Disclaimer:
- Saint Seiya não me pertence, e todos os dourados agredecem muito por isso.
- Nada Mais é uma música velha e brega que eu adoro, mas nem sei quem foi que compôs.
- 2º oneshot da trilogia, mas é uma fic independente, você não precisa ler a primeira para entender essa, ok?
Enjoy Minna!
Tsuki Koorime
Nada Mais – parte 2
Shaka e Mu
Mais de uma vez flagrei teus lábios
Na intenção do nome de outro alguém
Mas se quiser saber o que eles calam
Você diz "Tudo bem"
Ele bateu os dedos contra a palma da mão pela vigésima quarta vez, naquela tarde.
Sentiu-se morder o lábio inferior, grunhindo alguma coisa ruim em seus pensamentos.
Afinal, ele podia ser sim o homem mais próximo de Deus, mas diabos! Ele tinha todo o direito de ter maus pensamentos de vez em quando!
Abriu os olhos, se levantando. Tentar meditar naquele momento era totalmente inútil. E Shaka não era do tipo de homem que se prendia a atitudes inúteis.
Então porque insistia tanto naquele sentimento sem sentido?
Olhou para o relógio, marcando duas e meia.
Mu levou a mão à testa, indignado. Como conseguira dormir até tão tarde! Ainda que fosse domingo, isso não era desculpa para tamanho desleixo.
Mas, bem, já estava feito. E certamente o ariano não se levantaria correndo agora. Espreguiçou-se vagarosamente, esticando os braços e as pernas o máximo que podia. Bocejou largamente, terminando um sorriso. Deuses, como sua cabeça doía! Tinha que se lembrar de nunca mais aceitar bebidas com mais de duas cores e com cheiro de álcool de cozinha.
Sentiu-se na cama, com cuidado para não balançar a cabeça. A luz do sol lutava contra a janela fechada, tentando a todo custo fazer o ariano acreditar que já era dia alto.
Lavou-se, trocando a roupa amarrotada com que dormira por sua túnica de ferreiro. O trabalho certamente iria amenizar seus pensamentos...
Respirou fundo, jogando a toalha com que enxugara os cabelos sobre o lavabo.
O espelho lhe dizia alguma coisa, como num gesto berrante daqueles olhos mal-dormidos, mas Mu não quis dar ouvidos. Sabia que doía.
Mas sabia também que certas coisas não deviam ser mudadas...
Caminhou lento até a cozinha, quando deu por si a visita que lhe aguardava.
"Ressaca, meu amigo?"
Mu sorriu.
Quis responder que sim, idiota, e o culpado é você.
Mas se calou, sentando em sua cadeira de madeira, aceitando o chá de ervas que Shaka lhe oferecia contra dor de cabeça.
/ Mu – sábado à noite /
Uma pequena viagem de um dia na cidade vizinha e nada mais.
Logo isso acaba, ele pensou.
Ele olhou de novo para aquele lugar de luzes piscantes e som alto. Não tinha nada contra, pelo contrário. Sabia que bares e danceterias eram divertidos. Ele é quem não sabia divertir a si mesmo.
Não era uma pessoa rabugenta.
Só... bem, talvez devesse tentar mais. Afinal era para isso que estava lá, ouvindo Aioria e Shura numa discussão febril sobre qual das amazonas era a mais fogosa, Shina ou Marin, enquanto Aldebaran tentava discursar sobre a amabilidade que só as suas brasileiras têm.
Rodou os olhos, sentindo-se alheio ao assunto. Afrodite, Saga e Miro, por sua vez, falavam sobre os encantos de um quarto cheio de velas versus a praticidade de um banco de trás de um carro. Respirou fundo. Queria sentir inveja deles. Mas não se via naquilo. Quer dizer, é lógico que ele tinha suas vontades, ao contrário do que muitos imaginavam do aparente calmo e controlado cavaleiro de Áries. Mas ao mesmo tempo, Mu era reservado demais para admitir certas intimidades com qualquer pessoa por um simples prazer fútil.
Em outras palavras, Mu era um romântico incorrigível.
Foi quando se sentiu sendo puxado por Saga para dentro da pista. O cavaleiro de Gêmeos lhe devorava com os olhos, mas Áries decidiu não se importar. Fechou os olhos e dançou. Dançou, ali, aquela musica gritante, sentindo-se o ser mais sozinho do mundo, enquanto quase todos os olhos da pista pousavam sobre o corpo insinuante dele.
Uma estranha e absurda solidão.
Faltava ele.
Não se lembrava como o primeiro copo de vodka chegara em suas mãos. Decidiu mais uma vez que aquilo não era importante. Talvez nem fosse o primeiro copo! Bebia com vontade, sem sentir gosto algum. Ia se divertir, certo? Era pra isso que estava lá. Podia ter sido arrastado praquela saideira antes de retornarem ao Santuário, mas agora que estava lá, tinha mais que aproveitar, certo?
Tinha que ser certo.
Ou ele não saberia mais o que fazer...
E não soube.
/ na cozinha /
Mu bebia em goles pequenos, sentindo a fumaça quente e agradável em seu rosto.
"Obrigado, Shaka, não precisava se incomodar."
Shaka sorriu, ainda de pé ao seu lado.
"Foi um prazer. Está melhor?"
"Sim."
Era claro como água que os dois estavam tensos e estranhos. Como se medissem os gestos e as palavras. Há quanto tempo eram amigos? Mais do que qualquer relógio poderia contar. Ao mesmo tempo em que eram fortes juntos, inseparáveis, unidos como rosa e espinho, eles sabiam, e não negavam, que havia um delicado e abstrato abismo no silêncio que vez ou outra pousava, de pouco a pouco, entre eles.
E como todo abismo, nunca nada foi falado sobre ele.
Porque eles sabiam, na verdade pura e simples, de que quando se olha demais para um abismo, ele, certamente também olhará pra você.
E havia tempo demais em jogo pra se arriscar a perder.
"Então, como foi ontem?"
Mu levantou os olhos, e sorriu seu sorriso mais doído.
"Você quer mesmo saber, Shaka?"
O outro apenas não respondeu.
/ Shaka – sábado à noite /
Já eram mais de dez horas da noite.
Havia um silencio aterrador no Santuário. Miro havia tido a brilhante idéia de fugir às seis da manhã para visitar uma das cidades que circunda o Santuário, prometendo voltar apenas no domingo de manhã.
Do que ele fugia? Ah, certamente não era dos treinos...
No entanto, praticamente todos os dourados aceitaram a idéia, com raras exceções. Não fora surpresa quando Kamus negou o convite. Nem o próprio Shaka, que preferia mil vezes a paz do seu jardim das Árvores Gêmeas a participar de uma trupe até uma cidade qualquer e matar o tempo.
A surpresa mesmo foi ver o cavaleiro de Áries se vestindo para sair, comum sorriso no rosto, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Vestia uma camisa de algodão azul de seda, calça jeans escuras, os cabelos presos ao meio num rabo de cavalo displicente.
Não houve quem não se espantasse ao ver o tímido ariano se juntando ao grupo em sua porta, ordenando que Kiki ali ficasse de guarda até que voltasse. Se houvesse problemas, o garoto o encontraria com telecinese e os cavaleiros voltariam na mesma rapidez para o Santuário.
"Podia ter acontecido um desastre aqui e..." – resmungou, virando para o outro lado, mas não terminou a frase.
Estava no jardim, deitado sob suas árvores favoritas.
Sabia, que no fundo, estava se escondendo e que uma hora teria que sair dali. Teria que olhar para o espelho e admitir o profundo ciúme que sentira. Não só pelos olhares que vira – e que sabia que mais haveria – sobre o cavaleiro que tão bem se arrumara naquele dia, em particular. Mas pelo simples – e óbvio – fato de que Mu tão preferira sua companhia.
Estou sendo egoísta. Eu sei.
Mas ele estava ali, naquele jardim enorme, onde havia ainda ecos de risadas guardadas entre os dois. Tentava tirar qualquer coisa sobre ele da mente, mas a imagem do ariano saindo pelos portões do Santuário lhe voltava como uma praga.
O que tinha acontecido praquela mudança de comportamento! Mu nunca fora de baladas, festas, viagens sem motivo. Ele, como guardião da primeira casa, era também sempre o primeiro a se negar de deixar seu posto, ainda mais num dia onde todos os cavaleiros iriam estar ausentes!
Shaka virou-se novamente, apertando as pálpebras umas contra as outras, com força.
Aliás, desde quando Mu gostava da companhia daqueles fanfarrões! Era ele quem Mu sempre procurava para conversar! Era com ele que Mu dava seus poucos passeios, era com ele que Mu se permitia dar risadas, era ele quem podia ouvi-las, era ele, era apenas dele...
Ao menos uma vez, eu quero ser egoísta!
Eu tenho esse direito!
Abriu os olhos, olhando para as copas agitadas das árvores acima de si.
"Não tenho, Mu?"
/ domingo /
Shaka tentou mover o pé um degrau mais, mas simplesmente não podia.
"Você quer mesmo saber, Shaka?"
Sentiu os olhos cor de lavanda delicadamente abandonando suas costas, voltando para a entrada do seu templo. Sentiu que fechava os punhos, tentando tomar aquela decisão.
É lógico que queria saber!
Ou não?
Na cozinha Mu havia sabido desvencilhar o assunto, falando bobagens, ignorando mais uma vez o abismo palpável que se criava entre os dois.
Era isso? Ia mesmo aceitar que simplesmente se distanciariam por suas negligências? Por medo? Porque ele era um idiota orgulhoso demais para perceber que nunca subiria aquelas escadas em paz se não gritasse logo o que sentia pelo ariano!
"Eu pensei em você o tempo todo."
Shaka virou-se de brusco, encontrando o cavaleiro de costas para a porta. Mu deu uma leve risada, inclinando a cabeça de leve para trás.
"Ainda era essa pergunta, não era?"
"É essa sua resposta?"
Áries se virou, sem muita expressão no olhar, olhando para a face séria de Virgem. Arriscou um sorriso que nunca veio, e sussurrou.
"É."
"Droga, Mu."
E mal terminou seu murmúrio, o virginiano cruzou a distância que mantinham e atirou-se contra o ariano, puxando sua boca para a sua, as mãos prendendo seu rosto como se não pudesse deixar escapar um único segundo daqueles olhos surpresos.
Sabiam, sim, que em algum momento eles tinham pisado sobre o abismo. Como, e quem foi o primeiro, eles nunca iam saber.
"Eu também, Shaka. Sempre."
Mas então decidiram que isso apenas não era importante.
OWARI
