Disclaimer: Os personagens deliciosos de Saint Seiya não me pertencem. Esta fic não tem fins lucrativos.

– X –

Capítulo 3 – Cisão

Era um acordo tácito: Shun nunca impediu verbalmente Ikki de visitar Hyoga, mas também nunca mostrara qualquer desejo de que o irmão o fizesse. Ao contrário – aproveitava-se do evidente desconforto de Ikki em ficar com ele para tomar todas as horas de visita só para si. Sabia que, enquanto estivesse na cabeceira de Cisne, seu irmão não ia ousar ficar com ele.

Shun sentia, de alguma maneira, que estava sendo egoísta como nem o mais pérfido dos inimigos de Athena seria. Mas já sentia também, em seu coração, que Hyoga despertaria do seu sono letárgico direto para os braços de Ikki – era inevitável que ficassem juntos, amavam-se. Então, justificava seu ato de egoísmo pensando que aquelas eram suas últimas chances de ter Hyoga só para ele. Além do mais, nunca tinha se dado ao luxo de ser cruel antes. Por que tinha de ser perfeito o tempo todo? Se seu corpo pedia, exigia a presença de Hyoga junto dele, nem que fosse pelas horas de visita, naquela sala fria de hospital, sabendo que a mente do jovem loiro estava muito além do seu alcance e mesmo do alcance de Ikki.

Ikki, por sua vez, sofria calado o exílio que Shun lhe impôs. Rodeava o hospital nas horas em que as visitas não eram permitidas, ou escondia-se na lanchonete enquanto Shun sentava-se com sua delicadeza de príncipe ao lado da cama de Cisne. Escondia-se dele mesmo e das enfermeiras nos banheiros e soluçava de tanto chorar de frustração por não saber o que fazer e nem como agir, estando tão perto e ao mesmo tempo tão longe de Cisne. Por que ele não se atirou contra o carro para salvar seu irmão? Ele era a Ave Fênix! Ele ia sobreviver! Hyoga não! Por que Hyoga tinha de ser o único a ser machucado?

Observadoras por contingência e experimentadas nas misérias da vida, as enfermeiras logo perceberam que algo de muito estranho se passava com os dois simpáticos irmãos que iam visitar a "bela adormecida" – apelido que deram a Hyoga por sua evidente beleza. Penalizadas com o choro abafado de Ikki e seus olhos agonizantes, toda vez que ele ficava parado do lado de fora da porta esperando por Shun para irem para casa, elas ofereceram a Fênix a possibilidade de ver Hyoga fora dos horários de visita. Ikki recusou de primeira – não queria comprometê-las.

No fundo, era uma desculpa medíocre: a desculpa de covarde que conseguiu elaborar para não ter de admitir que tinha medo da felicidade: julgava-se, como era seu hábito, indigno do privilégio. Nunca tinha merecido Esmeralda e também não merecia Hyoga.

Contudo, ele fatalmente cedeu ao seu amor e aceitou a oferta das enfermeiras. Esperava paciente pela ida de Shun, depois do horário de visitas e conseguia ficar sozinho com Hyoga, sob olhares vigilantes das enfermeiras encantadas. Ou, como naquela tarde, aparecia bem antes do horário de visitas começar.

Ikki sentava-se ao lado do jovem Cisne, desmanchava-se em carinhos, passava ele mesmo o algodão com óleo de amêndoas e água nos lábios ressecados de Hyoga, de onde saía um longo tubo. Contava estórias de como as coisas iam e do que acontecia no bairro, na cidade, no mundo, com naturalidade e alegria, como se contam novidades aos amigos próximos.

Penteava os cabelos dourados como quem penteia uma boneca. Molhava as mãos com a colônia preferida de Hyoga e perfumava o jovem russo como sabia que ele gostava. Não era porque estava doente que ia ficar como um qualquer, pensava Ikki.

Depois, quando tinha feito de tudo, sentava-se segurando a mão de Hyoga, fria, inchada de tantos furos para o soro, beijava-a, acariciava, trazia perto do rosto, chorava, sussurrava palavras doces, jurava-lhe amor, implorava que acordasse.

– Hyoga... Por Zeus... Acorde! Me odeie, despreze Shun, nos abandone para sempre, nos deixe aqui e vá embora, mas por favor... Acorde! Levanta daí! Eu não agüento mais te ver assim... não agüento! Prefiro mil vezes ficar sem você, prefiro que você fique com qualquer um, mas acordado! Vivo! Viva, Hyoga... Viva... Levante daí...Levante... por favor...

– Senhor Amamiya... Precisa ir.

– Eu sei... Ele não está melhor? Não está?

– O quadro está estabilizado. O coma é reversível e talvez...

– Talvez o quê?

– Talvez seja melhor assim... Enquanto o coágulo desincha por conta própria. Será mais seguro para ele, entende? Ele não está morto. Ele está dormindo pesado, só isso... Ele não vai ter seqüelas! Pense em que sorte ele teve!

Ikki deitou a cabeça sobre a mão branca que tantas vezes o acarinhara.

– Queria estar no lugar dele. Queria estar no Inferno. – completou o pensamento com uma risada amarga. – Na verdade, eu não devia nunca ter saído de lá.

– Não sabe o que diz.

Ikki, sem entender, usava o antebraço para secar as lágrimas dos olhos.

– Quando você está daqui, os níveis dele ficam sempre melhores: o coração bate mais suave, a respiração dele é mais pausada, tranqüila. O organismo dele todo reage a sua presença...

– É mentira – resmungou Ikki. – Fala isso para me agradar.

– O jovenzinho por acaso está me chamando de mentirosa? Eu tenho o triplo da sua idade! Poderia ser sua mãe!

– Me... me desculpe, eu sou mesmo um idiota, eu nem sei me comportar direito, me desculpe, senhora.

– Você está nervoso. Eu o desculpo. Mas vá para sua casa sabendo que é verdade o que te digo, rapazinho: ele sabe que você está aqui.

– Ele está em coma, Senhora Noriko. Ele não sabe nada, ele não vê nem ouve nada!

– Isso é o que dizemos, mas há muitos casos que desafiam estas nossas concepções, todos os dias... Ora, meu jovem, a vida é um mistério bem mais complicado do que pode abarcar um livro de medicina! Há coisas que nem nós explicamos... Mas vemos! São pequenos milagres diários! Este jovem está mais sereno e sua saúde melhora quando você está aqui, é um fato! Alegre-se por isso.

– Acha que ele sente que estou aqui, enfermeira Noriko?

– Tenho certeza que sim.

Ele abraçou a enfermeira, surpresa pelo repentino gesto de afeto.

– Obrigado, senhora enfermeira! Obrigado! Obrigado!

– Vou deixar que você fique mais alguns minutos com ele, Amamiya. O horário de visitas começa em 15 minutos.

– Sim, senhora, obrigado!

Ela saiu discretamente do quarto, mas pelo aquário na porta, vários pequenos pares apertados de olhos vigiavam a cena. As enfermeiras entreabriram a porta para a saída de Noriko, mas não a fecharam: ficaram todas admirando pela fresta os dois adolescentes.

– Meu Hyoga! Você sabe que estou aqui, seu pato burro! Faz alguma coisa para mim, faz... diz que você vai ficar melhor! Mexe esse pé, essa mão... Faz alguma coisa... me diz que sou um grosso... Me faz escorregar no gelo e bater com a bunda no chão outra vez! Por favor... Por favor... eu te amo tanto!

Levantou-se, encarando o rosto branco sem expressão alguma, como o rosto de cera de uma boneca antiga, e aproximou-se lentamente, inclinando-se sobre ele, até pousar seus lábios lentamente sobre os olhos fechados de Cisne.

– Niisan?

Ele afastou-se de Hyoga bruscamente.

– Shun?

Shun sentou-se na cadeira que até então Ikki tinha ocupado, ao lado da cama de Hyoga , com a dignidade de uma viúva matriarcal, segurou a mão de fria do russo e murmurou com uma voz que beirava o desprezo:

– Pode ir tomar café e descansar. Eu fico com ele agora.

– Shun, eu só...

Interrompeu-o.

– Não sabia que podiam vir antes do horário de visitas. Você tem feito isso sempre? – interpelou o irmão, sem contudo dignar-se a olhá-lo nos olhos.

– Sim, Shun. – sentiu-se animado por um sopro de coragem diante do rosto adorado de Hyoga. – Venho sempre ver ele.

Andrômeda ficou lívido. Nunca imaginou que Ikki fosse desafiá-lo daquela maneira tão direta.

– E por quê?

– Você sabe, Shun: eu amo Hyoga.

As mãozinhas apertaram firmemente os dedos inchados do russo.

– Você ama Hyoga?

– Eu já disse que sim, muitas vezes e você já pode parar de fingir que não sabe ou não entende, Shun!

O irmão mais novo tentou recuperar seus pensamentos, tentando bloquear a raiva que estava sentindo, frear a sua língua de dizer as maldades que sabia que podia dizer para desencorajar seu irmão. Seus sentidos o traíam: ele podia jurar que estava vermelho como um tomate e viu suas mãos sobre as de Hyoga tremendo.

– Eu vi muito bem que você gostava dele, Ikki.

– Eu gostava não, eu amava e amo Hyoga!

– Não precisa repetir! Mas é a mim que ele namora! Ele é meu! Você podia ao menos esperar ele voltar a si para podermos pôr as coisas em pratos limpos, não podia? Me respeite! Ainda não perdoei você pelo que fez comigo!

– Perdoar! – Ikki estava visivelmente fora de si. – Me perdoar! Zeus! Eu abri mão dele por você! Eu abriria mão de viver por você! Eu só quero VER Hyoga! Ver! Me deixe vê-lo enquanto ele dorme!

Indignado pela certeza de que as palavras de Ikki eram verdadeiras e ferido de morte pela constatação mais que óbvia de que não tinha sido apenas uma noite de sexo entre seu irmão sensual e seu namorado curioso, Shun levantou-se e resolveu disparar até o último projétil das suas armas.

– Vê-lo! Não acha que já teve demais? Eu sacrifiquei minha vida por ele! Eu fiz tudo por ele, sempre! Amo Hyoga desde o dia em que eu o vi no torneio! E ele gostava de mim! Não é justo! Não está satisfeito de ter tido dele o que ele não deu para mim? Não? O que mais você quer? Hein? Tudo? Você quer TUDO!

– Shun, o que você sabe? O que você sabe dele? E de mim? O mundo não gira ao redor do seu umbiguinho! Eu fiz mal em te mimar, fiz mal! Devia ter ouvido o Hyoga! Eu não pensei nele! Pensei em você! E você não pensa em ninguém além de você, seu... seu...

– Fale! Seu o quê? O que pensa de mim, niisan?

– Eu amo você, seu egoísta de merda! E você não sabe sequer retribuir! Você não respeita a minha dor! Minha DOR! Se você gosta dele, eu também gosto! Tenho tanto direito de estar aqui quanto você!

– Não tem! Não tem! Ele é meu! Meu! Você se aproveitou que eu estava fora! Você nunca tinha gostado dele! Por quê? Por que ele? O mundo está cheio de pessoas bonitas, cheio! Por que o meu Hyoga? Por quê?

– Eu não pedi para gostar dele! E nem ele para gostar de mim! Aconteceu, Shun!

– Ele nunca me falou que gostava de você! Isso é uma invenção sua! Você seduziu ele! Levou ele para a cama, não foi? Mas ele me ama! Ele me ama!

Sabia que estava histérico. Sabia que também não dizia nada que fizesse sentido... Mas que importava? Amava Hyoga e ele estava perdido! Queria que Ikki sofresse tanto quanto ele sofria. Seu Hyoga... e não era mais seu! E tudo por causa de seis meses! Seis meses e ele o perdera para seu irmão.

Amava Ikki, isso era certo. Mas ele riria na cara de qualquer um que lhe dissesse, meses atrás, que Ikki e Hyoga pudessem ser qualquer coisa próxima de amigos. Eles nunca se deram bem, implicavam um com o outro constantemente e abertamente criticavam a maneira de ser um do outro. Ikki dizia que Hyoga era metido a ser mais do que era, além de cabeça dura e irônico fora de hora. Hyoga dizia que Ikki além de bastante burro, era ignorante, mal educado e anti-social. E agora isso! Não conseguia admitir para si que tinha inveja de seu irmão, que estava furioso porque Ikki, o mais feiosinho, o menos polido, o menos engraçado, o desajeitado, o grosso, ele, tinha lhe roubado o amor de Hyoga!

– Você não viu, Shun? Ainda acredita que ele te ama?

– Ele estava na cama com você, foi isso que vi e só isso!

Ikki descontrolado deu um tapa na cara de Shun que estalou e ecoou fácil nas paredes desnudas do quarto de hospital.

– Sua criança mimada! Eu não levei ele para cama! Eu fiz amor com ele!

Shun sentiu sua alma arder com uma raiva que nunca tinha sentido. Virou-se para Ikki, com a mãozinha pequena sobre a bochecha que levara o tapa e mirando-o com uma antecipada expressão de prazer, emendou um tapa no outro. Seu tapa sem mão muito mais cruel e muito mais duro:

– Você destrói tudo que toca, Ikki... Tudo que é seu morre... Não lembra de Esmeralda? Quer fazer com Hyoga o que fez com ela? Ela com certeza também amava você...

Ikki avançou como um cão raivoso sobre Shun, como se fosse bater nele. Agarrou o irmão pelo colarinho da camisa, ergueu-o da cadeira.

– Shun! Você é mau! Mau! Agora eu sei por que Hades escolheu você! Seu rostinho de anjo esconde um coração mau!

Soltou o irmão e saiu correndo. Tropeçou na enfermeira Noriko na saída.

Shun chorava como um bebê com a cabeça colocada sobre o abdômen de Hyoga que subia e descia numa velocidade incomum ao estado dele. As enfermeiras entraram correndo, tiraram ele de perto do paciente e Noriko balbuciou em espanto:

– A mão! A mão dele está mexendo!

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– O Hyoga tem vindo aqui sempre, niisan? – perguntou, desinteressadamente comendo a banana preciosa que Aldebaran mandara em caixas para a Fundação Kido em agradecimento pelas merecidas férias.

Ikki corou ligeiramente – o bastante para o atento Shun notar.

– Às vezes.

– Você nunca se deu com ele. O que faziam? Reclamavam da minha falta? – ele debochou.

"Muito pelo contrário", pensou Ikki, com uma ponta de remorso.

– Não sei, ele não gosta de ficar sozinho.

– Hum. Não sei por que ele desistiu de ir para a Sibéria.

Ikki respondeu prontamente.

– Era o melhor para ele!

Shun observou a veemência com que Ikki agora discursava sobre Hyoga.

– Eu também acho. Mas passei muito tempo tentando convencê-lo disso! – ele balançou a cabeleira verde. – Não tinha quem tirasse essa idéia da cabeça dele!

– Também não sei o que houve. Só sei o que você sabe: ele desistiu.

– Melhor assim.

– Namorou muito em Londres, Shun?

Aquela certamente era uma pergunta que Ikki não faria.

– Não. Para dizer a verdade... Eu estava com minha cabeça muito longe de lá.

Ikki só acenou com a cabeça..

– Você sabe, niisan. Eu gosto daqui. E não quero sair de perto de você... – ele deu um sorrisinho maroto. – E nem do Hyoga.

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Depois da noite em que Shun chegara e do fatídico ultimato de Hyoga, as coisas não foram fáceis para Ikki.

Queria conversar com Shun, mas ou o irmão estava sempre empolgado demais em contar-lhe novidades do velho mundo, ou – para desespero de Ikki – enfiado na casinha na entrada da Rua Cat, a casa de Hyoga.

Quando não suportava mais os ciúmes, ia com Shun, mesmo que este não lhe convidasse. Arrependia-se logo: o que era a tortura de estar entre seu irmão e seu amor? Era pior do que um golpe fantasma de Fênix.

Shun não economizava seus poderes de sedução. De ingênuo ele só tinha o rostinho de anjo. Sabia muito bem que era bonito e que também era desejável. Abusava da suas armas: o charme e descontração. Era impossível não encantar-se pela sua jovialidade e alegria. Hyoga gostava de Shun e devia-lhe a vida. Isso era razão o bastante para tratá-lo com amor e com todo o carinho que merecia.

Shun, por sua vez, aproveitava-se da pecha de 'ingênuo' que o irmão e o amigo lhe deram para observá-los atentamente. Fingia não notar os olhares enviesados, envergonhados até, que seu irmão trocava com Cisne. Em outras épocas, estariam sempre brigando, ou, no mínimo, lançando um ao outro farpas de provocação.

Mas Shun só teve a noção exata do quanto eles estavam mudados naquele almocinho simples, sete dias depois da sua chegada: o prazo final que Hyoga dera a Ikki para dizer ao irmão sobre os dois ou... Deixá-lo de uma vez.

– Passa a salada, niisan, por favor.

Ikki ergueu o braço para apanhar a tigela. Sua mão roçou delicada e distraidamente no braço de Cisne. Foi o bastante. O corpo do jovem loiro, ressentido das saudades daquele toque, reagiu bruscamente. Arrepiou-se e suas bochechas muito brancas ficaram escarlates na velocidade da luz. Ikki, nem um pouco mais sutil, pigarreou, derrubou a tigela da salada no chão e ainda – ao contrário do seu jeito despachado e decidido – ficou apenas sentado, imóvel, olhando para o irmão sem saber o que fazer.

Shun riu alto. Fez um gesto com as mãos pequenas indicando que ele cuidaria do estrago. Abaixou-se ao lado dos dois, Cisne e Fênix, e começou a recolher os pedaços da salada e recolocando-os na travessa de alumínio.

Enquanto recolhia os pedaços úmidos dos vegetais, sua mente funcionava em alta velocidade processando a quantidade imensa de informações contidas naqueles pequenos gestos. Hyoga tenso como uma menininha e Ikki sem saber o que fazer... Não, era demais para ser uma coincidência! Se fossem eles mesmos, como ele, Shun, se lembrava deles antes da viagem, teriam roçado um no outro e o comentário clássico de Ikki seria "desencosta de mim, Cisne." Cisne provavelmente teria replicado algo como "cuidado com seus braços de albatroz."

Não, aquele definitivamente não era o comportamento dos dois.

Shun ainda estava recolhendo os pedaços espalhados de salada quando Hyoga, ousado, colocou a sua mão sobre a de Ikki, na mesa e moveu os lábios apenas para o moreno: "Hoje ou nunca mais." Ikki estremeceu atabalhoadamente e moveu-se sem jeito na cadeira: derrubou a jarra de suco do outro lado. Shun sentiu os pés descalços serem ensopados pelo suco que espalhou-se no assoalho da copa. Levantou os olhos e viu que o irmão e Hyoga se entreolhavam pálidos.

O almoço acabou ali. Eles foram juntos ver TV, Ikki e Hyoga sentaram-se em extremos opostos da salinha. Shun sentou-se ao lado de Cisne. Fingia falar de amenidades rindo, mas notou que Ikki não parava de olhá-los. Era natural que seu niisan os encarasse: ele era ciumento e não raro brigara com Hyoga por achar que ele tomava "liberdades" demais com Shun.

Mas havia algo diferente no brilho daquele olhar sobre eles que fez a espinha de Shun gelar. Era como se uma onda de frio lhe percorresse o corpo, e ele começou a esfregar os braços brancos e finos. Hyoga então passou inocentemente o braço por sobre os ombros dele e o trouxe para perto de si.

Ikki levantou-se assim que viu Shun sorrir e inclinar a cabeça na direção de Hyoga. Andrômeda fechou os olhos fazendo manha; percebendo isso, Hyoga aproveitou para desviar o olhar para Ikki. O moreno estava perturbado pelo gesto de Cisne, mas os olhos azuis claros muito propriamente o lembravam de que tudo aquilo era conseqüência do seu silêncio.

Ikki andou até a cozinha, entrou e apanhou um copo de água que não conseguiu beber: a água não descia, sua garganta estava seca e fechada. A visão de seu irmão delicado, amparado nos braços acetinados e loiros de Hyoga, embrulhou seu estômago como se tivesse levado um soco no abdômen.

Estava ainda roçando os lábios tensos contra o copo de vidro quando Hyoga entrou na cozinha.

– Você não falou com ele, não é? O que está esperando?

– Você está louco! – Ikki olhou para a porta, certificando-se que o irmão ficara na sala. – Ele vai ouvir!

– Ele tem que ouvir! Ou você diz ou eu digo!

– Hyoga...

– De quanto tempo mais você precisa? – debochou Hyoga, com sua voz calmíssima. – Quer mais um ano para dizer a ele? Quantos mensageiros quer para ajudarem com a tarefa?

– Hyoga, as coisas não são assim!

– São como então?

– Ele... o Shun... vai ver é melhor...

Hyoga ficou lívido.

– Não! Não! Eu não acredito que você vai dizer isso! Não!

– Hyoga, é que...

– Não! – Hyoga apontou para ele, dedo em riste. – Você sacrifica o que bem entender, mas eu não estou no seu pacote! Não! Você vai até ele e vai dizer que estamos juntos! Ou você diz ou eu digo!

Ikki ficou vermelho como um morango.

– Estamos juntos, Hyoga?

Foi a vez de Hyoga ficar vermelho.

– Era o que eu pensava, até agora. – a voz dele, cada vez mais parecida com a de seu mestre Camus, era calma, serena. Mas Ikki, mesmo um pouco cru em seus relacionamentos, não era burro e percebeu que tinha cometido um grande erro com a pergunta que lançara. Os olhos de Hyoga mostravam a sua imensa mágoa.

– Eu não queria dizer isso.

– Isso o quê? – o loiro apanhou uma maçã na fruteira e a mordiscou, ou melhor, cravou os dentes na fruta sem efetivamente come-la, como se descarregasse ali a sua raiva.

– Hyoga, eu não tive tempo.

– Fale agora.

– Não posso, não pode ser assim!

– Por que não?

– Você não sabe? – Ikki resolveu contra-atacar como medida desesperada.

Hyoga sacudiu a cabeça.

– Ou você diz ou eu vou lá e digo para ele que...

– Me dizer o quê, Hyoga?

Shun entrou na cozinha, para horror de Ikki, que imediatamente olhou para Hyoga; o loiro sustentou um sorriso sarcástico. Por um momento, Ikki viu tudo escuro, sentiu as pernas bambas: achou que ali mesmo Hyoga ia despejar a verdade.

– Dizer que estávamos com saudades de você interromper nossas brigas. – emendou o russo, ignorando Ikki. Passou o braço pelo ombro de Shun. – Não é, Ikki?

Shun abraçou-se à cintura do jovem cavaleiro de Cisne. O gesto simples parecia uma estocada de faca para Ikki. Mas Hyoga parecia satisfeito com os abraços e atenções de Shun.

"Tão lindos juntos... Tão perfeitos, tão puros... Tão diferentes de mim." – pensou Fênix, involuntariamente.

– Sabe o que eu estava pensando, Hyoga? – Shun ajeitou os cabelos verdes atrás da orelha. – A gente bem podia ir ao cinema hoje.

– Claro! A noite é sua! Vamos fazer o que você quiser!

Shun riu contente. Porém, também não tinha nada de tolo e conhecia Hyoga melhor do que o loiro podia supor e aquele tom de voz não o enganara. Estava sendo irônico. Só não entendeu se era com ele ou com Ikki. Nem entendeu bem o porquê. Mas descobriria isso naquela noite no cinema. Não precisava nem de muita imaginação para saber a resposta de Ikki para um convite de juntar-se a eles.

– Não, eu fico em casa. Divirtam-se. – grunhiu Fênix, saindo da cozinha.

– X –

– Eu quero o de morango. Igual ao seu.

– Dois sundaes de morango, por favor.

– Hyoga, eu senti tantas saudades disso... E de você.

– Eu também senti sua falta, Shun. Você é meu melhor amigo.

– Sabe, eu conheci muita gente na escola. Eu adorava meu uniforme, era tão bonito! Mas era chato sem você e meu niisan. Você e Ikki são partes da minha vida que eu não estou disposto a abandonar. É como se eu andasse por aí sem coração e sem alma. Meu lugar é aqui.

– Também acho que a gente deveria ficar junto. Não é certo, depois de tudo que passamos, nós nos separarmos. Ninguém entende o que vivemos – só os que viveram isso também, Shun...

– É verdade. Eu tentei me relacionar, você sabe... – ele deu um dos seus sorrisos mais charmosos – Namorar uma inglesinha... Mas é difícil. É como se os nossos mundos não fossem o mesmo.

– E não são.

– Não gostei de verdade de nenhuma delas. – virou-se bruscamente para o belo cavaleiro russo, cuja atitude perdida e desatenta o intrigara a noite inteira. – Você já se apaixonou Hyoga?

– Sim. – o olhar de Hyoga estava perdido, vagando pelas pessoas da rua. Naquele momento, talvez, com um pouco mais de persuasão, teria dito tudo ao Shun sem pensar duas vezes, inocentemente.

– E foi correspondido?

– Eu acho que sim.

– Acha?

– Não dá pra ter certeza. Mas são coisas que você sente, não é?

– Ah, é... Coisas assim você sente melhor do que explica.

– E você, Shun? Já se apaixonou? – perguntou sem o menor traço de malícia.

– Já.

– E você também foi correspondido?

– Não sei também. Mas eu acho que sim.

– Eu me lembro da June. Ela parecia gostar de você.

Shun fez uma expressão contrariada. Não... Definitivamente June não era parte daquela conversa...

– Ah, a June. Ela é como irmã para mim.

– Irmã? Aquela loira maravilhosa? Não seja bobo, Shun!

– Ah, você olha para ela e vê a amazona bonita, sexy. Eu olho para ela e lembro das nossas brincadeiras na Ilha, dos nossos dias de criança... Todas as lembranças da June são muito doces para mim... Ela era como uma família, meu ponto de apoio. – ele suspirou, comendo a última porção do sundae. – Enfim... Acho que todos nós, de alguma maneira, nos apegamos demais a alguém. Não foi assim com Camus?

– Camus... Mestre Camus... Se ele tivesse vivido um pouco mais, Shun! Eu poderia ter dito a ele tudo o que pensava! Podia ter dito a ele que eu o amava! Ele era tudo para mim! Ele era o que eu queria ser... Mas não tive tempo... Foi tão injusto... Perdi a minha mãe... Perdi o meu Mestre... E nem pude dizer a eles como me sentia! Queria que estivessem vivos para ver que vencemos! Chegamos até aqui... Queria que Camus visse o que me tornei com os ensinamentos dele...

– Mas com seu amor pode ser diferente...

– Será? Camus morreu sem dizer a Miro que o amava. Eu me sentia tão culpado por isso! Toda vez que vejo Miro me sinto mal por ele. É como se eu tivesse roubado dele uma coisa que... Nada vai trazer Camus de volta.

– Eu sei que não vou morrer sem dizer ao meu amor a verdade... – pôs a mão suave sobre o ombro de Hyoga que, em um misto de pânico e perplexidade, percebeu finalmente que era dele que Shun falava, que a verdade que ele ignorara confortavelmente durante todo aquele tempo agora estava ali, forçando sua entrada triunfal... A verdade é que Shun não era o amigo-irmão em quem ele confiava... Era um apaixonado, e Hyoga vislumbrou as dificuldades que lhe causaria o afeto puro daquele anjo de cabelos cor de esperança.

– Estou cansado, Shun. Quero voltar para casa. Você fica muito chateado se a gente for?

– Não. Na verdade também estou com sono... – Mentia razoavelmente bem. É óbvio que esse não era o final de noite que o belo irmão Amamiya planejara. Mas não se atrai abelhas com fel... Era melhor recuar dignamente do que avançar e perder tudo...

– Quer que eu te faça companhia até em casa?

– Não precisa... Eu te pago o táxi...

– Oh! Você está esbanjando comigo?

– Você merece... E não gosto de pensar em deixar você andando por aí durante a noite seu eu estar te acompanhando.

– Humm... "Complexo Ikki" ataca novamente...

– Seu irmão tem razão: você é muito ingênuo, Shun.

– Sei... é o que vocês pensam; eu vejo melhor do que vocês imaginam...

Pôs Shun no táxi e foi andando de volta para casa. Pensou nas muitas noites em que saíra com Fênix: como se divertiam! Era tão bom... Mesmo quando ainda não estavam 'juntos', adorava ouvir a voz rouca de Ikki – pronto para resmungar e reclamar de tudo, desde a fila no cinema, passando pelo pouco sal na pipoca até os "ataques de frescura" dos heróis dos filmes. Lembrou-se das sessões de vídeos ruins de samurai, das panquecas soladas, do macarrão... dos beijos. Das mãos grossas e morenas nos seus cabelos, da boca do outro na sua... Zeus! Como alguém podia esquecer aquilo?

Abriu a porta da casa e deixou os sapatos na entrada, como faziam os japoneses. Entrou e bateu a porta, mas mal tinha dado as costas, ouviu batidas – inconfundíveis – que fizeram seu coração disparar. Abriu-a bruscamente e viu Ikki parado com seu indefectível ar abobalhado de quem não sabia o que fazer.

– O que quer?

– Falar com você.

– Por que você não fala com o Shun?

– Hyoga... é melhor que nós...

– Não! Eu nem vou deixar você continuar! Eu não quero! Eu não quero ouvir a sua conversa! – fez que ia bater a porta, mas Ikki a segurou.

– Você não ouve, sua mula loira! Me escuta!

– Não! Não! Eu não vou ouvir as suas desculpas! Eu já tive muitas! Agora eu quero que você vá até lá e diga pro Shun... – ele hesitou, olhando o outro nos olhos. – Diga a merda da verdade, seja ela qual for.

Ikki não conseguia coordenar suas palavras. A presença física de Hyoga desorganizava seus pensamentos, deixava-o zonzo. Tinha até se esquecido de por que tinha ido até lá. E também não importava mais: tinha ido para ver Hyoga... Para sentir o perfume dele, ver aqueles cabelos loiros contra a luz da lua...

– Hyoga... – engoliu seu orgulho leonino. – ele te ama.

O loiro respondeu-lhe com uma categórica porta fechada que quase quebrou-lhe o nariz. Descontrolado, Ikki começou a chorar, sua reação mais comum diante daquelas coisas que ele, a poderosa Ave Fênix, não conseguia controlar. Bateu na porta com os punhos fechados, gritando.

– Abre, seu loiro burro! Estou fazendo isso por nós! Você tem que entender! Ele... Ele te ama!

A porta abriu repentinamente.

– Mas eu amo você. – replicou Hyoga. Diante da expressão de absoluto espanto de Ikki pela revelação, emendou – Mas isso não importa para você, não é? Também não devia importar para mim!

– Hyoga...

O loiro apenas estendeu a mão, acariciando o rosto do moreno com toda a delicadeza possível. Fênix não disse nada, mas fechou os olhos para receber o carinho com mais intensidade.

– O que você me diz, Ikki?

– Cisne... Por que você me atormenta assim? Por que não me deixou viver sem saber o que era isso? Por que você não foi para a Sibéria?

– Por você.

– O quê? – Ikki afastou a mão de Hyoga bruscamente.

– Eu não fui para Sibéria por você.

– Você... Você... Disse que seu psiquiatra...

– Meu psiquiatra disse que eu estava fugindo. E que eu não podia fugir de você para sempre...

– Mas...

– Eu gosto de você, seu estúpido! Há tempos! Mas eu não podia te dizer por que você é um ignorantão! Um grosso! Então eu ia embora, ia para a Sibéria, ia atrás de qualquer coisa para esquecer isso, tirar isso da cabeça! Mas meu médico falou que... – ele deu um longo suspiro. – Isso não ia adiantar. Um dia a vida ia me cobrar essa deserção. Eu decidi que, sem o Shun por perto, eu ia tentar, pelo menos uma vez! Uma vez! E depois, se não desse certo... Eu ia desistir e ir para a Sibéria... Para qualquer lugar longe de você...

– Não... Não... – balbuciou Ikki, tentando impedir aquelas coisas de adentrarem seus ouvidos como já tinham adentrado seu coração. Ele o amava! Amava! E disse, com todas as letras! Não tinha ido vê-lo pelas saudades de Shun, não insistira por medo de ficar sozinho! Não! Era por ele. Foi por ele desde a primeira vez!

Nunca tinha ouvido nada parecido. Ninguém nunca fizera uma coisa assim por ele. Talvez Esmeralda na Ilha nunca tivesse tido melhor opção. Mas Hyoga? Ele poderia ter tudo... E o escolheu...

Impaciente e aborrecido, Hyoga disparou:

– Pode ignorar se quiser. Pode fazer o que preferir. Mas eu já disse. E agora você já sabe.

Ikki puxou o braço de Hyoga, fazendo com que o loiro praticamente caísse em seus braços. Roçou seu rosto no dele, buscando a boca que o fazia enlouquecer. Tanta foi a sede com que buscou o beijo de Cisne que tropeçou nas pernas de Hyoga e ambos caíram na entrada da casa. O desejo contido era tão grande que ignoraram o fato de estarem caídos no chão da entrada da casa e continuaram se beijando, Ikki tentando bruscamente tirar a camisa de Hyoga para tocar aquela pele de cetim, deliciosa.

– Que porcaria é essa? – Fênix sentiu a mão roçar contra algo áspero.

– É o capacho, Ikki... – gemeu o outro.

– Só você, Hyoga! Capacho? Que palhaçada é essa! – afastou com a mão o tapete de ráfia que arranhava a pele branca de leite de Hyoga.

Os gemidos deles ficavam cada vez mais altos, à medida que as carícias progrediam mais e mais ousadas, as calças de Hyoga já estavam desabotoadas e a bermuda de Ikki também. Era uma estranha dança no chão, as costas do jovem loiro sofriam arrastadas contra o assoalho da entrada da casa, mas ele estava já tão excitado e tão anestesiado pela paixão – recompensada pelas carícias também muito apaixonadas de Fênix – que sequer percebia o que estava fazendo direito.

– Como conseguiu ficar sem isso? – gemeu Hyoga, as mãos por dentro da bermuda de Ikki massageavam as nádegas firmes do moreno.

– Não sei... Não sei... Hyoga... Eu também te amo... Te amo... Vou falar com Shun. Hoje mesmo...

– Me beija, Ikki... Estou ardendo de saudades da sua boca...

Estavam no meio de um beijo molhado, ardoroso, quando o celular de Ikki começou a tocar.

– Ai, que merda! – Ikki apanhou o celular, furioso. – É o Shun!

Cisne revirou os olhos apenas.

– Mmm... Sei... Mmmm... Tá, Shun... Eu? – Cisne aproximou-se e lambeu os lábios de Ikki, que ria, empurrando-o sem muita convicção. O loiro não desistiu e puxou o lábio dele com os dentes, fazendo um semi-estalo que Shun deve ter ouvido do outro lado. Ikki finalmente falou, rindo para Hyoga. – Barulho? Estou mascando um chiclete amarelo. Chicletão!

Ele fez sinal com as mãos mostrando o comprimento do 'chicletão', Hyoga afastou-lhe as mãos, rindo também, indicando que o chicletão era muito maior. Continuou grunhindo os 'mmm' ao telefone.

– O que foi?

– Shun quer pizza, está com fome. Você não deu de comer para ele, seu pão duro?

– Ele comeu muito! Leva uma pizza pequena!

– Ele pediu duas!

– Shun sempre foi assim, olho grande! Vai comer dois pedacinhos e deixar para lá...

– Mas eu tenho que levar a pizza... Aproveitar que ele está acordado e falar com ele... de... de nós...

– De nós? – Hyoga perguntou, sorrindo.

– De você e de mim... – beijou-o novamente, deliciado em beijar aquela boca sem nenhum remorso. – Sua boca está com um gosto diferente...

– Minha pasta de dentes... é infantil de tutti-frutti.

– Ah, mas que coisa de viadinho, Hyoga!

– Ah! Sai, sai! – empurrou Ikki. – Você sabe muito bem que sou macho! – ele fez um sinal com o muque. – Gosto de coisa de homem!

– Eu sei... Gosta de coisa de homem... gosta de pegar em coisa de homem, né? Beijar coisa de homem... Você é safado, Cisne! – deu um tapa na bunda do loiro e levantou-se, ajudando Hyoga a levantar-se, carinhosamente inspecionado as costas do cavaleiro russo, procurando sinais do arrasta-arrasta no chão. – Vou indo.

Olhou para baixo e lançou um sorrisinho malicioso.

– Vai resolver o seu problema sozinho sem mim?

– Sem você sim, mas sozinho...

O sorrisinho morreu nos lábios dele.

– E quem vai resolver?

– Qualquer um... Duvida que eu consiga?

Ikki puxou-o para perto dele, beijando o pescoço de Hyoga, arrancando dele suspiros de êxtase.

– Não... Você é tão lindo, Hyoga...Qualquer um ia te querer...

– Eu quero você... você... Você todo...

Com toda a dificuldade que o Amor criava, Fênix conseguiu se soltar do abraço de Hyoga e ganhar a rua, ajeitando a bermuda, tentando se fazer decente para caminhar até sua casa. Estava no meio do caminho quando sentiu alguma coisa pular contra suas costas e derrubá-lo no chão.

Era Hyoga.

– Cisne! Quase quebrou meu braço!

Hyoga rolava de rir no asfalto da rua.

– Até que para um cavaleiro você está com a guarda aberta, hein?

– Você é atabalhoado!

– Você é frouxo! Não pode ficar por baixo – não agüenta o tranco!

– Eu? – Ikki deixou-se ser empurrado para baixo do corpo de Hyoga. – Eu agüento você e mais três!

– Guloso! Três?

– Hyoga! A gente está no meio da rua! – Ikki olhou para os lados, as portas das casinhas fechadas e janelas cobertas, mas o arrepio de excitação do perigo não o deixava sair debaixo do jugo do seu adorável tirano.

– Que vejam! Você está medroso, Fênix...

Ia beijá-lo quando ambos sentiram, perto deles, a luz de uma janela próxima se acender e um barulho de quem abre uma porta. Correram atrapalhados para se esconder atrás das árvores pequenas que enfeitavam a frente da casa de Hyoga.

– Viu, Pato? – gargalhou Ikki. – Agora corre lá com as calças assim, arriadas e diz para o teu vizinho "que vejam!"...

– Engraçadinho você. – deu um beijo no ombro moreno bonito à sua frente. – Bem que você gostou...

– Gostei não, adorei... – havia um brilho triste nos seus olhos escuros de tão azuis. – Agora eu tenho que ir.

– Já? – a pergunta veio acompanhada de uma tépida carícia no rosto.

– Vou levar a pizza do Shun... e contar isso logo para ele.

– Está bem...

– Eu passo aqui amanhã. Te apanho para gente... Sei lá... Conversar?

– Conversar?

– Pára, Hyoga! Você não leva nada a sério!

Ele se levantou, beijou Hyoga novamente e despediu-se.

O céu estava estrelado. E ele estava feliz. Feliz! Como aquele menino loiro metido, que sempre quis debochar dele, que vivia colado no Shun, aquele moleque abusado, cavaleiro de gelo, como é que ele podia fazê-lo tão feliz? Achou que depois de Esmeralda nunca ia ser feliz. Nunca mais ia gostar de ninguém, nunca mais ia poder ser tão próximo de outro ser humano. Aquele calor, aquela alegria do Amor nunca mais animariam seu corpo. Mas o Destino lhe reservou uma surpresa. O Destino lhe reservou Hyoga: bonito, fino, bem tratado, delicioso, apaixonado.

– X ­­–

Gente, muito obrigado pelos comentários e pelo apoio; sei que demoro demais com os capítulos dessa fic, mas não quero errar pela pressa, especialmente em partes recheadas de diálogos que têm que ser bem estruturados.

Obrigada demais às minhas queridas Ada e Nana, que sempre que podem, betam, lêem e lambem esta cria quase que conjunta!

Outros comentários e agradecimentos, vocês já sabem onde achar:

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