CAPÍTULO 7 – A despedida de Harry
Se existe inferno, aquela semana foi a cópia perfeita dele. Eu levantava as oito e ia para a cozinha preparar o desjejum. Rony acordava as crianças, e as arrumava para irem para a casa da avó. Ele então lia o Profeta Diário , e comentávamos as notícias, saboreando as delícias postas à mesa. Pelo que percebi, isso estimulava as crianças a ler, além de passar a elas nossos princípios.
Ficar na Garatujas era um horror. Todos falavam comigo como se me conhecessem há anos, e como eu (obviamente) não correspondia, era freqüente ouvi-los perguntar a Gina o que estava acontecendo.
Na sexta-feira, depois de atender a três clientes e não fazer nenhuma venda, pois eu não sabia nada do que tínhamos no estoque, Gina pediu que eu organizasse os novos pedidos que haviam chegado aquela tarde.
– Você se dá muito melhor com a parte burocrática do que com vendas, Mione. Deixe que Gregory e eu tomamos conta de tudo por aqui. O fornecedor já enviou metade dos livros que pedimos semana passada, além de um novo catálogo pra você decidir se quer mais algum.
"Ótimo!"
Ao final do expediente, Gina foi à minha sala e sentou-se à minha frente.
– Gregory está atendendo a um casal enjoado. Fugi enquanto era tempo, mas já fechei as portas. Pode ir pra casa se quiser.
Ela pegou os relatórios que eu havia feito, conferindo página por página. É claro que estava tudo certo. Eu havia procurado a papelada dos meses anteriores, e me baseei nelas. Foi incrivelmente fácil.
– Você não vem?
– Vou mais tarde. Gregory, sabe... me convidou para comer alguma coisa.
– E você aceitou, suponho?
– Sim, sim! – havia um misto de empolgação e ansiedade em sua voz. Ao ver que eu não estava tão animada quanto ela, perguntou:
– Hermione... de uns dias pra cá você tem andado diferente... tem algo que eu não saiba?
Suspirei. Havia tantas coisas erradas! Gina saindo com alguém que eu mal conhecia, enquanto eu sempre pensei que ela fosse ficar com Harry. Eles sim eram feitos um para o outro, não como Ronald e eu.
– Hermione? – ela continuou, visto que eu preferi olhar para a foto de Eddie e Diana à mesa do que responder à sua pergunta – você sabe que antes de ser sua cunhada, eu sou sua amiga. É algo relacionado ao Rony?
– Não, Gina. Está tudo bem! – sorri ao me levantar. Acho que já vou mesmo para casa. – peguei minha bolsa e já caminhava para fora da loja, onde era permitido aparatar, quando ela disse:
– Não se esqueça da festa de Harry. Ele não vai perdoar se vocês não forem.
Como pude me esquecer da despedida de Harry? Ele fora requisitado na Alemanha, onde havia suspeitas de que um grupo de Comensais estaria se unindo novamente. Como Harry era o auror mais bem treinado de toda a Europa, ele não podia recusar uma tarefa dessas. E eu não podia deixar de ir à festa de despedida de meu melhor amigo, por mais que minha vontade de aparecer em público ao lado de Rony fosse praticamente nula.
A casa de Harry estava localizada em um dos melhores bairros de Londres, e a reunião que foi feita naquela noite não poderia ser considerada exatamente uma festa. Harry ainda não havia se recuperado totalmente do fato de ter se tornado um assassino, e vivia à sombra de suas recordações. Segundo as conversas que ouvi, os Weasley (e isso me incluía, mesmo que eu não tivesse realmente vivenciado essa etapa) sempre fizeram de tudo para que ele voltasse a ser o Harry de antigamente, que se alegrava com apenas uma demonstração de carinho. Mas todos sabiam que isso era impossível.
As mesas estavam dispostas em uma varanda, com vista para o jardim. Estavam presentes apenas pessoas de quem Harry realmente gostava e sentiria falta, portanto a lista de convidados se resumia aos Weasley, algumas pessoas da Ordem da Fênix e poucos ex-colegas de Hogwarts.
Estávamos todos juntos, conversando sobre assuntos banais, quando Harry finalmente conseguiu fazer o rádio funcionar. Imediatamente, Rony segurou minha mão e me chamou para darmos uma volta pelo jardim. Aceitei, pois a conversa enveredava por um caminho não muito agradável: Vitor Krum. Enlaçamos nossas mãos, e caminhávamos lentamente, discorrendo sobre os assuntos do cotidiano. De repente Rony parou, e colocou-se à minha frente.
– Tá ouvindo essa música?
Prestei um pouco mais de atenção e percebi que era uma melodia lenta, suave. Sem saber exatamente de que música se tratava, sorri.
– Dançamos essa música no nosso casamento, lembra? – ele sorriu – você estava linda...
"Como posso saber? Não sou casada com você!"
Ele segurou minha mão e puxou-me para perto de si, envolvendo suas mãos em minha cintura. Nossos rostos ficaram colados, e eu me assustei. Dividia a cama com Rony há uma semana, mas nunca estive tão próxima dele. Deixando-me levar pelas risadas longínquas dos amigos e pelo ritmo envolvente da música, deitei minha cabeça em seu ombro, e ele fez o mesmo. Fechei os olhos e deixei que ele me guiasse com seus passos lentos e descoordenados, pisando, por vezes, em meus pés. Sorri e suspirei. Podia sentir sua respiração em meu pescoço, e algo que não tomava conta de mim há muito tempo, invadiu meu coração. Ergui meu rosto e olhei para Rony como se o visse pela primeira vez. Ele sorriu e eu retribuí, à medida que seus lábios se aproximavam dos meus.
Continuamos dançando, mas agora eu mantinha meus olhos bem abertos. Eu beijei Rony. Não podia acreditar nisso! Percebendo minha tensão, ele se afastou um pouco de mim, e perguntou:
– Mione... você tá se sentindo bem?
Eu podia ser muito boa com datas, fórmulas e qualquer coisa que pudesse ser aprendida na teoria, mas em questão de meus próprios sentimentos eu era uma negação. Respirei fundo, e passei minhas mãos por seus cabelos:
– Você beija bem, Rony... – surpreendi-me dizendo.
Ele riu.
– Bem... fazemos isso há sete anos e você nunca reclamou. – Abraçou-me novamente, voltando à dança.
Eu havia sido sincera.
Logo que nos deitamos, tive medo que Rony me atacasse como algum pervertido estúpido, que não pensa em nada além de conseguir satisfazer seus desejos mais obscuros. Mas ele deu um beijo em minha testa, e virou-se para o outro lado. Após um breve momento de surpresa (bem, não deve ser isso que os maridos fazem todas as noites, senão de onde viriam as crianças?), eu perguntei se estava tudo bem. Mesmo que tenhamos ficado distantes muito tempo, eu ainda podia reconhecer um sinal de nervosismo em Rony, e era isso que ele aparentava agora.
– Eu estive pensando... bem, na verdade não eu, mas Gina, foi ela quem me deu a idéia. O que acha de viajarmos em uma segunda lua de mel?
Me afastei dele. A imagem de Rony e eu passeando por lugares bonitos como dois adolescentes apaixonados não me agradava muito, embora eu realmente quisesse viajar. Mas o que mais me preocupou, e eu me admirei com isso, foi o fato de termos que deixar as crianças sozinhas.
Como se lesse meus pensamentos, ele acrescentou:
– Eddie e Diana vão ficar bem na Toca. Sei que você não gosta de ficar longe das crianças, mas... – ele ajeitou o travesseiro nas costas e coçou a cabeça, olhando em meus olhos. – Hermione, não dá para fingir que está tudo bem. – ele me contou a conversa que tivera com Gina e Molly na Toca, e eu não tive coragem de admitir que havia ouvido tudo - ... E então eu pensei que talvez fosse bom que passássemos um tempo juntos, só nós dois. Longe de familiares, das crianças, de responsabilidades... Simplesmente eu e você. – ele segurou minhas mãos e eu olhei diretamente em seus olhos. Senti uma imensa vontade de abraçá-lo e dizer como eu havia sentido sua falta durante o tempo que estivemos afastados. Era difícil admitir isso, mas eu senti muita falta de Rony, e agora o tinha ao meu lado, embora as circunstâncias fossem um tanto duvidosas.
Sem conseguir segurar mais meus impulsos, aproximei-me dele e encostei minha cabeça em seu peito. De certa forma, eu sempre havia me sentido mais protegida quando Rony estava por perto. Na escola ele vivia me defendendo, e apesar de achar que ele não deveria fazer isso, me sentia lisonjeada com suas atitudes.
Ele acariciou meu cabelo, e prometeu que tudo ficaria bem. Eu acreditei e realmente desejei que isso acontecesse, que tudo se resolvesse e Rony parasse de sofrer e se lamentar por algo que não era culpa dele.
Adormecemos abraçados, e eu acordei no dia seguinte pensando em qual seria a melhor atitude a ser tomada. Rony certamente não era a pessoa que eu sonhei para casar e ter filhos. Mas talvez a hora de perder o medo de depender de uma outra pessoa e de me envolver com uma pessoa cujos sentimentos fossem reais tivesse chegado. Rony não era Vitor. E por isso eu me levantei disposta a transformar meu casamento em um relacionamento verdadeiro. Se aquela loucura precisava continuar, eu não tentaria mais impedir as coisas de tomarem seu curso natural.
