Disclaimer: Saint Seiya não me pertence e este texto não tem fins lucrativos.

Nota da Autora: Último capítulo, kids... Esse, sem o auxílio dos meus betas, então, sejam legais! ( é, eu não achei os meus betas para perturbá-los a tempo! Lástima! ).

Dedicado em especial as três pessoas que mais contribuíram para essa estória: Vera ( por ter me dado a idéia e me vendido tão bem o casal, adoro você, linda! ), Ada ( pela paciência e pelo carinho, mesmo que eu seja uma capetinha e não mereça! ) e Nana ( sabe tudo de Amamiya, minha fonte de inspiração para os cavaleiros de bronze, além de ser a nee-chan mais fofa do mundo... ).


CAPÍTULO 06

JE T'AIME, PARIS.

– Como se sente hoje, Shun?

– Ainda não contei para ele. Esse... Esse papel parece que... queima a minha mão.

– Shun... Não pode passar a vida toda nesse dilema. Vai ter que contar, cedo ou tarde, que já sabe onde o Hyoga está morando na França... Até porque, ele vai acabar sabendo...

– Duas semanas... Eu fico pensando como é que o niisan agüenta... No dia em que o Hyoga chegou no Santuário eu liguei para senhorita Saori perguntando por ele. Tenho ligado todos os dias para saber das novidades, mas o niisan... Ele é tão... inábil! Se eu não ligar ele não liga! Ele sofre sozinho e calado... Ele não se mexe... Parece que ele não entende que...

– Parece que ele não acha que merece.

– É, isso me irrita. Porque há duas semanas o Hyoga está em Paris, uma cidade linda, cheia de gente bonita, elegante... E sozinho e com raiva de nós dois! Sozinho, June! Bonito e charmoso do jeito que ele é, solteiro e livre! E eu aqui, atado pela minha culpa e o meu irmão lá, choramingando no quarto escondido e vagando pela casa se fazendo de durão durante o dia! Isso não pode continuar.

– Diga ao seu irmão onde Hyoga está ou vá você logo até lá e fique com Cisne se puder! O que não pode é essa situação continuar por mais tempo, Shun...

– Sabe o que é pior, June?

Ele tirou do bolso um envelope branco.

– Eu comprei a passagem para ir até lá, encontrar o Oga.

A amazona quase engasgou com o refrigerante.

– Shun, você teve coragem!

– Petulância, você quer dizer. Burrice. Não adianta, eu não consegui coragem para ir e não vou conseguir nunca! Porque eu sei que o Hyoga quer meu irmão e se ele me beijar ele vai pensar no Ikki e eu não vou agüentar ele olhar para mim, para meus olhos que todos dizem que são tão bonitos e querer encontrar neles os olhos do meu irmão!

– Não adianta a gente querer o que não é para ser nosso... – suspirou a ex-amazona. Não falava para Shun, mas para si mesma. Também já estava cansada e começando a perder a paciência com aquela obsessão terrível do mocinho cavaleiro com Hyoga, que já dera mais do que provas de estar interessado em Ikki e ninguém mais.

– Eu sei, mas me falta coragem...

Ela procurou a bolsa colorida sobre a mesa e tirou dela um pequeno celular metálico. Sorriu, balançando-o no ar.

– Até as amazonas gostam de modernidade. – ela estendeu o aparelho para Shun. – Ligue para ele agora. Dite devagar o endereço de Hyoga e diga para ele que você até já comprou a passagem para ele encontrar o Cisne.

Os olhos verdes arregalaram-se.

– Anda, Shun. – insistiu ela. – Ligue para seu irmão, diga para ele onde Hyoga está e dê a ele a passagem. Hyoga não te quer e se você for até à Europa atrás do Cisne corre o risco de ouvir um 'não, obrigado'. Ele quer o Ikki. Se você o ama de verdade, vai fazer isso por ele. Não apenas por amor ao Hyoga, mas por amor ao irmão que sempre fez tudo que pôde por você. Liga...

Andrômeda sentiu o peso da verdade outra vez. Era tudo sem razão. Era tudo inútil. Claro, podia tentar seduzir Hyoga. Mas se conhecia Hyoga, ele era como Camus: tinha um amor só, pela vida toda. E não era ele... Era Ikki. Ikki!

– Alô, niisan? Descobri o endereço do Hyoga com a senhorita Saori. Anota aí...

Ele deu o endereço completo, embora estivesse visivelmente contrariado. Quando ele desligou o telefone, terminando a ligação, June perguntou-lhe, decepcionada com a parca força de vontade do cavaleiro.

– Não vai dar a ele a passagem?

– Dar não. Ele vai ter que merecer ela...


– Niisan, cheguei!

– Oi, Shun... Estou aqui dentro, na cozinha.

– O que está fazendo?

– Nada... Eu estava limpando umas coisas.

– Huh... Anotou direitinho o endereço que te mandei?

Ele não o olhou nos olhos. Continuou fingindo que limpava um conjunto de chá.

– Anotei.

– E o que vai fazer? Com o endereço, eu quero dizer...

– Não sei ainda.

– Não sabe?

– Não sei.

– Não vai sair correndo atrás dele?

– Para que? Para chegar lá e correr o risco de dizer alguma coisa muito idiota e ele fugir para mais longe ainda?

– É, essa conversinha mole de 'assuntos pendentes' foi mortal. Vai ter que pensar em alguma coisa bem melhor... ou...

– Ou?

– Partir para uma abordagem mais direta... – ele apanhou um prato e muito teatralmente o beijou. – Assim, niisan... smack! Sem conversa! – ele deu um suspiro triste. – É assim que eu faria...

– Shun... Você não tem que...

– Não vamos ter essa conversa que me aborrece... – ele tirou o envelope do bolso, mostrando-o a Ikki, que também fingiu não estar curioso. – Sabe o que é isso?

– Um envelope branco?

– Sabe o que tem dentro?

– Espaço.

– Niisan, dentro do envelope está uma passagem de avião. Tóquio-Paris.

– Você vai viajar? – ele desviou dos olhos verdes do irmão. A mesma fraqueza, a mesma covardia que ele já conhecia – e odiava – se apossava dele. Se Shun dissesse que estava indo atrás de Hyoga era até capaz de desejar-lhe boa sorte. Por que raios tinha que ser tão fracote se sabia que em luta era tudo menos covarde?

– Talvez. – Shun colocou o envelope sobre a geladeira. – A passagem vale até a sexta feira. Ou seja, você tem três dias para pegar a passagem e ir atrás do Oga. Se até as seis da tarde se Sexta feira você não pegar ela, eu pego. E eu vou atrás dele – e te digo mais: se dessa vez eu chegar até ele, não vou deixar o Cisne escapar de mim. Eu vou atrás dele até no inferno.

– Por que não vai agora? – havia uma rusga de mágoa na frase.

– Porque ele ama você. Mas o amor é uma plantinha, niisan... Tem que ser cuidada, regada, cultivada. Se você não cultiva, morre. Hyoga é muito novo, como eu. Se ele ficar longe e não lembrar... Ele vai amar outra vez. E serei eu quem ele vai amar. Mas é justo que você tenha a sua chance. Até Sexta.

– Por que está fazendo isso?

– Eu não sei. Só não quis tirar de você uma chance. Sabe o que é? – ele sorriu docemente. – Eu me lembro sempre do dia em que o Tatsumi disse que... A Ilha da Rainha da Morte era um inferno. E lembro de como você preferiu ir no meu lugar. Então, acho que eu posso passar uns dias no inferno por você também.

– Obrigado, Shun...

– Não me agradeça. Vá até lá e acabe com isso de uma vez... Mas lembre-se: você só tem até Sexta. – ele acenou para o irmão, já na porta da cozinha – Eu já estou com uma mala pronta, então sugiro que você faça a sua rápido!


Dia seguinte.

– Já fez sua mala, niisam?

O irmão o olhou, corando ligeiramente.

– Já vi que não fez. – Shun continuou, de dentro da cozinha, cantarolando: "I would tell you that I loved you, If I thought that you would stay, but I know that it's no use, that you've already gone away…"

– Pára, Shun… – resmungou Ikki da sala. Shun não prestou atenção, mas ele brincava com alguma coisa de papel. Origami – Ikki fazia um bonito cisne de origami.

O caçula não parou de cantar: " Misjudged your limits, pushed you too far, took you for granted, I thought that you needed me more… Now I would do most anything to get you back by my side, but I just keep on laughing hiding the tears in my eyes..."

– Shun, eu falei para você parar...

– Me chamou? – Shun botou a cabeça para dentro da sala. – 'Coz BOYS DON'T CRY... BOYS DON'T CRYYYYYY"

– Você não desiste, né, Shun?

– Você é que não tem jeito, niisan! Está me provocando. – Shun transmutou-se da cantoria tola para um menino raivoso em segundos – Eu estou me coçando de vontade de ir atrás do Hyoga e você não se decide! Eu sou de carne e osso! Eu tenho sentimentos, sabia? Eu quero muito ir atrás dele e estou esperando você tomar uma decisão que você não toma! Você não ata nem desata! Como acha que eu me sinto vendo você esnobar a chance que eu tanto quero? Você age como se isso não fosse nada! E para mim, isso é tudo! Tudo o que eu queria! Eu amo o Oga!

Ikki virou-se pela primeira vez para encará-lo. Estava sério.

– Eu também o amo.

– Faça alguma coisa então. – respondeu Shun, a voz hesitante.

– Já fiz.

– Já fez?

– Liguei para a companhia aérea. O vôo para Paris sai amanhã às duas da tarde. Minhas malas já estão prontas. – ele olhou para Shun, estupefato. – Está satisfeito?

– Vo-você vai... Vai amanhã?

– Sim, não era isso que você queria?

– Já pensou no que vai dizer para ele?

– Não sei ainda. Mas vou dizer alguma coisa. Mudo eu não vou ficar.

– E se disser uma besteira... E ele te mandar embora?

– Aí ele fica livre para você, não é?

O caçula deu de ombros. Percebeu, tarde demais, que seu egoísmo aflorara no momento em que mais desejou encobri-lo. Teve raiva do seu fraco auto-controle.

– Ele te dar um pé na bunda não quer dizer que vai cair nos meus braços.

– Por que não? Foi assim da última vez.

– Está me acusando?

– Estou.

– Você desprezou ele! Ele veio até mim! Você não teria dito não!

– Eu teria sim! Eu disse não para ele por sua causa!

– Não foi por nobreza, foi por covardia! E pare de jogar isso na minha cara! Você não sabe o que é beijar a pessoa que você ama sabendo que ela não está pensando em você!

– Você também não sabe o que é ver a pessoa que você ama nos braços de outro... E sofrendo por você tanto quanto você sofre por ela.

– Não tenho culpa da sua covardia!

– Mas tem culpa da sua covardia, Shun!

– Vai atrás dele então! E tente a sorte! Hyoga é orgulhoso, ele vai te pôr para correr!

– É isso que você quer, não é? Ver o Hyoga me dar uma passa-fora!

– É! É isso que eu quero! Mas...

– Mas o quê?

– Isso não é o certo. Eu deveria torcer por você. Mas não torço... Me desculpe, niisan.

– Não precisa se desculpar se realmente não está arrependido.

– Não estou arrependido. Agora. Mas sei que vou ficar. Então, me desculpo.

– Deixa isso para lá. – ele se levantou, deixando todos os papéis do origami jogados no chão. – Eu vou dormir.

– Está cedo ainda.

– Mas já perdi o saco.

Quando irmão saiu, Shun sentou-se entre os papéis, brincando com o cisne de papel azul claro entre os dedos. "Niisan... Que Zeus nos proteja e que... Aconteça somente o que for melhor para todos nós... Seja lá o que for."


No dia seguinte, Ikki levantou-se cedo. Terminou de pôr umas poucas coisas na mala e foi apanhar a passagem sobre a geladeira, para juntá-la aos documentos. Qual não foi a sua surpresa ao achar o envelope branco... Em pedaços.

– Shun! Shun!

– Niisan? – o jovem resmungou dos fundos da casa. – Estou no banho!

Ikki caminhou furiosamente até o banheiro e passou o dedo na maçaneta. Trancada. Enfiou o pé na porta que caiu do outro lado, Shun, dentro da tina de ofurô, ficou imóvel – sem ação, vendo os pedaços da porta no assoalho do banheiro.

–Você é um rato. – ele atirou na banheira os pedaços de papel que, antes do ataque, tinham sido uma passagem de avião.

O caçula continuou o banho, sem encarar o irmão.

Eu comprei a passagem. Queria tudo de mão beijada?

– Muito bem. Eu vou dar um jeito nisso.

– E aproveite chame alguém para consertar essa porta.

– Faça isso você. Quer tudo de mão beijada, Shun?

Saiu de casa batendo os pés, com a pequena mala debaixo do braço. Odiava ter que fazer aquilo, mas... Por Hyoga, faria. Ligou para Saori e pediu um empréstimo. Precisava comprar uma passagem para um vôo que sairia naquela tarde. Compreendendo imediatamente do que se tratava a deusa cuidou daquilo o mais rápido que pôde. Antes que Ikki chegasse ao aeroporto a jovem já tinha retornado a ligação para ele, avisando-o de que a passagem já estava comprada e esperava por ele no guichê da companhia aérea.

É bem verdade que, depois que a adrenalina do confronto com Shun passou e, claro, depois que ele já tinha nas mãos a passagem para Paris, ele se perguntou o que estava fazendo no aeroporto às dez da manhã se o vôo só saía às duas da tarde. Considerou-se, pela bilionésima naquele dia, um grande idiota. Tinha cinco horas para gastar e não queria nem sonhar em voltar para casa. Andou pelo aeroporto até achar uma pequena bookstore. Pediu ao rapazinho que atendia um livro qualquer, desde que fosse de algum autor francês.

Acabou saindo de lá com um livrinho de Baudelaire. Eram poesias bonitas, embora Ikki não estivesse acostumado a ler muito; deitou-se em um canto da sala de espera, com a cabeça apoiada na sua mala, lendo o livro. Leu-o todo em uma hora. Voltou à bookstore e comprou mais três livros. Verlaine, Victor Hugo e Flaubert. Não gostou de Flaubert, mas leu Verlaine muito depressa. Victor Hugo ele achou complicado e deixou para ler no avião.

Faltava ainda uma hora para o embarque. Só então Ikki se lembrou que nem café da manhã tinha tomado. Sentou-se para tomar um copo de café expresso de uma pequena cafeteria no hall. Enquanto bebia ,de pé, olhando para o portão de onde ele embarcaria, pensou consigo mesmo: "onde você estará gora, Cisne?"


Cherriè? O que há? Você está pensativo...

– Estava pensando mesmo, Geneviève.

– No quê?

Hyoga colocou o copo de vinho que bebia sobre a mesa do café.

– Estava pensando no que eu deixei em Tóquio...

– Uma namorada, talvez? Mais bonita do que eu?

Ele a olhou no olhos. Era uma moça adorável, ruiva, olhos cor de mel. Tão bonita... Seria tão bom se pudesse simplesmente esquecer tudo e... Enfim, gostar dela.

– Não. Não era nada meu... Mas devia ter sido.

– Gostava mesmo dessa mulher, não é?

– Não era uma mulher, Geneviève. Era um rapaz.

Parbleu! Você gosta de rapazes?

– Eu gostei de um rapaz, Geneviève.

– E ele te gostava também?

– Sim, muito. Mas ele não era corajoso como você, petit... – ele brincou com o queixo dela.

– Está cedo ainda, Hyoga... Vamos passear? Depois você pode ficar no meu apartamento... Gostaria de dormir lá hoje? Minha colega de quarto não vem essa noite, ela tem um serão no outro lado da cidade e vai ficar por lá. Durma comigo...

– Hoje não... Estou me sentindo esquisito. Eu te encontro amanhã aqui mesmo, na mesma hora, está bem?

– Às três?

– Isso.

– Não vai me dar um beijinho?

– Amanhã.

– Só amanhã?

– A espera aumenta o prazer da conquista, cherriè. – ele deu-lhe as costas e continuou caminhando. Seu hotel não ficava longe dali. Estava cansando e entediado. A francesinha tinha lhe divertido bastante desde que chegara à Paris. Ela era engraçada e livre – inclusive sexualmente. Ele deixara-se levar por ela. Estava mergulhado em seu mau humor e em suas lembranças miseráveis de Tóquio e o relacionamento com a mocinha o distraía muito. Nada que cobrisse dentro dele o vazio terrível da falta de Ikki. A cada beijo molhado que lhe dava a francesinha, a cada toque ousado dela, a cada cochilo depois de uma relação sexual com ela, ele sentia aquele vazio aumentar vertiginosamente. Queria Ikki. Queria os beijos dele, as carícias imaturas de quem também não sabia o que estava fazendo, queria sentar com ele e simplesmente... sentir que ele respirava próximo dele e que seu mundo todo fazia sentido por causa dele. Alternava momentos de ódio, mágoa, saudades e despeito. Queria poder odiá-lo pelo que fizera, abandonando-o no hospital. Nada lhe tirava da cabeça de que Shun convencera Fênix a fazê-lo e isso só aumentava a sua fúria. Não tinha raiva de Shun, mas da fraqueza de Ikki que nunca enfrentara o irmão por ele.

Tinha mais raiva de si mesmo por ainda sentir tanto desejo por aquele cavaleiro turrão. À noite, acordava revirando-se de desejo. Ligava para a francesinha e ela prontamente vinha até seu apartamento e aliviava-o do desejo imediato, mas não daquele torpor que lhe invadia o corpo cansado de tanto sexo, um calor que queimava-lhe o peito, que o consumia e que nenhuma carícia da pequena Geneviève podia apagar. O perfume fresco do xampu e o gosto úmido e quente da pasta de dentes de hortelã que o Fênix usava ainda o entonteciam como se ele dormisse ao seu lado.

Naquele noite, tinha certeza, pensaria em Ikki outra vez. A francesinha estaria em seu quarto poucas ruas de distância, mas ele não ligaria para ela dessa vez. Queria estar sozinho com Ikki, ao menos em seus pensamentos. Era delicioso sentir a companhia do seu cavaleiro, mesmo que não física, conseguia até ouvir a voz dele, rouca, máscula. Engraçado – depois de quase um mês travando uma batalha hercúlea contra a saudade que sentia, percebeu que estava na iminência de uma fragorosa derrota. Aquela noite seria dura. Tão dura quanto a primeira que passou sozinho em Paris, soluçando de chorar.

"Outra noite no inferno, mamãe... Quanto tempo mais isso vai durar?"


Chegara cedo demais e sabia – Geneviève sempre se atrasava. Ele costumava encontrar-se com ela regularmente no mesmo café onde se conheceram. Bebiam um pouco, jogavam conversa fora. Ele se distraía enquanto as aulas do curso em que estava matriculado não começavam. Estar com a francesinha ajudava-o muito a recompor e treinar o vocabulário que já estava esquecido dos seus tempos com o mestre Camus. Era um bom treino, já que o curso era puxado e ele queria estar com o francês perfeito para a ocasião. Era um perfeccionista, odiava estar em qualquer posição que não o topo – tinha que ser o melhor em tudo.

Beliscava alguns goles da sua bebida, uma Mônaco. Sem interesse, observava o mundo ao seu redor; o burburinho de gente, os casais de namorados, as famílias. A paisagem bonita e monótona de Paris. Seu peito encheu-se da nostálgica visão daquele McDonald's daquela primavera de folhas de cerejeira em Tóquio... Estava com Ikki... Ele era tão divertido e tão esperto! Um diamante bruto. Onde estaria seu Ikki agora? Será que ainda pensava nele?


– Merda de endereço francês! – resmungou Ikki.

"Por que o pateta do Cisne não sossega a bunda em casa? Passear no café! Coisa de viado ficar se exibindo por aí! O homem da portaria me deu esse endereço do café... Que endereço ruim de achar! Será que ele vai estar lá? Já deve até ter raiz no lugar, se até o porteiro do prédio sabe onde vai..."

Esperto – Ikki definitivamente era esperto, mas ele não tinha um senso de localização dos melhores e levou muito tempo rodando entre as praças para achar o que queria. Sabia que distinguiria Hyoga de uma multidão de milhões, se preciso fosse, mas também não tinha certeza de como ele estaria. Começou a ficar desanimado de encontrar o russo, quando, finalmente, avistou o letreiro que buscava. "É aqui..."

Seu coração disparou. O papel com o endereço virou papa em suas mãos que suavam. Estava perto. Não devia estar tão nervoso... Só tinha achado o lugar, talvez ele nem estivesse mesmo ali. Ficou de longe, checando as mesas, uma por uma. Encontrou a mesa que queria. Hyoga estava lá – lindo como sempre... Os cabelos dourados que dançavam com a brisa suave e, pela distância, Ikki julgou que ele vestia couro preto... Devia ser couro, porque a calça tinha um certo brilho. O pulôver café, o menos sofisticado, mas Ikki gostava da cor. Tinha um fraco por cores escuras...

Estava tão encantado com a 'aparição' de Hyoga que seu cérebro levou mais tempo processando a informação de que ele não estava sozinho. Uma ruiva de longos cabelos cacheados estava sentada de frente para ele. Ela estava de vestido branco e sorria.

"Talvez sejam amigos", pensou Ikki, tenso.

A ruiva jogou seu cabelo para trás e segurou a mão de Cisne, puxando-o para perto e beijando-o deliciosamente. Na boca. E mesmo de longe Ikki sabia perfeitamente que era um beijo de língua. Dos bons. E longo.

"É... O Hyoga não costuma beijar os amigos dele assim."

Era um pensamento amargo.

Mas por que ele estava surpreso? Se ele era um cretino? Se ele tinha deixado seu Cisne sozinho no hospital? Se ele nunca teve a coragem de sequer levantar a voz para Shun e defender o que sentia? Estava triste? Não devia! Porque nunca mereceu Hyoga. Porque era um idiota, porque estava fadado a perder. Era um perdedor. A moça era linda, linda! Uma francesa, devia ser esperta e metida como todos os franceses... Ia combinar com Hyoga, iam se divertir. Estavam namorando no café... Não podia ser melhor! Devia estar feliz porque, diferente dele que era um idiota, Hyoga conseguira se dar bem e ser feliz, no final das contas.


– De novo distraído, Hyoga?

– É ele! – o loiro levantou a cabeça olhando um corpo que se afastava do café. Não precisava vê-lo de frente: pelo cosmo o reconheceria em uma multidão... uma multidão de milhões!

– Ele quem, cherriè?

– Ele! Ele está indo embora! Idiota! Idiota!

– O que foi, Hyoga?

– Um idiota que não sabe ser homem! – segurou o pulso da moça. – Desculpe, Geneviève... Talvez eu não volte.

– Onde vai?

– Atrás do idiota que devia ter vindo atrás de mim!

"Não... Eu devia estar feliz... O Hyoga está bem. Ele vai ser feliz, é só isso que importa, como eu posso ser tão egoísta? Ele esteve perto de morrer por causa da minha babaquice e da babaquice do meu irmão também... E nós dois brincamos de disputar o Hyoga e tudo o que menos nos importou foi ele... Agora que ele está vivo e bem a gente devia dar graças à Zeus e sair de fininho para não correr o risco de atrapalhar mais. Eu fiz bem em vir. Se fosse o Shun ele ia lá e ia correr atrás do Oga e...

... Quem sabe...

... Talvez desse certo..."

Ikki virou-se. Estava sendo covarde de novo! Ora bolas! Já tinha vindo até aquela terra de gente fresca que falava com biquinhos! Então, ia até o fim! Ia dar uma porrada naquela mesa e dizer "amo você, seu pato de merda!" Que importa se Hyoga ia odiar e mandar ele catar coquinhos? Ele tinha que dizer! Ia morrer entalado com aquilo na garganta? Ia morrer sonhando com o dia de dizer isso para ele, de verdade, sério, olhando nos olhos? Não! Não!

– Não!

Ikki ficou pálido. Era ele! Ele!

– Hy-Hyoga...

– Eu não acredito que você veio até aqui atrás de mim e ia embora sem falar comigo!

– Hyoga, eu...

– Só falta você me dizer que me viu com a garota e teve a genial idéia de achar que eu estava melhor com ela do que com você!

– Eu pensei isso mesmo!

Hyoga estremeceu de raiva. Fênix imbecil!

– Então vai embora.

– Eu ia mesmo... mas...

O rosto loiro iluminou-se subitamente. Mas!

– Mas o que?

– Mas aí eu vi essa sua cara loira ordinária e pensei: "quem é que no mundo vai amar mais esse pato sem vergonha do que eu?" Ninguém. Ninguém. Nem Shun, nem francesa, nem ninguém! Você é meu. Meu!

Hyoga se aproximou de Ikki. O moreno era lindo... Usava o mesmo xampu cheiroso e pelo hálito... Céus! Ele usava a mesma pasta de dentes de hortelã. E ainda, daquele jeito dele de não se importar com o que vestia, mas era tão sexy... A calça jeans agarrada que mostrava que ele estava em forma ( e Cisne não conteve uma certa fisgada de ciúmes pensando que ele circulou pela cidade bonito daquele jeito e sozinho! ), a camiseta branca sem detalhe nenhum, franciscana, apertadinha o bastante para revelar as formas do abdômen trabalhado, os cabelos úmidos, cheios de cachos negros revoltos... Lábios úmidos. Estava esfriando, apesar do céu claro e os mamilos arrepiados do outro denunciavam o friozinho, mesmo com aquela pose soberba de quem não se incomoda com nada. Ah, Ikki! Tão altivo e tão inseguro ao mesmo tempo.

Deu-lhe uma bofetada com tanta força que o cavaleiro japonês caiu sentado na calçada.

– Isso é para você aprender a não me deixar sozinho nos hospitais, cavaleiro de merda.

– Caramba, você está com a mão pesada!

– Você não viu nada! Merecia mais!

Ikki se levantou e enlaçou a cintura de Hyoga, prendendo-o junto a si.

– Merecia, é?

– Merecia, mas o resto eu te bato depois... Na cama...

– Ah, é?

– Você vai ver... Aprendi um monte de coisas...

– Com a garotinha ruiva?

– ... Você sabe... Primeiro o simulado, depois a prova...

– Eu sou a prova?

– Isso... – ele puxou, de leve, os lábios do outro com os seus. – Por que você me deixou lá? Por que demorou tanto?

– Eu queria vir... Mas eu tinha... – ele riu – Assuntos pendentes.

– Resolveu?

– Resolvi. Hyoga... Eu preciso te dizer uma coisa.

– Fico até com medo quando você fala assim... Anda, diz...

– Eu te amo.

– Sabe de uma coisa? Quando o meu médico falou comigo, pela última vez... Eu estava vindo para Paris e ele me disse que eu só gostava de coisas impossíveis: a minha mãe que estava morta, o meu mestre que sempre ia ser melhor do que eu, uma paixão por alguém que só me insultava e que nunca gostou de mim... Aí eu disse para ele: "eu desisto de ser como o Mestre Camus, porque ele era mesmo melhor do que eu e é até bom que seja assim, porque eu sempre vou ter um exemplo para seguir. Eu abandono a minha mãe, porque um dia eu vou ter que aceitar que ela morreu e eu sei que mesmo morta ela me amava... Muito. Mas do Ikki... Dele não posso abrir mão! Desde que eu reparei nele... Ele é... Me fez acreditar no amor. Alguém com quem eu gostaria de dividir minha vida, meus sonhos... Alguém que eu sei que não vai me entediar nem me sufocar. Uma pessoa que vai me fazer feliz. A única que vai me fazer feliz." Então meu médico perguntou porque eu ia embora... Eu disse para ele que você ia vir atrás de mim. Eu sabia que você ia vir... Nem que demorasse vinte anos! Você ia vir um dia. Eu sabia que eu não ia me arrepender de te esperar.

– Por que, hein? – Ikki agarrou os cabelos loiros juntoà nuca de Cisne e os puxou para trás. O rosto desafiador do loiro brilhava de desejo, seus lábios úmidos e entreabertos pareciam um convite. – Por que me diz essas coisas, hein, Hyoga? Você não está vendo que eu já perdi a cabeça por sua causa? Que eu sou louco por você? Por que me diz essas coisas assim, com essa vozinha rouca? Quer me pôr de quatro? Mais maluco do que eu já estou?

– O que eu posso fazer se você também me enlouqueceu?

– Hyoga... Hyoga...

– Sou louco por você... Adoro sua boca... Seu beijo...

– Beijo melhor do que a francesinha?

– Não sei...

– Não sabe?

– Não sei se ela beija melhor ou pior... Só sei que é você que eu quero... É o gosto da sua boca que eu desejo... Você... É tudo o que sempre quis...

– Tá... Tá... Só porque você está com saudades a gente não precisa começar a falar como mulherzinha também...

– Vai te catar!

– Está todo mundo olhando, não dá vexame. A coisa mais feia deve ser ver dois machos peludos se pegando...

– Quem é peludo?

– Eu, ué. O macho.

– Hahaha! Você?

– Acha que eu não sou?

– Não vejo nada demais em dois machos se pegarem... Meus mestre namorava um homem...

– Quem? O Miro? O Miro é uma mulherzinha, né, Hyoga?

– Pára de falar mal dele!

– Me diz que ele não tentou te bolinar?

– Ele não é tarado, Ikki!

– Mas você tira o juízo de qualquer um com essa sua voz rouca... Esse seu jeitinho de se vestir, essa sua cara de quem não vale nada só dá idéias sujas...

– Sujas? E você? Você também não presta... Essa calça tá muito justa e essa blusa então... olha isso... já está assim, é? Arrepiadinho?

– E porque você não viu o resto...

– Sabe o que é isso?

– Chave.

– Para que serve?

– Abrir coisas.

– Essa aqui abre a porta do meu quarto, Fênix espertinho...

– E você vai me levar para lá?

– Eu tenho outra escolha? Ou isso eu te agarro e faço tudo o que eu estou pensando com você aqui no meio da rua e vamos os dois presos... Já pensou? Cavaleiros na cadeia?

– Já pensou que coisa mais fetiche a gente na cadeia? Algema, barras de ferro... Bondage...

– Anda vendo filme pornô, hein? ... Melhor assim. Antes com filminho do que me traindo por aí...

– É, você pode comer as francesas assanhadas...

– Ficou com ciúmes?

– Eu tenho que ficar?

– Não. Ela não é nada para mim. Mas você... É o meu mundo.

– Acreditar nisso... Me dá forças...

– É verdade. Acredita em mim?

– Eu acredito. Senão não teria vindo até aqui.

Hyoga gargalhou, lambendo o lóbulo da orelha do outro.

– Como se fosse sacrifício vir até Paris!

– Cidade fresca!

– Fresco é você!

– Te amo, Cisne. Hmmm... Te amo...

– Eu também te amo. Eu... Eu...

– O que foi, ficou gago?

– Quero você no meu quarto. Agora...

– Nossa... Até arrepiei...

– É sério... Estou com muita vontade de... Você sabe... Foi bom, não foi?

– Foi... Eu pensei nisso todos os dias desde que...

O acidente. Ele viu a sombra de tristeza e culpa pairar sobre os olhos amados de Fênix. Acariciou-lhe as têmporas, distribuindo beijos pelas bochechas e testa do cavaleiro moreno.

– Esquece isso... Não gosto de te ver assim.

– Não esqueço. Você também não devia esquecer. Não tinha que esquecer, Cisne! Não tinha! Eu sou idiota, você é mais idiota ainda por ser assim... – ele segurou o rosto loiro e fino entre os dedos calosos. – Por que você é assim? Por que você insiste?

– Por que será? – Hyoga fez uma cara de mistério profundo. – Eu tenho meus propósitos malignos e vou chupar sua alma!

– Ah é?

– Isso mesmo!

– Chupar minha alma?

– E você nem imagina por onde eu vou começar a sugar ela...

– Tenho uma sugestão...

– Me conta?

– Aqui, na rua? Vamos ser presos...

– Então vamos para o meu apartamento... Lá você me diz por onde eu começo a chupar... A sua alma...

– Hyoga...

– O quê?

– Um presente para você... Eu trouxe um presente.

O loiro voltou-lhe os olhos brilhantes de excitação. Ikki apanhou um pedaço de papel na carteira e o entregou nas mãos de Hyoga. Ele apanhou o papel e ficou olhando para o cavaleiro japonês.

– O que é isso? Papel de seda azul claro?

Ikki pegou o papelzinho e desdobrou-o em um pequeno cisne de origami.

– É um cisne. Da cor dos seus olhos.

– Que... Que coisa... Linda...

– É só papel. Mas me lembrava você. Por causa da cor, eu acho.

– Eu gostei. Eu gostei!

– Então guarda na carteira para lembrar de mim.

– Eu guardo uma coisa na carteira para lembrar de você...

– Ah é? E o quê?

O loiro abriu a carteira e mostrou ao outro uma camisinha. O pacotinho era vermelho escuro e se lia "Phoenix".

– Muita coincidência, né? – ele começou a rir.

– Você guarda essas coisas na carteira?

– E você não?

O cavaleiro ficou vermelho.

– Eu não... não...

– Não tem feito isso, né?

Ikki ficou em silêncio. Hyoga saboreou os momentos de rara inibição e timidez de Fênix. Acariciou o rosto moreno, sorriu beijando-lhe o queixo firme.

– Você fez bem... Fazer sem amor não tem o mesmo gosto. Não foi tão bom com ela como era com você...

– Mas você fez várias vezes até comprovar, né?

– É... Mas foi tudo culpa sua que me deixou sozinho... Eu nunca quis ninguém.

– Nunca mais vou te deixar sozinho. É uma promessa.

– E eu vou fazer você cumprir.

– Tomara.


– E então, Shun?

– Eles me mandaram outro postal. Olha...

– Que lindo! Estão tão felizes!

– O niisan vai ficar lá até o Oga terminar o cursinho... Daí eles voltam.

– E você?

– Estou vivendo. Uma parte de mim, feliz. Outra triste, ainda. Mas cada vez menos triste...

– Que bom!

– Você tem muito a ver com isso, June.

– Eu?

– Se não fosse você...

– Ah... Mas eu não fiz nada!

– Fez sim. Se não fosse por você, eu estaria me remoendo. Estou mais calmo, mais conformado. Estou até com vontade de trabalhar, estudar.

– É verdade, Shun?

– É. Eu não quero que o Oga volte da França com meu irmão e veja assim, como um inútil chorão, sentado aqui resmungando porque ele não é mais meu e porque todos estão felizes e eu não. Eu quero viver minha vida, seguir em frente.

– Estou tão feliz, Shun! Tão feliz! É assim que se fala!

– Eu sei que essa tristeza e essa mágoa vão passar um dia. Eu quero acordar daqui há alguns meses e perceber que eu cresci, que estou mais maduro e que essa estória me fez bem: ela me fez ser melhor.

–Você vai conseguir, Shun. Eu vou estar ao seu lado.

– Esse sim, já é um belo começo, June.

FIM


Bom aí está. Demorou a sair o último capítulo! Na verdade, desde que idealizei esta fic o final estava decidido. Entretanto, há uma distância imensa entre pensar e fazer. Às vezes uma idéia linda na sau cabeça simplesmente não 'acontece' quando você escreve. Eu fiz esse capítulo on the whole pelos diálogos. Só depois, fui inserindo as partes mais descritivas. Gostei do resultado geral. Diálogos são as coisas que mais gosto de fazer, então... aí estão, em abundância. O final de Shun e June está bem aberto. Seria tosco colocá-lo nos braços da amazonas e fazer um 'ultra-happy-end' sem sentido. As coisas levam tempo. Mas tudo indica que o casal tem tudo para ir pra frente.

Ah, também pensei em fazer um lemon. O diálogo final de Ikki e Shun demorou séculos porque eu fiquei sempre na dúvida. Quem sabe eu o faço como um 'side-story'? No final ele não entrou... Ficou melhor assim. Clean cut.

Bom, muitíssimo obrigado por todo apoio e reviews. Um agradecimento especial para todas no thesenseiclub (ponto ) blogspot ( ponto ) com , a partir de sábado. Prometo que posto uma fanart linda e todos os comentários de reviews... Eu tenho andado meio enrolada, mas dessa vez vai!

Beijocas a todos e OBRIGADO!