Capítulo 11 - Atos
Acordou sentindo frio e aquilo não era normal. Abriu os olhos lentamente e quando não viu sinal de Milo ao seu lado preocupou-se. Devia ser bem cedo, ainda estava escuro. Foi quando deu-se conta de que estava nublado e com as cortinas semi fechadas davam a sensação de ainda ser noite.
9:30 da manhã. Kamus esfregou os olhos, chamou por Milo mas ele não respondeu. Preocupou-se. Não gostava da sensação de acordar sozinho, ainda mais depois de tantas confidências e sentimentos trocados na noite anterior.
Colocou uma calça jeans, procurou pela blusa preta que usara, mas não a encontrara em lugar algum. Encontrou sim, a blusa social branca de Milo, assim como o paletó e a gravata. Pegou-a delicadamente e sentiu o perfume dele. Não acreditava que não acordara com ele ao seu lado, era castigo demais depois de tudo.
Saiu correndo pela rua, o vento frio cortava seus lábios mas ele não se importava. Procurou em lugares óbvios quando lembrou-se de um parque ali perto de onde morava e que Milo sempre gostara de caminhar. Era sua última opção.
Milo refletia tudo o que acontecera naquelas últimas semanas, desde que se declarara para Kamus. Passara por maus momentos, pedira demissão, brigara com algumas pessoas, fora espancado, violentado, adquirira medo que antes não fazia parte de sua vida para, por fim, terminar passando a noite com o homem que sempre amara.
Era engraçado e cruel como ele chegara a conclusão de que estaria disposto a passar por tudo aquilo novamente para poder ter o privilégio de ver Kamus dormindo, tão tranqüilo, com os braços entrelaçados nos seus, a respiração calma, aquietando suas dúvidas e seus medos.
- Milo, graças a Deus te encontrei.... -um Kamus assustado disse, olhando para ele, que estava sentado em um banquinho de pedra.
- Jesus, que susto, Kamus....o que aconteceu?
- Eu que pergunto....pensei que...eu pensei....
- Kamus, senta aqui do meu lado. -Milo pediu.
Kamus sentou-se, com medo do que viria a seguir. Não poderia deixar que Milo dissesse que não queria mais ficar com ele. Sentiu um aperto no coração ao pensar naquilo.
- Milo, olha...antes de mais nada, eu quero que você saiba que eu te amo. Que a noite de ontem foi maravilhosa e que eu não me arrependo de nada.
Ver Kamus ser tão espontâneo era maravilhoso, Milo concluiu. Abraçou o amante, beijando-o no rosto carinhosamente.
- Eu também te amo, seu bobinho! Mas eu precisava pensar sabe? Pensar em tudo o que aconteceu. Você entende? Pensar em como isso tudo fica daqui pra frente....
- Como assim como tudo vai ficar daqui pra frente?
- Ué, Kamus....eu pensei....
- Não pense. - Milo tentou interrompê-lo, mas Kamus calou-o com um dos dedos em seus lábios. - Tudo vai ficar da mesma maneira. Só a gente que muda. Nós ficamos como namorados. Isso está bom pra você?
Kamus teve sua resposta com um Milo sorridente beijando-o profundamente.
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Virou-se na cama mais uma vez. Para alguém que acordava sempre cedo, nove e meia era um horário absurdo. Mas não queria levantar. Havia ficado acordado durante toda a noite, por culpa de sua preocupação com Milo (Embora tivesse a certeza de que ele estaria bem)... E por culpa de Carlo. Por mais incrível que pudesse parecer, ele ainda perturbava sua mente.
-Grr, que ódio! - Afrodite berrou, por fim, se levantando da cama, lançando longe os lençóis.
Olhou-se no espelho, praguejando alto por culpa de um belo par de orelhas pretas abaixo dos olhos azuis. Foi em direção ao banheiro, sentindo-se um morto-vivo. Lançou fora as roupas e se jogou no chuveiro. - AAAAAHHHHHHHHHHHHHH!! - Pulou para fora, imediatamente, morrendo de frio por culpa da água gelada. - Mas que droga! - Berrou, irritado, tremendo. Ligando o chuveiro novamente, esperou a água esquentar, mas ela continuou gelada.
Deduziu que o chuveiro havia queimado, e soltou um coro de palavrões diante disso. - Tenho escolha? - E, tomando coragem, entrou dentro da água gelada, sentindo uma dormência por toda a extensão do corpo delineado.
Alguns minutos depois, saiu do banheiro, já devidamente vestido. Olhou para o relógio. Já eram quase dez e meia. Teria de estar no restaurante às onze. Com um suspiro, pegou suas coisas e foi, não sem antes deixar um bilhete na geladeira para Milo.
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-Sabe como é, né, Kanon... A coisa tá feia. - Falou Carlo, dirigindo o carro preto. - Faz séculos que não beijo ninguém.
-Mais de um mês? - Perguntou o irmão gêmeo do namorado de Diana, Saga.
-Não exagera. - Falou Carlo, incrédulo. - Estou apenas em desespero, e não à beira do suicídio.
Kanon começou a rir.
-Você não muda mesmo...
-Deveria?
-Não, tá bom assim. - Falou, ajeitando-se na cadeira do carona. - Antes dessa maneira do que de outra.
-Cruzes, tá me estranhando, é?
-Eu não disse nada, Carlo.
-Mas demonstrou!
-Não demonstrei nada, é você quem está se ofendendo à toa.
Carlo corou, mas pigarreou logo em seguida, querendo logo mudar de assunto.
-Vamos almoçar? - Olhou para o restaurante italiano que mais gostava, com um sorrisão.
-Já? - E Kanon consultou o relógio. - São onze horas ainda...
-Eu vou trabalhar até tarde hoje, não sei se vou ter tempo de sair pra almoçar, então...
-Trabalhar? - Mas antes que Kanon pudesse dizer que 'ele não trabalhava', Carlo estacionou e saiu do carro. Kanon deu os ombros e saiu também, olhando para dentro. - Ulá-lá, tem um monte de mulheres lá dentro!
-Por que você acha que esse é meu restaurante favorito? - Falou Carlo, malicioso, entrando ali, sendo seguido por Kanon.
Afrodite terminava de colocar a roupa dos garçons. Apesar de parecer uma moça, não poderia vestir a roupa de uma. Seria debochado demais, principalmente porque ele dava de dez à zero em qualquer outra mulher que trabalhava ali. Ajeitou a gravatinha vermelha em cima da blusa branca, colocando o paletó por cima. Amarrou os cabelos em uma trança, preocupado com as olheiras imensas.
-Isso tá ridículo. - Ele falou, irritado, procurando na bolsa algo que as escondesse. Não encontrando, suspirou, frustrado. - Hoje, definitivamente, vai ser um mau dia. - E, dando uma última olhada no espelho do banheiro, saiu.
-Bom dia, senhor. - Uma jovem com o uniforme do restaurante os atendeu. - Mesa para dois?
-É. - Kanon respondeu, analisando a moça. Não era lá muito bonita, então, virou logo o olhar, à procura de outra.
-Vamos ficar nessa aqui mesmo, obrigado. - Disse Carlo, sentando-se numa mesa qualquer, puxando Kanon, que sentou-se à sua frente.
-Até pode ter mulher aqui, mas se todas forem igual à que atendeu a gente, eu me mando.
-Deixa de ser tarado, estamos aqui pra comer. - Falou Carlo, num tom de censura. Um sorriso malicioso passou pelos lábios de Kanon.
-Exatamente!
-...Isso foi horrível...
-Você que pensa besteira demais...
-Com licença, o que vão querer?
E se viraram para o belo rapaz, que arregalou os olhos ao reconhecer Carlo. O outro teve a mesma reação. Ambos se encararam por alguns segundos, até que Kanon quebrou o silêncio.
-Você vem junto com o pedido, gatinha? - Falou, galanteador. Afrodite apenas virou os olhos.
-Não, senhor. - Disse, seco.
-Ah, que pena... - Falou, num tom divertido. - Bom, quero um copo de vinho e ravioli de queijo.
-E o senhor? - A voz soou arrogante quando ele se virou para Carlo, que parecia hipnotizado.
-O mesmo que ele.
-Um momento, por favor. - Disse o 'por favor' com uma ironia potente, virando-se para sair. Ao sair, Kanon assobiou.
-Meeeeu Deus. Aquilo sim é uma mulher.
-Seu idiota, é um homem.
-Ah, eu não caio nessa não... Você quer ficar com a gatinha, né? Mas eu vi primeiro! Além do mais, ela não gostou de você.
E Carlo virou os olhos.
"Droga, isso não está acontecendo!", Afrodite pensou, enquanto jogava o pedido displicentemente para os cozinheiros.
- Que bicho te mordeu, Dite? -um dos cozinheiros, um senhor robusto perguntou, sorridente.
- Nada importante, Giane. -ele respondeu, rispidamente. -Vai demorar muito?
- Calma, rapaz! Eu sou um só...
- Menos papo e mais trabalho! -Afrodite murmurou, saindo de perto e indo servir outras mesas enquanto a refeição não ficava pronta.
Sentia-se observado e sabia por quem era. Não queria olhar, não queria perder-se novamente naqueles olhos, principalmente depois de tudo o que ouviu de Carlo. Era bem verdade que o italiano não saíra por completo de seus pensamentos, mas era mais fácil seguir a vida quando não tinha que cruzar com ele sempre.
- Não adianta....ela não vai dar bola pra você.... -Kanon disse, tomando um gole do vinho, que havia sido servido por outra pessoa e não por Afrodite enquanto reparava em Carlo, que disfarçadamente acompanhava o mencionado por todo o restaurante.
- Quantas vezes vou ter que lhe dizer que ele é um homem? Isso já está me irritando!! -Carlo disse, colocando o copo com violência em cima da mesa.
- Calminha aí! Acho que quantas vezes forem necessárias para eu acreditar....qual é, Carlo....aquela gracinha? Um homem? Impossível....
- Vai por mim. Eu sei. -Carlo disse, seco, mas ainda assim podia-se notar uma certa tristeza em sua voz.
- Como assim? Você quer dizer que você...e ela...ele...
- Não! Pelo amor de Deus, não!! Que nojo!! -Carlo apressou-se em corrigir-se. -Ele trabalhava no Inferno. Por isso eu sei.
Kanon olhou Carlo com uma cara espantada, como se tivesse lembrado de alguma coisa. De repente tudo fez sentido e ele ficou com uma expressão séria. Séria até demais.
- Não acredito que esse é o Afrodite que a Diana falava tanto. Carlo, você foi um cafajeste fazendo o que fez com o rapaz...
- Que diabos...
- Não me interrompa!! -ele disse, mais alto. - Mandá-lo embora porque ele é um homem! Isso é ridículo! Olha Carlo, eu espero que você esteja muito mal com isso que fez, agora entendo porque ele o olhou com cara feia. Quando você vai entender?
- Entender o quê? -ele perguntou, baixinho.
- Que o que te aconteceu não foi culpa sua, que você não precisa bancar o grosseirão 24 horas por dia, que não importa o sexo das pessoas, o que importa é o sentimento delas e principalmente o seu sentimento por elas. Quando você vai fechar a porta do passado e abrir a porta do futuro?
- Kanon....
- Perdi a fome, Carlo....aproveite sua refeição. -e Kanon foi embora do restaurante, cruzando com Afrodite, que caminhava na direção deles, a bandeja com a refeição dos dois nas mãos.
Afrodite se aproximou, colocando os pratos em cima da mesa, mesmo tendo a ligeira impressão de que Kanon não iria voltar. Preparava-se para sair quando sentiu seu pulso ser seguro pela mão firme de Carlo.
- Me solte. -ele disse, friamente. O outro o fez imediatamente. Já havia presenciado aquele tipo de raiva contida de Afrodite anteriormente em seu apartamento.
- Quero falar com você. -Carlo disse, tentando manter a superioridade.
- Algo de errado com seu pedido, senhor? -Afrodite assumiu um tom comercial.
- Pare com essa tolice, Afrodite.
- Se não há nada de errado, com licença, senhor. - Afrodite falou, saindo de perto de Carlo, que tentou segurá-lo mais uma vez, mas falhou.
- Droga!! -ele murmurou, observando Afrodite afastar-se e continuar servindo as outras mesas.
Pediu a conta de longe ao gerente, que levou até sua mesa enquanto ele ia ao banheiro. Quando retornou tirou algumas notas da carteira e colocou junto com um bilhete dentro da pequena pasta de couro onde estava o valor a ser pago. Só esperava que fosse Afrodite que pegasse aquilo. Não esperou para ver. Saiu logo em seguida, sem olhar para trás.
"Estarei esperando por você na saída do seu expediente. Carlo."
Afrodite olhou desconfiado para o bilhete por alguns segundos. Juntou o dinheiro que Carlo havia deixado e por fim amassou o bilhete, jogando-o na lixeira mais próxima. Não precisava de mais confusão.
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- Afrodite!! Que bom falar com você!
- Ai, meu Jesus, até que enfim!! Você quase me mata do coração, Milo!!
- Só consegui ligar agora pra você, me desculpe....
- Aonde você está? E como foi com o Kamus? Vocês se acertaram? Me conta!
- Calma, apressado! Primeiro, eu estou em casa. Com o Kamus. -do outro lado, Afrodite deu uma risadinha. - Pára de rir, seu bobo...acho que pelo que eu disse, já dá pra perceber que a gente se entendeu sim.
- E como... -Afrodite ouviu a voz de Kamus ao longe e não pôde deixar de rir.
- Ai, Milozinho... Eu estou tão feliz por você...
- Eu sei, Dite, também estou feliz. -e Milo foi abraçado por Kamus carinhosamente.
- Que bom que alguém tá feliz... -Afrodite deixou escapar.
- Do que você está falando?
- Humm....nada não...
- Dite.... -Milo disse, em tom ameaçador.
- Tá bom, tá bom....Carlo esteve aqui hoje com o irmão do Saga, o Kanon.
- O QUÊ???
- É....
- E o que aconteceu? Ai, eu juro que se ele tentou alguma coisa, se ele fizer alguma coisa...
- Calma, Milo. Ele não fez nada...
- Mas, então...
- Ele quer me encontrar no final do expediente. Pra conversar. - a última palavra saiu forçada.
- Afrodite de Deus...você NÃO vai!!
- Eu não vou, Milo. -ele disse, contrariado.
- Dite. Ai, meu pai...você quer encontrar com ele....não acredito, depois de tudo o que ele fez...
- É que eu fiquei.....bom, deixa pra lá. Ainda não decidi. Tenho que desligar agora, meu horário de almoço está quase no fim.
- Se cuida, Dite, por favor. E qualquer coisa, me liga.
-Ligarei, Milo... Beijos... Ah! Cuide bem do bonitão. - E Milo riu. Afrodite ouviu um barulho de beijo do outro lado e desligou o telefone, sorrindo.
-Felizes, enfim... - Suspirou, mudando de expressão em seguida. - Por que eu não?
Continua...
