Tomei um banho longo e minucioso. A perfeição era muito pouco pra hoje a noite. Terminei o banho e antes mesmo de me enguxar, fiz questão de arrumar o cabelo com o gel, deixando "arrepiadinho", como Abby dizia. Enrolei a toalha na cintura, pra fazer a barba. Tirei tudinho com cuidado, pra que ela não reclamasse que estava "espetando-a". Passei a loção pós-barba e o desodorante e abundancia. Fui pro quarto e escolhi a roupa. Não queria nada muito formal, meus planos eram para ser simples e inesquecíveis. Eu tinha certeza que ela colocaria uma roupa preta então decidi acompanha-la na cor, que também me agradava bastante. Coloquei uma calça e uma camiseta de manga comprida preta, com o sapato da mesma cor. Abri o armário vendo um perfume também. Perfeito, eu me lembrava a todo momento. Tudo era pouco. Fui até o banheiro dar uma retocada no cabelo. Até que ficava bem diferente, arrepiado.

Quando eu voltei para o banheiro, Abby entrava no quarto. Fiquei em silencio, apenas sorrindo pra ela, ao perceber que ela estava dando de mamar. Ela me sorriu também, me olhando da cabeça aos pés. Subiu as sobrancelhas, em aprovação ao visual, creio eu.

Logo ela tirou-a do peito e colocou no ombro para que arrotasse. Vendo que poderíamos nos atrasar me aproximei pegando Julie nos braços e colocando-a para arrotar. Não antes de acenar para ela, fazer alguma brincadeira e finalmente ajeita-la nos meus braços. Poucos segundos depois ela dá um arroto bem sonoro e eu olho para os lados vendo Abby levar a roupa para o banheiro e em seguida se trancando.

Sento com minha filha na cadeira de balanço que havíamos comprado para embalá-la e ligo a televisão em um volume baixinho só para não deixar o ambiente tão silencioso. Vendo que ela estava super acordada começo a brincar um pouco com ela tentando arrancar algum sorriso, por menor que fosse.

- Papai e mamãe hoje vão deixar Julie sozinha com tia Susan.. – eu levanto-a no ar balançando-a de leve - mas se você sentir saudades pede pra tia Susan ligar pro papai... mas se chamar muito, espere uma meia hora que papai retorna...

Eu rio sozinho com o meu comentário e ajeito Julie novamente nos meus braços.

Olho um instante para a televisão e no mesmo instante eu sinto algo em mim que não pode estar acontecendo. Abaixo o meu olhar para a minha roupa e vejo o estrago.

- Ah não.. – eu me lamento vendo minha camisa toda suja de "vomito". – Porque justo hoje?

Me levanto daquela cadeira dando um jeito de me trocar antes que Abby visse aquilo. Se ela imaginasse que Julie havia "vomitado", mesmo que fosse por descuido do papai, ela poderia mudar de idéia, e era o que eu menos desejava nessa noite.

A camiseta teria que ser preta se não ela poderia notar, e ela havia gostado, pelo que me parece. Coloquei Julie no meio da cama por um momento pra rapidamente pergar outra camiseta. Eu ouvi o chueiro desligar. Droga! Teria que ser tudo muito rápido.

Abri a minha primeira gaveta, nada. A segunda, menos. O desespero era tanto que eu abria até a gaveta de calcinhas dela. Quando senti ela se aproximar da porta, e Julie começar a chorar, encontrei, como num milagre, um preta, mas tinha um enorme desenho no meio. Bom, menos mal. Tirei a "marcada" e coloquei debaixo da cama, vestindo a nova rapidinho.

Vi a maçaneta começar a se mexer e corri pra cama, pegando Julie de novo nos braços, e olhando pra porta do banheiro como se NADA estivesse acontecendo. A respiração um pouco ofegante chamou a atenção dela, que saia do banheiro enrolada na toalha cor-de-rosa.

- Que você tava fazendo?- ela me falou com aquele olhar desconfiado.

- Eu! Vendo televisão.. porque? – eu falo ainda me ajeitando sobre a cama.

Ela pisca me encarando e vai andando até o armário sem tirar os "olhos" de mim. Pega uma calcinha, coloca-a debaixo do braço e da uma olhada ao redor talvez procurando por alguma pista do que eu estava fazendo.

- Porque você trocou de roupa? – eu olho para baixo, para os lados e vejo que ela ainda estava de cabeça baixa mexendo na sua gaveta.

- Eu? – me faço de desentendido para melhor passar.

- Não.. a Julie.. – ela agora se vira segurando a calcinha na mão e me encarando - ela aprendeu a se trocar ontem.. sabia não?

- Foi! – eu me controlo para não rir e olho para Julie – eu sabia que minha filha era experta.. puxou ao pai...

- Carter... – eu levanto o meu olhar vendo-a segurar minha camisa suja – o que seria isso?

Eu paro um pouco encarando a cena. Bem que diziam que no casamento não se mudava muito. A relação marido-mulher, muitas vezes continuava como a mãe filho. Agora mesmo eu estava me sentindo com 10 anos, vendo minha mãe me flagrar numa atitude suspeita e me "encostar na parede".

Eu sorri diante daquilo e comecei a desviar o olhar, me desprendendo daquela tensão.

- Aconteceu um pequeno acidente, só isso...- ela permanecia com aquela carinha pra mim e tudo o que eu tinha de fazer era rir.

- E vai acontecer outro se você não falar logo...- ela abriu a camiseta vendo a mancha bem no peito- Julie vomitou, certo?- ela colocou a mão na cintura, como há tempos atrás.

- Certo...- eu disse, baixando a cabeça, fingindo "conversar com Julie".

- Isso é um sinal de que não devemos sair - ela disse, chegando perto de Julie, colocando a mãe sobre a testa dela.

- Não, Abby - eu apanhava, mas não deixava de sair hoje - isso é sinal de que eu sou um pai irresponsável que ficou balançando ela depois dela ter tomado leite...- eu me esforço pra não rir, baixando a cabeça perdendo a reação de Abby

Eu que esperava uma resposta, um grito, uma reação exagerada vinda da parte dela encontrei silêncio. Olhei para ela que se recostava a porta do armário talvez analisando o que deveríamos fazer. Respeitei o eu silencio e vi Julie bocejando lutando contra o seu sono.

- Tem certeza que ela só vomitou porque você a balançou? - ela me encara com uma feição seria - porque você é pai dela e deve saber muito bem o que esta fazendo..

- Eu posso as vezes ser descuidado, distraído o que seja.. mas eu nunca ajo por irresponsabilidade... por capricho.. – eu olho para Abby que esperava que eu terminasse o meu pensamento - Ainda mais se o assunto for minha família.. se eu visse que Julie não estava bem eu seria o primeira a não querer sair de casa para deixa-la com outras pessoas...

- Tudo bem.. – ela fala se aproximando de mim – se você esta falando eu acredito...

Eu sorrio aliviado e a vejo entrar de volta ao banheiro. Eu sei que ela ainda estava se acostumando aquela idéia. Mas ela não iria se arrepender nem um pouco de estar fazendo isso.

Tive a idéia de dar uma mão pra Abby. Além de ajudar minha fofinha, ia me beneficiar, acelerando o processo tortuoso " a saída de casa". Peguei Julie e fui até o quarto dela, vendo a mala já feita. Abri pra conferir se Abby não tinha esquecido de nada. Até parece. Tudo colocado e exageradamente. Sete fraldas para algumas horas? Será que eu tinha casado com uma mulher exagerada?

Coloquei Julie no trocador e troquei o macacão dela. Na batalha com o vômito, não só a minha camiseta tinha ficado "ferida". Coloquei algo mais quente, pegando também o cobertor felpudo. O tempo começara a esfriar, pelo menos quando se tratava de Julie. Peguei minha filha e a mala e desci as escadas, encontrando duas mamadeiras cheias de leite em cima da mesa. Coloquei no compartimento na mala, e coloquei-a em cima do sofá perto da porta, pra não correr o risco de esquecer. Minha euforia era tanta que talvez eu esquecesse até mesmo Abby.

Embala Julie, que estava sonolenta quando escutei os passos pelas escadas. A sala estava escura e eu fui vendo Abby aos pouquinhos. Deus, a espera havia valido a pena. Como não poderia deixar de ser, preto. Eu até pensei que ela colocaria o vestido, mas era tão "friorenta" quanto a filha.

A calça preta justa no corpo, na combinação perfeita com a blusa decotada, que mais uma vez, acentuava a beleza da parte superior que estava melhor do que nunca graças a Julie.

- Esta esfriando.. – ela fala antes mesmo de chegar ao ultimo degrau.

- Eu sei.. já providenciei cobertas para Julie

Ela sorri vendo minha dedicação de pai e vai até a arara pegar o seu casaco.

- E você, não vai se proteger do frio não! – eu aceno e a vejo pegando o meu casaco pendurando-o no seu braço.

Ela se aproxima, pega Julie, eu pego o casaco, a bolsa, olho para os lados vendo se estava esquecendo algo e me aproximo da porta abrindo-a, para que minhas mulheres saíssem.

Tranco a porta de casa e desativo o alarme do carro apressando as coisas. Nos acomodamos no carro e Abby liga o som colocando um dos meus cds. Olho para ela que nem havia percebido (ou havia?) o que estava ouvindo e ligo o carro saindo em seguida.

Não demoramos a chegar na casa de Susan. Por incrível que pareça o transito hoje estava calmo e não houve contratempos no meio do caminho. Desço do carro, ajudo Abby a descer e me dirijo a porta tocando a campainha.

- Já vai.. – ouço alguém gritando e me viro pra Abby que sorria.

Esperamos mais um pouquinho e eu olhava pra trás às vezes, escutando Abby falando e beijando Julie. Louquinha, tadinha...

Finalmente, quando Abby já congelava e esmagava Julie dentro do cobertor.

- Oi...- Susan abre a porta empolgada- desculpa, eu e o Chuck estávamos..- ela olha pra dentro, deixando um clima estranho no ar- tomando banho- Abby olha pra mim num misto de riso e preocupação e eu seguro o riso. Susan tenta melhorar - quer dizer, eu estava... Chuck estava olhando Cosmo...- vi Abby sorrir piscando pra Susan. Entramos na sala e Chuck veio descendo as escadas com o menino no colo.

- Amorzinho, finalmente ele acordou...Pensei que ele viraria a noite dormindo...- nós nos entreolhamos, vendo o s trajes que Chuck usava até dar de cara conosco- e ai, pessoas, tudo bom?- ele nos cumprimentou no estilo despojado de sempre.

Eu e Abby permanecíamos em silêncio, olhando e condenando Susan.

- Qual é, vocês dois! Só vocês tem direito, é?- Susan ficou um pouco vermelha e começou a mexer com Julie para disfarçar.

Para não prolongar o assunto Abby começa a falar rapidamente sobre tudo o que Susan deveria caso Julie passasse mal.

- Certo Abby.. não precisa se preocupar.. eu cuidarei bem de Julie.. né bebe? – ela faz graça com Julie que pouco se importou e continuo de olhos fechados tentando continuar seu sono.

- Então.. estamos indo.. – eu falo apressando ainda mais o assunto, afinal a noite ainda era uma criança.

- Antes de meia noite estamos aqui.. – Abby fala se dirigindo a porta.

- Antes de três da manha.. cinco da manha por ai estamos aqui? – eu falo baixo pra Susan que piscou se dirigindo a porta com Julie nos braços.

- Tchau papai e mamãe – ela segurando mãozinha de Julie e eu me aproximo dando um beijo em Julie e seguindo para o carro.

Continua...