chato da turma.

– N-não tenho na...ada pa...pra falar... Q-quer dizer, s-sou bailarino e... go..sto diii... dançar. Quan..nto ao re-resto... n-não tenho u..o que fa..lar...

– Nossa! Bailarino? Eu sempre gostei de dançar, assistir shows de dança, mas não tenho dinheiro. Apesar de não poder pagar pra ir num espetáculo ao vivo, eu sempre assisto na TV e, dependendo do tipo, eu até arrisco uns passos de dança enquanto limpo a casa. É uma pena que no meu apartamento eu não possa pular e nem tenha técnicas suficientes pra poder fazer ballet... O síndico é um chato e ia brigar com o meu irmão se eu elevasse um pouco mais o som ou fizesse qualquer outro barulho. Na verdade, eles vivem implicando com a gente.

– Vo..cê p-pare-ce ser... er... aleg-gre. Mu..ito. Senta! – aponta uma poltrona num canto do quarto e Shun senta-se.

– Sou. Eu não conheci meus pais, pois morreram logo depois que eu nasci e fui criado pelo Ikki. Ele tem 10 anos a mais que eu e sempre foi um pai pra mim... tão carinhoso, gentil, mas um pouco exigente e me defende como um verdadeiro leão. Adoro o meu irmão e devo a ele tudo o que sou. Embora negue, sei que Ikki desistiu da própria infância e felicidade pra cuidar de mim e por isso eu o admiro!... Ele não gosta, mas como tem que trabalhar o dia inteiro e estudar à noite, eu faço o serviço de casa como limpar a casa, cuidar das louças e da roupa, cozinho... Acho que a única coisa que não consigo fazer é arrumar o armário do meu irmão e só não faço por que ele não gosta que mexam nas coisas dele. Ele diz que tem uma bagunça organizada e por isso não gosta que tirem nada do lugar, pois mesmo estando uma aparente zona, ele sabe exatamente onde ta cada coisa... Ah desculpe! Sou um tagarela mesmo, se não me botar freio, fico fazendo monólogos.

Como era de sua personalidade, Shun fica gesticulando muito e se levantando constantemente enquanto fala. Hyoga sorri ao perceber os movimentos alegres do outro e ao mesmo tempo sente-se comovido com a história dele, refletindo sobre a morte da própria mãe enquanto o ouve falar de seu passado. É como se, pela primeira vez, estivesse vendo que outras pessoas também sofriam e mesmo assim encaravam o mundo com alegria, como era o caso daquele rapaz. Tentou deixa-lo à vontade, mas não sabia o que dizer, nunca conversava com ninguém e queria prestar solidariedade pelo trágico passado do outro.

– Tu..do bem... v-você te...em uma hist-tória ti..triste.

– Não acho. Quer dizer, sofri muito quando morei no orfanato por causa dos garotos maiores, que gostavam de me bater e implicar comigo. Sempre tive uma aparência frágil e eles se aproveitavam da minha inocência e do meu tamanho, mas o meu irmão não deixava barato. Ele sempre batia neles... Viviam falando que não parecíamos irmãos por que meu irmão era duro, fechado, forte e eu sempre fui considerado um chorão. Acho que ficamos assim por causa da diferença de idade e pelo Ikki ter amadurecido pra poder cuidar de mim. De qualquer forma, eu só disse isso pra você me conhecer melhor e... pff! Olha eu falando de novo... Não fique triste pelo meu passado, pois eu não penso nele. Nem sei por que estou dizendo essas coisas.

Hyoga fita Shun, que está diante dele com um sorriso nos lábios. Agora percebia que o garoto realmente estava sendo sincero e que havia deixado o passado triste para trás. Como gostaria de ter tamanha coragem, mas não podia! A imagem da sua mãe ainda estava viva em sua cabeça.

– V-você... er... não va..ai rir?

– Do quê?

Hyoga encarava Shun com uma sobrancelha arqueada. Tinha pensado alto demais, mas sabia que não conseguiria dribla-lo e resolver se abrir.

– Dii...i mim.

– Não vejo motivos.

– N-não re...parou?

– Você está com uma roupa justa. Devo rir disso?

– N-não, não é is...so! É... c-como po...osso di-izer? ... Ah! É is-so...

Shun pisca os olhos, tentando absorver as informações. Parece não captar o que o outro diz e pergunta:

– Tem a ver com o fato de você ser tão calado?

– T-tem! Eu... é... eu... s-sou ga..go! – confessa cabisbaixo. Odiava admitir isso, por mais evidente que fosse.

– Ah! Grande coisa... Deve ser falta de treino.

– Q-quê?

Você não está acostumado a falar e quando precisa, não sabe o que ou como dizer as coisas. Tem medo de magoar as pessoas ou não estar à altura delas. Acho que o seu problema é insegurança, timidez e... talvez, perfeccionismo. Ai! Não devia falar assim. Não sou psicólogo...

– A..inda b-bem!

– Você também acha que psicólogo é pra louco?

– N-não... mas... s-são ch... chatos!

– Eu queria ter dinheiro pra ir num.

– P-por quê? Vo..cê é... t-tão a..leg-gre, ex...ext-trover..tido...

– Pode ser, mas eu teria um amigo... Sabe, os meus colegas são ricos demais pra ir à minha casa e não posso ficar gastando dinheiro com ônibus. Às vezes vou à pé, mas perco muito tempo... tenho que deixar as coisas arrumadas pra hora que o irmão chegar só tomar banho, jantar e ir à faculdade.

– De...ve s-ser di..fícil...

– Sempre foi assim. Como já disse, no início moramos num orfanato, mas logo o meu irmão conseguiu se estabilizar fora e me levou junto. Ele teria que sair de qualquer forma quando completasse 18 anos e não queria que eu fosse criado como ele... Além disso, sempre aprontava algo pra que eu não fosse adotado. Muitos casais quiseram por causa da minha aparência e serenidade, mas meu irmão fazia de tudo pra que eles desistissem. Chegava a me assustar só preu chorar na casa das famílias ou antes da adoção. Não demorava preu ser devolvido ou eles desistirem... era engraçado!

– N-no..ssa! Ah que... f-falta de... e-duc-cação a mi..nha. N-não mi..i ap-apre..sentei... S-sou Hy..oga. V-você... é... você q-quer...

– Quero um refresco. Está quente e eu falei demais.

– E..eu vou pe..dir... u... que pe..es-ço?

– Nada vamos à cozinha!

– Mas...

– Não vai dizer que cozinha é coisa de mulher. Eu vivo numa e ainda sou dono-de-casa. Faço os serviços domésticos diariamente...

– Tem ra...z-zão. Er... S-shun, é is-so?

– Pensei não ter ouvido… Sim, eu me chamo Shun Amamiya.

Hyoga finalmente solta um sorriso sincero como não fazia há anos e acompanha o visitante até a cozinha. Parecia um milagre, mas ele nunca havia se sentido tão à vontade com nenhum estranho desde a morte da mãe. Admirava a inteligência, alegria, rapidez de raciocínio do outro e ao mesmo tempo se enternecia da simplicidade dele e da histeria perante uma obra de arte. Shun parecia uma criança ganhando um brinquedo novo a cada peça que via e ficava eufórico com a quantidade de objetos, a decoração e a tecnologia nos cômodos pelos quais passava. Quando acompanhou Tatsume, estava um pouco temeroso e por isso não tinha realmente observado tudo. Para Hyoga, aquilo era tão banal, mas via o brilho nos olhos verdes do desconhecido que já lhe parecia tão íntimo e confiável.

Chegaram à cozinha. No centro da mesa havia um arranjo de frutas muito enfeitado e diversificado. Shun correu até ele e ficou encantado ao perceber que eram verdadeiras. Pegou uma maçã e ficou admirando. Sempre gostou muito de frutas, mas devido à sua condição financeira não poderia comprar.

– Uma maçã! Vocês têm maçãs aqui... Adoro comer frutas e essa é a minha favorita... Está no ponto!

– V-você q-quer?

– Ah, que isso! É caro... Não quero abusar.

– P-pegue!

– Tem certeza?

– V-vai es...t-tragar... Ni...inguém co..me.

– Obrigado, Hyoga! – Shun dá uma gostosa mordida e assim que termina de engolir o pedaço, comenta – Que delícia! Nada se compara ao sabor dessa qualidade de maçã. Pena serem tão caras...

– N-nem te..tenho n-noção de p..preço... Nu...unca f-fui... ao me...mercado.

– Não? Bom, geralmente é chato, mas dependendo do dia é engraçado. Já vi cada coisa! Geralmente vou com o meu irmão no sábado à tarde, pois ele insiste em carregar os pacotes mais pesados e fica me tratando como uma criança frágil e indefesa...

– M-me..eu pai é... i..gual!

– Seremos eternos bebês pra eles.

– É...

– Shun, vamos?

– J-já? V-você m..mal ch..chegou...

– Preciso ir. Daqui a pouco fica quase impossível pegar ônibus e tem engarrafamento...

– Ah... – Hyoga suspira tristemente – E-eu... que..eria c-con..v-versar...

Camus imediatamente percebe a tristeza de seu filho ao ver que Shun estava indo embora. Finalmente alguém o havia tirado do silêncio eterno e ele queria se aproveitar disso. Se Hyoga gostou tanto assim daquele rapaz, não poderia deixar que eles se perdessem de vista. Talvez esse pudesse ser o primeiro passo para que seu filho tivesse uma vida normal.

– Por que não ficam?

– Desculpe senhor Camus, mas tenho prova na primeira aula...

– E eu tenho que preparar o jantar do meu irmão. Se não pegar o próximo ônibus, ele perderá a prova...

– Por favor, eu insisto! Fiquem e jantem conosco. Depois meu motorista leva o Shun para casa...

– P-po..or f-favor... Sh...Shun!

– Niisan?

Ikki encara Shun e Camus, que só faltava ajoelhar pedindo para que eles ficassem. Ao olhar Hyoga, lembra-se da conversa com a senhorita Alice e entende que o patrão estava fazendo isso pelo filho. Fingiu pensar e com um ar sorridente e autoritário, falou:

– Tudo bem, pode ficar. Mas esteja em casa antes das 10.

– Valeu!

– G-gosta de... j-jo..go de c-com...putador?

– Eu não jogo. Na verdade, eu nem sei mexer direito.

– V-venha... e..eu t.. e..ens-sino...

– Legal ! Ei, onde eu ponho os restos mortais da maçã?

– De..eixa n-na pia... O... er... a em..p-pregada li..limpa.

– Não gosto de ver coisa na pia, principalmente coisa suja... acho que é por causa da minha mania de dono-de-casa. Além do mais, eu sempre digo a frase "O ambiente limpo é o que menos se suja e não o que mais se limpa" e acredito nela...

– T-tem ra..zão. Mas... n-não s-sei o...onde é... onde t-tá o lich...xo. Os emp-pregados fa..zem t-tudo.

– Verdade? Credo! Deve ser horrível... Eu não saberia viver tendo tudo na boca. Ficar parado sem ter o que fazer...

– Nã..ão ach-cho. Se...emp-pre f-foi as...sim...

– Shun encara Hyoga e solta uma sonora e doce gargalhada. O loiro o encara com incredulidade e desconfiança.

– Do... q-que 'cê ta... ri-indo?

– De nós. Nossas vidas são tão diferentes... Você não saberia nem ligar um fogão ou pegar numa vassoura e eu não sei viver sem poder estar fazendo alguma coisa e mal sei ligar um computador... É estranho isso! Temos a mesma idade e um modo de ser e pensar tão diferente...

– É...

– Eu faço o sacrifício de sujar a pia... – Shun põe o caroço da maçã na pia e lava a mão, secando na própria camiseta. Vira-se para o loiro e fala – Vamos ver qual a graça nesses jogos...

– Hyoga sorri para ele e o conduz à sala de jogos. Camus estava acompanhando tudo de boca aberta e Ikki percebeu o olhar de surpresa do patrão. Ao ver os dois saírem da sala, o moreno pergunta:

– Tudo bem senhor Camus?

– Acho que estou sonhando...

– O que foi?

– Meu filho... pensei que nunca fosse ver ele tão animado assim. Ikki, você pode não acreditar, mas eu vivo temendo que meu filho faça alguma besteira. Ele não tem amigos, vive enfiado no quarto e... bom, é como se Hyoga tivesse desistido da vida...

– Entendo.

– Por favor, como pai eu lhe peço que, enquanto puder, deixe seu irmão visitar meu filho...

– Será um prazer. Sinceramente, eu não gosto de ver o meu irmão sozinho em casa. Aquele bairro é muito perigoso!

Camus dá um sorriso discreto ao rapaz e começa a conversar com ele. Por mais que não gostasse de fazer amizades com empregados, decidiu conhecer melhor aquele rapaz que lhe trouxe um brilho de esperança e alívio. Saber que o filho agora poderia ter um motivo pra viver, uma vida normal... era quase um milagre! Pediu que os empregados preparassem a refeição pros quatro e logo percebeu que Ikki tratava o irmão como um filho, trocando experiências e impressões com o patrão como se fossem pais zelosos e preocupados.

O jantar correu com uma alegria que Camus e Hyoga estavam desacostumados. Shun estava conquistando a todos com o seu jeito de ser. Mesmo com a partida de Ikki, a noite continuou alegre e descontraída. Nem mesmo Camus percebeu o momento em que os rapazes começaram a interrogá-lo e logo se viu no meio da conversa. Como o prometido, Shun foi levado pelo motorista do empresário, mas só saiu com a promessa de retornar à casa.


Próximo capítulo: Decepções