Marcha Nupcial
Se eu ouvir essa Gabrielle cacarejando mais uma palavra sobre o Harry juro que uso alguma coisa da loja dos gêmeos nela. Alguma coisa bem ruim.
Fazemos pose para o fotógrafo juntas, as duas damas de honra do casamento de Bill e Fleur, e ela se assanha toda só porque Harry está perto. Ela acha que ele está olhando, mas ele não está.
Eu o conheço bem o suficiente para saber que alguma coisa aconteceu. Ele está diferente. São os olhos dele que estão diferentes. Me lembram o olhar de outra pessoa, mas não sei quem.
Ele ficou com os tios até completar dezessete anos e se tornar maior de idade, depois veio para a Toca. Mas... mas ele já estava mudado.
Pelo olhar do Ron e da Mione eu sei que eles também notaram, e que Harry ainda não lhes disse o que é.
Mione ajeita alguma coisa na roupa do meu irmão, confere de longe se Harry está bem e olha para mim preocupada. Faço um gesto de ignorância e ouço o primo afetado da Fleur nos chamando para nossos lugares. A criatura saltitante de túnica lilás me enfia um cestinho cheio de pétalas de rosas nas mãos. Eu lá tenho cinco anos de idade para entrar no casamento jogando flores? Grabrielle parece encantada. E eu capto o ar de diversão do Harry quando ele olha para mim. Definitivamente ele está rindo de mim por dentro. Tudo bem. Ele pode.
Afinal de contas ele me conhece quase tão bem quanto eu a ele. Faço um gesto como se fosse arremessar o cesto nele e Harry vai se sentar com Ron e Mione nas cadeiras dos convidados. Ele está rindo abertamente agora, mas não é o mesmo Harry de um mês atrás.
Pensando bem, qual de nós é o mesmo de um mês atrás?
Sem Dumbledore a Ordem da Fênix se mantém, mas todos nós temos mais medo e menos esperança. Menos Harry. Ele parece mais sereno do que nunca, como se estivesse em outro nível. Mas está mais distante também.
Ron desaparata do seu lugar e aparata logo depois e entrega alguma coisa para Mione. Para quem só passou no seu segundo exame de aparatação ele está muito exibido. Os gêmeos estão novamente tentando contar os fios da sobrancelha dele. Harry os expulsa dali rindo. Ele também já tem licença para aparatar.
Ao som de uma musica suave, eu e Gabrielle, pisamos no tapete vermelho e começamos uma lenta caminhada em direção ao altar montado nos jardins da Toca.
Essa garota está olhando tanto para o Harry que corre o risco de tomar um tombo, a tontinha nem percebe que ele não está enxergando ninguém. Nem ela, nem eu, nem nada nesse momento.
Ele passeia os olhos pelas cercanias, acredito que conferindo mais uma vez as medidas de segurança. Ninguém quer um ataque no meio do casamento: por isso e por causa do Harry há um bocado de aurores nos arredores.
Eu sigo espalhando as rosas pelo caminho que a noiva vai passar. Tirando o fato ridículo dela me tratar como se eu tivesse seis e não dezesseis anos, eu já me conformei em tê-la na família. Ela é grudenta e chata, mas gosta mesmo do Bill, e ele está tão feliz ali no altar. O rosto cheio de cicatrizes chega ser bonito de tanta felicidade ele irradia. Meu irmão é lindo, não importa se tem a marca dos dentes daquele imbecil.
Quando nos posicionamos no altar a Marcha Nupcial soa e Fleur aparece de braços dados com o pai na outra ponta do tapete. Os convidados se levantam. Meus olhos procuram Harry mais uma vez, e eu não caio no chão por muita, muita sorte.
Visto daqui, à distância, eu descubro com quem ele está parecido: ele me lembra o Professor Dumbledore.
Não nos traços, não no olhar, nem no jeito, ou nos gestos. Mas no distanciamento. Na forma solitária como ele parece carregar resignadamente um enorme peso. Tão resignadamente que ninguém percebe.
Ele o faz porque é preciso, e como Dumbledore, ele o faz sorrindo.
Engraçado, eu nunca tinha reparado o quanto Dumbledore era solitário. Talvez eu só repare em Harry porque eu o conheço bem, e sei ver que esse ar é de solidão.
Foi isso que eu notei de diferente nos olhos dele. São olhos sem idade. Ele não é mais o mesmo Harry que terminou comigo para me proteger. Ele não é mais o mesmo Harry que eu sempre amei. Aquele Harry se foi, e não vai voltar.
Aconteceu realmente alguma coisa, e o mudou para sempre.
Levo só um segundo para entender isso. Um segundo que mudou minha percepção do mundo. Um segundo que eu nunca vou esquecer.
Torno a olhar pra Fleur que avança pelo tapete lentamente. Ela está maravilhosa sob a luz perfeita desse fim de tarde. Eu nunca vou esquecer a cena, eu nunca vou esquecer o instante que vi que o meu Harry não existia mais. Eu nunca vou esquecer esse luto.
Estranhamente eu sorrio. É um sorriso entre lágrimas. Atribuam a emoção do casamento se quiserem.
Meu coração faz uma prece à Magia. Eu peço que no final da guerra Harry volte para mim. Não o meu Harry, esse eu sei que não volta mais. Mas esse Harry que está aqui. Tão mais forte, tão mais distante. Eu não peço que ele volte como meu namorado, como meu amigo, como meu irmão. Eu nem mesmo peço que ele volte ileso. Eu só peço que ele volte.
Ele olha para mim como se enxergasse minha alma. Ele sabe que eu percebi e está aliviado. Nós nos entendemos.
De certa forma eu me sinto livre. Eu posso amar ou não esse novo Harry. Tudo pode acontecer daqui para frente.
Fleur toma o braço de Bill. Eles brilham de felicidade.
Eu olho para o bruxo oficiante. Não sou mais a mesma Gina também.
Os convidados se sentam ao som dos últimos acordes da Marcha Nupcial.
