Disclaimer: Os personagens libidinosos e gatos de Saint Seiya não me pertencem e este trabalho ficcional não tem fins lucrativos. ( como se vocês já não soubessem... )

Nota: Caramba, séculos depois, atualização! Desculpa,gente, mas é que eu estava bombando com as provas finais... Mas enfim, depois de livre, um capítulo gigante. Fãs de Shun, tremei! A face menos meiga do belo Shunzinho começará a aparecer. Eu já ouvi algumas coisas a respeito, mas me prometi NÃO defender nem justificar personagem nenhum e não o farei. Enfim, hoje teremos a estória do ponto de vista de Hyoga e Ikki, mais tarde, Shun falará por ele mesmo. E será assim. Mas só por curiosidade: sim, eu gosto do Shunzinho, não acho que ele seja nem mau nem cruel. Pronto, ufa! Falei...

Ps: assim que der, eu comento os reviews com carinho no thesenseiclub (ponto) blogspot (ponto) com. Só não prometo datas, porque depois desse capítulo... Ah! Tem uma música citada lá no meio do capítulo, se chama 'Sweet the Sting' e é da Tori Amos. Baixem e divirtam-se... Beijocas... Mme. Verlaine


Capítulo 4 – Partida

"Primavera se foi... E com ela o meu amor...

Quem me dera poder consertar tudo o que eu fiz."

Primavera, Los Hermanos


– Shun?

– Trouxe de quê? – o pequeno encarou gulosamente as caixas de pizza nas mãos de Ikki, que chegava em casa.

– Quatro queijos.

– Está bom. – abraçou seu irmão calorosamente, recuando em seguida como se tivesse sido picado por um escorpião. Ikki notou a reação dele e imediatamente enrubesceu. O que afastara Shun fora aquele perfume. O cheiro de Hyoga. Nele. Nele todo! "Merda!", pensou. "Eu devia ter ido tomar banho antes de falar com ele..."

– Não vai comer? – desconversou Ikki, vendo a cor sumir do rosto já branco de Shun.

– Não... Eu... Só quero um pedaço.

– Você pediu duas pizzas para comer só um pedaço?

– Estou com dor de cabeça. – ele percebeu que Ikki ia dizer algo e emendou, categórico. – Estourando de dor. Preciso dormir. Agora.

– Shun, senta aí e toma uma aspirina. Preciso conversar com você.

Shun levantou-se bruscamente da cadeira de madeira da copa.

– Não, hoje não... não dá. Estou me sentindo podre.

– Mas, Shun...

– Nada que não possa esperar até de manhã? Já são quatro e meia! – ele ajeitou os cabelos com uma cara de quem sentia-se miserável. Passou por Ikki sem olhá-lo, apenas esbarrando a mão em seu ombro como que dizendo boa noite. Correu para sua cama, atirou-se sobre seus lençóis, cobriu-se todo e chorou escondido, agarrado com o travesseiro.

Era a Verdade. E ela doía.

Já tinha percebido os olhares enviesados de Ikki para Hyoga, mas não queria crer que seu niisan turrão e mal humorado pudesse um dia ter tido a idéia de se apaixonar por Cisne! Justo aquele a quem ele sempre dirigiu as mais duras críticas. Ikki amava-o como pai, gostava de Seiya como de um irmão, admirava Shiryu mais do que todos os outros – mesmo que jamais o tivesse manifestado muito claramente – mas Hyoga... O loiro russo era o alvo das suas mais ferozes censuras. Achava-o fraco, chorão, mimado, arrogante. Dado momento, acusou-o de ser invejoso e de usar Shun para sentir-se menos sozinho.

Como ele poderia, meses antes, quando aceitou a viagem para Londres, supor que seu irmão ia olhar para seu Hyoga com o mínimo de interesse?

Claro... Hyoga era um adolescente bonito. Cabelos lisos, sedosos, dourados – dourados como os de Esmeralda... – olhos que eram límpidos como geleiras do Alaska; geleiras siberianas, seria melhor dizer... Era bonito... Sensual...

"Fui burro... Burro! Há quanto tempo o niisan está sozinho? Tempo demais! Tempo demais! Ele é turrão, muito turrão para se envolver com alguém 'normal'... Fui burro! Como eu podia pensar que ele ia ficar sozinho e não reparar no Hyoga? O Hyoga é perfeito! É por isso que o Oga está tão esquisito! Ele deve ter reparado, visto que o Ikki estava interessado nele e deve estar constrangido... Vai ver até se ofendeu! Claro... Constrangido... Hyoga nunca ia olhar para o Ikki. Fino e bem educado como ele foi pelo Camus... Imagina! As ignorâncias do meu irmão sempre deixaram o Oga irritado... Ainda mais agora que ele percebeu que o niisan teve a coragem de pensar que..."

O coração de Shun apertou-se de uma ternura branda. "Pobre niisan... Ser rejeitado dessa maneira... Não é justo que sofra assim! Por que tinha que olhar para o Hyoga? Com uma moça que não o conhecesse e nem soubesse do seu passado, ele teria tido sorte! É bonito também, uma beleza diferente, mas é bonito, forte! Por que ele foi tentar justo o mais difícil? Por que o sapo foi olhar para o príncipe? Mesmo o mais gentil e corajoso dos sapos, ainda sim... É um sapo... não é? Zeus... Será?"

– X –

– Bom dia, niisan.

– Bom dia, Shun. Seus olhos estão inchados. Você passou bem a noite?

O menino estremeceu.

– Não. Não passei bem a noite, Ikki.

O moreno sentou-se próximo do irmão e abraçou-o ternamente.

– O que foi, Shun?

– Tive um sonho ruim, muito ruim, passei a noite toda acordado, agoniado...

– Sonho! Sonho é uma bobagem, Shun! O que foi que você sonhou?

– Que o Hyoga ia embora. E me deixava... – afundou a cabeça de fios verdes no peito do irmão, propositadamente para evitar-lhe os olhos. O tremor do corpo de Ikki, contudo, ele sentiu bem, indisfarçável, como se estivesse enfiando um punhal nele com suas palavras. Mas Shun ponderou, em curtos segundos entre uma frase e outra, que era melhor cortar ali as esperanças de Ikki. Hyoga jamais se interessaria por seu niisan e quanto mais ele sonhasse com aquilo, mais se desesperaria. "Melhor que acabe logo, rápido."

– Shun...

– O Hyoga é tudo pra mim, Ikki! Eu sei que você nunca gostou dele e eu entendo... Mas... Eu faria qualquer coisa por ele! Eu amo o Hyoga! Desde a primeira vez que eu o vi no torneio, crescido... Um homem... Desde... Ele é minha vida, niisan! Se ele fosse embora, eu nem sei... Eu voltei de Londres porque não agüentava ficar sem ele!

– E ele, Shun? – só então o jovem Andrômeda levantou os olhos molhados e teve coragem de encarar seu irmão. Os olhos fundos de Ikki guardavam uma mágoa tão perturbadora que Shun não suportou a visão deles por muito tempo, desviando novamente o rosto para o peito do irmão.

– Eu acho que... Eu sinto que ele também me ama... Sempre foi assim, desde a Batalha das Doze Casas... Eu dei minha vida por ele e sei que ele sabe que eu faria outra vez... Por amizade... E por amor.

– Mas, ele já te prometeu alguma coisa?

– Não verbalmente, mas... – ele empurrou Ikki com certa impaciência. – O que quer dizer com isso?

– Não sei, eu... Só imaginava se era recíproco...

– Por que é importante saber disso? O que importa é o que eu sinto!

– Shun!

– Não é egoísmo, niisan! Eu só posso amar por mim, eu só posso sentir por mim! Hyoga gostar de mim do mesmo jeito ou não, não vai mudar o que eu sinto por ele, eu não vou amá-lo menos se ele não me quiser, entende?

– Então ele nunca...

– Está mais preocupado com ele do que comigo?

– Não é isso, Shun! Eu não quero que você sofra por alguma coisa que...

– O quê? Vai dizer que é impossível? O que é impossível? Ele gostar de mim? Acha que não sou digno do amor de Hyoga? É isso? Você não pensava assim antes...

Algo naquela explosão de Shun incomodou Ikki tão terrivelmente que ele não se controlou e bradou:

– Shun, você está brigando comigo só porque eu não te dei os parabéns pela sua revelação de estar amando o idiota do Cisne? O que queria? Fogos de artifício? Pois eu tenho uma novidade para você: não é a primeira pessoa do mundo a se apaixonar e nem vai ser a última!

– Você não pensava assim! Antes eu era importante!

– Você é importante... Mas não pode mandar nos outros!

– Eu não quero mandar em ninguém! Só estou contando para você porque você é meu irmão!

– Está bem! – Ikki ficou de pé, as mãos na cintura, impaciente.

Isso agora! ... Shun... Não podia vê-lo chorar, as lágrimas dele o perturbavam. Criminoso! Como podia querer disputar com aquele anjo? Shun e Hyoga sempre estiveram juntos... Nas batalhas, sempre se protegiam... Eram belos, educados, finos. Que bobagem! No que ele estava pensando quando... Enfim... Quando achou que podia ter Cisne?

– O que quer que eu faça? – rendeu-se por fim, a Ave Fênix.

– Não... Não brigue com Hyoga... Deixe ele vir aqui o quanto quiser... Deixe a gente sozinho – a gente precisa conversar para se entender. Pare de perseguí-lo.

– Está bem, Shun. – a voz de Ikki era um lamento tão doloroso que Shun chegou a ter um momentâneo arrependimento. – Ele é seu. Todo seu. E eu não vou mais te atrapalhar.

O arrependimento desvaneceu como pó. Os olhos de Shun brilhavam de excitação.

– Vai falar com ele?

– Falar com ele?

– Com Hyoga.

– Para quê?

– Para dizer para ele que está tudo bem...

Dizer que estava tudo bem! Olhar naqueles olhos azuis que amava, que idolatrava, olhar para seu amado Cisne e dizer 'está tudo bem'! Mentira! Não estava nada bem...

– Para que quer que eu faça isso?

– Porque parece de uns dias para cá o Hyoga está estranho com você, niisan. Como se ele tivesse medo de você. Eu quero que diga a ele que está tudo bem que você não vai mais prejudicar nosso relacionamento... vai fazer isso, não é?

– Shun, não me peça para...

– Se você não fizer, vai parecer que está de má vontade. E o Oga não vai se sentir confortável para vir aqui...

– Está bem, Shun. Vou falar com ele...

– Quando?

– Agora, está bem?

– Sim! Sim! – agarrou-se no pescoço do irmão, entusiasticamente. – Niisan, você não sabe o quanto está me fazendo feliz!

– Eu imagino... – ele alisou os cabelos lisos de Shun e beijou-lhe a testa. "É, eu imagino o quanto deve ser bom poder ficar com Hyoga... Você será muito feliz, Shun...", pensou, amargurado.

– X –

Caminhou o curto espaço entre sua casa e a casa de Hyoga como quem caminha para a morte. Lembrou-se de quando era só um menino que havia trocado de lugar com o irmão, indo para a Ilha da Rainha da Morte. Tinha feito o que era certo e na hora de despedir-se de Shun mostrara-se, como sempre, corajoso e firme.

Já no avião, indo para lá, seu coração infantil apertou-se de medo. A Ilha seria mesmo o inferno que Tatsumi dissera? Sim, devia ser. Viu o horror nos olhos dele. A Ilha devia mesmo ser monstruosa. Ele estava sozinho. No inferno. Lembrou-se de tocar com as mãos trêmulas, que suavam frio, a janelinha do avião e ver a lava dos muitos vulcões ativos da Ilha. Sentiu medo. Medo. Medo. Medo do Inferno.

E agora não era nada diferente. Estava com medo e sozinho, se afogando em um inferno. E, como na Ilha, ele tivera o amor em suas mãos, mas ele lhe escapou. E também, outra ironia do destino, o pobre Hyoga era uma vítima como Esmeralda fora. A diferença é que, graças aos Deuses, Hyoga não ia morrer – ao contrário. Ele seria de Shun. Shun, bonito, inteligente, charmoso e delicado. Sairia ganhando. Sim, Esmeralda morrera, o pobre anjo. Mas Hyoga não. Seu destino era ser amado por Shun e... Por ele. Não ia esquecê-lo.

"Será sempre meu cisne... Mesmo quando não for mais meu. Ele vai me esquecer. Ele vai me esquecer... Um dia... Ele não vai mais se lembrar de mim."

Bateu na porta. Ali, naquele lugar, prometera que ia levar-lhe boas notícias. Covarde! Covarde...

– Você chegou cedo! – o loiro puxou-o para dentro, animadamente. Antes que Ikki pudesse dizer alguma coisa, sua boca foi calada por aquele beijo que Fênix recebeu como uma esmola. Era uma esmola. Últimos restos da mesa de um banquete... O banquete do paraíso – E ele não fora convidado.

Ia empurrar Hyoga e dizer que parasse, mas desistiu.

"Dane-se tudo. Vou me despedir dele. Sou um canalha e um covarde – mas eu o amo."

Deixou-se beijar e abraçar por Cisne. O rádio estava ligado: Hyoga adorava música.

– Minha música preferida... Sweet the Sting, da Tori.

– Tori?

– Tori Amos. – ele trouxe Ikki para o meio da pequena sala. – Vamos dançar?

– Eu... Eu... Não sei dançar, Hyoga.

O jovem russo riu deslumbrado pela beleza daquelas palavras modestas na boca de seu querido Ikki. Acariciou o rosto moreno entre suas mãos, beijou a testa do cavaleiro de Fênix.

– Você não tinha tempo para perder com nada na Ilha, não é, Ikki?

– É... Meu Mestre queria me deixar... Cheio de ódio...

– Mas ele não conseguiu...

Puxou-o para perto dele, os quadris juntos.

– Hyoga, eu...

– Segue só os meus passos, o ritmo da música... Tudo vai dar certo...

– Eu não sei... – ele olhava para baixo, para os pés do loiro, que, percebendo, puxou o rosto dele.

– Me olhe nos olhos... Me siga com seu corpo... sweet, sweet, sweet the sting...

Fênix não conseguia pensar em nada que fosse mais lindo no mundo do que Hyoga feliz e cantando. Fechou os olhos para sentir melhor o ritmo da música.

– Segure minha mão, ponha a outra mão no meu ombro... Eu abraço a sua cintura porque eu sou quem está guiando, viu? Por que está de olhos fechados?

Porque eu não sou digno de te olhar nos olhos...

– O momento... É melhor assim...

– Então... – Hyoga puxou o rosto do outro, alinhando as bochechas adolescentes de ambos. – Fique perto.

– Perto... – gemeu Ikki. Perto! Do anjo que traí e do anjo para quem eu vou te entregar... Hyoga, se você soubesse!

– Sim... I... I have heard that you can play the way I like it to be played... Bonita a música, né?

– É... – ele respirou fundo, o rosto afogado nos cabelos de Hyoga, perfumados, a malha da roupa dele, tudo em Hyoga era macio, perfumado, bom de tocar.

Dançaram. Atrapalhado, Ikki pisou no pé de Hyoga algumas vezes, mas à medida que a música, delicada e deliciosa, progredia, ambos soltavam-se e o 'professor' apreciava mais sua aula. Eles riam como crianças e a culpa de Fênix foi abafada pelas risadas tolas e as batidas da música que o embriagavam quase tanto quanto os movimentos de Hyoga, quanto a voz grave e gelada do cavaleiro loiro, quanto aquela presença entorpecente e suave. Acabaram, como sempre, caindo no sofá, enlaçados, trocando beijos apaixonados.

– Hyoga, eu...

– Ikki... eu... amo você... amo você...

– Hyoga, espera... – o loiro o calou com outro beijo.

– Sabe o que eu pensei naquele dia da piscina, na casa da Saori?

Ikki calou diante dos olhos azuis que o encaravam, milímetros apenas dos seus. O que aquela ave loura devia ter pensado naquele dia?

– O que você pensou? – balbuciou.

– Eu pensei: Zeus! Como tenho sorte! Ele olhou para mim!

Ikki sorriu descrente.

– Eu? Você é que sempre foi um príncipe...

– Príncipe? Eu?

– De todos nós, o que sabe que é órfão porque a mãe morreu. O resto de nós... Talvez... Tenhamos sido abandonados... Eu então já...

Hyoga o interrompeu com um beijo.

– De todos nós, você sempre foi o mais forte, o mais corajoso... Sempre foi bonito, com esse corpo dessa cor... tão diferente, tão sensual... Você sempre foi tão diferente... Distante! Eu nunca achei que você fosse olhar para mim...

– Eu pensei a mesma coisa... – as mãos pesadas e morenas desbastaram os fios loiros que caíam sobre o rosto de leite de cabra do cavaleiro russo. – Como alguém que tem tudo como Hyoga vai olhar para mim? Sou ignorante, grosso, feio...

– Você nunca foi burro. Feio nunca... maltratado às vezes... Quanto a você ser ignorante... – ele riu alto. – Era parte do seu charme!

– Eu era um patinho feio... E você um Cisne...

– Eu sou um Cisne... Mas você não é um patinho feio... Você é uma Ave Fênix...

– Hyoga... Não importa o que aconteça... Eu... Você é muito importante para mim...

– Fênix... eu te amo e...

A campainha tocou. Hyoga deu um beijo na boca de Ikki e se levantou para atender a porta.

De todas as pessoas do mundo que podiam visitar Hyoga, aquela.

Era Shun.

O menino de cabelos verdes pulou no pescoço de Hyoga. O loiro nunca foi tolo e a felicidade de Shun era um péssimo presságio. Por mais altruísta que fosse, ele não estaria esfuziante daquele jeito... se Ikki tivesse dito a ele o que...

Buscou o olhar de Ikki, mas ele já estava sentado sobre o sofá, inocente como se nada tivesse acontecido.

– O niisan falou com você que está tudo bem?

Os olhos azuis de Hyoga eram impassíveis. Camus fora um grande mestre; ensinara o jovem Cavaleiro de Cisne a manter-se frio e calmo sempre. Mesmo que seu coração estivesse partindo.

– Tudo bem?

– É! Ikki, você não falou com ele? Que você não se importa se nós... se eu e o Oga... você sabe... – ele beijou as bochechas de Hyoga , à esta altura, geladas. – Meu niisan nos liberou para nós ficarmos juntos, não foi isso, Ikki?

– Você fez isso, Ikki? – a voz de Hyoga permanecia em elegante calma. – Você me "liberou" para Shun?

Ikki se sentiu a escória. Um Nero queimando sua própria Roma. Sua Roma ruindo em chamas, o fogo lambendo seus sonhos e crepitando. O coração de Hyoga, o templo da sua cidade queimada, ele conseguia ouvir o estalar daquele coração se desfazendo em chamas. "Sou um desgraçado..." pensou Ikki.

– Eu fiz o que era melhor. Melhor para todos nós.

– Eu também achei. – Hyoga puxou a cinturinha fina de Shun para junto de si, enlaçando-o. – Agora não vai ter razão para eu não ficar com você, Shun.

– Foi o que eu disse pro niisan... Era só ele não ficar contra que tudo ia dar certo...

– Vai dar tudo certo agora. – a voz de Hyoga estava impregnada de ironia. – Abraçou o pequeno Shun e com os lábios ainda quentes dos beijos afoitos de Ikki, beijou o jovem Andrômeda. Shun correspondeu ao beijo entusiasmado.

Fênix levantou-se bruscamente.

– Vou deixar vocês sozinhos.

– Faz bem... Vou precisar de tempo para me entender com o cavaleiro aqui... – murmurou Hyoga, ainda abraçado com Shun. Seus olhos flamejavam de raiva. Ikki sabia que conseguira, de uma única vez, trair seu irmão e Hyoga.

Hesitou um pouco. Seus olhos presos aos de Hyoga. Desprezo. Cisne não ia facilitar-lhe em nada a vida, se pudesse fazê-lo adoecer de remorsos, ele o faria. Sabia bem que o jovem tinha herdado a calma e a classe de Camus – e, como bônus, herdara também a crueldade de Aquário quando este resolvia se vingar.

Acabou por sair sem se despedir de Shun.

Se olhasse muito, ia acabar voltando correndo. Era melhor deixar tudo, nunca fora mesmo educado, que lhe importava o que fossem pensar agora? E também... O que mais poderia querer? Tivera Hyoga em seus braços... Provara dos seus beijos... Ouvira-o dizer "eu te amo". O que mais precisava para ser feliz?

– X –

A vida de Ikki não ficou nem um pouco mais fácil depois que ele livrou-se do 'peso' de sua escolha. Achara, sinceramente, que depois que decidisse afastar-se de Hyoga e ao vê-lo feliz com Shun, tudo seria melhor, tudo ia dar certo e ele iria, aos poucos, esquecendo. Estava redondamente enganado e não precisou de muito tempo para perceber que sua escolha o isentara de uma batalha com Shun, mas não da culpa que sentia pela mágoa muda de Hyoga. Seu "afastar-se" de Cisne também não funcionou como esperava e continuou vendo-o com a mesma freqüência de sempre. Só que, dessa vez, nos braços de Shun. A convivência beirava o insuportável. Para feri-lo, Shun exibia-se com Hyoga o mais que podia. Andrômeda levava Hyoga para namorar em sua casa, trocava carícias com ele no sofá e por mais que Ikki fugisse, refugiando-se em seu quarto, os ecos daqueles sorrisos o machucavam ferozmente. Saía de casa para ficar longe, mas seus pensamentos não o abandonavam nunca.

Hyoga, por sua vez, incentivava o sadismo de Shun. Fazia questão de convidar Ikki para todos os programas que fazia com o jovem Andrômeda. Acuado e preso à promessa que fizera a Shun de mostrar boa vontade, ele aceitava. Se Hyoga era um sádico, Ikki certamente era um masoquista. De bom grado ele os acompanhava e sofria ao vê-los namorando. Mas não ver também não o livraria do sofrimento – ao menos estaria perto das pessoas que ele amava – era o que Ikki pensava.

É bem verdade que Hyoga julgava-se no direito de ferir Ikki o quanto quisesse. Não suportava o fato de ter sido enganado, preterido, em favor de Shun. Por que Fênix tinha sempre que pensar primeiro em Shun? Por que não pensara nele uma única vez? Quem disse ao cavaleiro de Fênix que ele tinha o direito de dispor da sua vontade e 'abrir mão' de dele 'dando-o' para Shun como se ele fosse um saco de batatas desprovido de vontade que pudesse ser arrastado de lá para cá? Por isso ele merecia sofrer. Mas no fundo, talvez, Hyoga também pensasse da mesma maneira: ao menos... Estava perto dele de alguma maneira. E, ao ver Fênix sofrer, imaginava que, talvez, ele ainda o amasse. Aquilo era um conforto muito pífio, mas era melhor do que nada.

Os únicos momentos de intimidade que Shun tinha com Hyoga sem a presença do 'niisan' eram em seu quarto. O belo cavaleiro de Andrômeda estava mais que cônscio do seu charme e decidira-se por se entregar a Hyoga como prova de amor. O loiro geralmente mostrava-se relutante em tomar liberdades com ele e Shun jurava para si mesmo que só podia ser por respeito a Ikki que era muito ciumento.

"Mas meu niisan não pode evitar que eu cresça. Eu sou um homem. E quero Hyoga como homem também." – era só no que pensava. Ele imaginava sempre se, depois que Hyoga o possuísse, o Cavaleiro de Cisne teria olhos para mais alguém. Não era exatamente soberba: Shun fora levado a crer que sua beleza podia mais do que sua força física. E, para seu azar, a máxima sempre funcionara. Sua doçura ganhara-lhe mais do que suas correntes. E com Hyoga não seria diferente – o ganharia com seu charme.

– X –

Um dia, Shun acordou decidido a fazer o que tinha que fazer. Na verdade, percebeu que se esperasse por uma atitude de Hyoga esperaria para sempre, pois seus beijos, com tempo, ao invés de se tornarem mais e mais ousados e picantes, tornavam-se quase fraternais, pudicos mesmo. Ou ele agia de uma vez ou logo regrediria ao estágio dos beijos na testa e abraços respeitosos.

Então Andrômeda planejou cuidadosamente sua estratégia. Pediu que Ikki lhe comprasse uma caixa de doces finos – que só eram vendidos do outro lado da cidade. Empregou todo o seu charme e seus biquinhos insistindo que precisava comer aqueles doces de qualquer maneira. Ikki acabou aceitando ir. Também, já não fazia mais nada: não se exercitava, não estudava, não ouvia música, comia pouco e dormia menos ainda. Estava a ponto de explodir. Achou que uma 'viagem' em busca dos doces para Shun lhe faria bem. Não eram nem duas da tarde quando saiu de casa, deixando Shun sozinho.

Tão logo se viu sozinho, Andrômeda preparou tudo para sua 'tarde de amor'. Desde a comida – morangos, chocolates e saquê, passando pelas almofadas novas; trocou as roupas de cama, arrumou os móveis, espalhou pétalas de flores por todas as partes. Ligou para Cisne e o convidou para aparecer por lá sem, é claro, comentar que Ikki não estaria presente.

Não demorou muito Hyoga estava lá. E não demorou muito também, o encantador Andrômeda conseguiu arrastá-lo, depois de muito saquê e sorrisinhos sedutores, para a cama do seu quarto, preparada com esmero para recebê-lo.

Hyoga, atordoado e levemente bêbado, defendia-se debilmente dos ataques de Shun, que deitado ao lado dele, beijava-lhe o pescoço tentando tirar-lhe a blusa.

– Não... Não, Shun... por favor...

– Fique quieto, Oga... e essa blusa que não sai de jeito nenhum!

Hyoga debateu-se um pouco, puxando a barra da blusa que já estava na altura de seus mamilos. Shun, fascinado, acariciava a pele de cetim do jovem russo. Desistiu da blusa, mas deitou-se sobre o corpo inerte na cama, preparando com beijos o terreno para seus propósitos. As mãos pequenas e finas desabotoavam o jeans de Hyoga, e, em um esforço sublime, conseguiu virar Cisne na cama, trocando de posição, ficando sob o corpo loiro que desejava tanto.

– Vamos, Oga... você não me acha bonito?

– Lindo... lindo...

– Então? Qual é o problema?

Hyoga beijou o abdômen de Shun, quase que em um gesto automático. Repentinamente, contudo, sentou-se na cama. Frustrado, Shun interpelou-o.

– O que foi?

Antes que Hyoga formulasse uma respostas, abaixou a cabeça e começou a vomitar. Tanto, que em pouco tempo Shun se assustou. Correu para o telefone e chamou uma ambulância. Não sabia o que fazer, já que o loiro permanecia curvado, sem conseguir parar de vomitar; levantava-lhe a cabeça para que ele respirasse entre uma golfada e outra, mas Cisne estava todo roxo e trêmulo. Certamente, não era o desfecho que esperara de sua tarde de amor.

– X –

– Alô? Niisan?

– Shun! Onde você está? Já é tarde!

– Estou na casa do Oga... Vou dormir aqui hoje.

– Mas Shun, está tudo bem?

– Está... Por que a pergunta?

– Os vizinhos disseram que tinha uma ambulância aqui!

– Foi o Hyoga...

A voz de Ikki falhou.

– O... que... que houve com Hyoga?

– Nada... quer dizer... Ele vomitou muito, chamei a ambulância, você sabe como eu sou tenso com essas coisas de saúde...

– Não era nada grave, não é, Shun?

– Úlcera nervosa. Mas o médico recomendou uns remédios e uma dieta... ele disse que vai ficar tudo bem. Eu resolvi ficar aqui para ajudar, preparar a comida, você sabe... O Hyoga é meio desastrado.

– Entendi... se precisar de mim eu...

– Não vou precisar. Boa noite, niisan. Não esqueça de fechar a porta da cozinha e limpar o quarto – ficou tudo sujo, mas eu não tive como limpar, tá?

– Está bem, Shun. Cuide-se.

Ikki passou a noite toda e boa parte da madrugada no quarto de Shun, limpando a sujeira e pensando no que poderia ter acontecido ali, naqueles lençóis de cetim, com todas aquelas pétalas de flores ( nenhuma rosa, Andrômeda tinha um certo receio dessas flores depois da batalha com Afrodite. ). Era Hyoga... seu Hyoga, ali, com Shun, tão bonito. Na cama...

"O que mais podem ter feito? Amor... amor... Tudo que eu, burro, não fiz quando tive chance! Perdi a chance, mas Shun não! Shun foi esperto... Ele não desperdiçou a chance que teve... Ele sim é feliz. Agora ele está lá, cuidando do Cisne. E eu aqui, limpando a merda. É o que eu mereço para deixar de ser burro. Burro."

– X –

Passaram-se doze dias depois do diagnóstico da úlcera. Shun permaneceu todo o tempo com Hyoga, indo até sua casa apenas para trocar de roupa e apanhar um ou outro objeto de higiene pessoal de que gostava mais; ignorava Ikki solenemente, com a desculpa de que tinha pressa e de que Hyoga não podia estar sozinho. Ikki, sem notícias, permitia-se aquela dor como um castigo. Nunca tinha ficado tanto tempo sem ver Hyoga. E agora... Sequer sabia dele...

Era tarde. Estava voltando de um dos seus solitários passeios pela sua rua, tentando esquecer o que tinha acontecido e as saudades de Hyoga. E eles moravam tão perto! Mas não tinha coragem de desafiar Shun. O seu irmão com certeza não veria com nos olhos a aproximação, se já em casa, sequer respondia as perguntas que fazia direito. Era reticente ao extremo e quase sempre o deixava apenas com um 'ele está melhorando', o que era muito pouco para alguém apaixonado como Ikki. Ardia-se de vontade de correr até lá, abraçar Hyoga, beijá-lo, cuidar dele. Sabia que Shun devia estar fazendo um ótimo trabalho, ele era delicado, atencioso e muito meigo quando queria. Mas para Ikki... Aquilo jamais seria um consolo.

Ikki então passava boa parte do seu tempo caminhando pelas ruas, perambulando pelas lojas e parques, tentando se acalmar com as visões da natureza e com as outras pessoas. Naquele dia aproveitou para fazer compras, trouxe um saco cheio de tomates, algumas frutas. Agora que Shun não dormia em casa, comia-se muito pouco, ele mesmo, quase nada.

Entrou batendo a porta descuidadamente, despejando a sacola de papel sobre a bancada da cozinha. O fez displicentemente e de má vontade. Estava cansado, entediado. Ia cozinhar alguma coisa, mas desistiu. Não tinha fome, sua cabeça zunia e ele já havia desistido dos analgésicos: sua dor de cabeça era falta de Hyoga – e nunca melhorava, só quando ele dormia. Entrou na sala e estremeceu. Hyoga estava sentado, curvado no seu sofá, olhos perdidos para a janela que dava para rua.

– Hyoga! – caiu de joelhos aos pés do rapaz, sentado no sofá. Com seus gestos graciosos de Cisne, Hyoga agradeceu a atenção apaixonada de Fênix pendendo sua cabeça loira contra a testa de Ikki. As mãos morenas seguraram rosto do outro entre os dedos, acariciando-o ternamente com os polegares.

– Ikki... – gemeu Hyoga diante do carinho.

– Zeus... Você está magro... Está com os olhos fundos... Você tem que se cuidar...

– Eu... Eu estou melhorando.

– Tem que parar de comer porcaria, Cisne! Eu disse para você que o Mc Donald's ia estragar seu estômago...

– É, pelo menos vou emagrecer... – esboçou um meio sorriso. Ikki respondeu-o com o mesmo sorriso, sentia a brasa em seu peito avivar pelo azul rascante dos olhos de Cisne que o fitavam.

– Você não precisa... Seu corpo é perfeito... E eu nem sei como, mas você ainda tem esses bracinhos com mais músculos que o meus... Eu sei que seu treinamento não pode ter sido pior que o meu!

Hyoga riu da carinhosa mentira que Ikki lhe dizia para animá-lo. Fez um sinal de quem levantava peso.

– Eu levantava pingüins para ficar em forma...

O cavaleiro moreno riu, penteando com os dedos os fios lisos e dourados que caíam sobre as bochechas de Hyoga.

– Como você está?

– Enjoado, com dor de cabeça... Infeliz. E você? Como vai...sem mim?

– Enjoado, com dor de cabeça, infeliz... Mas vai passar, Cisne... Vai parar de doer...

– Será?

– Tem que parar... Não pode doer assim para sempre... Até a pior ferida cicatriza um dia. Você tem que se alimentar direito, Cisne... Me promete que você vai se cuidar?

– Prometo mais ou menos.

– Promete mais ou menos! Não existe promessa mais ou menos! Eu não agüento te ver assim... Shun disse que você não estava comendo... Você precisa, Hyoga...

– Eu sei, mas eu não consigo... Tudo me dá enjôo.

– Vai ver você está grávido...

Hyoga apenas riu e colocou sua mão sobre o ombro de Ikki.

– Você promete que se eu fizer uma sopa de tomate agora você come, só um pouco? Um prato raso, mesmo... Já serve...

Ele apenas assentiu com a cabeça. Como era doce a respiração de Ikki sobre seu rosto, o hálito dele abria seu apetite. Tinha vontade de provar a sopa... Se pudesse, sorveria a sopa daquela boca tão bonita e tão quente... Junto da sua.

– Ikki... O... O Shun está no banho...

– Fala com ele que você está com fome... Que vai ficar para tomar a sopa...

– Ele vai desconfiar...

– Não interessa o que ele pensa, o que interessa é a sua saúde... Depois a gente vê que diz... Sua saúde é que não pode esperar, Hyoga.

– Ikki... Eu... Ainda...

– Eu também, Hyoga... Eu também...

Ambos fecharam os olhos, roçando os rostos colados em um ingênuo beijo de esquimó, os narizes se encostando carinhosamente.

– Vou fazer sua sopa...

Quando Ikki estava de pé, indo para cozinha, ouviu uma voz nas suas costas.

– Niisan?

– Shun?

Shun estava de jeans e camiseta, mas Fênix sempre ficava impressionado de como o irmão estava lindo e impecável. Apenas extremamente pálido. Mas lindo.

– Você vai fazer sopa?

– De tomate, quer?

– Estava de saída...

– Ah, espera um pouco, Shun... Estou com fome. – protestou o loiro.

– A gente pode comer na sua casa, Hyoga... – respondeu Shun ligeiramente nervoso. – Eu posso cozinhar para você...

– Eu sei, mas o Ikki já vai fazer a sopa mesmo e já estamos aqui... Senta aí, eu ligo a televisão.

– Tem certeza?

– Adoro sopa de tomate.

– Vai demorar a sopa, niisan?

– Não, é rápido.

– Quer ajuda, Fênix? – ofereceu-se Hyoga. Shun enciumou-se: Hyoga nunca antes havia se oferecido para ajudá-lo a cozinhar, mesmo depois de quase um mês cozinhando para o loiro.

– Não, Hyoga.

– Nem para descascar os tomates?

– Desde quando eu preciso desse tipo de ajuda? Eu sou homem! Descascar tomates! Parece que eu vou abrir uma picada no mato e não fazer uma sopinha!

– É grosso mesmo, hein?

– Vai te catar, Cisne!

– Vai você na frente.

– Damas na frente, loira.

– Otários atrás.

– Chega vocês dois? – Andrômeda se jogou mal humorado no sofá que ficava oposto ao de Hyoga. – Vamos esperar essa sopa em silêncio.

Ikki era um cozinheiro bem mais talentoso do que Hyoga ou mesmo Shun. A sopa de tomate não levou nem meia hora para ficar pronta e antes que notasse na sala, a bancada já tinha pratos dispostos, talheres, guardanapos e as cadeiras para três. O perfume da sopa impregnava o lugar e abriu o apetite de Hyoga.

– Vem, Cisne. A sopa está pronta.

Shun levantou-se e mais que depressa segurou o namorado pelo braço, guiando-o até a cozinha, fingindo – como tinha se tornado seu hábito nos últimos tempos – não notar os olhares apaixonados de Ikki.

Mas, por mais que Andrômeda pudesse fingir, era inútil. Era visível e dolorido o fato de que Hyoga parecia estar se revigorando a cada colherada da sopa. A sopa simples de tomate, com tempero fraco e pouco sal, na colher do loiro parecia um elixir da vida: as bochechas retomaram seu rosado sadio, os olhos azuis claros brilhavam e, embora não trocassem palavra alguma – e Hyoga sequer comentou se a sopa estava boa ou não – parecia para Shun que eles trocavam juras de amor entre uma colherada e outra, que seus olhares teciam elogios rasgados um ao outro e cada sorriso tímido de Hyoga era como uma carícia que ele devotava ao seu niisan.

Era a verdade. A sua outra face. E ela doía. Doía demais. Talvez... Talvez... Talvez Hyoga não estivesse tão incomodado com o amor de Ikki... Mas então...

Shun resolveu ajudar Ikki a arrumar a cozinha, mas seus olhos verdes não conseguiam parar de prestar atenção aos movimentos discretos que Hyoga fazia em direção a Fênix. Tanto foi assim que conseguiu a proeza de derramar o resto da sopa em si mesmo e em Ikki. Vendo o caos instalado e a si mesmo coberto de líquido vermelho, pronunciou furioso

"Ah, niisan! Como você é distraído! Eu vou tomar banho e me trocar para tirar esse cheiro horrível de sopa!"

Mesmo não tendo sido sua culpa, Ikki aceitou o ataque de Shun e deixou o vaidoso menino ir tomar banho e se trocar. Ele mesmo não se importou muito com a sopa derramada em sua camiseta e a tirou, ficando só de calça. Hyoga, ajudava-o a limpar a sujeira que o irmão caçula havia deixado no chão.

– Deixou ele sair limpo outra vez...

– Limpo? Ele parecia uma caixa de massa de tomate!

– Você sabe do que eu estou falando... Você nunca contraria ele!

– Hyoga...

– Você aceita tudo. Tudo.

– Não é verdade. – Ikki desviou o olhar de cobrança de Cisne, concentrando-se na lavagem dos utensílios que ele usara para preparar a sopa.

– É sim, você até está me evitando.

Ele ergueu os olhos tão escuros quanto azuis.

– Fizemos uma escolha.

Você fez uma escolha. E eu não participei.

Rápido e sedutor como a serpente do paraíso, Hyoga se interpôs entre Ikki e a pia, pressionando seu corpo contra o do moreno – um contato que esperava, que o enlouquecia e que não podia viver sem.

– Hyoga, não...

Cisne deitou a cabeça sobre o ombro nu de Ikki, beijando a pele morena e firme. Movia seus quadris contra os de Fênix, forçando-o com a malícia que adquiria na sua imaginação de dias afastado do seu quase amante. Manteve o cavaleiro de Fênix preso em sua armadilha, as mãos loiras desfaziam os nós de tensão – e provavelmente de culpa – que ainda marcavam os músculos de Ikki, porque sua vontade e seu coração já desmanchavam-se no calor das carícias de Cisne.

Aproveitando-se do torpor que sabia que provocava no outro, Hyoga desabotoou seus jeans justos e puxou docemente a mão de Ikki guiando-a até aqueles portões semi-abertos... os portões do Inferno e do Paraíso colocados no mesmo lugar.

As mãos de Ikki não recusaram o convite e invadiram a calça jeans de Hyoga sem muito jeito, timidamente, até encontrar o que buscava, a chave do paraíso do seu coração e do inferno da sua consciência. Seus dedos molhados e trêmulos tocaram a pele quente do sexo de Cisne, que já ameaçava crescer para fora da calça aberta.

– Ikki... Eu juro... Juro que tentei... Mas não consegui...

– Não conseguiu o quê?

– Esquecer...

– Não esquece, pato. Ignora. É como eu faço.

O jovem loiro lambeu pele delicada da parte de trás da orelha de Fênix, provocando um arrepio de prazer que percorreu seu corpo como um choque.

– Ignora isso na sua mão então... – ele gemeu quando a mão de Ikki fechou-se sobre seu membro. – É fácil falar...

– Hyoga, pára...

Hyoga cobriu os lábios trêmulos e hesitantes de Ikki com os seus. O cavaleiro de Fênix permitiu o beijo, entreabrindo os lábios para receber, outra vez, a língua do loiro na sua boca. As mãos loiras buscaram seu pescoço, Hyoga sabia o quanto Ikki gostava de ser acariciado ali – sentia os gemidos abafados de Fênix com dedos postados sobre a garganta dele, a excitação do moreno crescendo contra o seu corpo – Zeus, nada mudara! Agora Hyoga sentia-se feliz, compreendeu, com seu corpo, que Ikki ainda o queria. As mãos firmes de Fênix afastaram-no.

– Chega, Cisne... Chega... Shun está ali... Estamos perdendo o juízo...

O jovem loiro não encontrou palavras para reagir à negação do seu desejo e chorou, como criança a quem é negado um chocolate na vitrine do shopping.

– Loiro... Não chore assim... – Fênix abraçou-o suavemente, fechando o zíper das suas calças jeans e puxando as de Cisne para cima; percebeu que era impossível fechar as calças de Hyoga nas condições em que ele se encontrava e sussurrou nos ouvidos do outro:

– Vai para o banheiro, vai... Dá um jeito nisso, Oga... A gente não pode fazer isso aqui... Vai... Depois você volta, eu digo que você passou mal...

– Vem comigo, Ikki... – soluçou Hyoga. – Vamos juntos...

– Não... Não... Vai... – foi empurrando o loiro pelo corredor até o banheiro pequeno, e o deixou lá dentro, trêmulo e mudo, encostando a porta apenas. Andou de um lado para o outro do lado da porta, esperando Hyoga sair. Tinha que ter certeza de que ele estava bem... Aquela situação estava fugindo do controle... Se toda vez que ficasse alguns minutos sozinho com Hyoga ambos acabassem de calças arriadas, ia ser um desastre... O pobre Cisne sofria! Sofria... Como ele... Vítima... Lembrou-se de Esmeralda.

"Merda... Não faço nada direito... Ele sofre porque eu sou covarde. Eu sofro porque sou covarde... Mas Shun... Será que ele é feliz? Será que a mentira faz alguém feliz? Mas e essa verdade? Isso é verdade? O que é verdade nessa estória?"

A porta permanecia na mesma posição, mas Ikki ouviu os soluços de choro abafado de Hyoga. Não resistiu à vontade de entrar e abraçá-lo, afastou a porta sem fazer barulho, não sem antes checar se Shun estava por perto.

Hyoga estava sentado no chão do banheiro, no canto, as calças na altura dos joelhos, as mãos inseguras terminando sozinho aquilo que teria sido melhor feito a dois. Quando Ikki entrou no banheiro, Hyoga voltou-lhe os olhos molhados cheios de pudor e de culpa. Mostrou-lhe as mãos sujas com um sorriso de dor que Ikki nunca esqueceria.

Pálido e também culpado, Ikki foi até a pia e molhou a toalha de rosto na água fria. Ajudou Hyoga a se levantar, limpando-o com a tolha molhada. Sussurrava que tudo ia dar certo e que Hyoga podia parar de chorar porque ele estava ali. Abraçado a ele, Hyoga resmungava baixinho:

– Eu tentei... Eu juro que tentei... Mas eu não consegui... Eu só pensava em você... Era só você que eu queria... Não... Não dá... Mas eu tentei...

– Vai ficar tudo bem, Cisne... Eu vou fazer o que tem que ser feito. Por você. Vou fazer por você...

– X –

– Saori?

– Ikki? Você nunca me liga, aconteceu alguma coisa?

– Ainda consegue me arrumar uma viagem para Inglaterra? Como você tinha me oferecido antes?

– Sim, mas você não tinha me dito que preferia ficar em Tókio?

– Mudei de idéia. Mas... Queria que fosse o mais rápido possível.

– Daqui a duas semanas? É o melhor que posso fazer... Preciso dos seus documentos e preciso saber também da disponibilidade de vagas na escola inglesa.

– Duas semanas contadas de hoje?

– Você está fugindo de alguma coisa, Ikki?

– Boa noite, Saori. E obrigada.

– X –

– Quem era, senhorita Saori?

– Era o Fênix, Tatsumi.

– O que ele queria?

– Fugir...

– Do quê, Senhorita Saori? Ele se meteu em encrencas?

– Na maior encrenca de todas, Tatsumi... Na maior de todas...

– Não entendo, Senhorita...

– Vai entender... Quando você, com todos os outros, vir as conseqüências...

– X –

– Fez de novo?

– Hyoga...

– Você fez uma merda muito grande quando não contou para o Shun que a gente se amava. Fez outra merda não contando para ele depois que ele chegou. E fez merda outra vez quando disse para ele que me 'liberava'. Agora vai fazer merda de novo indo embora. Você não cansa?

– Cisne, vou fazer o melhor para a gente.

– Outra vez essa conversa? Você já não se convenceu de que você não sabe o que é melhor para os outros?

– Pára, Hyoga! Estou cansado, sabia? Cansado de todo mundo jogar o peso de 'ser feliz' nas minhas costas! Que merda! Esmeralda foi infeliz por minha causa, você é infeliz por minha causa, o Shun é infeliz por minha causa! Chega! Vão arrumar o que fazer da vida de vocês! Tudo eu!

– Não adianta gritar comigo. Eu já entendi. Vai embora então. – a voz hesitou um tanto. Logo, porém, recuperou sua entonação glacial. – Você vai quando?

– Depois de amanhã.

– Depois... Depois de amanhã? – Hyoga novamente perdeu o controle da sua voz de gelo. Descuidava-se porque, ao telefone, julgava-se mais protegido. Ao menos, assim Ikki não o veria chorar.

– Cisne... Eu já tinha falado com a Saori há um tempo. Ele confirmou a data ontem. – Você já tinha planejado tudo, né? E só me contou hoje...

– Estou falando com você antes de falar com o Shun.

– Ele não vai sentir sua falta como eu.

– Hyoga... Vai dar tudo certo agora.

– Fale por você. – bateu o telefone na cara do outro.

"Ikki... Por que eu sempre espero que você tome uma atitude se eu sei que você não vai? Por que você está sempre fugindo? Sempre?"

– X –