Capítulo 10 - A gente se vê
A luz do sol iluminou diretamente o meu rosto, me despertando de um sonho bom. Sem abrir os olhos, procurei por Rony na cama. Era muito bom acordar e saber que ele estaria ali, sempre ao meu lado, apesar de nossas constantes brigas. Mas dessa vez encontrei apenas um travesseiro. Abri os olhos e vi que aquela não era a minha cama. Olhei rapidamente ao redor e não vi nenhum dos móveis de segunda mão, tão familiares. Numa das poltronas daquele quarto, havia uma capa azul celeste com um brasão estampado do lado esquerdo. Eu estava em Hogwarts.
Levantei rapidamente e procurei por Rony em todos os cantos do quarto. Ele não estava lá. Corri até a janela, e a neve caía sem piedade. Mas como? Já estávamos em Junho, e eu sabia muito bem que em Junho não nevava! Troquei de roupa rapidamente, joguei a capa que estava pendurada na poltrona sobre os ombros e saí correndo pelos corredores praticamente desertos do castelo.
Quase perto do Salão Principal, ouvi uma voz bastante familiar.
- Ora, ora senhorita Granger. Até onde me lembro, seu refúgio preferido no Natal fica do outro lado.
Era Snape, sarcástico como sempre. Mas suas palavras doeram em meus ouvidos. Natal? Senhorita Granger? Antes que eu pudesse me conter, falei, visivelmente irritada:
- Desculpe, do que me chamou?
- Não sabia que deficiência auditiva estava entre suas habilidades, senhorita Granger – ele enfatizou o Granger.
Eu não sabia o que fazer. Então o deixei sem resposta, coisa que odiei fazer, e voltei para o meu quarto. Precisava colocar meus pensamentos em ordem. Fechei a porta e me esforcei para não pensar que poderia nunca mais ver Rony e as crianças.
Certo, Hermione Weasley... Quais foram os últimos acontecimentos? A briga com Rony... Mavvle! Claro, Mavvle!
"- Chegou a hora, Hermione. Você já teve sua amostra."
Finalmente, eu compreendia a intensidade das palavras dele. Minha vida com Rony, nosso casamento, nossos filhos, nossa felicidade, nada disso era verdade. Apenas uma amostra de como minha vida poderia ter sido ao lado dele, se eu não tivesse sido tão teimosa. E agora eu estava de volta ao ponto em que minha vida parou, como se esses seis meses com Rony e as crianças não tivessem passado de um sonho.
Mas não podia terminar assim. Eu havia errado uma vez, não poderia cometer o mesmo erro novamente. Não agora quando eu finalmente consegui entender o encanto que Rony exerce sobre mim. Como eu adoro quando suas orelhas ficam vermelhas de raiva e como me dá prazer contrariá-lo só para vê-lo bravo o resto do dia. Não agora que eu percebi que sim, eu queria ter me casado com Ronald Weasley.
Eu precisava lembrar como tudo começara... Foi na véspera de Natal, recebi cartas pela manhã, mas as abri apenas à meia-noite na cabana de Hagrid. Havia uma carta de Rony, pedindo que eu o encontrasse na Toca imediatamente.
Era isso! Eu precisava ir à Toca. Precisava encontrar Rony, dizer a ele o que havia acontecido e esperar que ele não pensasse que eu sou algum tipo de louca alienada.
Corri até a lareira da minha sala, peguei um pouco do pó de flu que ficava num saquinho ao lado e joguei.
- A Toca.
As chamas verde esmeralda apareceram rodopiando. Respirei fundo e entrei na lareira, sem hesitar. Em poucos segundos, eu estava numa sala bastante iluminada, onde uma figura conhecida observava a neve caindo através da janela.
- Gina! – a chamei. Ela virou, olhando-me assustada.
- Hermione? Céus, Hermione! É você mesmo? – ela correu em minha direção para me abraçar.
- Como vai? – eu disse formalmente. Gina pareceu sentir por minha recepção não ser tão calorosa quanto a dela, e eu pensei em dizer que tínhamos nos visto na semana anterior. Mas ela me chamaria de louca alienada, e eu ainda não estava totalmente preparada para ouvir isso.
- Gina, eu preciso falar com o Rony. Ele está aqui?
Ela pareceu surpresa. Era uma situação estranha, certamente. Como a primeira vez que a encontrei sendo sua cunhada, mas ao contrário. Agora quem estava confusa era ela. Não pude evitar um sorriso de satisfação.
- Rony? Mas Hermione, como você...
- Gina, ele está? Por favor, é importante.
- Bem... Deu sorte de ainda encontrá-lo aqui. – ela respondeu, receosa – Está lá em cima, no antigo quarto dele. Mas Hermione, me diga o quê...
- Desculpe, Gina, é realmente muito importante. – eu disse, me dirigindo ao andar superior da Toca. Bati levemente na porta, e ao ouvir a voz dele dizendo "entre", meu coração disparou. Pela primeira vez em minha vida eu agia por impulso, e isso não me agradava nem um pouco. Mas eu estava ali e precisava saber o que Ron tinha para me dizer. Respirei fundo e entrei.
- Hermione?
A maneira como disse meu nome foi suficiente para que eu percebesse a surpresa que minha presença causava.
- Erm... Oi.
"Idiota! Até parece que conviveu tempo demais com Ron. Fale algo com conteúdo, Hermione Granger!"
- Então... – ele continuou, bastante embaraçado – recebeu minha carta?
- É... Recebi. Olhe Ron... – antes pudesse terminar minha frase, ele me interrompeu:
- Erm... Eu fico feliz que tenha vindo – um sorriso forçado brotou em seus lábios.
- Ron, acho que precisamos conversar – me esforcei em dizer. Mal conseguia encará-lo de frente. Não depois de tudo que fiz a ele. Justo a ele, que sempre quis me proteger, que sempre procurou me defender, fosse dos insultos de Malfoy ou Snape, ou das armadilhas de Vítor.
- Claro. – falou rapidamente, as orelhas ficando totalmente vermelhas – Isso é, se você não se importar que fiquemos aqui. Tem uma chave de portal me esperando daqui a... – ele consultou o relógio de pulso – vinte minutos, e bem... eu ainda não terminei de arrumar minhas coisas – concluiu, apontando para vários objetos espalhados no chão, e outros dentro de um enorme malão, bastante parecido com o que ele levava para Hogwarts.
Minhas pernas tremeram. Ron estava indo embora? Para onde? E por que logo agora?
- Chave de portal? – perguntei, sem conseguir evitar que minha voz soasse fraca.
- É... ahn, não sei você sabe que eu sou Chefe do Departamento de Jogos e Esportes Mágicos...
"Eu leio jornais, Ronald."
- Eu li algo a respeito.
- Ah... Então, é realmente um bom emprego, sabe.
- Imagino que seja.
Eu começava a ficar impaciente. Tinha tanta coisa que precisava ser dita...
- Bem, o caso é que a Rússia vai sediar a final de Copa Mundial de Quadribol, e o Departamento de Cooperação Internacional decidiu que seria bastante interessante que a Inglaterra acompanhasse de perto esse processo. Nosso time está na final contra a Irlanda, e realmente não queremos que nada saia errado.
- E... suponho que você tenha sido indicado para ir?
- Bem... indicado não seria exatamente a palavra, mas sim, eu vou.
Silêncio. Não sabia mais como agir. Rony iria embora e provavelmente não havia nada que eu pudesse fazer. Precisava dizer tanta coisa a ele... Queria dizer que sentia muito por tê-lo tratado como um idiota, por não ter acreditado nele. Queria contar que, mesmo estando com Vitor, não havia um dia em que eu não pensasse nele... e que fui muito orgulhosa para admitir. Tanto precisava ser dito agora... e eu não conseguia falar! Apenas olhava de Rony para a mala, da mala para Rony, ainda sem conseguir acreditar.
- Erm... Aqui! – ele quebrou o silêncio constrangedor, abrindo a porta do guarda-roupa e tirando de dentro dele um pequeno embrulho. – Desculpa por te pedir pra vir aqui ontem. Eu... bem, eu queria te entregar isso antes de ir embora.
- Ron...
- Olha, eu sei que você é muito ocupada – ele não olhava para mim – e tem muitas coisas pra fazer. Mas eu realmente só queria te entregar isto. Foi comprado há oito anos, antes da gente... bem, você sabe.
Ele deixou o pacote em cima da cama, e virou-se rapidamente para o outro lado, agitando a varinha para terminar de arrumar as coisas na mala. Hesitei um pouco antes de pegá-lo. Estava um pouco mal embrulhado, e o papel dourado aparentava os sinais do tempo. Abri cuidadosamente. Era um livro.
- Dicionário Moderno de Runas? – perguntei, não conseguindo evitar um sorriso. Me lembrava vagamente de ter procurado esse livro por todo o Beco Diagonal da última vez que estive lá com Rony e Harry.
Rony se virou novamente para mim.
- Eu sei que você já deve ter encontrado. Gina me disse que é um dos livros mais vendidos na Floreios e Borrões. Mas na época foi realmente difícil de achar.
Fui em direção à cama e me sentei, ainda com o livro em minhas mãos. É claro que eu já tinha um exemplar, comprado por encomenda pouco tempo depois de nossa ida ao Beco Diagonal. Mas ter aquele livro em mãos, um presente de Rony, trazia uma sensação incrível.
- Eu... Obrigada Ron – sorri.
- Bem... Foi por isso que te chamei aqui ontem. Eu não sei quanto tempo vou precisar ficar na Rússia, e bem, eu tive que limpar o guarda-roupa aqui da Toca, e achei o livro.
- É... É realmente um presente incrível.
- Erm... que bom que gostou. Mesmo com tantos anos de atraso – Ron consultou rapidamente o relógio de pulso.
- Hora de ir? – perguntei, vendo que ele não falaria nada. E nem olharia para mim.
- É. Hora de ir. Foi bom te ver novamente, Hermione – pela primeira vez ele olhou diretamente em meus olhos. – Muito bom mesmo.
Sorri, incerta. Rony fechou o malão com um aceno da varinha, e com um gesto se despediu de mim. Estava no meio do caminho para a sala, quando o chamei.
- Tem algo que preciso dizer a você.
Ele voltou-se para mim, intrigado. Subiu novamente até seu antigo quarto, depois de ajeitar a mala no chão da sala. Ficou de frente para mim, esperando que eu falasse. Tudo que eu gostaria de dizer fugiu de minha cabeça. Eu não conseguiria falar nada do que havia planejado e ensaiado mentalmente. Nenhuma das palavras bonitas que eu havia escolhido cuidadosamente. Nada. Olhei para ele mais uma vez e me virei para a janela, observando os flocos de neve caindo.
- Sabe Ron... Essa noite eu tive um sonho muito estranho. Era um dia como hoje. A mesma neve, o mesmo frio... A mesma sensação de perda. Mas as coisas estavam bem diferentes. Nós estávamos juntos. Numa casa bastante parecida com A Toca. Simples. Os móveis eram todos de segunda linha, assim como nossas roupas. E tinha também o Eddie e a Diana... Duas crianças lindas! Eddie era a sua cara, Ron. Adorava voar, e eu sempre implicava com você por deixá-lo montar a CleanSweep. Garoto esperto. Assim como Diana, que era muito inteligente. Também se parecia muito com você, embora os cabelos não fossem tão vermelhos. Diana era apaixonada por Aritmancia, e estava aprendendo a jogar xadrez. Você sempre roubava para ela ganhar, e ela se sentia a pessoa mais feliz e importante do mundo...
Virei-me novamente para Rony. Ele me olhava, os braços cruzados, parecendo incapaz de acreditar no que eu dizia.
- Eu tinha uma livraria no Beco Diagonal com Gina. No começo foi muito difícil aceitar isso. Mas depois percebi que era um trabalho tão digno e importante como qualquer outro. Você, Rony, trabalhava como auxiliar técnico do Cannons, e apesar de não receber muito pelo que fazia, era sua paixão. Nós tínhamos nossas brigas e dificuldades, como qualquer casal... Mas era isso que nos aproximava cada vez mais. Eu nunca fui tão feliz como fui nesse tempo, Rony...
- Hermione... foi apenas um sonho... – ele disse, incrédulo. Era impossível tentar descobrir o que se passava em sua cabeça naquele momento.
- Não Rony. Foi uma amostra. Uma amostra de como nossas vidas poderiam ter sido. De como nossas vidas ainda podem ser.
- Eu... Eu preciso ir.
Ele caminhou lentamente até a porta, e se virou para me olhar uma última vez.
- A gente se vê, Mione.
N/A E é isso. Chegamos ao fim. Quero agradecer imensamente à Nikari Potter, minha beta que teve paciência de ler e corrigir tudinho, além de sempre me incentivar a continuar. Nik, sem você, esta fanfic estaria arquivada.
Um agradecimento especial também à Melissa Hogwarts e Lucy Holmes, que nos momentos de insegurança liam o que eu tinha escrito e me incentivavam. You rock, girls.
E a cada pessoa que teve a paciência de ler e deixar um comentário. Vocês fizeram uma pessoa um pouco mais feliz. Muito obrigada!
Epílogo, semana que vem.
