Disclaimer: Os personagens originais de Saint Seiya não me pertencem e as estórias publicadas por mim não têm fins lucrativos de espécie alguma.
Título: Primavera
Gênero: Yaoi, Lemon.
Resumo: Quando há mais em jogo do que simplesmente amar e ser amado, quem dita as regras do que é certo ou errado? Ikki X Hyoga X Shun. Yaoi, Lemon. ( não é incesto! ).
Comentário pessoal: devo desculpas pela demora, mas não foi minha culpa! O Word comeu seis páginas prontas desse capítulo, ele foi todo reescrito. Nem precisa dizer que eu estava furiosa, não? Faltavam apenas dois parágrafos para mandá-lo para minhas betas e aí! Pluft! Mas não tem nada não! Aí está! Beijocas e degustem com amor!
Capítulo 2 – Primeiros Dias
Os dois jovens vinham caminhando pela rua. O rapaz moreno impressionava pela tenacidade de seus olhos escuros, a camiseta branca coberta pela camisa xadrez em tons de azul, a calça jeans clara, desbotada, os tênis All Star pretos de cano longo. Caminhava com seu ar entre o confiante e fechado, mãos enfiadas nos bolsos da calça.
Ao lado dele, um jovem loiro, mais esbelto, chamava a atenção pelos seus óbvios fios dourados, meio presos por um pequeno rabo de cavalo. Seu suéter cinza combinava belamente com a calça de veludo caramelo e os sapatos de couro claro. Também andava com as mãos no bolso, rindo suavemente enquanto chutava o vazio da rua.
– Que filme bobo, Cisne!
– O que você queria? Era um filme americanóide!
– Caramba! Você viu como era bonita aquela garota?
– Eu não achei muito. A vilã de cabelos pretos era mais, tinha uns peitos do tamanho de melancias!
– Você, hein, Cisne?
– Ué, vai dizer que você não reparou?
– Claro que eu reparei! Mas eu prefiro loiras...
Cisne riu alto.
– É uma cantada?
– Eu disse loirA.
– Está bem! – olhou para os lados, sustentando o meio sorriso em seus lábios finos. – Quer comer alguma coisa?
– A loira do filme?
– Não vendem isso no China-in-Box. Vai ter que se contentar com o Frango Primavera... ou com o McDonald's.
– Frango Primavera?
– McCheddar?
– Se queria comer no McDonald's, por que não falou logo?
– Você é sempre assim?
– Assim como? Decidido e despachado?
– Desagradável e bruto.
– Me acha bruto? Não viu nada! – empurrou o loiro com o cosmos. Hyoga bateu de leve contra um poste.
– Tudo bem, tudo bem. – murmurou Cisne. Diante dos seus olhos azuis claros, viu Ikki cair pesadamente no chão.
– Cuidado com o gelo, Fênix. Escorrega. – debochou com um risinho, vendo o outro se levantar da escorregadia pasta de gelo que seu cosmos criou na calçada.
– Loiro sujo!
– Você começou! – ofereceu o braço estendido para Ikki se levantar. Fênix recusou o braço, mas quando já estava de pé, deu um tapa na mão alva à sua frente.
Hyoga enfiou as duas mãos no bolso. Já estavam de frente para a lanchonete fast-food.
– Senta aí. – empurrou Ikki delicadamente sobre uma das cadeiras mais escondidas, no canto esquerdo da lanchonete. – Eu peço. O que vai querer?
– Big Mac, fritas grandes, Coca Cola grande, um sundae de chocolate.
– Morto de fome.
– Vai te catar. O que você vai comer? McSalada?
– McCheddar, suco de laranja e uma McSalada mesmo.
– Que graça! – ele riu alto enquanto jogava as notas de ienes sobre a mesa. – Isso dá?
– Se não der eu completo. Você me paga depois.
– Escuta, Cisne: não vai bicar o meu sundae depois, ouviu?
– Quem disse que eu vou querer?
– Já vi esse filme antes! Shun também é assim! Come que nem um passarinho, mas depois fila comida da mesa toda!
– Pode deixar, não vou comer seu precioso sundae!
Enquanto Hyoga andava até o balcão, Ikki o observava com um sentimento que não conseguia compreender. No começo, quando Shun viajou para Londres com uma bolsa de estudos que a Fundação Kido ofereceu, achou que fosse ficar sozinho.
Ele também poderia ter viajado – Saori fez questão de que todos eles tivessem uma vida normal, se empenhou para que seus cavaleiros de bronze pudessem gozar da vida como bem entendessem: tiveram casas, escola, cursos, esportes. Podiam escolher. Seiya quis ficar no Japão, fazendo companhia para Saori e curtindo férias merecidas com Seika – ou melhor, Marin – sua irmã perdida. Shiryu voltou para China. Shun aceitou a bolsa de estudos em Londres, por apenas seis meses, como experiência, para sentir se era realmente o que queria. Ikki, claro, não o tolheu. Achava ótimo que Shun estudasse.
No fundo, sentia-se indigno de tanta felicidade, apesar de tudo. Deixou que Shun fosse esperando a solidão; não se dava maravilhosamente com Seiya e nem com Saori, e embora gostasse deles como irmãos, não se via visitando a Mansão Kido e participando de festinhas na beira da piscina. Não era o seu jeito. Ele era um lobo de estepe: andava sozinho, sempre.
No entanto, para sua surpresa, Hyoga desmarcou repentinamente sua viagem para a Sibéria. Depois de algumas sessões de psicoterapia, acabou refletindo que devia ao menos tentar abandonar as obsessivas imagens de sua mãe. Devia deixá-la descansar em paz e não perturbá-la com seus incessantes apelos. Ficar longe de onde ela morrera era uma boa idéia.
Ikki nunca se deu muito bem com Hyoga – ele era apenas o garoto que fazia um monte de visitas intrometidas a Shun. Às vezes, olhava-os conversando, mas era raro. Quase nunca falavam, apenas ficavam no sofá, se olhando com uma cumplicidade que chegava a doer-lhe na alma: quando é que ele, Ikki, o Cavaleiro de Fênix, ia poder compartilhar uma cumplicidade daquelas com alguém? Não era isso que o prendia a Shun. Andrômeda era seu bebê, o via como um pai vê seu filhote mais frágil, e descobrir que Shun não era tão frágil na Batalha do Hades o fizera ficar um pouco mais distante. Amava-o tão profundamente como sempre, mas percebeu que não era tão absolutamente necessário.
Quando seu irmão viajou, Hyoga, ao contrário do que esperava, continuou visitando sua casa. No começo, repeliu-o vivamente. Não queria companhia e não queria ser incomodado na sua solidão, não queria seu espaço invadido por alguém como aquele garoto arrogante e mimado, que se sentia melhor que todos.
Para sua imensa surpresa, o jovem russo não desistiu das visitas e parecia até se divertir com a fúria infantil de Ikki ao tentar expulsá-lo de casa com as mais estapafúrdias desculpas como 'tenho sono hoje' e 'não posso te receber porque quero ler'. Ikki então compreendeu que estava diante de alguém tão teimoso e tão solitário quanto ele. Por isso Cisne não se incomodava com os silêncios enormes que resultavam de sua inabilidade de contato, nem tão pouco com sua falta de cerimônia. Desistiu de lutar contra o loiro e recebeu-o como amigo, num dia de primavera em que, surpreendentemente, fazia frio.
Beberam vinho e brincaram de 'o jogo da verdade'. Assistiram à MTV e depois Cisne lhe preparou panquecas. Eram, de fato, as piores panquecas que já comera na vida e fez questão de dizê-lo e repeti-lo durante a noite toda. Fizeram confidências à luz da lareira artificial, uma caixa sólida de vidro que iluminava-se com um conjunto de lâmpadas quentes.
Desde aquele dia, nunca mais foram vistos separados. O silêncio inicial transmutara-se em uma balbúrdia de sons e eles tornaram-se falantes e brincalhões – e Ikki mesmo começou a acreditar que ele e o Cisne sempre foram alegres, descontraídos e brincalhões e se até então não tinham se comportado assim era porque a vida jamais lhes tinha sido gentil.
Agora, Ikki olhava para Hyoga, vindo com a bandeja cheia de comida, e pensava o que seria da sua vida sem a companhia daquele homem. Adorava-o. Esperava por ele todos os dias para conversar. Sentia um aperto no peito ao pensar em dividi-lo novamente com Shun. Nunca mais estariam a sós. Seu irmão era tão mais jovial, tão mais alegre, interessante. Quando ele chegasse, Cisne não teria dúvidas em voltar a ser seu melhor amigo e ele... bem, voltaria ser a solitária ave Fênix.
– Que cara é essa? Isso é fome? Eu nem demorei isso tudo!
– Shun volta daqui a três semanas. – disparou, subitamente.
– Hum. Sei. – Cisne balbuciou com meio sanduíche na boca. – Está ansioso, não é?
– Eu? Claro! Meu irmão! – respondeu, como se repelisse um injúria.
– Então. O Shun faz falta.
– É.
– Por que não está comendo?
– Eu?
– É, você! Nem pôs a mão no seu sundae.
– Você também sente falta do Shun.
– Claro. É meu melhor amigo.
Ikki tentou soar engraçado, comendo desconfortavelmente seu sundae.
– Não vai precisar mais me aturar quando ele voltar!
– Por que não? – Cisne respondeu imediatamente deixando o sanduíche sobre a caixinha de papel.
– Porque vai ter ele para conversar.
– Você vai viajar?
– Não.
– Então eu acho que posso conversar com mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
Ikki ficou sério, distante.
– Será?
– Eu não estou te entendendo. Acha que vou te ignorar quando Shun voltar? Não te usei para não falar com as paredes, Ikki. Gosto da sua companhia como gostava da do Shun.
– Não vai ser a mesma coisa. – era quase um lamento na voz do moreno que mantinha os olhos fixos no sundae.
– Não, não vai mais. – respondeu Hyoga no mesmo tom, com o copo de suco de laranja parado no meio do caminho de sua boca. Deixou o copo de volta na badeja. – Não quero mais comer. Fiquei sem fome.
– Eu também, vamos embora. – Ikki levantou-se.
Saíram da lanchonete e Hyoga caminhou ao lado de Fênix até a casa dos Amamiya. Pararam no portão. Nunca, desde a noite fria de primavera, estiveram tão calados na presença um do outro.
– Quer sair amanhã?
– Não sei.
Hyoga ficou vermelho. Não era vergonha, era raiva. Desde a mesma noite de primavera, Ikki nunca negara-se a sair com ele.
– Por que não?
– Acho que vou ficar em casa. Lendo.
– Vai ficar em casa lendo? – seus olhos azuis brilharam de lágrimas que não desciam. Mas estavam lá.
– É. Sabe o que é? Ando cansado. Vou sossegar amanhã. Só um pouco.
– Está bem, você é que sabe.
Virou as costas furioso.
– Cisne, espera. – segurou o braço do loiro.
– O que é? – resmungou, enxugando os olhos com a barra do suéter.
Ikki estremeceu. Nunca vira nada tão sedutor e tão apaixonante quanto aquele rosto de menino. Em um impulso de desejo, agarrou o rosto com as duas mãos e beijou-o de leve nos lábios.
Hyoga limpou a boca com a manga do suéter e cuspiu no chão.
– Não ouse fazer isso nunca mais ou te transformo em gelo!
Saiu batendo os pés.
Desconcertado, Ikki ficou parado no portão, olhando para Cisne que saía correndo.
Enquanto corria até sua casa, não muito distante dali, Hyoga pensava, desordenadamente.
"Fênix desgraçado! O que acha que está fazendo? Me dando esmolas? Brincando? Acha que vou deixar você brincar comigo, seu merda? Não! Não vai curar sua saudade do seu irmão comigo e depois me virar as costas! Não vou deixar você fazer isso! Já está falando do Shun, já até me dispensou por uma noite. O safado estava me avisando que vou sobrar. Queria me dar uns beijinhos para aproveitar o tempo que falta. Canalha! Mas comigo não! Não vou ser o passatempo dele enquanto o Shun não chega!"
— # —
Ficaram sem se ver durante uma semana. Sequer se falaram. Ikki pôde ter um insight sobre como seria sua vida de volta ao normal sem a presença de jovem russo. Estava batendo cabeça pela casa, inquieto, nervoso, mal humorado. Não tinha paciência para TV, para os videogames, para nada. Queria ter coragem de pegar o telefone e ligar para o loiro, mas nem queria pensar na reação de Cisne. Cuspir no chão! Era bem uma coisa que ele não esperava do loiro – não tinha idéia de qual poderia ser a reação dele diante de um telefonema depois de tudo aquilo.
Estava tão inseguro e tão chocado que acabou concordando com algo que jamais concordaria: um encontro para um 'banho de piscina' na Mansão Kido. Detestava essas ocasiões sociais e a cara empertigada de Tatsumi. Aceitou para não ficar sozinho – já fazia uma semana que seu contato com o mundo se resumia a rápidas olhadelas pela janela de sua casa.
Mal pôde acreditar nos seus olhos quando viu aquele corpo delgado e loiro surgindo da piscina com uma toalha azul entre as mãos. Ficou ligeiramente envergonhado e com vontade de desaparecer sob o chão – mas é obvio que não permitiria que Cisne percebesse seu embaraço. Fingiu que não o reparava e tirou o calção, mostrando a sunga grande e vinho que usava. Sunga, aliás, que Shun lhe escolhera por achar que o vinho casava bem com o escuro dos olhos e dos cabelos.
Molhado, Hyoga acenou-lhe com a cabeça.
– Já vai sair da água, Cisne?
– Já está na minha hora.
– Mas você mal chegou! – protestou Saori com sua voz mais doce.
Seiya desviou os olhos para Ikki. Era sensível o bastante para perceber a sutileza dos sentimentos de ambos, mas pouco esperto para manter sua descoberta em segredo.
– Está saindo por causa do Ikki?
O rubor exagerado dos dois respondeu a pergunta lançada no ar.
– Seiya, é claro que não há nada de errado entre eles... – consertou Saori, levantando-se. – É que Hyoga estava mesmo saindo, não é? Você mesmo disse para mim no telefone que não queria ficar muito, não é?
– É, Saori. – admitiu aliviado.
– Foi uma coincidência.
– Tá. Coincidência. – concordou Seiya.
– Vou me trocar e passo aqui para me despedir de vocês antes de sair, está bem, senhorita?
– Claro, Hyoga, fique à vontade. Se quiser comer, pode passar pela cozinha. O lanche foi servido na copa.
Ele fez um sinal contente com a cabeça e saiu sem olhar para Ikki.
Ikki, por sua vez, sentou-se na borda da piscina e ficou balançando as pernas na água, mesmo agüentando as gozações de Seiya sobre ele ter medo de nadar. Repentinamente, o cavaleiro de Fênix se levantou e perguntou com sua usual falta de tato onde ficava o banheiro. Saori sorriu timidamente e apontou para o mesmo lugar do jardim para onde Hyoga fora, já dentro das dependências da casa.
Ele sai correndo, dando graças a Zeus por seu palpite ter sido correto e o banheiro ser no mesmo lugar onde Hyoga estava. Correu pelo jardim até chegar à pequena entrada da casa que na verdade era como uma sala de ginástica, onde enfileiravam-se banheiros, duas portas de sauna, espelhos, todo o aparato necessário para alguém que queria praticar esportes e se refrescar depois da piscina.
Encontrou Hyoga exatamente na posição que esperava: em pé, de frente para o espelho, secando os cabelos com a toalha. O corpo dele era mais bonito do que imaginou. Tudo tão perfeito que chegava a irritar.
– Fugindo de mim, Cisne?
Hyoga continuou secando os cabelos na mesma posição.
– Eu não tenho medo de você.
– Não? Então por que saiu correndo de mim naquela noite, hein? Só porque eu beijei sua boca virgem você saiu cheio de medo? Foi? Virgenzinha do Ártico!
Só então Hyoga virou-se para ele.
– Não, Ikki, eu nem sou boca virgem e nem tive medo de você! Mas se você pensa que eu vou servir para você brincar um pouquinho enquanto seu irmão não volta, está enganado! Não sou passatempo de malandro nenhum! O que é que foi? Pensou que eu ia ficar lá te divertindo enquanto você não tem nada melhor para fazer e que ia me dispensar? Que eu não entendi essa conversa fiada de Shun voltar? O que você queria? Aproveitar que falta pouco para me dar um apertos e tudo bem? É isso?
– Foi isso? – Ikki perguntou olhando desconcertado para Hyoga.
– Acha pouco? Acha pouco brincar de namoradinho por duas semanas e depois 'nada vai ser igual'? Acha que eu não entendi a mensagem?
– Hyoga, seu loiro burro! Essa massa loira substituiu o seu cérebro!
– Chega! Estou de saco cheio dessa conversa de maluco!
Fez que ia sair da sala, mas Ikki empurrou o corpo alvo contra o espelho, prendendo as mãos de Hyoga no alto.
– Quero você, seu idiota. Nem isso você entende?
Hyoga respondeu-lhe com um beijo. Um beijo tímido a princípio, mas logo Fênix sentiu a língua do outro invadir a sua boca, cheia de vontade, cheia de empáfia, como se aquele sempre tivesse sido o território dela. Soltou as mãos que mantinham o loiro cativo e deslizou-as pelo corpo ainda molhado de Cisne, até o calção azul, ainda úmido, apertando as nádegas macias e frias sob ele. Hyoga gemeu baixinho. Parou o beijo na metade e empurrou Ikki.
– Não vou ser seu passatempo de uma semana! Você mesmo disse: quando Shun vier, nada vai ser igual!
– Loiro tapado! Você é tão idiota que nem entendeu que eu tenho ciúmes de você?
– Ciúmes?
– Não quero dividir você com ninguém. – puxou o loiro de volta para seu abraço, beijando-lhe o pescoço arrepiado. – Ninguém...
– Então é isso? O poderoso Fênix se curvou ao meu charme?
– Isso, se aproveita bem para ficar por cima!
Hyoga riu contente. Não poderia haver prova maior do interesse de Ikki do que aquela suavidade em permitir que seu grande orgulho ficasse de lado, ao menos por algum tempo. Beijou a boca macia do outro.
– Você beija bem demais, Ikki!
– Eu já sabia.
– Safado! – deu um tapa na bunda do cavaleiro moreno.
– Seu beijo também é bom. Molhado.
– Gosta?
– Adorei.
– Então me beija mais!
Ikki e Hyoga continuaram se beijando até o cavaleiro moreno sentir uma suave pressão aumentar contra seu corpo.
– Está necessitado mesmo, hein? Nem bem te dei um amasso você já está assim, nesse estado!
– Como se você também não estivesse...
– Vamos embora. Não ia ficar nada bom se o enxerido do Tatsumi pega a gente aqui, desse jeito!
– Ikki... – Hyoga chamou o moreno que já estava entrando em um dos banheiros.
– Fala! – berrou de dentro do banheiro.
– Eu passo na sua casa hoje de noite?
Ikki pôs só a cabeça do lado de fora do banheiro.
– Eu passo na sua às seis, está bem?
– Vou te esperar...
– Vê se toma banho direito e lava essa boca de ficar cuspindo chão por aí!
– Ikki, eu nunca cuspiria um beijo seu.
– Eu sei. Vou levar meus cds. Não gosto das suas músicas chatas!
– Inculto.
– Ayumi Hamasaki está bom?
– Só se for o Rainbow.
– Rainbow então. Às seis.
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– Como você se atrasa, Fênix!
– Putz! Vinte minutos! Vai gostar de reclamar assim lá fora!
– Vinte minutos é uma vida! – puxou Ikki pela camiseta para dentro da pequena casa.
– Estou vendo que você estava mesmo com saudade de mim!
– Como foi?
– Foi o quê?
– Como foi passar essa semana... sem a gente se falar?
Ikki aproximou-se de Hyoga por trás, abraçou a cintura fina do cavaleiro russo e beijou o pescoço branco.
– Ruim. Ruim. Ruim. Depois daquela cusparada no chão, também...
Hyoga virou-se para Ikki, beijando-lhe a boca macia.
– Eu estava com raiva de você... Mas eu queria aquele beijo, eu queria muito! Me arrependi depois, mas já não sabia o que te dizer.
– Queria mesmo?
– Muito. Eu esperei por isso, mas não naquela noite, você ficou falando de quando o Shun voltasse e de que tudo ia ser diferente! O que queria que eu pensasse?
– Tudo! Tudo menos que eu ia te usar para matar o tempo enquanto meu irmão não volta!
– Está bem... – acariciou o rosto de expressões fortes de Ikki, que beijou a mão que o acariciava em retorno. – Vamos esquecer essa bobagem. O que importa é que está tudo bem agora e você está aqui.
Ikki riu olhando a cozinha que era tão pequena, mas tão organizada e tão limpa que dava para comer no chão.
– O que está fazendo aí? Não me diz que é panqueca! Eu nem trouxe meu antiácido!
– Vai rindo, palhaço! Estou fazendo macarrão ao molho de champignon e salada de salmão com manjericão.
– Que coisa mais fresca! Por que a gente não come um sushi, sei lá? Ou uns biscoitos?
– Zeus nos livre! Apanha a garrafa de vinho, por favor.
Foram para a sala pequena, Hyoga com os pratos de comida e Ikki com a garrafa de vinho e os dois copos. Depois Hyoga voltou da cozinha com os pratos finos e os talheres.
– Agora já dá para comer?
– Já. Senta aí e enche essa boca grossa de comida, vai! Me faz esse favor!
Ikki respondeu, de boca cheia, propositadamente para irritar o loiro.
– Depois te conto o que a minha boca grossa faz...
Hyoga gargalhou e atirou o guardanapo nele.
– Eu já sei o que ela faz, por isso eu estou tratando de deixar ela cheia e contente!
– Cheia ela está, mas contente...
Hyoga levantou-se um pouco e beijou-o delicadamente.
– Agora sim, contente e cheia!
Jantaram rindo até não mais poder. Depois foram para o sofá, assistir aos vídeos ruins que Ikki trazia, adorava filmes de samurais, em especial os tipo B, com sangue falso e braços de cera arrancados. Hyoga achava pouca graça, mas divertia-se com os risos graves e escandalosos de Fênix, que balançava ruidosamente no sofá a cada golpe mais exagerado.
Dado momento, Hyoga virou-se, entediado, para certificar-se do porquê das risadas de Ikki terem cessado, se tanto sangue falso ainda jorrava na tela. O cavaleiro de Fênix dormia tranqüilo, a cabeça apoiada no ombro dele. Achou engraçado e bonito o forte e indomável Ikki dormir ao seu ombro, tão suave como uma criança travessa. Levantou-se com cuidado para não acordar o outro, ajeitando-o deitado no sofá, sem cobri-lo demais porque estava calor.
Foi dormir em seu quarto, mas antes permitiu-se um banho de água fria, porque a proximidade de Fênix simplesmente o deixava louco. Pôs seu pijama mais fechado, não queria nem uma parte do seu corpo desnuda, roçando com malícia em parte alguma do colchão macio e da seda dos lençóis, despudoradamente erógena.
Dormiu agitado, acordando a cada cinco minutos, andando até a cozinha e passando pela sala, admirando o sono tranqüilo e absurdo de Ikki, que parecia uma criança inocente, a quem nenhuma paz era negada.
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Ikki acordou, como sempre, cedo. Olhou para os lados, esfregando os olhos, reconhecendo lenta e prazerosamente o lugar onde estava. Admitiu, com certo desconforto, que preferia muito mais ter acordado ao lado de Hyoga e não achá-lo ali era quase decepcionante. Esfregou o rosto, acordando do torpor da noite, e resolveu procurar por Cisne no lugar em que sempre estava àquelas horas da manhã: na cama.
Parou na porta do quarto. O jovem loiro dormia sem camisa, abraçado aos travesseiros, as pernas desnudas exceto pelos shorts curtos. O pijama estava jogado no chão, o que Ikki achou imediatamente estranho – Hyoga era tão estupidamente organizado que jamais se daria ao luxo de tamanha negligência.
Admirou a pele delicada, branca e suave de Hyoga. Tudo no Cisne era arranjado de maneira a contrastar com ele. Dolorosamente, sua mente foi invadida por pensamentos tristes, sujos. Houve um tempo em que ele detestara Hyoga. Odiava a idéia daquele loiro alto, forte, desvirginando o corpo de anjo de seu irmão – Shun era tão infantil, tão suave! Era como se fosse um anjo caído.
Agora, a mesma seqüência cruel de conjecturas passava pela sua cabeça... quem era ele? Ele? Fênix, criado na Ilha da Rainha da Morte, de mãos calejadas, duras, bruto e mal educado, quem era ele para achar que podia, ou tinha direito de tocar naquela flor de cetim que era Hyoga? Ele era uma bela criatura e tão belo era que combinava-se perfeitamente com Shun! Eles eram pequenos, delicados, pálidos, suaves – puros. Mereciam-se.
O pensamento enrugou-lhe a testa.
Um gemido suave na cama o tirou do marasmo do seu alheamento.
– Vem para cá, Ikki... – Hyoga resmungou, deitado na cama, tentando – com um gesto que Ikki só poderia classificar como 'deslumbrante'– arrumar os cabelos lisos que não estavam de maneira alguma despenteados como o gesto poderia sugerir.
– Hyoga, você...
Cisne balançou a mão, mostrando o lugar à sua frente na pequena cama de solteiro.
– Anda logo, deita aqui. – bateu com a mão impaciente no colchão.
Ikki, a contragosto, deitou-se. Deitou com as costas encostando perigosamente contra o peito do jovem loiro. Aninharam-se juntos. Hyoga puxou o cabelo escuro de Ikki e beijou a orelha de Fênix.
– Essa cama fica tão mais gostosa com você aqui...
– Hyoga, seu safado... – murmurou Ikki, já entregue aos carinhos do jovem loiro que acariciava seu peito com mãos de cetim.
– Você é tão sensual, Fênix. – Cisne balbuciou, roçando seus quadris contra os de Ikki.
O cavaleiro moreno sentiu seu corpo responder; a excitação era visível, mas o russo puxava para baixo a samba canção de Ikki, ao que ele respondeu com vagos 'não, não'. Hyoga ignorou os apelos do outro, puxando seus próprios shorts, encostando sua pele desnuda contra a pele semi-despida do moreno.
Estavam quase nus, Hyoga gemia deliciosamente, as mãos sobre o sexo do outro rapaz, gozando de todas as menores nuances de prazer no rosto do cavaleiro de Fênix... Tão forte! Tão sofrido... Era tão bom saber que ele podia dar prazer ao querido Ikki...
A campainha tocou, interrompendo toda a ação que já caminhava para o clímax.
– Inferno!
– Pato, não abre a porta... – implorou Ikki.
– Não, não abro.
Tentaram continuar, mas a campainha tocava intermitentemente. Irritado e obviamente desconcentrado para a tarefa que executava, Hyoga levantou-se e enrolou-se em seu edredom mais grosso. Olhou para Ikki ainda na cama, contrariado, e perguntou inocentemente:
– Dá para ver?
– Ver o que?
– Ver que o que a gente estava fazendo antes da campainha tocar?
– Não! Você nem é tão grande assim!
O loiro respondeu com uma careta.
– Vai, Cisne, não dá para ver nada.
– Se enrola também, anda! Vem me ajudar... Zeus! Mas essa campainha não pára!
– Quem deve ser o chato?
Hyoga andou até a porta e colocou a cabeça contra o olho mágico. A mocinha parada na frente da porta apertava um lencinho entre os dedos.
– Quem é? – Ikki perguntou em deboche, tentando beijar o pescoço de Hyoga, branco, que respondeu mais que depressa.
– Se veste, Ikki! É a senhorita Saori!
Em pânico, os rapazes circularam pelos cômodos pequenos, limpando vestígios de intimidade. Ikki conseguiu ainda entrar no chuveiro e lavar com água fria o entusiasmo abortado. Hyoga, na sala, foi obrigado a abrir a porta trajando seu edredom amarelo. Saori pareceu sequer notar o detalhe, apenas sentou-se no sofá e começou a falar sobre coisas que não tinham importância alguma. Ikki apareceu, sentou-se ao lado de Hyoga e ambos ouviram Saori e seu monólogo por quase uma hora. Houve café, chá e bolinhos. Ela falou sem ser interrompida, até ir embora, sem maiores explicações.
– Essa aí ficou mesmo maluca! – Ikki brincou, balançando a cabeça.
– Vai dizer que você não entendeu?
– Entendeu o que, loiro falso?
– Ela não queria falar com a gente, ela queria falar. Você não ouviu quando ela falou que o Seiya viajou com Marin de volta para Grécia e que só volta daqui a dois meses?
– Ouvi e daí?
– E daí que desde que tudo começou... você sabe... tudo... ela nunca ficou sozinha. Saori está acostumada a andar sempre com a gente, pela primeira vez ela ficou sem ninguém por perto, se sentiu sozinha e veio conversar com a gente, não é óbvio?
– Conversar não... falar sozinha!
– Pouco importa. O que ela queria era nossa companhia e não nossas conversas – até porque a gente nunca foi de conversa mesmo.
– É... para quê muita conversa? – Ikki puxou Hyoga para perto, beijando-o na boca.
Mantiveram-se enlaçados aos beijos na sala, até Ikki desvencilhar-se do jovem loiro aos poucos.
– Tenho que ir, Cisne.
– Mas por quê?
– Eu... – ele hesitou em responder, mas o pensamento já havia arrefecido seu desejo mesmo. – Eu preciso estar em casa de tarde para receber uma carta do Shun. Ele sempre manda alguma coisa, preciso assinar... você sabe.
O nome do jovem Andrômeda veio até os ouvidos de Hyoga como uma corrente elétrica. Imediatamente suas mãos que ainda buscavam contato com Fênix pendiam ao lado do seu corpo, abandonados. Ikki ouviu o partir do seu coração pelo ar de cachorro abandonado na chuva que Hyoga adotou. Sentiu nele mesmo a dor da separação daquelas mãos macias que tinham tocado seu corpo.
Terminou de se vestir ante os olhos desconsolados de Hyoga, tomou o rosto loiro entre os dedos, puxou o cabelo sedoso para trás e beijou-o como se beijam companheiros de anos e anos se separando pela manhã para um dia de trabalho.
– Te pego às seis?
O rosto de Hyoga iluminou-se com a pergunta.
– Às oito? Hoje eu tenho aula de Yoga.
– Ah! Que gracinha! O Hyoga faz Yoga!
– Cala a boca, Ikki! Vai embora, vai! – o loiro foi empurrando o moreno até a porta.
Ikki ainda o encarou. Os olhos azuis escuros faiscavam de desejo ainda e ele via o mesmo desejo acordado nos olhos claros de Cisne. Passou a mão pelo rosto muito branco. Foi andando até o meio da rua, até Hyoga quase bater a porta e ele gritar "HYOGA!".
Cisne abriu a porta novamente. Ikki, que estava do outro lado da rua, correu até ele, roubou-lhe um beijo cinematográfico e sorriu, contente com a sua travessura.
– Te pego às oito, Cisne.
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– Gostou do filme, Hyoga?
– Meio mentiroso, né? O que é aquilo! O cara cair do cânion direto dentro do avião!
– Já fizemos umas coisas também bem inacreditáveis.
– Mas somos cavaleiros, Ikki. É bem diferente.
– A gente não é nada, Hyoga.
– O que quer dizer?
– Não somos nada. Só somos cavaleiros quando há guerra e não tem guerra nenhuma para a gente agora. A gente não é filho de ninguém, nem somos alunos, nem funcionários, nem cidadãos, a gente não é de lugar nenhum, não pertence a nada, nem a ninguém. A gente nem tem identidade, Pato. Sem nossas armaduras, o que a gente é? Nada!
– Ikki... Não é bem assim.
– Você não entende, não é Cisne? Só prepararam a gente para ser cavaleiro! E era fácil: tinha o cara mau e o cara bom, você era amigo do bom e socava o mau! E era... fácil! Agora não tem cara mau e todos são bons e eu... eu não sei o que fazer! Eu não sei... eu não sei viver! Sabe quando eu vi a minha cara em um documento pela primeira vez? Há duas semanas! Até então nós nem existíamos para essa gente, a gente nunca foi nada! Saori mesma falou, com todas as letras e vírgulas: nossos documentos eram todos falsos. Nossa vida é uma mentira: não estudamos em lugar nenhum, não estamos relacionados com ninguém, nunca pertencemos a ninguém e a coisa alguma que não seja essa coisa que eu nem posso contar para alguém que existe: cavaleiros!
– Fênix...
– O que?
– Pode ser meu namorado, se você quiser... Vou pertencer a você e você a mim. Não é muito, mas já é alguma coisa, para começar. – murmurou, envergonhado.
Fênix passou o braço pelos ombros estreitos de Cisne, beijou a orelha, lambeu o pescoço branco e sorriu.
– Hyoga... Eu...
Iam se beijar, quando Ikki avistou um enorme caminhão de lixo cruzando a rua na sua direção. Agarrou o pulso do jovem loiro e o arrastou.
– Carona grátis para casa, Hyoga! Pula logo!
Antes que percebesse o que se passava, Hyoga já estava se equilibrando sobre o caminhão, vendo Ikki se sentar sobre as barras, ajeitando-se caprichosamente sentado sobre a caçamba.
– Senta, Pato! Antes que você caia daí.
– Nem sei como!
– Aqui, cabeçudo!
Ajeitou o loiro perto de si, quase sentado em seu colo. Após um, pequeno desconforto inicial, Cisne começou a reparar em como os olhos de Ikki pareciam perdidos, dispersos pela cidade.
– O caminhão de lixo é o máximo, Hyoga... Ele circula pelas ruas todas até a sua casa. Vamos pela Meiji até a Cat. Tóquio é tão bonita... Você não gosta de morar numa cidade assim?
– É bem diferente da Sibéria.
– A Ilha era suja e feia demais para ser uma cidade. Harajuku tem tanta gente jovem, a Ilha não tinha gente da minha idade quase, todo mundo era ou muito mais velho ou eram crianças. As luzes daqui brilham o tempo todo! E esse vento fresco? Parece que ele nunca pára! Sente!
– Para mim ele não é fresco, é morno. Estou acostumado com temperaturas bem mais baixas, esqueceu?
– E eu com temperaturas bem mais altas.
Ficaram em silêncio enquanto o caminhão descia a rua do pequeno distrito dentro de Tóquio, Hajakuru, conhecido lugar de jovens; mesmo sendo um bairro trendy, para jovens, cheio de atrações, àquela hora da noite, de um dia de semana, ele parecia apenas mais um distrito residencial, calmo, silencioso. Cisne apenas sentia a respiração de Fênix junto da dele. Nunca imaginara conhecê-lo daquela maneira, um cavaleiro arrogante e grosso, capaz de se encantar com as luzes da cidade grande e de se importar com o que eles eram no mundo onde não havia cavaleiros. Pensou no quanto adorava aquele Ikki que era só seu e que ninguém mais sabia que existia.
– Na sua casa ou na minha? – a voz grave precipitou-se quebrando o silêncio.
– Na sua, mas só se você prometer que vamos terminar nosso assunto de hoje à tarde...
– Cisne, seu safado!
Saltaram do caminhão perto da casa de Ikki. Foram andando em silêncio.
– E agora?
– Estou com fome.
– Tem sorvete, Hyoga. Quer um milkshake?
– E sanduíche?
– Morto de fome.
– Fala sério, Ikki!
– Tá. – ele começou a rir. – Vou fazer o sanduíche, você vai tomar banho?
– Ué... – Cisne fingiu estar cheirando suas roupas. – Está me chamando de sujo?
– Vai tomar banho para ver se acaba com sua gracinha! – foi empurrando Hyoga até o banheiro pequeno. – Não vou beijar na boca de ninguém que andou em um caminhão de lixo!
Cisne apenas encostou a porta. Despiu-se e foi para o chuveiro. Sentiu a água fria descer pelo seu corpo em êxtase. Era uma noite maravilhosa e estava apenas começando. Ele nunca sentira nada parecido, nada assim forte, pulsando em suas veias, transtornando seus sentidos como aquela paixão que o queimava. Nunca havia se sentido próximo de alguém, nunca tinha desejado alguém. Ah, sim... Havia Shun. Mas o jovem Andrômeda nunca tinha passado de um irmão terno para ele. E agora, Ikki...
Ikki tirou a camisa e os tênis, ficando só de meias e de calça jeans, andando pela cozinha e preparando os sanduíches; tinha batido o seu milkshake de chocolate e ia se preparar pra bater o de morango – preferido de Hyoga, quando a escuridão tomou a casa e mais da metade do bairro.
– Era o que faltava! Faltar luz agora!
Acendeu uma vela que colocou dentro de uma xícara, sobre a pia, ao lado do prato dos sanduíches prontos e o copo solitário de milkshake de chocolate. Ia chamar Hyoga quando o russo apareceu na porta da cozinha, iluminado pela bruxuleante luz da vela, trajando apenas uma toalha de rosto, que fazia um trabalho pobre em cobrir-lhe o corpo todo molhado, cabelos loiros pingando ainda.
– Não dá para tomar banho, será que dá para comer?
Ikki sentou-se no chão da cozinha, tentando não tornar mais aparente o tremor que a visão da semi-nudez de Hyoga o causava. Pôs a vela na sua frente, os pratos juntos e o milkshake do lado. Cisne sentou-se ao seu lado, em silêncio.
Começaram a comer, dividindo como irmãos o milkshake. Hyoga estava mesmo com fome – Ikki também, mas a situação o deixou tão desbaratinado que sequer conseguia comer. Olhou para o lado e viu que o outro tinha terminado de comer; pegou o sanduíche que lhe cabia, intacto ainda, arrancou um pedaço e ofereceu-o aos lábios de Hyoga, que o comeu sem mais comentários. Fênix continuou dando pedaços de sanduíche para Cisne, uma ou outra vez substituindo as porções de comida por afagos nos cabelos molhados, ou um beijo nos lábios lambuzados de chocolate – afagos que Hyoga recebia sorrindo, retribuindo às vezes os beijos com beijos e os pedaços de comida com goles de milkshake.
O ritual do lanche durou cerca de vinte minutos, tempo suficiente para o retorno da energia elétrica.
– Acho que agora dá para terminar meu banho. – resmungou Cisne, levantando-se. – Olhou para Ikki e com um prazer singular percebeu que ele não conseguia tirar os olhos do seu corpo molhado. Ajudou-o a levantar-se do chão e o puxou até o banheiro, sem nenhuma resistência da parte do moreno, que parecia enfeitiçado por ele. – Vem comigo, Fênix...
– Hyoga, eu...
– Vem...
Empurrou o outro para dentro do boxe, abriu o chuveiro ante grunhidos de reclamação de Ikki, ainda de calças e meias. Ajudou-o a despir-se, desabaladamente, tocando-se e sentindo um ou outro com uma avidez adolescente de quem não tem nada além do presente para si.
Ikki deixou-se manipular livremente, deixou-se empurrar contra a parede fria do banheiro, a água quente escorrendo sobre sua cabeça. Já não queria saber, tampouco entender alguma coisa – só queria sentir aquele corpo adolescente colado no seu, aquela boca fresca cobrindo a sua de beijos, aquelas mãos macias na sua pele. O amor era uma terra que Fênix julgava há muito vedada aos seus pés; estava convencido de que seu destino era o de um lobo solitário, vagando sozinho, uma vez ou outra aparecendo para lamber seu irmão e só. E julgava-se ainda mais do que merecedor dessa sina de solidão.
Mas agora tinha Hyoga. Nunca simpatizara com ele antes e agora ele era tudo. Tudo o que interessava. Ouvia seus próprios gemidos misturados ao dele, abafados e perdidos na língua faminta de Cisne que tomou sua boca à força, explorando-a e tomando-a como se fosse soberana daquele feudo.
Hyoga conseguiu, sem muita dificuldade, virar Ikki de costas contra a parede do boxe. Roçava seu corpo contra o do cavaleiro moreno, delirante de prazer ao ouvir os gemidos que ele era capaz de arrancar do outro. Lambeu a linha dura, firme do pescoço de Fênix.
– Você é tão sensual, Ikki... sua pele é firme, tem uma cor linda, encorpada.
A água quente corria sobre eles e Hyoga buscava suavemente uma passagem dentro do corpo do amante, enquanto o acalmava com uma mão sobre o peito onde o coração estava disparado, a outra afastando as pernas de Ikki, a boca ocupada em explorar o pescoço firme e grosso que estava retesado com a tensão. A ação caminhava docilmente para um desfecho a contento, quando a campainha estridente tocou.
– Não vou atender, Pato. – gemeu Ikki.
Cisne tentou, evidentemente desconcentrado, continuar o que fazia, mas foi derrotado no seu entusiasmo pela insistência da campainha.
– Puta que pariu!
Até Fênix se assustou com o acesso de fúria do sempre fino e elegante discípulo do mestre Camus. Frustrado, Ikki enrolou-se na toalha fingindo não ver que Hyoga resolvia seu problema sem a sua ajuda no boxe enquanto ele era obrigado a atender ao chamado da campainha. "Merda!", pensou baixinho. Poderiam ser as suas mãos ao invés das de Cisne...
Estava na metade do caminho para a porta, de testa enrugada, pronto para vingar sua frustração e desejo em qualquer pobre criatura que tivesse tido o atrevimento de bater àquela hora infeliz para interromper a melhor noite da sua vida. O que ouviu, contudo, o fez gelar até os hipotéticos ossos da alma: um gritinho de uma voz aguda, porém doce e melodiosa como o canto de um pássaro: "NIISAN, SOU EU, SHUN!"
Voltou correndo até o banheiro, puxou Hyoga para fora do boxe, arrastando-o até seu quarto. Jogou-o sobre a cama e ao lado dele atirou um short de time de futebol e uma camisa de mangas compridas.
– É o Shun, se veste! – ele estava quase histérico.
– Mas...
– Anda, Cisne, merda!
– Ikki...
– Não! Eu não quero que ele saiba, entendeu? Senta aí e finge que estava lendo, diz que você veio buscar alguma coisa, inventa.
– O que você pretende com isso?
– Não quero que ele saiba assim! Ele saiu daqui, a gente mal se falava e ele chega e encontra a gente no chuveiro? Não! Assim não. Depois eu conto para ele com calma. – impacientou-se com o ar de susto de Hyoga. – Anda! Por que é que você ainda não está vestido?
Muito contrariado, Hyoga fez o que o outro pediu. Viu Ikki sair do quarto enrolado na toalha; ouviu a voz dele e a de Shun na porta. Sentiu-se mal. Sabia que alguma coisa ia acontecer, mas não sabia bem o quê. Sentia mágoa pelo descaso de Ikki.
– O que está fazendo, niisan?
– Shun, pensei que você só voltasse mês que vem.
– Eu sei! Resolvi fazer uma surpresa!
Certamente, conseguira fazer a tal surpresa.
Veio carregando as duas malas de Shun. Até que se lembrou que precisava avisá-lo sobre Hyoga.
– Seu pato está aí.
– Huh?
– Seu pato, Shun. – tentou parecer engraçado. O pronome possessivo que dava a Shun a posse sobre Hyoga saíra-lhe da boca como um espinho.
O rostinho branco e afogueado de Shun brilhou de satisfação.
– Hyoga? Ele está aqui?
Abriu a porta do quarto do irmão e encontrou Hyoga sentado com uma revista sobre a cama. Atirou-se sobre ele com sua assertiva e indisfarçável afeição:
– HYOGA!
O abraço entusiasmado de Shun doeu fisicamente em Ikki. Os olhos claros de Hyoga o encararam por sobre os ombros de Andrômeda como uma cobrança, como se ele desejasse que Ikki acabasse logo com aquelas tolices e dissesse ao irmão que eles estavam juntos. Mas Fênix se calou. Disse muito secamente que ia deixar os dois sozinhos enquanto terminava o banho.
Foi para o banheiro onde quase tinha se entregado ao Amor, tomou um banho solitário e monótono, e voltou para o quarto, pé ante pé, observando da porta a conversa animada de Shun com Hyoga. Eles pareciam em perfeita sintonia, a alegria contagiante e a meiguice de Shun pareciam iluminar o ambiente, contagiar as pessoas. Ele era o típico 'entertainer': fazia gestos, contava estórias hilárias da viagem e dos hábitos ingleses, fazia caretas e sinais. Era uma narrativa tão vívida que, da porta, mesmo sem entender o que ele dizia, conseguia-se imaginar do que ele falava.
Olhou os dois, imaginando um longa vida para ambos e o que seu irmão, doce e inteligente, conseguiria se unindo ao prático e esperto Hyoga. Eles eram... perfeitos.
– Niisan, por que a gente não sai?
– Sair, Shun? São três da manhã.
– Na Takeshita tem cinemas abertos, a gente sai e come alguma coisa, hein? Vamos?
– Não sei. – ele olhou para Hyoga e desviou o olhar rápido: não suportava a mágoa que o russo projetava sobre ele com seus olhos fortes, firmes. – É tarde.
– Mas eu não estou cansado! – Ikki acostumara Shun tão mal em sempre fazer-lhe vontades e preocupar-se com ele que, em nenhum momento, ocorreu-lhe perguntar se ele, Ikki, estava cansado ou mesmo se Cisne estava disposto. – Vamos! Você vem, não vem, Hyoga?
– Sim, claro, por que não! Você está aqui, vamos celebrar. – ele frisou o celebrar olhando para Ikki.
– Eu vou tomar banho e pôr uma roupa nova, estou há horas com esta! É uma viagem tão longa! Ei, Hyoga, você pode pegar uma roupa minha se não quiser ir em casa para se trocar! Ou uma do Ikki... mas você já sabe o que vai encontrar no armário dele! – o menino foi rindo da sua piadinha até o banheiro. Claro, Fênix não tinha o mesmo interesse por moda que seu irmão e vestia-se quase sempre da mesma maneira.
Assim que Shun ligou o chuveiro, Hyoga achou seguro levantar-se. Passou por Ikki sem olhá-lo nos olhos. O cavaleiro de Fênix puxou seu braço antes que ele saísse.
– Pega uma roupa minha, Hyoga...
– Não, obrigado. – ele respondeu seco, a voz cada vez mais parecida com a de Camus. – Prefiro as dele.
Ikki ouviu perfeitamente todos os fonemas, todas as sílabas que formavam o pronome dele, mas em seu coração ferido, ele ouvia frase como 'prefiro ele.' Desencorajou-se de dizer alguma coisa. Ele passou como uma flecha, entrou no quarto de Shun e saiu de lá cinco minutos depois, de calça jeans, sandálias e uma camisa branca sem detalhe algum, que nele ficava visivelmente mais justa do que em Shun.
Doeu em Ikki ver o desleixo com que Hyoga se vestira. O loiro era uma rapaz altivo, vaidoso. Gostava de perfumar-se, de estar na moda. Entretanto, ninguém na cidade estaria mais simples do que ele, modesto como um franciscano, apenas o cheiro do xampu suave, fresco, despontava tomando o ar, como quando era primavera na Ilha da Rainha da Morte e as flores desabrochavam todas juntas, o ar ficava doce com o perfume. Todo o ar ao redor de Hyoga era doce.
– Cisne, você não...
– Vou esperar o Shun lá fora.
– Mas, Hyoga, eu...
Só aí ele permitiu-se olhar Fênix nos olhos. Seus olhos azuis estava perturbados, uma lágrima fugidia descia do canto direito do olho.
– Você tem uma semana para contar para ele, se você me quiser mesmo.
Saiu.
"Merda!", pensou Ikki novamente, vendo se afastar de cabeça baixa aquele que em tão pouco tempo tinha se tornado o senhor do seu coração e da sua vida. Queria poder correr até ele, cobri-lo de beijos, gritar para todos que quisessem escutar que Hyoga era dele, só dele, de mais ninguém. Mas não podia – havia algo além deles dois em jogo. Havia Shun. E onde Shun estivesse, ao menos para Ikki, ele sempre viria primeiro. Sempre.
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Gente, AMEI os comentários! Mas como vocês sabem, não dá para se estender. Então, aqui eu agradeço às betas do meu coração que me ajudam com a fic: Ada Sensei e Nana ( minha beta ideológica para qualquer coisa dos irmãos Amamiya! ).
Quanto aos comentários, meu muito obrigada a: Nana, Hakesh-chan, Kitsune Youko, Aniannka, Kikis, FêPandora, Lili, Ilia-CHan, Litha-Chan, Ada, Fernanda, Ia-Chan, Tsuki Koorime.
Se der, esse finde mesmo eu começo a "comentar os comentários" no meu blog coletivo, o "The Sensei Club". O endereço está no meu profile. É thesenseiclub (ponto) blogspot (ponto) com.
Beijocas e até o próximo capítulo que será: Cisão.
