Disclaimer: Os personagens de Saint Seiya não são de minha propriedade e este texto não tem fins lucrativos.
Tia Vê's Notes: Yeah! Aqui estou! Mais um capítulo... Espero que as fãs do Shun não me matem mais depois dessa. Como eu mesma disse, não ia defender personagem nenhum, mas ia dar a cada um a oportunidade de se defender. Aqui, neste capítulo, quem mais fala é Shun. Deixei ele falar por ele mesmo. Tirem suas conclusões!
Beijoquinhas e, desde já, um OBRIGADO GIGANTE à Ada por ter betado este capítulo em tempo recorde!
Ah, sim, este capítulo é especialmente dedicado à Nana Pizani, minha nee-chan, com quem ando em falta, infelizmente... Como ela foi minha primeira 'autoridade' em bronzeadinhos, não dava para falar de Shun e Ikki sem lembrar dela! Querida, aproveite! Beijocas...
Primavera
Capítulo 5 - Encontros
Onde quer que fosse, as palavras de Shun o perseguiam. Ouvia retumbar nos seus ouvidos cada uma das acusações do seu irmão. Maldades... As pequenas maldades do amor. Era duro reconhecer que Shun estava crescendo, que ele estava confuso, que ele também podia ser egoísta e cruel às vezes. Ele não era nenhuma espécie de "super ser humano perfeito" que entende sempre, compreende todos e está disposto ao sacrifício. Sempre se sacrificaram por todos, pela humanidade, pela justiça, por Athena. Por que Ikki imaginaria que depois de tantos sacrifícios altruístas Shun renunciaria ao amor de Hyoga? E por que ele facilitaria as coisas?
"Sou a Ave Fênix... Sou duro, grosso, forte. Agüento tudo... Eu quis assim... Eu fiz essa fama para mim... Por que Shun ia se preocupar em escolher palavras para falar comigo, se eu sou o cara que não se magoa e não se machuca nunca?"
Sentou-se sobre o telhado da casa vizinha à sua. Hajakuru era um bairro bonito. Gostava da vista do céu limpo, que o acalmava. Estava triste por ter ouvido o que ouviu. E era tudo verdade. Por mais cruel que tivesse sido da parte de Shun dizê-lo, ainda assim, era verdade. Tudo que tocou com amor um dia, estava morrendo. Feriu seu irmão, sem querer, tirando dele aquele amor que lhe dava forças; feriu Hyoga, provocando seu amor, um amor de ruínas, construído sobre lágrimas de outros; feriu a si mesmo por desejar o que não devia ser seu; feriu Esmeralda, provocando nela um amor que destruiu sua vida, atando o destino da jovem ao seu, um destino de sangue e tragédia. Ele, contudo, era a Ave Fênix. Renasceria forte das cinzas, sempre. Mas cada vez mais, o que encontrava ao seu lado era morte, morte, destruição. Ele sobreviveria, mas ao seu lado, aqueles que amou, caídos, eram testemunhas da sua maldição: não devia querer nada, possuir nada, tocar nada.
"Sou um desgraçado." Pensou amargurado, vendo o sol que se punha delicadamente. "Zeus... Sei que nunca lhe dirigi a palavra antes... Mas... Conceda um pedido para um desgraçado como eu... Salve Hyoga. Tire ele de lá, por favor... E cure meu irmão. Cure a dor de Shun... Se eles se salvarem, eu me sentirei menos miserável... Menos culpado... Se achar que eu não mereço, está tudo bem, mas faça por eles... Eles merecem..."
0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
– Ei! Cuidado! Não vê por onde anda?
Shun, no chão, olhou de relance para a mulher que ele havia derrubado enquanto corria desesperadamente, cego pelas lágrimas do seu arrependimento.
– Eu... JUNE! É você? Você? Aqui em Tóquio? – ele levantou a cabeça em espanto.
A moça o ajudou a levantar com um meio sorriso.
– Shun, você está chorando?
Ele abraçou-a, aconchegando-se nos braços dela.
– June... Eu precisava tanto ver um rosto como o seu!
Ela o segurou pelos braços, empurrando-o pela rua.
– Venha, já saí do trabalho, podemos tomar um chá. Ali, na esquina, vem...
– June, você está em Tóquio? – ele coçou os olhos, observando-a melhor. – Você está muito diferente! Muito!
Era a mesma bela amazona, mais alta e mais forte que ele – de cabelos curtos, com mechas negras, vestida como uma das ultra modernas adoradoras de J-Pop.
– Eu sei... – ela deitou os dedos pelos cabelos cortados, sobre as mechas negras. – Já estou aqui há seis meses. A Saori me ajudou a vir... Ela não te disse nada, não é? Fui eu quem pediu segredo...
– Mas por quê?
– Agora isso não vem ao caso... Eu quero saber de você... Poucas vezes te vi tão triste, Shun!
– Poucas vezes eu estive tão triste, June... Triste comigo...
Os dois caminharam em silêncio até a discreta casa de chá. June já sabia como se comportar, sentar e pedir em casas tipicamente japonesas. Algo que Shun parecia ter no sangue e que ela jamais compreendeu – se ele, como ela, não tinha sido criado naquele país, viveu lá apenas uns poucos anos.
Vendo que Shun estava se acalmando, esperou que ele sorvesse mais alguns goles do chá, até perguntar, timidamente, mesmo que quebrando as etiquetas do chá japonês, que devia ser tomado em silêncio.
– Já se sente melhor para me contar porque chorava, Shun? – dispôs graciosamente o queixo sobre as mãos cruzadas.
– Eu... Sempre fui tão pretensioso...
– Não acho que ninguém concorde com você, Shun...
– Eu sei que sou bom. Eu... – ele colocou as mãos sobre a mesa, elas tremiam – Eu tentei ser bom... E não era por hipocrisia... Eu acreditava no poder de ser justo e honesto, que queria ser bom, já que não podia... Ser forte. E eu me esforcei, sempre... Eu quis ser bom... Eu me sacrifiquei por todos... Eu me dei inteiro à causa que defendemos... Eu fiz! Mas... eu falhei! Em algum momento eu falhei! Por quê?
– Shun, o que você fez?
– Eu fui cruel com a pessoa que mais me amou na vida, June! E por nada! Nada!
– Me explique melhor, Shun... – ela pousou as mãos firmes de amazona sobre as dele. – Me conte tudo...
– Eu... Eu sempre amei Hyoga. Eu queria Hyoga... Ele era meu! Nós fomos feitos um para o outro, todos me diziam isso, eu sentia isso! Por ele eu lutei, por ele eu morreria... Depois que tudo acabou... Ainda assim... Eu sentia tristeza no coração dele, June... Hyoga nunca... Ou eu imaginava que ele nunca... Ia superar a morte da mãe dele. Então... Quando a senhorita Saori nos ofereceu a oportunidade de estudar fora... Eu fui! Eu não queria me separar do Hyoga, mas eu sabia que... Enquanto ele não resolvesse tudo que dizia respeito à mãe dele, nem eu nem ninguém ia alcançar o coração dele... Foi um erro... O maior de todos!
– Eu sei o quanto você gosta do Hyoga, Shun... Você o magoou?
– Ele também.
– Quem mais?
– Meu irmão.
– O que o Ikki tem a ver com Hyoga?
Ele deu um sorriso amargo, secando os olhos com a manga da camisa.
– Eu achava que nada. Esse foi o erro...
– Acho que já começo a entender... Mas fale... Se não for doloroso demais para você, é claro...
– Não... Eu preciso disso... Preciso dividir isso com alguém... Eu... Viajei. Deixei meu irmão e Hyoga muito próximos... Sozinhos... Eles se viram, June! Viram um no outro coisas que nem eu tinha visto!
– Não acredito, Shun... Não é possível... Eles não... não...
– Não têm nada em comum? É isso! É o que eu pensava! Mas... Eu estava errado, June... Eles têm muito em comum... Eles se divertem juntos... Se gostam... Eles se amam... E não há NADA que eu possa fazer para impedir ou mudar isso... Eles se amam...
– Mas como isso foi acontecer?
– Como acontece com pessoas normais: se olham, conversam... Saem juntos... Se descobrem... Se amam... É assim... E fui eu quem patrocinou isso!
– Mas você sempre esteve tão certo do amor de Hyoga...
– Talvez ele me amasse mesmo... Já não sei bem...
Os olhos dela brilharam timidamente.
– Não... Se ele te amasse, não seria por seis meses que iria te esquecer...
"Em tantos anos, eu jamais te esqueci..." pensou a jovem loira, sentindo-se egoísta pelo seu pensamento.
– Pode ser... Mas o fato é que quando eu voltei, eu senti... eu senti que alguma coisa estava diferente, mas não quis acreditar... eu não podia acreditar... Eu... Imaginei coisas... Fiz teorias... Até acreditar que meu irmão tinha se apaixonado por Hyoga... E que o Hyoga odiava isso...
– Mas Shun...
Ele deu uma risada nervosa, fazendo um movimento com a mão como se contasse uma estória mentirosa.
– Eu manipulei o Ikki até conseguir que ele fosse até o Hyoga dizer que estava tudo bem se a gente namorasse... Eu sabia que ele estava sofrendo, estava nos olhos dele! Mas eu pensei, com todas as minhas forças, que era melhor assim... Levou tempo até eu me convencer, mas fiz força para acreditar que era melhor que ele sofresse por mim do que pelo Hyoga... Mas era uma coisa idiota... No fundo, bem no fundo, eu sabia que meu irmão tinha alguma coisa a dizer, mas eu não quis escutar... Por medo... Tudo no niisan é tão definitivo... Ele é tão forte... Parece que ele toma tudo o que vê, tudo que põe a mão... Ele tem carisma, sabe, June? As pessoas nunca ficam indiferentes a ele...
– Shun, você lutou pelo seu amor... Não há nada de errado nisso...
– Nada de errado? Isso é porque você não viu a dor no rosto do meu irmão! Ele ama Hyoga! Sabe o pior? O pior não é isso...
– Shun...
– O pior é que... Eu quis acreditar que era não correspondido. Eu não conseguia conceber que o niisan pudesse conquistar Hyoga... Nunca... Mas... O Hyoga é seco e duro como Camus... Ele não fala... Mas eu conheço ele bem... Eu sentia quando ele me beijava e me tocava que... Não era como antes... Ele ficou triste... Ele ficou diferente... Ele e o niisan... Estavam sofrendo... E por quê? Eu achava que era por causa da mágoa... Como se o Hyoga tivesse ficado triste por causa da dor que tivemos que causar no Ikki... Mas não era isso... Não era!
– Você... Também foi uma vítima... Por que eles não te contaram nada?
– Não sei! Não sei! Mas eu acho que o Ikki... Ele não queria que eu sofresse... Ou não tinha coragem de me desafiar... Eu sempre fui para ele um filho mais do que um irmão... Como ele ia competir como homem contra mim? E eu não queria desistir! Todas as guerras, todas as batalhas, eu dei tudo de mim! Pela paz, pela justiça, pela honra! Tudo pensando no depois – numa vida melhor, em um mundo de paz para a gente ser feliz! E eu pensava no Hyoga! Num lugar de paz onde eu pudesse só estudar, beijar na boca e ser feliz como qualquer garoto da minha idade! Por que até isso tinha que ser tirado de mim? Por quê? Eu também não tenho direito? Por que tinha que dar errado justo na hora em que estava tudo bem?
– Shun... A vida é assim... Você se machucou... Te traíram... Você também machucou os outros... Mas acabou... É assim...
– Não! Não é assim! Eu... Eu quis... forçar uma relação com o Hyoga... Eu achei que se ele e eu... nós dois... você sabe... como namorados de verdade... Ele não ia me abandonar mais. Ele... ficou doente... Daí... Um dia... Eu fiquei atrás da porta e vi... Eu vi, June... Ninguém me contou... Os olhos deles... as palavras deles... O Hyoga nunca me olhou daquele jeito... Com aquele amor... Eles se amam... June... Eles... Conversando escondidos daquele jeito, como bandidos... Sofrendo... o Ikki cuidando do Hyoga como ele sempre cuidou de mim... O Hyoga cheio de carinhos... Naquele dia, eu... Me decidi. Eu ia acabar com aquilo de uma vez! Ia falar com o niisan e acabar com aquela falsidade toda, aquilo me fazia mal, era como se eu estivesse sujo... Sujo! Eu ia terminar com o Hyoga e deixar o caminho livre para os dois, mas...
Não é fácil... Cada dia eu acordava querendo um beijo... Um abraço... Achando que era o último... Me despedindo do Oga a cada gesto... E quando eu ia falar, parece que alguma coisa fechava a minha garganta e me impedia... E eu, ingênuo, pensava: "Ah, amanhã eu falo"... E nunca falava... Nunca...
Até...
– O que aconteceu, Shun?
– Meu irmão decidiu viajar... Ir embora... Fugir do Hyoga. Eu... Saí de casa para tomar forças... Eu ia dizer para ele, eu ia... Mas... Quando eu cheguei lá... Encontrei o niisan na cama... Na cama com o meu Hyoga! Meu! Tudo o que ele não quis me dar, ele deu para o niisan... Ele se entregou para ele! Eu fiquei com ódio... Com muita raiva... E saí dali... E aí...
– E aí o quê?
– Aí... Aí o niisan correu atrás de mim e eu não sabia para onde fugir deles, eu só queria não ver mais os dois... E... Foi rápido... Um carro... Atropelou o Hyoga... Ele se atirou na minha frente para me salvar! E não foi por mim, June! E o pior é que eu sei que ele fez isso pelo Ikki... Pro meu irmão não sentir mais remorsos e não sofrer! Fez por ele... Eu sei!
– E... O que houve com Hyoga?
– Está em coma... Até hoje... E... No hospital... Eu fiz de novo! Não consegui vencer essa voz má dentro de mim! Não deixei meu irmão ver o Oga... Me remoí de ciúmes ridículos! Por quê, June? Para quê? Não era eu que o Hyoga queria ver, mas meu niisan! Mas aí... Pôxa! Quando o Oga acordar ele vai ser todo do Ikki! Por que eu não podia ter aqueles míseros momentos com ele no quarto? Era tão pouco!
– Shun, se você não quiser continuar...
– Eu preciso... Eu... Consegui... Ofender Ikki... Ofender meu irmão... Meu único parente vivo... Que me protegeu e me amou e que trocou de lugar comigo para eu não sofrer... Ele, a quem eu devia proteger... E eu ataquei meu irmão!
– Vocês brigaram, Shun?
– Eu disse coisas horríveis para ele, June... Horríveis! Ele não merecia... Não merecia... Não sei o que fiz. Não... Não sei se um dia o niisan vai ser capaz de me perdoar pelo que eu fiz...
– O que você disse de tão grave?
– Que tudo que ele tocava, morria. Falei da Esmeralda... Da Esmeralda! Que era sagrada para ele!
– Shun, mas... Isso foi...
– Horrível, eu sei... Mesquinho. Mas... Saiu... Assim... Como se não fosse nada! Saiu... Até agora estou assustado... Eu tenho medo, June! Por que será que eu disse aquilo? E se não foi só um impulso? E se essa pessoa má, mesquinha, for eu mesmo? Eu tenho medo... E se eu não puder controlar isso depois?
– Mas você pode se desculpar... Nada na vida é definitivo... Ele vai entender... Você é tão jovem... E passou por tantas coisas! Você não é mau, Shun... Eu conheço você... Você é puro e bom!
– Posso pedir desculpas mil vezes... E ele vai me perdoar... Mas nada muda o fato de que eu disse aquelas coisas. Ele vai perdoar, mas não vai esquecer, eu sei... E isso me dói... Queria nunca ter dito aquilo... Queria ter tido coragem de assumir que sabia que eles estavam apaixonados e deixá-los viver juntos... Agora meu irmão está magoado, ferido... E o Hyoga em uma cama de hospital... É tudo minha culpa!
– Shun, você errou muito! Mas não errou sozinho! Por que o Hyoga não foi sincero com você? E por que o Ikki não te enfrentou? Eles foram tão covardes quanto você! Mesmo que tenham tido intenção de te proteger, mas a verdade é que não importa a razão: vocês três foram covardes e estão pagando por isso. Mas ninguém precisa ficar sofrendo para sempre... Mal ou bem: as coisas chegaram a um ponto que se resolveram... Eles vão ficar juntos porque se amam... E você vai seguir sua vida com a mesma dignidade e meiguice que você sempre teve, Shun...
Ele balançou a cabeça, descrente. Secou de novo os olhos com a manga da camisa, para deleite de June que achou-o cada vez mais belo e doce. Ele a encarou brandamente.
– June... O que você está fazendo em Tóquio?
– Vivendo, Shun. Depois que a Ilha foi destruída... Não tinha para onde ir. Fui para Atenas, mas não me adaptei bem. A última vez que a Senhorita Saori foi até lá, viu que eu estava muito triste, deslocada lá. Então, ela me convidou para vir para o Japão. Eu aceitei e vim. Estou estudando e trabalho na biblioteca da escola. É divertido, eu gosto de cuidar dos livros e de conviver com os alunos. É bom...
– Você está diferente... Seu cabelo...
– Ah, você gostou? Cortei bem curto assim porque queria mudar. Não queria mais ser a amazona da Ilha, eu quero ser uma moça comum, moderna, vivendo em uma cidade moderna, convivendo com gente, com novidades... Você também não sentiu essa vontade de viver loucamente, viver coisas novas, estar em contato com tudo que fosse novo, normal?
– Claro! Claro... É quase que um impulso interno de buscar pela vida em tudo... de sair para conhecer a cidade e jogar bola nos parques e de ir aos cinemas, às boates e de beber até tomar um porre, namorar... Ser amado... Viver... Acho que é só isso em que eu pensava – viver!
– Viver! Então, Shun! Viva!
– June, estou tão feliz de te ver... – segurou as mãos dela junto das suas.
– Também fiquei feliz de te encontrar, Shun. Eu ia procurar por você assim que estivesse mais estabilizada aqui em Tóquio... Quando eu pudesse convidar você para um chá em minha casa... Enfim, quando estivesse mais sossegada. Mas, que bom! A gente se encontrou logo!
– Não sei o que fazer... Devo procurar meu irmão hoje? Ou deixar o coração dele sossegar um pouco?
– Não deixe a mágoa se apossar do coração dele! Procure-o logo e resolva tudo com um abraço! Vocês são irmãos e sempre se amaram! Nada poderia destruir isso!
– Você tem razão, June! Meu niisan é a coisa mais importante do mundo para mim... Não posso deixar para depois!
Despediram-se com uma agradável sensação de familiaridade. Mas Shun logo voltou seus pensamentos perturbados para as cenas do hospital. Cruel, cruel... Como tinha sido cruel! E sabia bem que aquilo magoara Ikki profundamente por ser, de certa maneira, verdade. É verdade que Esmeralda estava morta porque amara Ikki. O pobre niisan não tivera culpa nenhuma, mas o amor da Esmeralda causara-lhe a morte. E, justamente por ser verdade, fora uma punhalada certeira. "Niisan... Não chore... Eu vou encontrar você... E cuidar de você como você sempre cuidou de mim... Eu juro... Nem você nem o Oga vão mais chorar por essa bobagem... Isso vai passar... Eu vou cuidar de você..."
Procurou pelo irmão em todos os óbvios lugares onde o encontraria: no hospital, em casa, no parque, na casa de videogames. Não o encontrava e isso só aumentava a sua agonia. Decidiu pedir ajuda a Saori. Tinha medo do que podia ter acontecido. Teve uma esperança tola de encontrar o irmão na mansão Kido, mas, como esperado, ele não estava lá. Tentou ainda o celular do irmão mais algumas vezes enquanto esperava por Saori na sala de estar, quando ela apareceu, já avisada do que tinha acontecido. A empregada precipitou-se na sala para servir chá ao visitante e à senhora da casa.
– Senhorita Saori... Eu... Procuro o Ikki...
– Eu soube do que houve mais cedo no hospital. É por isso que ele sumiu?
– É... é sim...
– Bem, suponho que ele esteja em algum lugar pensando no que houve.
Ela tomou a xícara entre os dedos longos e brancos.
– Eu sei, mas estou preocupado...
– Vocês brigaram por causa de Hyoga, não foi?
– Sim. Foi por isso.
– Sabia que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde...
– A Senhorita sabia que meu niisan e o Hyoga...
– Eles nunca me disseram nada, mas achei que era porque a coisa era muito óbvia... Qualquer um notaria como eles estavam apaixonados, os olhos deles brilhavam! – ela o encarou com certo sarcasmo. – A primeira vez que eles vieram aqui pareciam brigados, mas já era tão evidente o carinho que sentiam um pelo outro! Eu fiquei muito feliz e muito aliviada... Hyoga estava perturbado com toda aquela estória da mãe dele e o Ikki... Bem, a vida toda ele teve de lutar contra o destino... E então, se apaixonaram! Confesso que a princípio achei o par estranho, mas... Pensando bem, não são tão estranhos juntos! Na verdade, depois de pensar um pouco, eles combinam!
– Você acha?
– Claro! Eles são fortes, voluntariosos, seguros de si. São firmes, determinados. Têm o mesmo tipo de atitude, são 'durões'. Se parecem até, você não acha?
– Pensando assim...
– A educação que receberam certamente os distingue, mas assim mesmo eu os vejo tão parecidos!
– Onde será que ele está... Meu niisan...
– Oras, Shun... Use seu cosmo. Você é ou não é um cavaleiro?
– Claro! Claro! Por que não pensei nisso? – ele se levantou bruscamente, mas ela o segurou pelo pulso.
– Lembre-se, Shun... Palavras não voltam a trás. Nada do que você disse será esquecido. Que isso sirva como uma lição para vocês três: não se pode brincar com sentimentos e ninguém pode servir de pára-raios para outro para sempre. Vocês três vão ter que crescer. De verdade.
– Obrigado, Senhorita Saori.
– Boa sorte, Shun.
0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
Shun caminhou pela cidade usando seu cosmo de cavaleiro para achar o irmão. Exausto e sem muito sucesso, resolveu voltar para casa. No caminho, continuou usando o cosmo, mas por obrigação que por convicção, nunca imaginaria que seu niisan pudesse apenas voltar para casa como uma pessoa qualquer: ele era um lobo solitário e ele ainda se lembrava de como ele vivia fugindo e se escondendo assim que voltou da Ilha da Rainha da Morte, distante e intocado para todos. Qual não foi sua surpresa ao sentir o cosmo do irmão na entrada da rua. Correu pela estreita rua que dava até sua casa aos berros, sua voz delicada, quase infantil, bradando o nome de Ikki, chamando atenção dos moradores que apenas sorriam ao ver o belíssimo rapazinho correr e gritar.
Até que Shun vislumbrou a silhueta inconfundível de Ikki sobre o telhado de sua casa. Por mais absurda e incompatível que fosse a idéia do suicídio relacionada ao niisan, por algum motivo tolo Shun sentiu um pânico interno risível, pulou até o telhado com sua força de cavaleiro sem se importar se transeuntes iriam achar estranho e atirou-se sobre o irmão, "salvando-o" da morte.
– Niisan! Ikki! Não morra!
Ikki, rolando pelo telhado com o corpo de Shun agarrado ao seu, conseguiu amenizar o impacto e parar, de maneira razoavelmente segura, antes de atingir a beirada do telhado.
– Shun? Como você...
– Eu sou cavaleiro, esqueceu? Por favor, niisan! Não faça mais isso!
– Isso o quê?
– Tentar se matar! Não faça isso! Se estiver bravo, pode me bater...
– Shun! O que você andou tomando na rua? Ficou maluco? Me matar! Te bater! Você... Você não usa drogas, usa?
– Niisan! – o jovem cutucou o braço do irmão fazendo uma careta. – Não uso nada... Imagine...
– Mas parece! Eu, me matar! De onde tira essas baboseiras!
– Ah, não sei... Nos filmes... Também, o que é que você está fazendo no telhado?
– Pensando, ué. Vendo estrelas.
– Vendo estrelas! Você não está usando nada não, é? – bagunçou a franja de cabelos negro-azulados de Ikki. – Ver estrelas, você! Justo você!
– Qual é o problema? Eu tenho olho. Olho é para olhar!
– Xi, virou filósofo! É isso, é? E boca? Boca é para beijar? – ele começou a distribuir beijinhos na testa de Ikki que defendia-se sem muita vontade. – Anda, fala! E dedo? É para fazer cócegas... Aqui... Aqui... Tá rindo? Pára de rir, sua galinha de fogo!
– Galinha de fogo, não, ô menino correntinha de bicicleta!
– Ah! Está se defendendo agora! Ao ataque, soldado! Coragem com esses punhos...
– Não me provoca, Shun... Se eu agarro os seus pés... Não largo até você chorar...
– Ameaças! Golpe baixo! Cócegas no pé não vale!
– Não vale por quê?
Shun ajeitou-se, repentinamente parando a brincadeira. Alisou o rosto risonho do irmão. Impressionante como Ikki conseguia sorrir mesmo quando seus olhos flamejavam de dor.
– Niisan... Eu amo tanto você... Queria que me desculpasse, um dia... Sei que hoje não dá, mas... Um dia... Um dia você vai me perdoar?
– Shun, não preci–
– Precisa! Você é bom, é gentil. Não merecia os meus desaforos... Mas eu... Nunca quis te magoar de verdade, eu gosto muito de você, niisan. Eu quero que você seja feliz. Desculpe... Desculpe! – escondeu o rosto entre as mãos mimosas e se pôs a chorar. Ikki tomou as mãozinhas delicadas nas suas, limpou mansamente as lágrimas do irmão menor – como fizera tantas e tantas vezes na vida – levantou o rostinho pálido pelo queixo.
– Shun... Está tudo bem...
– Não está, não finja que não está sentindo nada, Ikki! Você não vê? Esse é o problema! Você finge tanto que não sofre, que não sente nada, que acaba acostumando mal as pessoas que convivem com você! Você tem que começar a falar o que pensa e sente! Mesmo que magoe os outros... Nem sempre se sacrificar por alguém é fazer bem a este alguém! Vamos lá! – sacudiu os braços firmes do irmão. – Me diga que está bravo!
– Shun!
– Diga a verdade!
– Estou... Triste... Porque... é verdade. A Esmeralda...
– É verdade, ela morreu por que amava você. Mas não por sua causa! Quem matou ela foi seu mestre... Foi o pai dela. Ela se sacrificou por você porque te amava. Eu também gostaria de poder morrer assim – defendendo os que eu amo... Mas vamos! Fale mais!
– O Hyoga...
– Foi uma bobagem da minha parte, niisan... Eu não tinha direitos de exclusividade sobre o Oga... Ele é livre para escolher... Ele escolheu você... Eu sofrer ou não, não é culpa de vocês... A vida é assim. Eu não tinha direito de me meter... Ele gosta de você... – ele deu um tapa na nuca do irmão mais velho. – É claro que você e o boboca do Hyoga podiam ter me contado, né? Mas tudo bem... O que eu fiz também não foi certo. Só não gostei de ser traído... Deviam ter me contado...
– É, eu faço tudo errado mesmo.
– Pára de se culpar por tudo, essa sua mania é chata, sabia?
– Mas eu fiz tudo errado porque o Hyoga queria te contar e eu não deixei.
– Ah, ele também podia ter dito, aquele tratante loiro...
Os olhos de Ikki voltaram-se para as estrelas.
– Será que ele vai ficar bom, Shun?
– Mas é claro que vai. Os médicos disseram que é uma questão de tempo.
– Será que ele vai perdoar a gente?
– Conhecendo ele bem, eu acho... Não... Mas, a esperança serve para isso, não é? E você sempre pode dobrá-lo com uns... beijinhos!
– Pára, Shun...
Andrômeda segurou a mão do irmão.
–Amo você, Ikki... Eu errei, mas eu... Eu sinto muito.
– Me dá um abraço, Shun...
0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
O tempo cura todas as feridas. Curou as feridas de Hyoga também. Depois da discussão entre os irmãos Amamiya, seus sinais vitais se agitaram e ele saiu do coma. O edema se desfez naturalmente, como os médicos haviam previsto. Apenas um fato curioso se operou: nenhum dos irmãos mais apareceu para visitá-lo. Ikki julgou que Shun merecia as honras de cuidar de Hyoga e Shun pensou que Ikki é que ia fazer as vezes de acompanhante do homem que ele amava. O problema é que não comunicaram um ou outro de sua decisão.
Também não comunicaram a mais ninguém no grupo dos cavaleiros e então, durante as duas semanas posteriores ao incidente, ninguém apareceu para visitar o Cavaleiro de Cisne. Obviamente, a displicência daqueles que sempre juraram amá-lo mais que tudo magoou o orgulho de Hyoga. Mas ele não era do tipo que confessava a dor que sentia ou que mendigava por atenção. Julgava-se bom demais para precisar implorar por migalhas de afeto dos dois. Aqueles irmãos egoístas... Nenhum deles de fato o amou: era um assunto de família. Ele estava fora. Depois que tudo aconteceu, eles se reconciliaram e ele, Hyoga, ficara só novamente. Mas isso não importava mais. Cisne tinha tomado uma decisão. E, como era típico dele, uma daquelas decisões de não se voltar atrás.
– Tem certeza de que é isso que quer?
– Tenho sim, senhorita Saori. Já é definitivo.
– Eu lamento o que aconteceu com os...
– Não se preocupe com isso. Passou. Agora que estou bem e com saúde, vou cuidar da minha vida.
– Vai para a França, então?
– Sim, mas primeiro eu quero pedir permissão para ir ao Santuário.
– Ao Santuário? É claro que você pode ir, mas, algum motivo em especial?
– Eu precisava ver Miro.
– Miro? Que coisa mais... Inesperada.
– Quando eu estava em coma eu acredito que eu fiz contato com meu Mestre. Ele me pediu que transmitisse um recado para Miro e que só eu podia fazer. Então, eu não posso decepcionar o Mestre Camus.
– Está bem. Quando você vai?
– Amanhã. O médico já me liberou completamente.
– Boa Sorte, Hyoga... Espero que seja verdadeiramente feliz na França.
– Eu vou ser, Senhorita Saori. Eu vou ser.
0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
– NIISAN!
– O que foi, Shun! Eu já estava entrando no banho!
– Niisan, você sabia que o Hyoga teve alta?
– Não, pensei que quando ele tivesse você ia me contar!
– Eu?
– Não era você que estava visitando ele?
– Eu? Eu... MEU ZEUS! Se você não estava visitando ele... Ninguém estava!
– Como assim, Shun? Não era você que ia até lá?
– Eu, niisan? Eu? E não era você que amava o Oga? Eu deixei o caminho livre para você...
– Eu pensei... p-pensei...
– Você é burro, hein, Ikki? Não pense! Deixa que eu faço isso para você!
– Mas... Mas então... Ele teve alta? Eu...Eu...
– Nem pense em ir visitar ele agora, você conhece o Hyoga, ele deve estar furioso!
– Então o que a gente vai fazer?
– A gente não, cara pálida! Você vai até o aeroporto buscar seu amor!
– Aeroporto?
– A Senhorita Saori me ligou e disse que se você quiser mesmo encontrar com ele o vôo sai hoje, às duas da tarde. Você tem uma hora para terminar seu banho, se perfumar e correr atrás dele. Se mexe!
– Mas... Para onde esse desmiolado do Cisne vai?
– O seu cisne vai voar para o Santuário! Anda! Você está perdendo tempo! A gente não dirige, esqueceu? Vai ter que pegar o metrô para chegar lá! Ou um táxi... Anda! Põe uma roupa bem bonita!
– Não... Não sei, Shun... O que eu vou dizer?
– Isso você pensa no caminho! Anda logo! Vai tomar seu banho que eu escolho a roupa para você se vestir e separo o dinheiro para você pegar o táxi... Anda!
O coração de Shun estava tenso como uma corda de violão esticada ao seu máximo. Era parte da sua missão ajudar Hyoga e o niisan a se acertarem. Ele também tinham parte naquele imbróglio que tinha se tornado a estória deles e ajudar o irmão aliviava um pouco a sua consciência. Separou a roupa mais bonita de Ikki – se é que se podia dizer isso das poucas roupinhas gastas e sem brilho que enchiam os espaços das gavetas do moreno. Assim mesmo, achou um par bonito de calças de jeans claro e desfiado ( uma das poucas concessões 'fashion' que Shun conseguira com ele ) e uma camiseta preta que tinha um bonito anagrama chinês, que segundo Shiryu queria dizer 'sonhador'. Separou os tênis esportivos pretos também. Achou que faziam um conjunto muito simples, mas muito condizente com a personalidade de Ikki – e provavelmente Hyoga preferiria isso a uma produção muito elegante e sofisticada que nada tinha a ver com a pessoa por quem ele, afinal, se apaixonara. Separou a carteira do irmão com uma boa quantidade de ienes.
Ikki vestiu-se correndo e estava saindo pela porta da frente enquanto o irmão borrifava o perfume sobre ele, com um pente na outra mão, que empurrava-o e dizia "se penteia no carro"; Fênix entrou no táxi que o esperava na porta ( e que Shun tinha chamado, pagando o dobro por ter pedido urgência ).
No caminho, conseguiu sossegar seus pensamentos, mas sem atinar para o que ia dizer a Hyoga. Não haveria desculpa boa o bastante para um homem orgulhoso e fino como Cisne. "Vai me odiar pelo que aconteceu... Não devia ter vindo." Esse pensamento o acompanhou diversas vezes, como um mosquitinho teimoso, que uma vez enxotado, reaparecia para incomodá-lo, várias e várias vezes, minando sua coragem e sua firmeza.
Quando chegou ao aeroporto, descobriu que o vôo de Hyoga já estava saindo. Sua autoconfiança sofreu mais um baque. Assim mesmo, quis dizer ao loiro que, a despeito de toda aquela confusão, ele o amara – ele o amava ainda – profundamente.
Para um cavaleiro rápido e esperto como Ikki, não foi difícil invadir a pista de embarque sem ser pego pelos guardas. Sem muitas complicações ele conseguiu chegar até onde Hyoga estava preparando-se para entrar no avião, belo e elegante como sempre, com o longo sobretudo de couro branco, suas calças de veludo caramelo e sua camisa de malha azul clara. "O desgraçado deve ter roubado todo o guarda-roupas do falecido Camus", pensou Ikki, rindo da sua observação, apenas para confirmar que, além de lindo, Hyoga também tinha bom gosto. Assobiou para chamar a atenção dele, mas não foi o assobio e sim a força do seu cosmos que imediatamente chamou a atenção de Cisne. Hyoga discretamente pediu licença aos seguranças da fila e caminhou até onde Ikki estava, tenso pelo nervosismo. Era agora... E ele nem sequer conseguia se concentrar porque... Afinal... Como Cisne podia ficar cada dia mais bonito? O loiro o olhou nos olhos e finalmente murmurou, com sua voz cristalina e fria.
– Pois não?
– Hy... Hyoga...
– Hyoga é o meu nome. Pois não?
– Eu...
– Estou bem atrasado. O que quer?
– Você... V-você vai mesmo?
O loiro balançou-lhe a passagem entre os dedos apontando para a fila de embarque que o esperava.
– Bem, estamos na pista de embarque.
– É que... Você não devia ir assim.
– Não há nada que me prenda a Tóquio.
– Mas...
– O que você quer me dizer?
– Que... É claro que você deve ter alguma coisa para te prender em Tóquio!
– O quê, por exemplo? Me dê um motivo...
Viu que Ikki ficou repentinamente vermelho, mas não disse nada. Ajeitou o cachecol cinza escuro em volta do pescoço ao mesmo tempo vestindo as luvas de couro preto. Tinha então uma feliz e plena consciência o poder devastador da sua beleza sobre o outro e gostou de vê-lo gaguejar diante dos seus gestos.
– É... Você... Você deve... Você tem assuntos pendentes.
Hyoga abaixou a cabeça com um sorriso triste. Aquele homem que fraquejou diante de si... Que pena. Amava-o tanto também...
– Essa não é a resposta que eu queria... – acariciou o rosto moreno ansioso diante do seu. – Adeus, Ikki.
– Hyoga... Você...
– Adeus.
Viu o corpo delgado e bem alinhado de Hyoga misturar-se aos dos outros passageiros e embarcar. Quis chorar, mas as lágrimas lhe falharam.
Covarde.
"Covarde."
0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
– Eu não acredito! Assuntos pendentes? Onde você estava com a cabeça?
– Não consegui pensar em nada melhor!
– Beijasse ele, então! Eu teria agarrado ele e beijado ele na boca e dito "você não vai embora porque eu te amo!". Isso teria feito ele ficar! Está vendo, niisan? Se eu não estou junto, você não se arranja!
– Por que é que você não foi e fez isso, então? E tentou ficar com ele?
– Porque ele ama você, seu estúpido! Se eu tivesse a mínima chance eu correria até ele na sua frente e tentaria ficar com ele de qualquer jeito! Mas ele prefere você.
– Shun... Eu...
– Eu sei, mas não fica arrasado assim, niisan! Tudo na vida tem um jeito!
– Que jeito? Ele foi embora... Para sempre.
– Ai, Ikki! Você fala de um jeito, parece que ele foi para uma outra dimensão! A França é logo ali!
– Onde eu vou achá-lo?
– Com o cosmo! Gritando nas ruas! Pondo reclames nos jornais! Cartazes nos postes! Aparecendo na TV em rede nacional dizendo "QUERO O MEU HYOGA!" De qualquer jeito! Se você quer mesmo, você vai conseguir!
– Você é romântico, Shun.
– Você é burro, Ikki. E teimoso feito uma mula! Se você prefere sentar aí no cantinho e chorar, tudo bem, você é que sabe.
– Eu não mereço Hyoga. Talvez... Seja melhor assim. Na França ele vai encontrar uma menina francesa... Bonita. Normal. Ele também é tão bonito... Culto. Educado. Vai... Viver em uma cidade cheia de frescuras que ele o Camus gostavam... Ele vai ser feliz. Muito mais feliz do que aqui com as lembranças ruins... Ou comigo que sempre vou lembrar para ele do que a gente é, das guerras e de tudo que ele quer esquecer...
– Você quer me convencer ou está falando para você mesmo?
– É sério, Shun.
– Patético. Isso é uma desculpa esfarrapada. Nem sonhe em dizer isso para ele – iria magoá-lo terrivelmente, o Hyoga é tão sensível...
– Sensível? Ele é uma geleira!
– Você não vê noticiário, niisan? Até as geleiras do Ártico derretem... O coraçãozinho do Cisne também derrete...
– É, deu pra ver ele derretendo na hora em que ele disse "tchau, Ikki". Aquele rosto onde nada mexe, igualzinho ao Stallone... Você sabe...
– Você também não ajudou em nada, né?
– Eu não sou romântico e nem tenho experiência...
– Não precisa muito... Bom, deixe estar. Vou falar com a Senhorita Saori... O Hyoga vai ter que dar umas satisfações para ela de onde ele anda, daí quando ele se ajeitar fixo em algum lugar, eu falo com ela e arranjo para vocês se encontrarem...
– Você não precisa fazer isso, Shun...
– Mas eu faço questão! Não acho nada demais...
0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
Santuário de Atenas. Casa de Escorpião.
– Hyoga? O que veio fazer aqui?
– Eu vim te ver, Escorpião. Tenho um recado para você.
– Recado?
– Quando eu fiquei em coma, eu vi uma pessoa.
– Ah... Aquela coisa de túneis de luz e filminho da sua vida? Sei...
– É sério. Eu vi uma pessoa e essa pessoa mandou eu te dar um recado.
– Correio elegante do além?
– Ele me disse que você não ia acreditar. Mas eu insisto. É sério.
– "Ele" quem?
– Camus.
O tom de galhofas do escorpiano desapareceu por completo. Ele ficou lívido.
– Camus? E por que o meu Camus ia falar com você e não comigo?
– Eu estava perto da morte, eu acho. Vai ver foi mais fácil se comunicar comigo no estado em que eu estava.
– E o que o Camus se incomodaria em me dizer depois de... tudo...
– Ele disse que... Não interessa quantas vezes ele caiu morto: em todas elas ele só pensou em você. E que ele estava contente porque, de alguma forma, você sobreviveu. Que ele tem fé que você vai viver para ver um mundo melhor e que se isso acontecer, ele vai gostar muito de saber que morreu para você poder ser feliz. Disse que sabe que você chora por ele, mas que você não deve. Ele ama você e isso não vai mudar. Ele disse bem assim: " eu quero o sorriso mais bonito de Miro de novo." Então, acho que é isso. Eu dei o recado. Seja feliz e deixe a memória do Mestre descansar.
– Ele disse isso... Isso mesmo?
– Ele me disse exatamente isso. Ele fez questão que eu prometesse que viria te dizer isso pessoalmente.
Miro olhou para Hyoga já com os olhos úmidos. O mero tocar no nome do Aquariano o deixava com os nervos em frangalhos.
– E... Como... Como ele está?
– Eu acho que ele parecia bem.
– Ele... Como ele estava vestido?
– Nem prestei atenção... Acho que... Com aquela malha vermelha que...
– A malha vermelha de gola alta? A que eu dei de presente para ele?
– Essa... A bonita da qual ele tinha ciúmes.
– Ah... Ficava tão bem nele... Eu... Trouxe para minha casa depois que... Ele morreu...
– Ele estava com ela e com a calça de couro. A preta.
– A que eu dei de presente para ele também!
– Isso. Ele estava muito bonito.
– O... O meu Camus... Sempre tão bonito... E para nada! Para morrer como morreu...
– Não chore, Miro. Era isso o que ele não queria.
– Você... Vai ficar aqui?
– Não, estou só de passagem. A deusa me permitiu ficar na casa de Aquário por hoje. Amanhã eu vou para a França.
– A França?
– Vou para Paris. Quero me estabelecer por lá. Estudar, não sei bem ainda. Só quero fazer alguma coisa. Como Mestre Camus me ensinou alguma coisa de francês... Achei que era uma boa idéia começar por lá.
– Mas você não tinha ido para Tóquio?
– Tinha sim. Só que... Não há mais nada em Tóquio que me prenda.
– Entendi. Bom... Se... Não quiser comer com eles lá embaixo... Venha até aqui... Eu... Passei a cozinhar para mim depois que o Camus morreu. Não queria me misturar com os outros... E como o Camus sempre cozinhou para ele mesmo... Acho que, depois que ele morreu, passei a fazer quase tudo como ele fazia... Era como se eu pudesse preservar a memória dele sendo como ele. Uma coisa idiota... Mas... Me consola.
– É, acho que eu também fiz um pouco isso... Quer dizer, o Ikki sempre dizia...
– O Ikki?
Miro percebeu logo o desconforto óbvio de Hyoga em mencionar o nome do outro rapaz e, do alto dos seus poucos anos de mais experiência, não precisou nem perguntar a razão da mágoa que afastara o menino loiro de Tóquio.
– Sempre me dizia que eu parecia com o Mestre Camus.
– Você parece. Até a voz.
– É. Isso é bom. Eu sempre quis me parecer com ele.
– Acho que qualquer um ficaria feliz de parecer com ele...
– Certo, Miro... Acho que vou aceitar seu convite. Tenho fome, mas nenhuma vontade de ser social...
– Ótimo. Apesar de você ser tão novinho, vão abrir uma garrafa de vinho dos bons e te mostrar algumas fotos... As do Camus... Que eu não deixava ele te mostrar...
– Nas faço questão de ver as fotos de vocês dois pelados, Miro... – ele riu delicadamente. Miro segurou as mãos dele em um impulso.
– Você tem o mesmo sorriso delicado do Camus... É impressionante...
– Acho que não herdei a sorte dele no amor.
Escorpião achou o comentário engraçado – era o mesmo comentário que ele fazia, toda vez que pensava em seu relacionamento com o aquariano: "não tenho sorte no amor". E no entanto, quem no mundo teve mais sorte que ele, que foi amado pelo francês? Que teve Camus só para si, por toda a vida, desde menino até a idade adulta?
– Herdou sim... Você vai ver. Dê tempo ao tempo. – ele riu de novo, puxando o menino pelos braços. – Venha! Vou preparar a janta. A gente conversa mais na cozinha...
0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o0o
Se Zeus quiser, este é o penúltimo!
Aguardem!
