Chega Disso

O Professor Dumbledore sempre foi uma pessoa surpreendente, só que dessa vez ele se superou. Criou o esconderijo perfeito: um chalé escondido entre as montanhas da Escócia, imapeável, sob uma variação do Fidellius que não deixa de atuar mesmo que o Fiel morra, e ainda por cima ele é fiel do segredo, um segredo que ele só compartilhou comigo e com Snape. O Professor Dumbledore criou uma área neutra, onde eu posso conversar com o Seboso, sem interferência de ninguém, e totalmente segura.

Resta saber se eu realmente vou fazer isso.

Aparentemente vou. Afinal eu cheguei duas horas mais cedo e me cobri com a Capa de Invisibilidade só para poder esperar pelo Snape.

Eu conferi o chalé várias vezes durante o mês que eu tive para me preparar para esse encontro que Dumbledore marcou para mim antes de morrer. É um lugar velho, meio abandonado, só um cômodo foi decentemente restaurado, uma espécie de sala de reunião, só tem uma mesa com quatro cadeiras, uma lareira, duas poltronas com uma mesinha entre elas e um enorme espaço vazio.

A primeira vez que entrei aqui tive vontade de atirar o quadro de Dumbledore no fogo. Ele sabia que não ia sobreviver, ele sabia que Snape o mataria e armou tudo. Uma das coisas que ele me disse no meu aniversário é que eu tenho de confiar no Snape.

Que porcaria de plano me pede que eu confie no seboso nojento que disse para Voldemort sobre a merda da profecia? O que Dumbledore espera? Que aperte a mão do cara que pôs o doido homicida na pista dos meus pais? Para mim Snape é responsável sim pela morte dos meus pais, por eu ter Voldemort atrás de mim até hoje.

O que Dumbledore quer? Que eu vá até lá aperte a mão dele e diga: Tudo bem Snape, agora vamos trabalhar juntos. Você é o filho-da-mãe mais confiável que existe.

Merda!

Dumbledore só pode ser louco.

Ele me garante que Snape vai estar aqui. O desgraçado que o matou vai estar aqui, e eu devo confiar nele exatamente por isso, porque ele foi leal ao Dumbledore a ponto de obedecer à ordem de matá-lo.

Merda!

Eu queria poder ignorar a lembrança da poção que eu mesmo fiz Dumbledore beber naquela caverna, mas não posso. Eu sabia que aquela poção provavelmente seria fatal, e mesmo assim eu o fiz beber.

Não gosto nem um pouco da idéia de ter algo em comum com Snape.

Tento ocupar minha cabeça com outros assuntos para não pensar demais no que eu vou fazer à meia noite: confraternizar como Seboso.

Durante seis anos esse era o meu dia favorito do ano, o dia de voltar para Hogwarts. Há essa hora eu deveria estar no banquete vendo McGonagall dar as boas vindas aos alunos pela primeira vez.

Os poucos alunos que voltaram à Escola já devem estar em seus quarto. Gina provavelmente será a nova capitã do time da Grifinória, se houver um time.

Quem chefiará a Sonserina agora que Snape não está mais lá? E a Grifinória já que McGonagall assumiu a diretoria?

São problemas tão distantes da minha realidade que é um alívio deixar a mente vaguear por eles um pouco. Pelo menos esses problemas não são responsabilidade minha.

Talvez Snape não venha. Talvez Dumbledore estivesse errado no final das contas e Snape seja mesmo um traidor. Mas se isso acontecer o grande plano do diretor vai por água abaixo, o sacrifício dele vai ter sido em vão.

Mesmo a vinda de Snape aqui não quer dizer que Dumbledore está certo. Só que eu não vejo muita escolha, eu preciso trabalhar com Snape.

Merda.

Vou ser o único a saber que Snape vai continuar espionando para nós. Além de tudo eu vou ser seu contato com a Ordem. O único contato dele.

Dumbledore me disse que Snape sabe sobre os horcruxes, e provavelmente deve achar que o medalhão foi destruído. Há tanta coisa a fazer, tanto a decidir... eu sinto uma falta enorme de Dumbledore.

Olho para a lareira aguardando sob a proteção da minha Capa. Não se pode aparatar aqui dentro, mais uma medida de segurança. A lareira só aceita nós dois também. Dumbledore pensou em tudo. Só não sei se ele pensou em como será difícil eu me entender com um sujeito que eu prefiro ver morto.

Cinco minutos antes da meia noite Snape sai da lareira.

Ele está pior que nunca. Parece um morcego maltratado. O cabelo está ainda mais seboso que eu me lembro, e ele está ainda mais pálido. Um vampiro seria menos nojento de se olhar.

Ele vai até as sombras em frente à lareira e mantém a varinha na mão. Não consigo evitar um leve sentimento de triunfo, as duas horas sentado aqui valeram bem a pena, pelo menos dessa vez eu me antecipei a ele.

Puxo a capa e ele se vira imediatamente para mim. Dá para ver a raiva por ter sido superado brilhando no fundo dos olhos dele.

Ficamos parados por um tempo nos encarando, nossas varinhas firmemente apontadas para o outro.

Eu preferia mil vezes ignorar tudo que Dumbledore me disse e azarar esse desgraçado de um jeito que ele nunca mais conseguisse se recuperar.

Provavelmente ele deve estar pensando em algo bem parecido.

Mas não temos escolha. Nem eu, nem ele. É hora de terminar com isso.

Abaixo a varinha e me levanto.

Ele se aproxima abaixando a dele.

Merda.