TRY – Capítulo 3
O barulho do salto da sandália batendo de encontro ao chão de pedra da entrada ecoava pela casa de Gêmeos. E Saori não estava nada contente de ter que ficar ali, andava até o pilar mais próximo só para fazer o caminho inverso de volta ao local onde estava inicialmente, repetia esse trajeto já há alguns minutos. Quando saíra da limusine correndo através das escadarias de Áries a única coisa que tinha em mente era colocar a maior distância entre ela e Saga. Aquele beijo foi simplesmente divino, uma delícia. E era aí que estava o perigo.
Tinha consciência que um beijo de Saga seria bom, mas aquele foi muito acima de qualquer expectativa! E senti-lo junto dela, abraçá-lo, experimentar o gosto daquela boca, tudo isso estava tão bom... sentira como se pudesse ficar daquele jeito com ele para sempre.
Só que não ficaria, quando interrompeu o beijo ela percebeu com espanto o que tinha feito e que queria mais daquela boca, mais daquele contato, mais de Saga. Não ficaria somente nos beijos com ele, não agüentaria ficar só nos beijos. Sentiu que queria mais, muito mais. E não precisava ser gênio para saber onde isso ia acabar. Delicioso com certeza, mas esse fim tinha um problema: o dia seguinte. Sim, porque não era ingênua de pensar que seria a única mulher na vida dele caso fossem pra cama. Isso a machucava demais, não queria entregar seu corpo e seu coração a uma pessoa que não fizesse o mesmo, que não ficasse só com ela por toda a vida. E definitivamente, Saga não era o tipo de homem que podia ser "preso" por uma única mulher.
Foi só quando atravessava a segunda casa que percebeu que havia esquecido algo. O casaco! Na pressa para sair de perto dele acabara deixando o casaco de pele no carro. Claro que não seria um problema muito sério esquecer um casaco, se não houvesse deixado junto com ele a pequena bolsa que levara e que continha a chave do seu quarto. Sem ela não poderia entrar em seus aposentos quando chegasse na casa do Mestre do Santuário.
Comunicou-se com o chofer por telepatia e pediu que este lhe trouxesse os pertences na casa de Touro. Qual não foi sua surpresa quando o motorista informou que o cavaleiro havia levado?
Agora estava ali, esperando Saga em Gêmeos para pegar suas coisas.
Que tipo de jogo os deuses estavam armando pra ela agora? Primeiro foi ele aparecendo do nada no carro, depois o beijo e agora estava presa a ele até que recuperasse sua chave.
"Eu bem que poderia ir embora assim mesmo e pedir para que um criado abrisse a porta pra mim usando uma chave reserva que devia estar guardada em algum lugar" Mas desistiu da idéia, já passava da meia noite e não queria incomodar os criados que já dormiam. Arrombar a porta do quarto com o cosmos? Menos ainda! Como é que explicaria a porta arrombada sem mencionar Saga?
Definitivamente, estava sem outra saída a não ser encontrar o cavaleiro.
Como ela faria para encará-lo? Não fazia a mínima idéia, mas só descobriria quando ele chegasse. E como ele estava demorando! Por que não chegava logo? Não conseguia sentir o cosmos dele por isso não fazia idéia de em qual parte do caminho ele estava. Já estava começando a se aborrecer.
Resolveu que não ia mais esperá-lo, melhor ir e tentar não causar tanto estrago enquanto arrombava a própria porta. Virou-se em direção à casa de Gêmeos e começou a andar.
- Fugindo pela segunda vez numa mesma noite? Isso deve ser um recorde! – falou uma voz bem humorada atrás de si.
Saori parou na hora, petrificada de surpresa. Parecia que não tinha outra escolha, ia ter que encarar o cavaleiro de qualquer jeito. Respirou fundo e tentou manter a calma, virou-se para fitá-lo com sua melhor expressão de fria indiferença e reserva, era uma frieza digna de fazer inveja a Kamus de Aquário.
Saga terminou de subir os últimos degraus e começou a se adiantar pela entrada de sua casa em direção à Saori, sem contudo desviar seus olhos dos dela. Parou deixando uma distância de uns dois metros entre eles, espaço estratégico para o que tinha em mente.
Ficaram assim parados se encarando até que o olhar da moça foi atraído para o casaco em um dos braços do cavaleiro cuja mão segurava a pequena bolsa onde estava sua chave.
- Poderia, por favor, entregar minhas coisas? – pediu ela com uma calma que estava longe de sentir.
- Sim, poderia entregar. Vem pegar. – e abriu um sorriso.
Estava perdida agora! Não queria chegar perto dele, não confiava o suficiente em si mesma para garantir que não faria nada inconseqüente como beijá-lo novamente. Ainda mais estando ele tão perto.
- Por favor, Saga. Entregue-me o casaco e a bolsa.
- Eu entrego, é só você vir pegá-los. – ainda sorria para ela.
Vendo que ele não cederia resolveu fazer como ele dizia e se aproximou dele estendendo-lhe as mãos para receber suas coisas. Saga só ficou observando-a e não fez qualquer movimento.
- Entregue-me. – ordenou ela mais firme, ele não se abalou com o tom levemente irritado da deusa.
- Eu disse para você vir pegá-los.
Saori abaixou as mãos e deu mais alguns passos estando numa distância suficiente para alcançar os objetos. Pegou o casaco que estava sobre o braço dele sem problemas tentando não olhar para os olhos dele, sabia que se o fizesse seria seu fim. Mas quando estendeu a mão para pegar a bolsa presa entre os dedos do geminiano, assim que sua mão tocou a dele, Saga soltou-a deixando que caísse no chão, mas segurando firmemente a mão de Saori.
Olhou imediatamente para ele.
- Por que fez isso?
- Desculpe-me, sou mesmo um desastrado. – disse com um sorriso sarcástico nos lábios olhando bem dentro dos olhos da moça.
Ela então tentou soltar a mão da dele, mas foi em vão, o cavaleiro parecia estar determinado a não deixá-la em paz.
- Solte-me Saga! Preciso pegar minha bolsa.
- Eu pego para você.
E sem soltar a mão dela, ele se abaixou colocando um joelho apoiado no chão enquanto com a mão livre apanhava a bolsa. Olhou pra cima e encontrou os olhos dela observando-o. Ele riu baixinho da cena: ele ajoelhado diante de Saori segurando sua mão.
- Do que está rindo?
- Eu poderia pedi-la em casamento agora.
- E eu poderia acertar-lhe o nariz com meu pé. Levante-se, quero minha bolsa de volta.
Ele levantou-se rapidamente e puxou Saori para junto de si circundando sua cintura com o outro braço como fizera no carro. Ela se debateu e tentou soltar-se sem sucesso.
- Fique quieta.
- Solte-me Saga! – pediu ela ofegante por causa do esforço.
- Não.
- Solte-me!
- Já disse que não.
Ela então olhou para cima encarando-o, os rostos muito próximos.
- O que você quer?
- Pensei que já soubesse. Quero terminar o que começamos no carro.
- Não há nada para ser terminado. – desviou os olhos - Aquilo foi...foi... um engano! Já disse que sinto muito por tudo. Agora me solta!
- Eu também sinto muito por tudo, sinto muito a vontade de continuar.
- Mas eu não! Solte-me! – tentou mais uma vez se soltar mas não conseguiu nada, ele continuava segurando-a firmemente.
Parou de se debater e ficou quieta, a respiração alterada pelo esforço que fizera. Saga ainda sorria divertido com a resistência dela.
- Não vai me soltar?
- Não.
- O que há com você? Por que está fazendo isso comigo? Deixe-me ir embora por favor, não quero ficar com você.
- Você mente muito mal. – ela baixou o rosto para que ele não visse o quanto ficara vermelha, ele continuou mais suave – Por que você fugiu daquele jeito?
- Eu... – não conseguia falar, não conseguia se lembrar porque fugira no momento, só sabia que o beijo havia sido um erro – Aquilo foi um erro.
- Erro? Por que?
- Porque não posso me envolver com você.
- Não vejo porque não. Nós dois somos adultos, responsáveis por nossos atos e descompromissados.
- Não se trata só disso.
- Então o que mais?
Ela ficou em silêncio sem olhar para ele, não queria dizer o motivo para não poder se envolver com ele porque acabaria revelando o quanto o amava. Não que fosse algum crime amá-lo, mas Saga não era o tipo de cara que se prendia a uma mulher somente, por isso não era o tipo de homem que amava verdadeiramente alguém. Isso se a fama de conquistador que tinha significasse algo... Precisava desesperadamente sair dali, mas como fazer o cavaleiro soltá-la?
- Estou esperando. – chamou ele.
Ela então levantou o rosto olhando-o fixamente deixando todo o desejo que sentia por ele transparecer. Soltou o casaco que segurava para que caísse no chão e subiu a mão para o pescoço dele como fizera da outra vez aproximando o rosto dele do seu para um beijo.
Saga surpreendeu-se com o gesto ousado dela, mas gostou muito.
O beijo dessa vez foi mais calmo e terno, sem pressa, com as bocas e línguas numa liberdade total para explorações. Quanto mais se experimentavam mais queriam. Saori colou-se mais ao corpo dele aprofundando o beijo e o contato entre os dois. Aqueles lábios eram tão macios, tão gentis que pareciam acariciá-la durante o beijo.
Saga soltou a mão dela que ainda conservava entre a sua e abraçou-a completamente com um braço ao redor da cintura de Saori e a mão nas suas costas.
Ela não perdeu tempo, assim que a mão se viu livre subiu automaticamente até a nuca dele para ajudar a outra que puxava o rosto dele cada vez mais de encontro ao seu. Os lábios não se deixavam nem um minuto, o beijo continuava terno e sem pressa fazendo com que seus corações se acelerassem, mas sem que ficassem sem ar. Gostava disso.
Saori então segurou uma mecha dos cabelos de Saga e puxou devagar fazendo com que a cabeça dele fosse para trás e interrompendo o beijo. Ele olhou-a confuso.
- O que você... – não conseguiu completar a frase porque ela uniu suas bocas novamente para um beijo mais intenso, só que esse não demorou muito e logo ela interrompeu-o novamente do mesmo modo, puxando os cabelos de Saga.
- Não vou responder nenhuma pergunta sua. – disse ofegante Saori abraçando-o forte recostando a cabeça no ombro dele e fechando os olhos.
Saga só olhava-a junto de si feliz e intrigado ao mesmo tempo. Não sabia o que havia dado a ela coragem para tanta iniciativa, mas não queria perder tempo descobrindo.
- Então não devia ter parado – falou baixinho próximo ao ouvido dela fazendo com que um arrepio percorresse suas costas.
E começou a beijar o pescoço da moça de leve. Ela ergueu a cabeça do ombro dele e se deliciou com as sensações que os lábios dele em sua pele provocavam. Deslizou as mãos espalmadas pelo peito dele por cima da roupa que usava até chegar numa boa posição e então empurrou-o com toda a força que foi capaz de reunir. O cavaleiro não pôde oferecer a menor resistência por ser pego de surpresa e ela se viu livre dos braços que a prendiam.A vontade que tinha era voltar para os braços de Saga e continuar com as carícias, estava adorando o que ele fazia. Mas não podia, precisavam parar.
Enquanto isso ele só a encarava incrédulo. Ela fizera tudo aquilo só para distraí-lo e poder libertar-se? Não podia acreditar nisso.
- Por que fez isso?
- Isso o que? – perguntou ela em resposta enquanto abaixava-se para recolher o seu casaco e a bolsa que ele deixara cair no chão enquanto se beijavam.
- Entendi. Beijou-me só para eu soltá-la e pudesse pegar isso?
- Talvez. – respondeu sem olhá-lo e deu-lhe as costas preparando-se para ir embora.
- Se entrar na casa de Gêmeos agora, não deixarei que saia.
- Não sabia que você usava esse tipo de truque para segurar as mulheres em sua casa. – falou ela provocando-o.
- Estou disposto a tudo para não deixar que você vá embora novamente sem qualquer explicação.
Ficaram em silêncio, ela de costas para ele impedindo que visse seu rosto porque acreditava que naquele momento não estava em condições de encará-lo, não se queria manter a pose de fria indiferença que se esforçava ao máximo para transparecer na voz.
- Acho que não preciso explicar esse tipo de coisa pra você. – foi a resposta dela.
- Pare de fingir que não sente nada por mim Saori. Você só irá se machucar e machucar a mim se continuar fugindo desse jeito.
- Não estou fugindo. Eu só... eu só...
- Só o que?
- Eu só quero entrar na casa de Gêmeos, me deixe ir antes que eu me arrependa.
Diante do tom de súplica dela, Saga não teve outra escolha.
- Vá, não tentarei impedi-la. – disse triste – Mas ainda acho um erro...
- Eu também, mas às vezes temos que errar um pouco. – fez uma pausa – Obrigada.
- Não agradeça. Deixei que você fosse embora hoje, da próxima vez não serei condescendente e você não vai poder fugir.
- Eu já disse que... ahhh... – soltou um longo suspiro, não queria discutir com ele – Estou cansada, vamos logo embora.
- Vamos? Já estou na minha casa.
- Por isso mesmo, é sua casa e não minha. Não sei exatamente em que direção fica o quarto.
- Em que direção fica... ? – a pergunta morreu nos lábios devido ao sorriso que se abria neles à medida que compreendia as implicações daquela frase. "Então ela..." não completou o pensamento porque assim que olhou para onde ela estava viu que desaparecera.
Entrou apressado na casa de Gêmeos dirigindo-se a seus aposentos na certeza de que a encontraria nesse caminho. Mas apesar de andar muito rápido, não conseguira alcançá-la, sequer a vira em qualquer lugar. "Será mesmo que..." Chegou em seus aposentos.
A porta estava aberta e as luzes acesas, claro sinal de que alguém estava ali. Entrou e a primeira coisa que viu foi o casaco de Saori jogado displicentemente sobre o sofá juntamente com a bolsa. Sim, ela estava ali.
Ouviu o barulho do chuveiro sendo ligado e sorriu. "Talvez ela esteja mesmo cansada, melhor deixar que tome seu banho sozinha" Sentou-se numa poltrona e tirou o paletó jogando-o perto do casado dela. Tirou os calçados e as meias para logo em seguida desabotoar os primeiros três botões da camisa que usava.
Fazia aquilo para dar privacidade à Saori, não queria ser apressado demais a ponto de assustá-la ou inibi-la. Estava deixando as coisas nas mãos dela, quando achasse que o queria era só chamá-lo ou vir até ele. Afinal de contas, a parte mais difícil já havia passado, ela estava ali. Fechou os olhos e recostou a cabeça na poltrona, mas extremamente atento a qualquer barulho ou movimento. Por isso ouviu quando o chuveiro foi desligado, e foi só o que ouviu. Depois não percebeu qualquer movimento, qualquer som durante alguns minutos. Abriu os olhos de repente, onde estaria Saori?
Quando tentou levantar para saber onde a moça encontrava-se, mãos suaves pousaram sobre seus ombros impedindo o movimento e ele olhou para trás rapidamente, surpreso pela presença dela ali. Como conseguira chegar tão perto dele sem que percebesse? Ela riu baixinho.
- Calma Saga, eu não vou fugir.
Wanda Scarlet
Nota da Autora: Peço desculpas por adiar um momento inevitável novamente, mas acreditem, estou fazendo de tudo para que fique o melhor possível. Só que é preciso um pouquinho de paciência.
Obrigada por ler
Próximo capítulo amanhã!
