11- Retorno
Kamus estava andando de um lado para o outro, próximo à cama, abrindo o envelope. Pegou o papel abrindo-o e lendo para si. Ficou extremamente pálido.
– Algum problema? – Miro, que estava do lado, se aproximou preocupado.
– Isaak... – Parou de fitar o papel. Olhou para Miro com visível tristeza. – Faleceu...
Miro mal acreditou. Outra perda em tão pouco tempo?
– Mas como? – Tentava entender.
– Um incidente... – Kamus levantou rapidamente, abrindo o guarda-roupa. Pôs sua mala sobre a cama e começou a coletar mais algumas peças de roupa. – Tenho de voltar! Não devia ter me demorado! Ele era responsabilidade minha!
Miro o encarava, achando-se responsável por tudo. Se não fosse tão sensível a perdas, Kamus não teria ficado para ajudar. O olhar de Kamus não o enganava. Estava abalado, confuso e se sentindo o culpado pelo ocorrido.
– Kamus, desculpa... Não fique assim! – Miro nem sabia o que dizer para tentar acalmá-lo.
Kamus o encarou por segundos, logo se desvencilhando.
– Não se desculpe por algo que não tens culpa. – Falava sério, aparentemente sem emoção.
Voltou a arrumar sua mala, rapidamente. Partiria com a roupa do corpo. Uma calça bege e uma camiseta azul. Fechou a bagagem. Ia pega-la para partir imediatamente, quando lembrou de que deveria informar ao Grande Mestre. Deixou a mala sobre a cama, caminhando apressadamente até a porta. Passou por Miro murmurando um 'sinto muito' sem encará-lo e retirou-se.
Chegou rapidamente às portas da sala do trono, onde haviam dois guardas de prontidão.
– Deixem-me passar, preciso falar com o Grande Mestre! – Kamus falou seca e autoritariamente.
– Não tenho permissão para... – O guarda calou-se ao receber um olhar frio de Kamus. Deu um passo para trás.
Kamus abriu a porta e entrou mesmo sem permissão. Era urgente. Ajoelhou-se próximo ao trono numa reverência.
O guarda apareceu na entrada pedindo desculpas, tentando esclarecer o ocorrido.
– Saia soldado. – Falou altivo o Grande Mestre. O guarda saiu, fechando a porta num rangido. – O que desejas, Cavaleiro de Aquário? – Sua voz soava grave e rouca.
– Vim comunicá-lo do incidente que ocorreu com um de meus pupilos em minha ausência... – Encarava Ares com respeito.
– Incidente?
– Sim. Recebi uma carta da Sibéria. Isaak foi apanhado pelas correntezas do Mar, não conseguindo sair... – Fechou os olhos, abaixando a face. Ele tinha que conter-se. Não podia ficar fraco numa hora daquelas.
– Nunca esperava tamanha irresponsabilidade de sua parte, cavaleiro Kamus de Aquário. Não tinhas porque permanecer na Grécia! Foi imprudente e seu pupilo pagou com a vida! – Era visível a irritação do Grande Mestre. – Falhaste como mestre!
Kamus ouvia tudo, digerindo com bravura aquelas secas palavras. Não precisava que ninguém o dissesse aquilo. Ele já o sabia. Sabia que se estivesse lá, tudo poderia ter sido diferente.
– Continuarei o treinamento de Hyoga ou o senhor enviará outro em meu lugar? – Perguntou cabisbaixo. Queria sair o quanto antes para voltar a Sibéria, lugar onde deveria ter voltado há dias atrás. Estava temeroso. Não queria deixar Hyoga, afinal, havia se apegado ao garoto.
– Sim, continuara. Só não me falhe novamente, cavaleiro. Agora saia!
– Com vossa licença... – Kamus pôs-se de pé, voltando para casa.
Os guardas o fitavam com curiosidade, nem imaginando do que se tratava aquela breve conversa. Apenas ouviram a voz do Grande Mestre alterada, mas ainda impossível de ser compreendida as palavras.
Entrou em seu templo. Falou rapidamente com a serva, seguindo para seu quarto.
Miro o esperou pacientemente – mesmo que isso não fosse seu forte – Ao lado da bagagem, na cama. Ao ver o francês entrar no recinto, caminhou até ele sem nada falar, apenas o abraçando.
– Vou com você até os limites do Santuário... – Sussurrou no ouvido de Kamus, dando um beijo leve em seu rosto.
Kamus se desvencilhou, caminhando até sua mala, pegando-a.
– Não. – Respondeu.
O aquariano deixou seu templo o quanto antes. Miro o olhou sair, sem nada fazer. Não tinha o que fazer e era evidente que Kamus não queria 'ajuda'.
OoOoOoOoOoOoOoOoOoO
Na Sibéria, ventava forte e os cristais finos de gelo caiam em abundância, anunciando uma tempestade que logo teria início. Chegando ao vilarejo, entrou em casa o quanto antes, encontrando com Hyoga triste e Natasha o abraçando, sentados no sofá. Yakoff brincava no tapete, inocentemente.
Hyoga se afastou do abraço de Natasha, encarando seu mestre, que acabara de chegar. Kamus os observava com o olhar vago.
– Foi tudo culpa minha, senhor... O desobedeci. Tentei chegar até minha mãe e fui apanhado pela correnteza. Isaak me salvou, mas não conseguiu sair... – Falou atrapalhado, com lágrimas voltando a escorrer em seu rosto.
Kamus passou uma mão sobre a face, abaixando o rosto de olhos cerrados. Não poderia chorar. Não ali.
Havia avisado Hyoga em vão. Deveria ter imaginado que ele tentaria algo do tipo. Teve receios de voltar para a Grécia e mais ainda em pensar em ficar para consolar o grego. Como tudo em sua vida, mais um desastre aconteceu.
– Kamus, eu disse que me responsabilizaria e falhei... Peço desculpas... Não se irrite com Hyoga, ele não teve culpa é só uma criança! – Natasha estava preocupada. A falta de atitudes de Kamus a assustava.
– Ele não é uma criança. É um homem que está treinando para se tornar algo maior. Sabia que não era forte e se arriscou, mas isso não importa mais. Eu era o único responsável por ambos e não estava aqui quando deveria. – Levantou a face. Seu olhar distante e sua expressão séria, em conjunto com sua voz que saia calma, surpreenderam a garota. – Não importa mais quem foi o culpado, já aconteceu e não tem volta. – Saiu para seu quarto, seguido pelos olhares de seu pupilo e Natasha – Amanhã seu treino recomeça, Hyoga... Esteja pronto! – Fechou a porta.
Natasha pediu a Hyoga que olhasse Yakoff enquanto ela ia ver Kamus. Bateu duas vezes na porta do quarto. Sem resposta alguma, entrou, deixando a porta encostada.
– Está com raiva de Hyoga? – Ela perguntou, sentando-se na cama ao lado do francês.
– Não... – Respondia sem olhá-la. Fitava fixamente um ponto no vazio. Sentia raiva sim, mas de si, pela sua imprudência.
– Então está com raiva de mim... por não...
– Não! – Kamus a interrompeu, com o tom de sua voz mais alterado. – E se não se importa, não quero mais falar sobre isso.
Natasha conhecia Kamus o suficiente para saber que por trás daquela aparência fria e rude que estava mostrando, ele estava triste e sentido com a morte de Isaak. Desistiu de continuar. Saiu do quarto, fechando a porta.
Kamus, ao ver-se só, deitou em sua cama numa posição fetal, com os olhos cerrados. Uma fina lágrima afagou seu rosto, pingando no lençol branco que forrava a cama. Quis apoiar Miro num momento difícil e não estava onde deveria estar quando necessário. Sabia que se estivesse lá, tudo poderia ter sido diferente. Adormeceu ouvindo o vento forte chocar-se contra sua janela, decidindo que não mencionaria mais esse assunto.
Teria de ser forte e exigir de Hyoga que melhorasse. Agora, como seu único pupilo, seria lhe exigido um esforço ainda maior.
Kamus realmente não teve raiva do garoto. O trataria da mesma forma gentil que antes. Entendia perfeitamente o que se passava na cabeça do jovem. Hyoga um dia o contou do naufrágio do navio e de como lembrava das coisas. Mesmo muito pequeno, ele lembrou de detalhes. Naquele dia, Kamus viu seu passado no de Hyoga, na única diferença que jamais poderia voltar a ver seus pais, enquanto que as gélidas águas daquela região conservariam o corpo da mãe de Hyoga, dando a ele vontade de sempre visita-la, para resgatar os momentos em que estavam juntos, felizes.
O tempo passando e os treinos seguiram no mesmo ritmo. Em oito meses, Hyoga melhorara espantosamente.
Kamus estava mais sério que sempre fora. Tinha agora mais uma preocupação. Cuidar de Yacoff.
Natasha havia falecido há duas semanas, quando foi visitar os túmulos de seus pais. Uma inesperada tempestade forte teve início e o local era afastado do vilarejo. Com a temperatura muito mais baixa que de costume e a pouca visibilidade, teve problemas em voltar. Morreu congelada. O ancião do vilarejo que comunicou mais tarde à Kamus, que acabara de retornar do treino, de que Natasha não estava em casa. Que havia deixado a criança sobre seus cuidados pela manhã e que não havia retornado. Preocupado com a tempestade, que iniciou pela manhã e já passava das três da tarde, Kamus deixou Hyoga para pegar Yakoff e volta pra casa, cuidando da criança, e partiu a procura de sua amiga, encontrando apenas o corpo sem vida, encolhido e recostado em uma pedra de gelo, na metade do caminho que a levaria para a vila.
Kamus não queria aceitar. Outra morte que não pode evitar!
Depois disso, sempre foi a mesma coisa. Deixavam o pequeno Yakoff na vila, sob cuidados de amigos e ao entardecer, assumiam a responsabilidade com a criança. Kamus jamais aceitaria expor muito o pequeno às baixas temperaturas e aos ventos fortes de onde treinavam. O francês já não sorria mais, depois das perdas que sofrera. Não perdera sua gentileza e educação, mas não via motivos para sorrir. Sentia-se só.
Neste período, começou a ser convocado com mais freqüência ao Santuário. Sempre resolvia os assuntos e voltava à Sibéria sem falar ou cruzar com ninguém, ocultando sempre sua presença. O Grande Mestre parecia preocupado com algo, queria que concluísse o quanto antes o treino de seu pupilo para que retornasse. Kamus sempre respondia o mesmo; que faria o possível, mas nunca corria com os ensinamentos.
Passou seis anos treinando Hyoga, que agora tinha quatorze anos.
– Hyoga, seu treinamento chegou ao fim. Lhe ensinei tudo o que precisava saber para se tornar um cavaleiro de Athena.
– Sim Mestre e estou grato por tudo o que fez por mim. – Disse Hyoga sincero.
– Cabe a você, agora, crescer e desenvolver seu poder e técnicas. Deves sempre lutar pelo que acredita e achas certo.
– Sempre lutarei por Athena! – Disse orgulhoso. Em sua mente habitava sempre a possibilidade de visitar sua mãe. Agora que era forte o suficiente, não perderia essas chances.
– Voltarei agora ao Santuário para falar com o Grande Mestre. Cabe a ele decidir se você receberá ou não a armadura de Cisne. – Deu um discreto sorriso, falando mecanicamente.
– Sim, senhor.
Kamus partiu para Grécia novamente. Como de costume, ninguém avisou ou sequer cumprimentou. Foi direto para seu templo. Estava cansado. Passou seis anos inquietos, privado de qualquer sossego, sentiu a perda de três pessoas queridas em pouco intervalo de tempo e nem a quem amava sentia-se capaz de poder ver. Sim, para que ver Miro? Ele sempre reclamava de suas saídas sem despedidas, então para que anunciar sua chegada? Foi quando notou que andava amargurado com a vida; mal humorado. Depois dos incidentes, foram quatro longos anos sem vê-lo. Pensava até que Miro poderia tê-lo esquecido. Poderia estar até em outro relacionamento mais prático, já que nunca imaginou um tão turbulento quanto o deles. Já que Miro detestava ficar só, sentir-se só, por que não estaria com outra pessoa? Kamus sentiu uma dor de cabeça ter início.
Entrou em Aquário, vendo sua serva arrumando tudo. A garota era muito dedicada e organizada, nunca parava quieta, sempre procurando o que fazer.
– Salut! – Kamus a cumprimentou.
– Senhor Kamus! – Quando notou seu mestre parado trás de si, virou e o saldou com uma reverência. – Vai voltar para a Sibéria novamente?
– Non, O treinamento acabou. Acredito que terei de ficar por aqui mesmo... – Falava desanimado. – Neste calor insuportável!
– Deseja que eu lhe prepare algo? – Perguntou docemente, com um sorriso. Não eram todas as servas que tinham a sorte de ter um senhor tão atencioso e educado, apesar de geralmente mal humorado e sério.
– Non. Vou para o quarto ver se relaxo um pouco. Logo terei de ver o grande Mestre.
– Sim, senhor.
Kamus foi ao quarto. Apoiou a bagagem sobre a cama. Abriu. Pegou suas roupas e objetos pessoais, guardando tudo em seu devido lugar. Os únicos lugares que a serva não tinha permissão de sequer se aproximar eram seu guarda-roupas e seus criados mudo. Isso ele mesmo se encarregava de arrumar. Guardou sua mala. Voltou até a porta enquanto retirava sua camisa cinza. Pôs o pano sobre o ombro direito enquanto trancava a porta. Voltou, sentando na cama para retirar os sapatos. Jogou a camisa sobre a cama. Abriu o armário, pegando uma toalha e foi para sua suíte. Um banho frio era tudo o que precisava naquele calor que havia desacostumado.
Entrou na banheira, deixando a toalha perto. Tomou um demorado banho e lavou os cabelos, massageando o couro cabeludo com a ponta dos dedos. Saiu da banheira, tirando o excesso de água do cabelo. Secou seu corpo e enrolou a toalha em sua cintura. Voltou para o quarto, pondo uma roupa simples. Vestiu sua armadura, saindo para o templo do Grande Mestre.
Foi bem recebido, o que estranhou. Fez uma reverência, iniciando seu relatório. Explicou que Hyoga elevou bastante seu nível. Que desenvolveu bem as técnicas de Pó de diamante e Trovão Aurora, entre outras coisas. Ares perecia satisfeito.
– Kamus, ouviste falar que a jovem herdeira de Mitsumasa Kido está realizando um torneio entre cavaleiros de bronze, no Japão? – Falou repentinamente o Mestre. Kamus estranhou o comentário.
– Sim Senhor. Soube que os garotos que este senhor havia enviado aos treinos é quem irão competir, mas não compreendo o objetivo de tal evento.
– Sabes qual a premiação ao vencedor, Cavaleiro? – Voltou a falar o Grande Mestre.
– Não Senhor.
– A Armadura desaparecida de Sagitário! Por ser improvável que seja falsa, já que poucos a conhecem, resta a nós descobrir como Saori Kido encontrou aquela armadura.
– De fato. Desde que Aioros foi morto, ninguém encontrou a veste dourada. – Kamus estranhava a tudo.
– Você disse que Hyoga está apto a receber a armadura de Cisne... Pois bem, eu a concebo ao seu pupilo, assim como uma missão. Ele retornará ao Japão, assim como os outros garotos que Kido enviou, para participar deste torneio. A missão será bem simples. Ele terá de eliminar todos os outros cavaleiros de bronze, que são uma vergonha para o Santuário por se exporem de tal forma. Não creio que será problema para ele, afinal, foi treinado por um cavaleiro de ouro!
– Sim. O informarei a localização de sua Armadura e lhe passarei sua missão, como ordenaste.
– Ótimo! – Ares parecia satisfeito.
– Com vossa licença... – Kamus fez uma nova reverência.
Saiu do salão, voltando direto para sua casa. Entrou no quarto e retirou sua armadura. Voltou para a sala, sentando à mesa com uma folha de papel, uma caneta e um envelope em mãos. Escreveu alguma mensagem na folha branca, dobrando-a com capricho, guardando no envelope. Chamou sua serva, que não demorou a postar-se ao seu lado, numa reverência.
– Lacre este envelope e cuide para que chegue ao seu destino, na Sibéria. – Kamus falou bem prático, estendendo o papel à garota.
– Sim senhor. – Com uma nova reverência, a serva pegou o envelope e retirou-se para cumprir com as ordens.
Kamus levantou, seguindo para a porta. Decidiu por treinar na arena que ficava entre Peixes e Aquário. Há tempos não saia para treinar sozinho.
Treinou por algumas horas, concluindo tudo com flexões. Terminando as mil, pôs-se de pé novamente, retornando para sua casa. Sua expressão estava mais leve, como se ter desgastado suas energias o tivesse ajudado. Suado, retirou sua camisa azul, secando seu belo rosto do suor, pondo-a sobre os ombros em seguida. O crepúsculo já perdia as belas tonalidades, dando lugar a noite escura que se aproximava. Kamus perdeu-se por instantes, observando a lua e as estrelas começarem a ganhar seu destaque no céu negro. Decidiu que era melhor voltar para Aquário.
Abriu a porta de seu templo, logo fechando atrás de si. Sua mente vagava. Foi até a cozinha, onde a serva já se encontrava. Abriu a porta da geladeira, pegando um jarro com água. Fechou a porta e procurou por um copo no armário, servindo-se.
– Senhor, o jantar está quase pronto. – A serva o reverenciou. Ele nem havia reparado em sua volta. – Fiz o que me pediu e a carta foi enviada.
– Merci. Logo virei jantar. – Disse, guardando o jarro na geladeira.
Voltou para seu quarto. Era inevitável. Em toda a casa, só sentia-se bem em seu quarto – seu refúgio – e no máximo na sala, onde haviam duas estantes grandes cheias de livros para aproveitar e um grande aparelho de som, para relaxar.
Kamus despiu-se, jogando as roupas num cesto de roupas sujas, pegou uma cueca, calça, duas toalhas e foi para o banheiro tomar outro banho. Entrou no chuveiro. Deixou que a água – na temperatura ambiente – se chocasse contra seu corpo. Seu corpo relaxou com tal contato e o ruído da água. Cerrou os olhos. Divagava por todos os acontecimentos de sua vida. Pegou uma esponja, começando a se lavar, enquanto sua mente vagava entre lembranças e pensamentos.
Pensava se todos ali eram os mesmos, afinal, quatro anos era tempo o suficiente para mudarem. Ele mesmo havia mudado. Pensava se Shaka estava menos curioso, se Afrodite continuava o conversador de sempre, Se Miro... havia arrumado outra pessoa. E se tivesse, o que poderia fazer? Não poderia exigir nada do grego, afinal, ele é quem sempre foi problemático e fazia tudo sozinho, sem se importar com o que ele achava.
Terminou o banho. Pegou uma toalha, enrolando no cabelo e uma outra, secando o corpo. Vestiu sua cueca e a calça, soltando os cabelos para penteá-los. Desembaraçava os fios lisos sem dificuldades. Pegou seu perfume favorito, pondo um pouco e se olhou no espelho. "Pareço o de antes... mas... serei mesmo?" Pos novamente o frasco do perfume que segurava com a mão direita sobre o balcão do banheiro. Voltou um flash de quando estava lá, com a mão sangrando, ferida. Kamus olhou sua mão, que agora não havia uma cicatriz sequer. Olhou a calça que estava usando. Era a mesma da vez em que Miro invadiu seu quarto, se declarando e tentando esclarecer tudo. Não tinha esquecido esse dia? Pegou-se olhando sua própria imagem no espelho, com um singelo sorriso. A ironia do destino o perturbava. Pensou em Tânia, sua 'conselheira', que partiu deixando um Miro abalado, que levou alguns dias até se sentir melhor. Lembrou de Isaak e Natasha; importantes em sua vida, mas também o deixou. Pensava se todas as pessoas que mais gostava não lhe seriam tomadas. Estremeceu perante essa possibilidade.
– Senhor! Está pronto! – A seva bateu à porta do quarto, tirando Kamus de seus pensamentos.
– Oui. Estou indo! – Respondeu ainda atordoado por sua idéia anterior. Voltou ao seu armário, pegando uma camiseta e saiu.
OoOoOoOoOoOoOoOoOoO
Miro estava sem camisa, apenas com uma calça justa, vermelha, estirado diagonalmente em sua cama, com os braços e pernas abertas, estendidos. Seus olhos fitavam um ponto fixo no teto. Sua respiração estava lenta e profunda e seus lábios perfeitos, entreabertos. Seus longos cabelos ondulados estavam magnificamente espalhados pela cama, com algumas mechas mais cacheadas caindo sobre o ombro e peito.
Estava largado na cama.
Sentia-se sozinho naquele lugar. Tinha bons amigos que sempre o visitava, em especial após a partida de Tânia, mas não era a mesma coisa. A serva lhe fazia falta, fazendo com se sentisse só no templo de Escorpião, e a ausência de Kamus, também, o fazia sentir-se só no Santuário. Há muito desistira de perturbar os amigos e treinava sempre só ou com Shaka, tentando gastar o máximo de energia possível, na esperança de dormir e não sentir o tempo passar lentamente.
Até Afrodite, ao qual havia melhorado a amizade, andava mais calado, sério. Desde que se tornou um amigo mais íntimo de Máscara da Morte passou a se comportar de tal forma. Miro automaticamente se afastou novamente. Não gostava de Máscara da Morte e Afrodite, por andar muito com ele, estava até parecido em gênio. Shaka ficou mais tolerante, mas não tinha graça perturba-lo. Nunca teve.
– Merda... – Miro murmurava baixinho.
Estava revoltado com tudo e todos. Achava sua vida um saco, para não dizer patética, monótona e solitária. Como alguém conseguiria viver assim? Tinha ouvido rumores de que Kamus estava de volta e esperaria para que o francês fosse visitá-lo. Não iria de forma alguma atrás dele desta vez!
OoOoOoOoOoOoOoOoOoO
Passara-se uma semana.
Miro estava enjoado de ficar em casa, de ir até as arenas sozinho, de vagar sozinho pelo santuário 'descobrindo' lugares belos...
"Quando você vem?" Pensava Miro andando de um lado para o outro em sua sala, com as mão para trás e cabeça baixa, trajando sua armadura. Parou olhando seu elmo sobre a mesinha de centro. "Vou para Aquário! Sei que ele está aqui, mas porque não veio me ver ainda?"
Pegou seu elmo, saindo rapidamente de seu templo, subindo as longas escadarias que o levariam à Aquário. Bateu na porta, sendo atendido pela gentil serva. Sorriu ao perguntar sobre Aquário e ter tido como resposta que ele estava no quarto. Agradeceu, saindo, indo para o recinto instantaneamente, ignorando que a garota dizia que ele não queria ser perturbado. "Eu nunca perturbo!" pensou com um sorriso.
Sentiu o cosmo de Kamus levemente alterado no interior do cômodo, pensando o que ele faria. Abriu a porta sem bater, entrando e fechando atrás de si. Pôs seu elmo sobre a cômoda perto da porta, abraçando o próprio corpo, tremendo devido ao frio.
Olhou para a janela, constatando que esta se encontrava fechada. Encantou-se ao olhar para a cama e ver seu Kamus sentado na cama com as pernas esticadas e cruzadas, recostado na cabeceira com um livro em mãos, lendo aparentemente compenetrado. Vestia uma camisa manga longa, de moletom, cinza claro, grande e folgada – para o porte do francês – e um short preto curto, quase encoberto pela blusa folgada, revelando suas coxas bem torneadas e alvas. Miro nunca havia visto Kamus num visual tão largado e, para seus olhos, encantador.
– Nunca o vi com roupas tão largadas... – Miro falou animadamente, porém, com voz trêmula pelo frio no quarto. – Aliás, você virou o ar condicionado central daqui?
Kamus fechou o livro, depositando-o sobre o criado mudo, olhando friamente para o grego, que sentara na beirada da cama.
– Desacostumei com o calor e só me visto assim ao ter certeza de que não serei importunado. – Falou rispidamente, o que deixou Miro frustrado.
– Ei! O que aconteceu com você?
– Nada! Absolutamente nada. Apenas queria relaxar lendo um bom livro, até que você entrou reclamando do ambiente que me é mais favorável no momento! – Falava sem esboçar qualquer reação.
– Esqueçamos detalhes, sim? – Miro virou os olhos. – Soube que voltou há uma semana... Porque não foi me ver?
– Porque estava indisposto e passei essa uma semana aqui lendo, sozinho ou treinando. Vai reclamar disso também? – Falava com indiferença.
– Você nunca foi de me tratar assim... Por acaso se enjoou de mim? – Falava mais alterado. Era incrível como se irritava com facilidade. Não se lembrava de Kamus sendo tão arrogante. – Ah, já sei... Decidiu ficar com aquela tal de... como era mesmo o nome? NATASHA! – Falou o nome com deboche.
– Não me fale assim o nome dela! – Falou alterado, surpreendendo até a Miro. – Você não sabe de nada que aconteceu e muito menos o que se passa comigo ou o que penso. Não tem o direito de vir aqui insinuar nada ou ofender a mim ou uma amiga que faleceu! – Desviou o olhar em seguida, levantando.
A temperatura começou a ficar mais agradável para o grego. Kamus parara de resfriar o lugar.
Miro sentiu-se mal com tudo. Não sabia que além de ter perdido seu pupilo, havia perdido sua amiga nesses anos. E o pior, encarou tudo sozinho. Tânia morreu e o francês esteve ao seu lado, mas e quando Kamus perdeu seus amigos? Ninguém estava lá para apóia-lo. Kamus agüentou tudo sozinho.
– Olha... me desculpa... fui impulsivo ao falar assim... não... quis fazer com que lembrasse de coisas desagradáveis ou ofender ninguém... – Olhou para o francês que ainda não o encarava. – Kamus?
– Está bem, deixemos tudo de lado, como sempre... – Kamus falou ríspido, enquanto abria sua janela. Miro não o estava reconhecendo.
– Não é bem assim...
– ... – Kamus não queria falar mais nada.
– Você... – Miro tentou fazer aquela pergunta muito tempo, e se aproveitou que queria mudar de assunto. – Porque você nunca falava com ninguém nesses quatro anos que se sucederam? Eu sei que vinha com cada vez mais freqüência ver o Grande Mestre, mas nunca o encontrava... Você partia logo...
– Foi melhor assim. – olhou com frieza para Miro. – Você fica melhor sem a mim por perto.
– Do que está falando?
– Miro... – Kamus debruçou-se sobre a janela, continuando sem olhar para o grego. – Sou realista. Todos com que me relaciono bem acontece alguma tragédia. Estou cansado! – Voltou-se para encarar o escorpiano, ainda recostado na janela.
– Escute aqui, Kamus... Eu não esperei seis anos de minha vida para você voltar e dizer isso. Seja franco: Você enjoou de mim, é isso? – Miro sentia-se magoado com o outro. Porque diabos o estava tratando daquela forma?
– Não, não me enjoei. Só não quero correr o risco de magoar mais ninguém nem de me magoar. Cansei de perder as pessoas, Miro.– Miro podia ver agora a tristeza no olhar do aquariano. – Pense... quais foram as pessoas mais próximas de mim?
Miro estava se vendo como um bobo enrolado. Do que, definitivamente, Kamus falava?
– Bom... desde o começo, de quando o conheci?
– Oui. Desde que nos conhecemos.
– Que eu saiba... Eu, Afrodite, Shaka, Karen, Natasha, Tânia e acredito que Isaak e Hyoga... – Falou o nome de certas pessoas com pesar.
– Exato! E o que aconteceu? Karen foi uma verdadeira confusão. Me enganou e depois de se redimir, escolheu morrer. Tânia também nos deixou, sendo ainda o mais afetado a pessoa que mais amo; você... – Os olhos de Miro marejaram quando Kamus começou a falar e mencionou seu nome. Ele ainda o amava como quando o deixou, afinal. – O que fez minha consciência pesar e me forçar a ficar aqui por mais um tempo. Isaak e Natasha também morreram de forma desastrosa e eu nada pude fazer para impedir... Sendo um deles, Isaak, por eu estar aqui, porque fui irresponsável! Cansei de tudo, Miro.
– E por isso quer se isolar de todos? – Perguntou Miro, já melhor.
– Sim, prefiro.
– Patético! – Respondeu o grego. – Atitude infantil!
– Comment? – Kamus o olhou incrédulo.
– Ao invés de amadurecer mais, você ficou patético depois de tudo, só isso. – Kamus fez menção de falar qualquer coisa, mas Miro pediu silêncio, num gesto com a mão esquerda. – Olha, sei que você sofreu mais perdas que eu, mas isso não significa que perderá aos outros que continuam ao seu lado. Eu mesmo lhe asseguro que sempre estarei aqui. Sei que superei mais fácil por você estar do meu lado me apoiando, enquanto que você sofreu sozinho na Sibéria, mas olhando bem, você escolheu assim. Nem minha companhia até os limites do Santuário aceitou, que eu me lembro bem. Se eu disser que me sinto culpado estaria mentindo, pois você optou por sentir as perdas só. Você passou quatro anos sem sequer chegar para qualquer amigo ou para mim dizendo um oi ou tchau, não dando satisfação de nada que fazia ou deixava de fazer, e pouco me importa se você vai dar ou não. Agora pense: você não confia em seus amigos? Não confia nem em mim para mostrar o que sente ou pensa? Só queria falar que eu passei todo esse tempo te esperando e pensando em você e não aceito que me venha com filosofia ou tristeza, pois isso não combina com você e muito menos comigo!
Kamus olhava em seus olhos o tempo todo. Não queria aceitar, mas Miro falava a verdade. Mantinha sua expressão impassível.
– Tenho medo de magoá-lo também, Miro... – Kamus falou com sinceridade e com melancolia, sendo reprovado pelo olhar do grego. – entenda...
– Deixe de falar besteiras, de me olhar com essa cara e venha cá! – Miro já falava num tom mais brincalhão, batendo de leve no colchão, indicando que ele sentasse ao seu lado.
Kamus obedeceu. Sentia-se ridiculamente como uma criança. Sentou olhando para baixo, pensativo. Passou a semana em lembranças e com a conclusão que tomou, levou um sermão. Sorriu de leve, vendo que trocara por instantes os papéis com Miro.
– Não fique pensando essas coisas, ok? – Miro o abraçou forte, protetoramente, fazendo com que virasse de frente. Kamus poderia sentir a respiração do outro na pele de seu pescoço. Como sentia falta de um abraço... Daquele abraço. Respirou fundo, sentindo-se melhor, mais reconfortado. Deixou sua cabeça apoiar no ombro do grego, com os olhos cerrados. Miro apenas sorriu, satisfeito por ver o sempre 'forte' Kamus mostrar-se ser tão sensível e frágil. – Seu problema é que você pensa demais... Relaxe um pouco as vezes... A vida é curta, como você mesmo me disse um dia, e tem de ser aproveitada. – Começou a afagar os cabelos de Kamus, que apenas se aninhou melhor em seus braços. Voltou a falar num sussurro. – Não faça mais isso comigo... Não suportaria vê-lo se despedir de mim. Não tente mais fazer isso ou me tratar dessa forma novamente... Dói...
Kamus ficou calado por instantes. Até que ergueu a face, olhando nos olhos do grego. Viu todos os sentimentos que Miro tinha para consigo. Amizade, respeito, companheirismo, compreensão e, acima de tudo, amor. Sorriu, assentindo num breve movimento com a cabeça.
– Agora fale: Que blusa é essa? Pelo tamanho... É do Deba? – Miro perguntou rindo, ganhando um tapa no ombro.
– Claro que não! Por que, não gostou? – Ergueu uma sobrancelha. Ficou com cara de poucos amigos.
– Você ficou muito fofinho nela... Parece até um bonequinho frágil de porcelana, com essa cara... – Miro falou o que realmente achava, lançando um sorriso divertido. Riu alto com a cara de frustração de Kamus, que ainda vestia o blusão de manga.
– Você é irritante quando quer... – Falou frustrado, tirando a camisa na mesma hora. Notou que o grego parou de rir, desviando a atenção para seu corpo. – Nem vem! – Jogou o pano na cara de Miro. Foi até o guarda-roupa, pegou uma calça e camiseta regata, ambos brancos. Foi ao banheiro trocar-se, trancando a porta para nenhum curioso entrar.
– Você voltou mais chato que antes, sabia? – Miro resmungou, vendo seu francês já com outra roupa. Uma bem menos provocante.
– E você resmunga mais que antes também. – Falou fazendo pouco acaso, sentando no sofá de seu quarto.
– É... Você está azedo mesmo...
- Sim, estou. Se não se agrada, pode sair!
– Certo, já que convidou, podemos sair sim. – Miro sorriu. – Coloque sua armadura logo então! Depois você poderá jantar lá em casa e nós...
– Miro! – Kamus o repreendeu. – E eu nem o convidei para nada!
– Mentiroso! – Miro falou, fazendo uma carinha triste. Kamus não sabia como o grego conseguia fazer o olho brilhar de tal forma quando bem queria.
– Céus... Parece uma criança! Está bem, podemos andar um pouco... – Se deu por vencido.
– Criança que você adora, não? – Começou a rir. Levantou, parando ao lado da porta para esperar pelo o francês.
Kamus decidiu por não continuar aquela conversa. Apenas balançou a cabeça de forma negativa, vestindo sua armadura. Acompanhou o grego para fora de seu templo. O sorriso de Miro era contagiante, ele já sabia, mas não lembrava que aquele grego tinha tanto poder para alterar seu humor de azedo para agradável. Sentiu-se mais leve por ver que Miro o esperou como prometeu. Finalmente poderia desfrutar de seu 'relacionamento'.
CONTINUA...
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Direitos autorais a Masami Kuromada. Saint Seiya não me pertence. A mim, apenas os personagens: Karen, Shino, Tânia e Natasha.
Olá! Mais um capítulo que finalmente saiu. Ando atrasando por falta de tempo, mas sempre adianto quando posso. Não estamos muito longe do final! É triste encerrar, mas é preciso. Agradeço a quem deixa seus reviews. Eles serão respondidos em meu blog: persefone-sama(ponto)weblogger(ponto)com(ponto)br
Beijos a todos e até o próximo capítulo!
