EPISÓDIO 16
KAMAKURA – ESCOLA
- Esse comportamento é tão estranho. – Yato comentou, a testa levemente franzida para o grupo que ia à frente.
- E você queria que eles estivessem como? – o tom de Selinsa tinha uma nota de indignação e pesar.
- Estão sendo solidários com Ryuho. – Teneo ponderou, apontando para o garotinho que ia cabisbaixo ladeira abaixo.
- Foi bom termos passado no sobrado verde por último hoje. – Kiki endireitou a mochila nas costas. – Ele logo se enfiou no meio dos amigos.
- Mesmo os Sombras tendo partido, não se descuidem. – alertou Selinsa, pedindo que eles prestassem atenção. – Shoko disse que Régulus vai demorar a voltar para a escola.
- Mestre Aiolia pediu para irmos à casa deles passar a matéria. – Yato sinalizou para Haruto ir mais devagar. – Até lá, devemos receber notícias da sra. Marin e da Yuzuriha, não é? – ele acrescentou, corando levemente. Ainda tinha vergonha de tocar no nome da namorada.
- Não podemos nos deixar abater. O que aconteceu ontem foi uma vitória para o Santuário. – Teneo estufou o peito, empinando a coluna. – Precisamos ajudar os mais novos a entender isso.
- Será difícil depois do que houve na casa do sr. Shiryu. – Kiki mordeu o lábio, suspirando. Olhou para Teneo de esguelha, o perfil determinado. – Vocês acham que a sra. Shunrei volta? – ele pensou ter falado baixo, mas na hora percebeu a cabeça do garotinho se virar ao ouvir o nome da mãe. Recebeu um olhar repreendedor de Selinsa.
Os quatro adolescentes seguiam as crianças menores como faziam todas as manhãs. Elas estavam anormalmente caladas. Instintivamente, formaram uma roda com Ryuho no centro. Yuki fez questão de levá-lo pela mão, enquanto seu outro lado era guarnecido por Kouga. Atrás vinham Souma, Yuuto e Arya. À frente, as expressões sérias, Éden e Haruto. Quando Ryuho ouviu os nomes dos pais, pareceu sair do embotamento e prendeu a respiração para olhar ao redor. Sentiu a mãozinha de Yuki apertar a sua e retribuiu.
- O papai fez um remédio muito bom para o tio Shiryu. – ela disse para animá-lo. – Logo ele vai tirar aqueles curativos.
- Uma vez, eu caí e ralei todo o meu braço. O papai passou uma pomada que sarou tudo rapidinho e nem ardeu. – Yuuto reforçou. – É o melhor médico que existe. – Ryuho acenou para sinalizar que concordava. Sentia a garganta ardendo, por isso evitava falar.
- Nada vai acontecer ao tio. – Kouga garantiu. – Ele é forte. Vai se recuperar e ainda disputar o Campeonato com meu pai. – eles dormiram no sobrado, chegando pouco depois de Ryuho saber que a mãe não estava. Ouvira o amigo chorar a noite toda na cama e procurara falar palavras de ânimo. – Quando o papai Seiya saiu hoje de manhãzinha, eu prometi ficar com você, Ryuho.
- Hoje à tarde não teremos treino, então podemos brincar lá em casa, que tal? – os lábios de Souma estavam comprimidos. – A mamãe disse que nos deixa assistir anime também.
Ryuho respirou fundo, sentindo o peito doer. Assentiu para o convite sem nenhuma emoção. Ele queria apenas ficar deitado debaixo das cobertas.
Entraram na escola e os mais velhos os acompanharam até as salas. Primeiro, Éden e Haruto.
- Nos vemos no recreio! – exclamaram, confiantes, olhando para os olhos azuis do amigo.
Quando chegaram à turma de Kouga, Yuuto, Souma e Ryuho, Arya se despediu com um abraço que o deixou vermelho da cabeça aos pés.
- Não se preocupe. – ela era tímida, sua voz apenas um sussurro gentil no ouvido dele. – Confie nos seus pais. A sua mamãe vai voltar. – Ryuho engoliu em seco e segurou as lágrimas no último instante.
- Vocês têm notícias da Yuna? – Yuki perguntou enquanto se afastavam da sala dos meninos.
- Orfeu comunicou ao Mestre Camus que eles embarcaram em segurança. – Teneo informou após se certificar que não havia ninguém por perto. – Devem chegar a Atenas hoje à tarde. Para eles será de manhã. São seis horas de diferença.
- Espero que todos voltem em segurança. – os olhinhos de Arya estavam enormes e ela se aproximou de Selinsa. As duas passaram a noite em claro com a ausência do irmão. Orfeu só retornaria com o Grande Mestre, após as negociações em Tóquio.
- Não se preocupem, estamos preparados! – a voz de Yato soou confiante no corredor repleto de conversas de alunos.
- Nos vemos mais tarde. – Selinsa sorriu para a irmãzinha e Yuki, reforçando para aguardarem na sala ao final da aula.
- Mestre Mu recomendou que ficássemos de olho neles no intervalo. – Kiki comentou antes de partir para sua própria turma. – Sem Régulus, redobramos os cuidados. – os amigos assentiram, sérios.
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TÓQUIO
A sede da Fundação Graad ocupava todos os 20 andares do imponente edifício ao norte de Tóquio. Longe do centro financeiro da capital, Mitsumasa Kido escolhera o local para fugir dos olhares e da pressão. Fora um homem cauteloso e ciente da competição e cobiça que suas ações causavam nos setores estratégicos onde suas empresas atuavam. Nas altas rodas se dizia que a Fundação Graad era a artéria mais importante do coração da nação.
A cobertura era reservada à presidência. Compreendia o gabinete pessoal, a recepção com os assessores e secretários e diversas salas para reuniões e desenvolvimento dos projetos que a presidenta decidisse acompanhar de perto. Os gabinetes dos vice-presidentes ocupavam o andar abaixo
Os seguranças na entrada do elevador não se surpreenderam com os convidados da presidente Kido, mesmo alguns deles ostentando ferimentos nos rostos e nas mãos.
- A reunião será na sala leste. – ela comentou ao saírem do elevador, apontando para a porta à direita. – Por hora, ficaremos aqui.
O gabinete era luxuoso e sofisticado, com sofás de couro escuro, tapetes felpudos e estantes de livros e objetos de antiquário, retratos do fundador e pinturas de paisagens de várias regiões japonesas. A mesa era comprida, com pés finos e resistentes. Um nicho escondia o computador embutido. Na parede em frente, duas telas desciam do teto para apresentar números e notícias, alternando entre as diversas regiões do mundo onde a Fundação estava presente.
- De certa forma, eu esperava essa combinação entre tradição e modernidade. – Saga comentou, analisando o ambiente. – Não nesse nível, claro. – Saori sorriu das sobrancelhas erguidas.
- A vista é de tirar o fôlego. – Kanon observou que não havia paredes externas de tijolos, o que proporcionava um horizonte de 180 graus. – Quase dá para ver a mansão e o palácio imperial.
- Em dias claros e sem nuvem, dá sim. – Saori não se incomodou com o tom irônico, ocupando sua cadeira e colocando o fone sem fio para começar a trabalhar. – Sim, o que tem para mim? – o simples olhar para Dohko o fez aproximar-se. – Entendo, claro. – ela anotava rápido num bloco de papel. Os demais acomodavam-se pela sala, conversando entre si. A estratégia fora montada ainda ontem, então preferiram conversar amenidades do noticiário televisivo. – De qualquer forma, continuem a monitoria. Não quero que façam nada por enquanto... Isso, apenas monitoria. Preciso que se concentrem nos outros assuntos que conversamos também. Só um instante. – trocou o canal de comunicação. – Bom dia! Sim, hoje cheguei mais cedo... Excelente. Por favor, avise ao vice-presidente Kazehaya e peça que ele oriente as equipes responsáveis... Agora pela manhã tenho compromisso inadiável. À noite falarei com ele. Precisamos colocar em prática o que acordamos o mais rápido possível... Sim, claro. Jantarei com ele e a esposa essa semana... Sim, ele está aqui comigo. – ela sorriu para o noivo, que chegara há poucos minutos de Kamakura. - Pode marcar na minha agenda, por favor. Minha assessora me avisará. – voltou à primeira conversa. Os gêmeos alojaram Valentine Harpia entre si. Desde que chegara à mansão Kido, o inglês permanecera com a postura empertigada, sem pronunciar uma única sílaba. - Quantas equipes envolvidas? – Shion e Mayura ocuparam as poltronas em frente ao trio. – As prioridades e as orientações permanecem as mesmas, sim. As demais, deixem que nossos representantes locais lidem com as situações... Preciso que reforcem com eles para não ficarem nos aguardando. Quero reportes às 10 horas. Compartilhe com o assessor de comunicação e com o departamento de relações internacionais. – ela emitiu um sorriso rápido para a expressão admirada de Seiya, ocupando uma das cadeiras à frente da mesa. Entregou as anotações a Dohko, que assentiu ao lê-las, compartilhando-as com Shion. – Só mais um momento. – apertou o botão vermelho na tela acoplada à mesa. – Pois não?... Ótimo. Faça-os entrar em três minutos... Somos 12 ao todo, então... Muito bem... A recepção 5 completa... Se não tiver outro contato meu, vamos precisar de almoço. Sim, estilo ocidental... Obrigada. – voltou à primeira conversa. – Qualquer novidade me envie por escrito, por favor. Decisões imediatas precisam ser remetidas ao vice-presidente competente. Obrigada. – suspirou ao tirar o fone, piscando para voltar a atenção ao grupo. – Vamos começar?
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KAMAKURA – SOBRADO VERDE
Havia pouco que ele pudesse realmente fazer com o corpo naquelas condições. Viu Seiya partir com um trago amargo de inveja, mas recebera ordens explícitas de seu Mestre para permanecer em casa. Por muitos anos cultivara a autoimagem de ser obediente, mas até isso ficara no passado, afinal ele se envolvera com alguém que ninguém da sua família aprovara e fugiu para a Coréia atrás dela.
"No final das contas, foi uma escolha acertada." Shiryu ponderou ao se dirigir à sacada na parte de trás do sobrado, onde dera as boas-vindas à sua nova vida e à mulher que amava. Durante o dia, era uma rua silenciosa, pois os moradores desciam para seus afazeres no centro da cidade. Quando ventava, as árvores de seu jardim farfalhavam. Se se esforçasse, conseguia ouvir os sons da casa de Ikki, onde a música ajudava Esmeralda a se concentrar em sua escrita. "Até agora, foi a melhor coisa que você fez na vida, mesmo demorando quase três anos para acontecer."
Sentou-se em posição meditativa, respirando o mais fundo que seus ferimentos permitiam sem incomodar. Há poucos minutos, recebera a mensagem do Mestre.
"Elas não estão mais no Japão. A Fundação continuará monitorando. As quatro estão juntas. Não se preocupe."
Ele não queria que Shunrei fosse envolvida. Isso também ficara no passado. Passou no instante da entrada de Shion e Mayura no quarto de Shaina no dia anterior.
"Não... Passou no instante da minha inscrição no Campeonato e a nossa ida àquele evento." Os olhos verdes arderam e ele respirou fundo pela boca.
- Se continuar assim, de nada valerá a aventura coreana. - uma vozinha impertinente o incomodou com o pensamento. – Se você não insistisse, ela estaria a salvo.
- A salvo num relacionamento infeliz e abusivo... Não se controla a vida. – outra voz, ponderada e encorpada, respondeu. - Apenas vivemos com o melhor que temos e seguimos em frente.
- Você não se responsabiliza por nada? – a vozinha contestadora alfinetou. - Deixa tudo ao acaso? É isso que está ensinando ao seu filho? É melhor tomar o caminho mais fácil para depois dizer que foi 'a vida'? Você sabia o que ela estava planejando quando decidiu se mudar para cá, não sabia? Sabia que ela queria deixá-lo e voltar para a vida dela na Coréia. Você sempre soube. Por que não a impediu? Parece que você gosta do papel de vítima.
As lágrimas desceram sem ele perceber. Seus olhos continuavam abertos, observando, entre as madeiras torneadas do guarda-corpo, o canteiro de hortênsias que ela plantara com o Mestre e Ryuho. Sentia o cheiro de sândalo que ela insistira em continuar usando no piso da casa. Se se esforçasse, podia sentir o gosto dela na sua boca.
- Ela não é assim. Eu não sou assim. – a voz ponderada retrucou, firme. – Nós não agimos sem pensar e nem pensamos em tirar vantagens dos outros. Nossa vida é nossa, de mais ninguém. Estamos construindo uma história juntos e isso requer coragem. Agir de acordo com nosso coração, guiados pela nossa razão. Nada mais, nada menos... Meu filho vai aprender a respeitar as decisões das pessoas, por mais que pareçam difíceis. E vai aprender a caminhar de cabeça erguida. Não reconheço esse papel de vítima. Aprendemos e nos tornamos mais fortes... Essa vez não é igual àquela!
- Como não? – a vozinha riu, sarcástica. – Ela te largou! Ela te deixou com um bilhete. Não aguentou o sujeito fraco que você é. Ela sempre soube que você é fraco. Sabia que você não ia suportar ouvir da boca dela e escreveu uma cartinha. Pelo menos deixou comida na geladeira. Foi mais bondosa que a outra.
Ele sentia as mãos e os pés gelados. Seu coração batia nos ouvidos. Fechou os olhos e a cena da conversa de ontem se abriu em sua mente.
- Foi isso que Isaak revelou. – Shion encerrou o relato, os olhos dourados postos em Shunrei. Ela não desviou o olhar e nem soltou a mão do marido durante toda a história. – Nós conversamos sobre a sua relação com os Solo anteriormente. Mais elementos foram acrescentados. – o tom era gentil e ele escolhera bem as palavras para não jogar um peso tão grande sobre ela de forma leviana. Dohko comentara com Shiryu que o Grande Mestre desenvolvera um carinho especial por ela.
Os lábios de Shunrei endureceram, os olhos brilhando determinados. Apenas Shiryu sabia o quanto aquilo a abalara porque sua mão estava suada e gelada e ela não parava de brincar com o polegar na palma de sua mão.
- Shunrei, é muito importante que você saiba que estamos preparados. – a voz rouca de Mayura soou como se quebrasse um encanto lançado pelo tom suave de Shion. – Realmente demoramos a perceber a motivação dos Heinstein e dos Solo. Reestruturamos nossa rede de ação e comunicação. Você está segura conosco.
- Mas vocês não estão seguros comigo, não é?! – Shunrei murmurou. – Enquanto os outros são monitorados, quem está perto de mim... – e apontou para Shiryu. – Pensam que será fácil dizer ao Julian: olha, nem a proteger eles conseguem. Não são dignos. – ela tentou imitar a voz de Pandora Heinstein e sua voz partiu. Os últimos dias cobravam seu preço. Ela suspirou e foi até a janela.
A garganta de Shiryu fechara. Ele queria dizer que a protegeria de lanças e meteoros e se lembrou de Singapura. Olhou para o casal à sua frente.
- Precisamos falar com os Solo. – surpreendeu-se com a voz firme. – Enquanto vocês negociam com os Heinstein, vamos contatar também Sorento e Julian.
- Enviamos Hyoga e a representante da família Othonos para negociar com os Solo na Grécia. – Mayura informou. Shiryu demorou dois segundos para ligar Eiri à descrição. – Os Othonos também são comerciantes, eles pertencem à mesma guilda dos Solo desde a Idade Média. – ela observou as costas de Shunrei por um momento. Shiryu pareceu notar um pedido de desculpas quando ela voltou os olhos cor-de-mel para ele, logo revertidos na costumeira expressão impassível. – Ainda não temos um emissário para negociar com Julian Solo.
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KAMAKURA - SANTUÁRIO
- Você acredita que ela largou tudo e foi embora? – June ainda ofegava do treino intenso da manhã, normal quando sua adversária era Shaina. – Marin está com ela, então deve estar sob as ordens da Sra. Mayura... Ainda assim... - Deitadas lado a lado no gramado perto dos pequenos templos à beira do lago, June com os braços cheios de arranhões das unhas compridas da Amazona de Serpentário.
- Você tem medo dele agir como da outra vez? – Shaina bebeu metade da água de um só gole e jogou a garrafa para a loira. As duas banhadas de suor, mesmo treinando numa manhã de clima ameno. June tomou pequenas porções, deixando o ar frio entrar embaixo dos cabelos compridos. – Shion os preparou por meses.
- Não importa se foi uma missão para o Santuário. – June afirmou, sentando-se para alongar as costas e as pernas. – E se ela decidir que quer ficar lá? E se ela enjoou da vida aqui e quiser voltar para os amigos e os locais que conhece e gosta? – Shaina revirou os olhos. – Shiryu não está pensando isso?
- Ele pode até cultivar essas inseguranças, porém, uma hora o sujeito precisa amadurecer e enfrentar. – o tom de Shaina era aborrecido, embora June soubesse que ela se preocupava com os 'garotos' tanto quanto ela. – Essa vez é completamente diferente da outra. Ela não está fugindo dele.
- Ela deixou uma carta para Shun apresentar à Federação, sobre a inspeção. – a loira comentou, continuando os alongamentos.
- A chinesinha esteve bastante ocupada escrevendo. – Shaina se levantou para alongar tronco e braços. – É como falei para Dohko: se ela fosse realmente fugir, não investiria tempo e energia em comida e cartas. Não há necessidade dessa comoção toda. Quando saí de casa hoje, conversei com Shiryu. Ou ele resolve isso dentro de si, ou não conseguirá seguir em frente.
- Entender é uma coisa, Shaina. Sentir é outra bem diferente. – elas se apoiaram uma na outra para alongar as pernas e as costas.
- Quando a nossa mente começa a desejar se inicia o sofrimento. – as duas se espantaram ao ouvir a voz de Shaka emergindo de um dos pequenos templos. – Porque o nosso desejo é perfeito e nosso mundo é imperfeito, então nunca nos sentimos saciados. – ele se aproximou calmamente delas.
- Do que está falando, Shaka? – Shaina franziu a testa. Ele parou em sua trajetória de retorno à sede e as duas se aproximaram.
- Passei algum tempo com Shunrei e Shiryu, como vocês sabem. Eles estão com as mentes fortalecidas. Aprenderam mecanismos para torná-los menos suscetíveis. – a expressão neutra do indiano e sua voz grave as faziam acreditar naquele diagnóstico. – No entanto, qualquer mente humana continua suscetível aos desejos. No caso deles, desejo de fazer o outro feliz e protegê-lo a todo custo. Esses desejos acarretam sofrimento porque a felicidade e a segurança perenes são impossíveis para nós humanos. Nós não somos deuses. – ele meneou a cabeça, suspirando.
- Você acha que eles são crianças? – June ergueu as sobrancelhas àquela conversa. Ele sorriu.
- Todos somos crianças quando amamos. – Shaina bufou, fazendo sinal para continuarem o treino. Shaka não se importou. – Vejam, o amor pressupõe que você se importa com a pessoa amada ao ponto de deixá-la conhecer quem você realmente é. E quem você realmente é são seus desejos, suas vontades, suas falhas, suas qualidades. Você quer o outro perto, fazendo as mesmas coisas, desfrutando dos mesmos prazeres, sentindo as mesmas emoções, quer compartilhar tudo, não é mesmo? – as duas se entreolharam, assentindo minimamente. – É a sensação de finalmente encontrar alguém que te entenda e te apoie, certo? – June riu.
- Começa assim, mas depois muda um pouquinho. – Shaka parou de boca aberta com essa colocação e o gesto da amazona de separar o polegar e o indicador por um pequeno espaço, mostrando o 'pouquinho', e depois aumentar a distância. Piscou algumas vezes. – Desculpa cortar teu raciocínio. Pode continuar. – ele pigarreou.
- O amor é essa gangorra de emoções e pensamentos no início, que vai assentando e se transformando com a convivência. – as duas assentiram novamente. - Na ânsia de se expor e desejar, nos esquecemos que o principal quando se ama é...? – as mãos brancas e compridas sinalizaram para elas completarem. As Amazonas trocaram novos olhares.
- Para quem conhece apenas a teoria, até que você está se saindo muito bem, Shaka. – Shaina pensou que o provocaria, mas o virginiano não mostrou sinais de abalo.
- Tenho conversado com os outros Cavaleiros de Ouro sobre o tema, para auxiliar na orientação ao casal Suiyama. – ele respondeu com simplicidade, sinalizando com as sobrancelhas que aguardava uma resposta delas.
- O principal de qualquer relacionamento, e mais ainda no amor, é a coragem para confiar. – June disse, sorrindo para ele. – Quer treinar conosco?
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TÓQUIO
Antes de sentar-se na sua poltrona de espaldar alto, Saori imaginara que a reunião seria tensa.
Os Heinstein sabiam exatamente o assunto desde o início e certamente entrariam com todas as armas engatilhadas. Ela estivera preparada para as maneiras exageradas da irmã mais velha, Pandora, por isso não se abalou com o aperto de mão e o sorriso desdenhosos que recebeu. Os acompanhantes dos irmãos também não a surpreenderam, afinal ela própria recrutara o Santuário exatamente por saber quem estaria presente. Viu com naturalidade os cumprimentos pouco amistosos entre os adversários dentro e fora dos tatami.
A surpresa ficou por conta do chefe da família. Alone Heinstein mudara drasticamente. Os cabelos foram tingidos de preto e os olhos azuis, que até recentemente pareciam um tanto ingênuos, agora brilhavam maliciosos e oblíquos. Ele ocupou a outra ponta da mesa, observando atentamente as ações dos demais participantes.
- Vejo que a hospitalidade do Santuário foi marcante, Harpia. – Aiacos Garuda comentou sem nenhum humor, recebendo um erguer de sobrancelhas do homem à sua frente, Saga Galanis.
- Se me lembro bem, todos os nossos encontros foram marcantes, não foram, Garuda? – Kanon Galanis retrucou. Quando Garuda abriu a boca para responder, Alone sinalizou para parar.
- Peço desculpas pela introdução desajeitada, srta. Kido. – a voz era grave e ele se esforçou para falar em japonês. – Deve ser efeito da viagem apressada. Nós procuramos atender seu convite o mais rapidamente possível. Voltei a Tóquio na expectativa que os desentendimentos entre nós sejam encerrados hoje. Estamos ansiosos para ouvir o que vocês têm a nos dizer. – seu sorriso guardava um lampejo do jovem idealista que fora um dia. – Temo que este seja o limite do meu japonês. Podemos continuar em inglês? – Saori procurou decifrar o que aquela amabilidade significava e decidiu acompanhá-lo.
- Agradeço por terem vindo ao Japão especialmente para este encontro. – ela escolheu falar como a presidente do Conselho de Administração da Fundação Graad. Sua coluna bem ereta e os ombros para trás, as mãos cruzadas sobre a mesa e o rosto altivo. – Também espero que nossas equipes possam superar os acontecimentos em nome das boas práticas desportivas. Como sabem, a Fundação Graad atua em diversas áreas mundialmente e temos o maior interesse em cooperação internacional, como em acordos anteriores entre nossas organizações. – esse preâmbulo não significava realmente nada. Foi dito em nome da diplomacia empresarial. – Se me permite, sr. Heinstein, serei bem direta. – ele assentiu, cortês. - Vocês receberam informações sobre o incidente perto da cidade de Kamakura, sede da Zodiac Team. – apertou um botão e telas surgiram diante dos ouvintes com as fotos e vídeos curtos gravados pelos gêmeos Galanis e os motoristas da própria Saori. – Nós comparamos os rostos dos atacantes aos de pessoas presentes no evento de abertura do Campeonato Internacional. – agora apareciam imagens da noite em que as equipes se encontraram pela primeira vez. Então, destacaram os rostos reconhecidos, com nome, idade e categoria inscrita no campeonato. Saori observou as reações. Seu corpo inundado de adrenalina. Ela se controlou para não colocar o plano a perder.
Eram as microexpressões que importavam. Viu os olhos de Mayura estreitarem à medida que escrutinava os membros da Subway Army. Percorrendo os rostos, cruzou olhares com a outra surpresa da reunião. Um meio sorriso se abriu nos lábios que pareciam desenhados à mão e os brilhantes olhos castanho-claros desviaram por um momento para atender a uma observação de Alone. Esse movimento fez mechas onduladas do cabelo castanho-avermelhado esconderem uma parte do rosto de traços finos e angelicais. Saori precisou piscar várias vezes para desgrudar os olhos de Perséfone Heinstein.
- Nós deixamos os atacantes nas vans e optamos por manter apenas o sr. Valentine Harpia. – Shion continuou, conforme combinado. – Ele parecia ser a pessoa adequada para nos esclarecer sobre a situação. Também o questionamos sobre figuras suspeitas que passaram a frequentar os mesmos lugares que os nossos lutadores inscritos no Campeonato. – o Grande Mestre modulava a voz para impor sua autoridade com serenidade. - Vejam, Kamakura é uma cidade pacata fora da temporada turística e a maioria de nós vive lá há décadas, portanto qualquer movimentação fora da normalidade se destaca.
- Ora, ora, mas o que está querendo dizer com isso, sr. Mukherjee? – Pandora interpelou. Ela e Shion estavam frente a frente e imediatamente dos lados de Saori. A japonesa viu o brilho de fúria quando a alemã olhou de relance para Harpia no centro da mesa e depois para Shion. – O senhor está insinuando que estávamos espionando o Zodiac Team?
- De forma alguma, srta. Heinstein. Foi apenas um assunto que surgiu em algum momento.
- Nós capturamos um dos garotos que estavam próximos ao nosso estúdio de tatuagens. – Saga se pronunciou pela primeira vez. – E estivemos também no ataque na rodovia. Os equipamentos de comunicação eram os mesmos. – ele empurrou pontos auriculares e antenas de transmissão para o centro da mesa de madeira escura, entre Harpia e Wyvern.
- Encontro isso em qualquer loja de Akihabara. – Minos Griffon desdenhou, pegando os dispositivos para ver de perto e mostrar a Pandora. – Não podem nos vincular a algo dessa natureza.
- Claro que encontra, Griffon. – Kanon soou divertido e bravo ao mesmo tempo e Saori se perguntou novamente como ele conseguia. – E encontra também o aparelho de frequência que os vincula. Como você entende dessas coisas de nerd, deve saber que cada aparelho e dispositivo tem uma assinatura única. Não preciso explicar que assinatura nós encontram... – ele foi interrompido por uma interjeição de Perséfone. Ela estava apontando algo na tela para o marido e deu um gritinho. Pareceu assustada quando os onze pares de olhos se viraram para ela.
- Me perdoem. – seu sorriso envergonhado pareceu iluminar toda a sala. – Por favor, continue, sr. Galanis. – Saori precisou se segurar para não rir da expressão abobalhada de Kanon. Não poderia culpá-lo, afinal ele recebia a 'experiência-Perséfone' completa pois se sentara de frente para ela.
"Preciso me lembrar de pedir a Saga para não comentar nada com Serenity." A nota mental trouxe de volta a ruiva para sua mente.
A esposa de Alone não costumava participar de reuniões de negócios. Quando Mayura lhe informou que ela embarcara junto com os demais, imaginou ser uma mera carona para fazer compras em Tóquio. Na verdade, ela conhecia Perséfone muito bem. As duas estudaram no mesmo internato na Suíça e compartilharam o dormitório por três anos. Ela adorava rosas vermelhas naquela época. O elegante pingente de rosas de rubi ornamentando três caveiras de diamante que ainda adornava seu colo era famoso entre as estudantes. Apesar disso, após se formarem as duas não mantiveram contato. Saori soube que ela se tornara uma psicóloga conceituada, desenvolvendo trabalhos de sucesso com transtornos pós-traumáticos. Quando seu casamento com o herdeiro de um dos maiores conglomerados da indústria bélica européia foi anunciado, Saori estranhou porque Perséfone era contra violência de qualquer tipo.
- Fiquei feliz em vê-los, foi isso. – a voz suave da ruiva fez os pêlos de sua nuca arrepiarem. – Há quanto tempo não via meus primos. - ela explicava para o marido. Alone respondeu com uma piscadela tranquilizadora e se voltou sério para a reunião. Saori sentiu a força do olhar dele do outro lado da mesa. Foi quando ela entendeu o quanto Mayura estivera certa e ela escolhera não acreditar.
Perséfone conhecia Julian Solo. Eles namoraram durante anos. Só se separaram quando ele foi obrigado a ir para a Coréia. A mãe dela, Deméter, era irmã do pai de Julian. Pelo casamento com um dos grandes empresários da comunicação digital, Hermes Gaia, Deméter Solo adotara o sobrenome do marido. Os Gaia não se dão com os Solo há décadas e essa rixa apenas atiçou a paixão adolescente entre Perséfone e Julian. Eles se consideravam Romeu e Julieta. Saori se lembrava das cartas melosas que os dois trocavam na época do internato.
"Me iludi com a Perséfone antiga... As pessoas mudam, Saori. Você ainda não aprendeu isso?", respirou fundo, escondendo o rosto no copo de água.
- Pandora, minha irmã, parece que não vamos evoluir na nossa conversa se mantivermos essa postura. – Alone sinalizou para Radamanthys Wyvern, que Saori sabia ser o mestre de Harpia. – Está na hora de colocarmos um ponto final nisso, não concorda? - O inglês suspirou, fechando os olhos por um momento. Pandora acenou solenemente para o irmão e evitou olhar para o lugar onde Wyvern estava.
Shion e Mayura lhe explicaram a estrutura de comando dos Heinstein. Alone era o presidente e dividiu seu pessoal em dois grupos. Pandora era responsável pelas empresas da 'indústria pesada' e o Subway Army, que atuava, além dos esportes de artes marciais, com desenvolvimento de jogos de realidade aumentada e simuladores para competições de esportes de alto risco. Seus homens de confiança eram Griffon, Wyvern e Garuda. Cada um deles tinha sua própria equipe. Pelo que a Fundação Graad e o Santuário apuraram, tanto os homens em Singapura quanto os em atividade no Japão eram subordinados de Radamanthys, com auxílio de dois ou três de Aiacos. Por isso, cabia ao inglês de cabelos cor de palha o que devia ser feito ali.
"Então eles realmente têm um relacionamento." Os olhos violeta de Saori encontraram os de Mayura e ela se lembrou da conversa da noite anterior. A líder das Amazonas entrou em seu quarto e lhe trouxe as informações pessoais sobre os Heinstein. O que patrocinara os planos do inglês fora a paixão avassaladora de Pandora por ele. A briga dos irmãos com o fracasso da empreitada foi terrível, embora no fim eles tenham se acertado pelo bem da família e dos negócios. "Nunca mais vou duvidar dela."
Enquanto Wyvern se levantava, Saori continuava seu duelo a distância com Alone.
"Agora que nada disso é necessário e que tudo não passa de um circo, ele veio esfregar na minha cara a sua carta na manga. Não posso acreditar que Perséfone se prestaria a um papel desses! Eles parecem tão apaixonados... A ruiva que eu conheço jamais se deixaria usar assim. Preciso alertar Shunrei."
- Os homens agiram sob minhas ordens. – a voz de Wyvern era gutural e lhe deu a sensação de lava ardente. – Avaliei que o Zodiac Team é o nosso principal oponente e agi para neutralizar alguns dos principais lutadores. Peço desculpas pelas atitudes dos meus comandados, especialmente à sra. Shunrei Suiyama. – ele se curvou quase 90 graus em direção à Saori. - Não deveria tê-la envolvido numa rusga entre equipes. Não foi sensato da minha parte. Assumo toda a responsabilidade por quaisquer danos causados e me coloco à disposição para reestabelecer os termos amigáveis da nossa convivência. – Kanon emitiu um bufo irônico e Saga ergueu as sobrancelhas em descrença. Os dois disputaram vários campeonatos contra aqueles três. Os apelidaram de "os três juízes do inferno" por usarem métodos no limite da legalidade. Shion olhou os dois de esguelha e eles se controlaram.
Fazer um dos líderes intermediários assumir a responsabilidade era uma das possibilidades cogitadas. Houve até uma aposta informal sobre qual dos três seria jogado aos leões e Saga vencera. O prêmio era um final de semana na mansão Kido, com acompanhante.
"Ideia de Dohko, claro." A cena do debate na biblioteca da mansão atrapalhou a concentração de Saori por um momento.
- Obviamente, isso configura crime esportivo. – Mayura finalmente abriu a boca. – Você está disposto a fazer uma declaração pública à Federação? – Radamanthys a encarou, aparentemente ofendido pela pergunta. A isca não era para ele, no entanto. Mayura queria esticar um pouco mais a tensão entre os irmãos alemães.
- Que tal se fizéssemos um intervalo? – novamente a voz suave cortou o ar denso e atropelou os cérebros. – Vejo que estamos chegando ao final do nosso encontro e seria prudente nos distanciarmos um pouco para ponderar sobre tudo que ouvimos até agora. Não concorda comigo, srta. Saori? – antes de raciocinar, ela acenara a concordância. – Dez minutos, então?
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ATENAS
O quarto na casa dos Othonos era arejado e claro. Sentiam a brisa marítima pela varanda e conseguiam ver o porto mais abaixo. Era uma das propriedades usadas quando o sr. Othonos vinha da vinícola para negociar em Atenas. Desde o dia anterior fora aberta para receber a caçula e sua família, recém-chegados do Japão. O motorista fora buscá-los no aeroporto.
- Está estranhando o jetlag. – Eiri comentou, subindo a escada do sobrado com a filha chorando no colo. – Foi muito repentino.
- Assim que ela dormir um pouco vai se recuperar. – Hyoga levava as malas para o segundo andar, ajudado por um dos empregados. – Deve ser o mesmo tempo que eu vou demorar a colocar a cabeça em ordem também. – seu tom continuava seco e irônico.
Os dois conversaram pouco durante a viagem. Ele não podia explicar a missão que os levara até ali, ao mesmo tempo em que procurava entender quem, afinal, eram os Othonos. Ela não entendera o súbito interesse em sua família e acabara respondendo de má vontade sobre o real patrimônio e a extensão dos negócios de seus pais e irmãos.
- Gosto de pensar que o meu emprego e a minha vida são independentes do nome da minha família. – Eiri afirmara em algum momento, mais incisiva do que o necessário. Tinha aquele receio de menina rica de que as pessoas se aproximassem interessadas em dinheiro e poder.
- Eu pensei que seu pai era apenas um pequeno produtor de cidra de maçã. – Hyoga respondera, aparentemente sem notar o tom e as implicações da fala da esposa. – Por que nunca me contou? – ela ficara vermelha.
- Isso importa? – a voz mais aguda finalmente o fez perceber que havia algo errado. - É o que ele gosta, embora seja apenas uma pequena parte do faturamento das empresas. Se você não pesquisou nada sobre mim antes de ficarmos juntos só mostra uma falha sua, não minha! – ele franzira levemente o cenho. Segurara a língua porque estavam num vôo lotado e Yuna estava do seu lado.
Os dois quartos preparados para eles ficavam em frente às escadas. Depois de banhar e fazer Yuna dormir, Eiri se virou para o marido, empenhado em desfazer as malas e colocar os celulares para carregar.
- Meus pais devem chegar no final da tarde. Meus dois irmãos vêm almoçar amanhã. – ele a deixou nervosa ao ficar olhando as telas se iluminarem, ainda evitando olhá-la. - Vai me contar o que está acontecendo ou devo ir improvisando como fiz até agora?
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KAMAKURA - SANTUÁRIO
- Ele não quis falar? – Ikki perguntou assim que Shun começou a se servir no refeitório.
- Não disse uma única palavra. – Shun suspirou, sentando-se pesadamente na frente do irmão. O dia estava movimentado no ambulatório. Terminaram de preparar as salas de atendimento e o depósito para a inspeção, que começaria no dia seguinte. – Ele apenas me entregou a carta declaratória de Shunrei, esperou eu cansar de perguntar e examinar os ferimentos e voltou para o quarto. Além da organização para a inspeção, preciso visitar Jabu e Régulus.
- Vou passar lá no final do dia. – desde que soubera do que acontecera na noite passada, Ikki tinha um mau pressentimento. Deixara que Seiya e Shun lidassem com o amigo, sem sucesso pelo visto. - Isso está como da outra vez.
- Por que vocês estão com essas caras? – Milo chegou como um foguete, pegando a tigela de arroz mais próxima de Shun. – Parece que estão tramando alguma coisa.
- Com certeza é pelo que aconteceu ontem. – Aiolia surgiu ao lado de Ikki, puxando a travessa de peixe empanado para perto. Milo revirou os olhos antes de começar a comer. – Seu interesse pelos outros é fascinante.
- É você quem vive atrás de mim e me tira do sério. – Milo disse rápido. – Vocês estavam falando do Shiryu? – Shun confirmou. O escorpiano respirou ruidosamente. – Entendo... Camus me contou por alto a situação e do jeito que o corpo dele está não ajuda, não é? Ele nem pode ir atrás dela.
- Ele não precisa fazer isso. Tenho certeza de que Shunrei vai voltar. – Aiolia ajudara Shun a organizar o depósito do ambulatório e os dois conversaram bastante sobre os últimos acontecimentos no Santuário. – Só um motivo bem forte a afastaria de Kamakura nesse momento.
- Marin e as garotas entraram em contato? – Ikki perguntou, a testa franzida de preocupação. – Já sabemos ao menos onde elas estão?
Os quatro cochichavam a um canto do refeitório, àquela hora cheio de alunos.
- Elas não estão mais no Japão. Dohko informou Camus logo cedo. – Milo informou aos sussurros. – A Fundação as está monitorando.
- Talvez tenham ido para a Coréia. – Shun ponderou. – Talvez Shunrei queira falar com Julian e as amazonas foram com ela a pedido de Mayura.
- Sim, bem provável que seja assim. – Aiolia concluíra o mesmo. – Marin não viajaria para outro país sem autorização do Santuário.
- Quando eles voltarem de Tóquio, saberemos. – Milo afirmou, tentando estranhamente ser razoável. – Há assuntos proibidos em telefones ou e-mails. – mais estranhamente ainda, Aiolia concordou com ele.
- Vocês entenderam errado. – Ikki retomou o volume normal da voz. – Não estou preocupado com ela. Minha preocupação é como isso está afetando o Shiryu. Hoje de manhã, vi os garotos descendo para a escola e o menino dele estava retraído, sem falar nada com os outros. – Shun fez sinal para ele falar baixo. - Quem o levava pela mão era a Yuki. Se Ryuho está assim, é reflexo do pai. Vocês dois se lembram como Shiryu ficou quando a Taeko fugiu? – Shun e Aiolia assentiram.
- Ele tende a se fechar. – Shun colocou em palavras as imagens trazidas pela memória. – Passou semanas sem aparecer aqui, nos evitando. A gente o visitava e ele fingia que estava tudo bem.
- Shunrei não é Taeko. – Aiolia insistiu. – Ela não vai desistir dele de jeito nenhum. Boto minha mão no fogo.
- Vocês que são mais próximos dele, o melhor a fazer é ir até lá e conversar. – Milo tinha pouca intimidade com o grupinho formado por Aiolia, Ikki, Shun, Seiya, Shiryu e Hyoga. Os seis viviam juntos pelo Santuário, treinando, conversando, trocando experiências, rindo. Era natural, afinal eles ingressaram mais ou menos na mesma época. – É importante ele ver vocês, mesmo que não diga nada. Sentem lá na sala dele e fiquem por ali, para ele ouvir as vozes. Presença é importante.
- Da outra vez, nós não soubemos como ajudar. – Shun admitiu, infeliz. – Um dia, ele simplesmente foi embora.
- Não vai ter jeito! – Ikki exclamou, batendo na mesa e assustando os outros três. – Nós vamos ter que assumir a responsabilidade!
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KAMAKURA – SOBRADO VERDE
Horário do almoço. O cheiro suculento das casas vizinhas subia até suas narinas, embora ele não percebesse. Continuava sentado em sua postura meditativa, a atenção voltada para o que ocorria em seu interior. Sentia que devia isso a si mesmo, a ela e ao seu filho.
Shiryu percebeu o tremor na silhueta dela ou foi seu próprio coração que fez sua visão estremecer?
- Temos poucas opções confiáveis para falar com o caçula imaturo dos Solo. – Mayura continuou insistentemente olhando para seu rosto machucado. – Dos lutadores que estão próximos a ele, o único disponível seria Isaak. Insuficiente porque Julian o considera homem de Sorento. Temos Marin, que o conheceu anos atrás em Atenas, mesmo os dois tendo uma relação superficial.
Shion abriu a boca e respirou fundo, visivelmente contrariado.
- Tétis nos disse que nenhuma outra pessoa tem tanta influência sobre Julian quanto você, Shunrei. – os olhos do Grande Mestre recaíram sobre as costas dela. Shiryu viu as mãos fecharem em punhos no tecido do vestido e não conseguiu respirar. – Você esteve aprimorando sua mente e seu controle emocional durante todos os meses aqui em Kamakura.
- Não é possível que nós não tenhamos nenhuma outra opção. – sua voz saiu arranhando a garganta. – E se fizermos uma reunião formal com a presença de Julian e Sorento? Ou talvez a reunião com os Heinstein seja satisfatória e não precisemos da ajuda dos Solo. – ele tentou manter a expressão neutra. Torcia para que a nota de desespero na sua voz não fosse perceptível.
"Sei que ela é forte, mas enfrentar Julian por algo que não tem relação com ela não é justo... Ela não precisa se envolver mais nisso... Não, não é isso..."
A imagem congelou em sua mente.
- Pare de mentir para si mesmo! – a vozinha debochada soou risonha. - Não foi por isso que você se opôs tanto. Foi por ciúmes. Você ainda não conseguiu tirar o bilionário da mente dela, não é? Até o fato dela preferir renunciar a você mostra que a jovenzinha não consegue mudar seu padrão de conduta.
- Eles se relacionaram por sete anos. Eu jamais exigiria que ela esquecesse tudo que aconteceu em poucos meses. – a parte sensata queria impedir a vozinha de escalar a situação. – É claro que não a quero perto daquele sujeito! Ele abusou dela, a quebrou emocionalmente para controlá-la. Quero protegê-la.
- Ou quer que ela continue fraca ao seu lado? – a vozinha pingava sarcasmo. – Dependente de você... Algo bem egoísta da sua parte.
Seu diafragma parecia feito de pedra tal a dificuldade de respirar. Havia chegado ao cerne da questão? Como ele saberia? Engoliu em seco, seu cérebro funcionando no limite. Cenas da vida deles passavam numa enorme tela: a entrada dela na farmácia, o primeiro jantar, o primeiro beijo, como ela conquistou Ryuho facilmente, a sensação insana que a pele dela provocava, as conversas de madrugada, Jeju, o acidente na Grécia, o apartamento em Gangseo-gu.
- Não sou esse tipo de homem. – uma terceira voz ecoou, resoluta. – Shunrei é uma mulher que faz seu próprio caminho. Não fui desonesto com ela quando disse que a admirava. Ela consegue lidar com qualquer desafio que apareça, por isso a escolhi. Protegê-la também significa mostrar que eu tenho fé nela.
- Não sei como posso ser útil. – Shunrei disse devagar, ainda de costas para eles. – Não falo pela Zodiac Team.
A troca de olhares entre Shion e Mayura foi rápida e significativa.
- Por que não falaria? – o Grande Mestre perguntou. – Você conquistou seu lugar há muito tempo, bem antes de chegar no Santuário. Não há nada que eu não confie a você, Shunrei.
Essa declaração a fez se virar. Shiryu viu o fogo azul queimar nos grandes olhos.
A imagem girou, rodopiou e se transformou. Uma pequena fração da sua consciência sentiu os dentes rilharem e todo o seu rosto se contorcer de angústia.
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TÓQUIO
O isolamento acústico era perfeito. Por mais que Seiya tentasse, nada ouvia da reunião na sala ao lado. Não que ele dispusesse de tempo para bisbilhotar, de qualquer forma. Dohko o recrutara para uma missão paralela. Enquanto negociavam o fim das hostilidades entre Subway Army e Zodiac Team, Seiya precisava atualizar com Hyoga os acontecimentos. Eles já estavam há mais de 40 minutos conversando freneticamente por mensagem. Seiya aproveitava para falar também com Eurídice e Orfeu na mansão Kido e com Mu e Esmeralda no Santuário para ter notícias de Kouga.
- Não adianta mandar mensagens para Shiryu. – ele resmungou em algum momento. – Ele nem visualiza.
- Hoje não será um bom dia para conversar com ele. – Dohko respondeu em voz baixa. Se alojara na mesa da presidenta e fazia ligações falando em chinês, depois em coreano, grego e italiano. Suspirava, anotava algumas informações e retornava às ligações. Algumas vezes, lia as anotações que Saori fizera antes de sair. Era quando falava em inglês e espanhol. Seiya o ouvia perguntar sobre vários casos de notícias falsas que começaram a sair em diversos locais. O potencial de destruição de reputações era imenso e Santuário e Fundação trabalhavam juntos para amenizar ou suprimir completamente os danos. Dohko era bom em conectar os pontos e descobrir intenções ocultas. – Não quero falar ao telefone por vinte dias! – ele esfregou o rosto com as mãos, soltando todo o ar pela boca ruidosamente.
- Quantas línguas você fala?
- É mais fácil do que parece. – às vezes, Dohko tinha aquela expressão travessa no olhar, como agora. Quando exigia muito de seu intelecto sua adrenalina transbordava pelos poros. – Estive falando com alguns conhecidos para sondar lutadores, categorias... E outros assuntos a pedido da srta. Saori... Como foram as conversas?
- Hyoga vai se encontrar com os sogros à noite. Parece que está em apuros com Eiri por não ter explicado direito o motivo da viagem. – Seiya contraiu os lábios e ergueu as sobrancelhas. – Ela precisa saber alguma coisa se queremos a cooperação dela.
- Diga para ele contar que queremos contatos com pessoas ligadas aos Heinstein. – Dohko instruiu. – Isso ela pode saber sem comprometer o sigilo. – Seiya assentiu, digitando no celular.
- Ele disse que os sogros não são quem ele esperava. – deu uma risadinha abafada. – Meu caro amigo, essa viagem será boa para você, então... Orfeu me disse que a mansão foi contatada por repórteres sobre alguns dos casos que você está cuidando. – Dohko assentiu. – E solicitando o cronograma e itinerário para o casamento. – Seiya revirou os olhos. – Exigem o plano do evento para planejarem a cobertura.
- Essa você não precisa da minha orientação para responder. – olhou indignado para o tom divertido de Dohko.
- Estão de sacanagem, né? – respirou fundo. – Orfeu se ofereceu para tocar no casamento... Huuumm... Isso me deu uma idéia!... Temos harpa, violão... Pode ser bacana...
- Seiya, aterriza! – Dohko estalou os dedos. – O que mais?
- Mu disse que a preparação para a inspeção está indo bem. Já temos até voluntários para servir de cobaia dos medicamentos de Shun, caso necessário. – parou um pouco para procurar a mensagem de Mu. - Shun está confiante que não haverá nenhum problema. São dois dias de auditoria e o prazo de 30 dias para o relatório final. Camus está treinando os antigos Dourados e Mu está com os meus antigos companheiros, menos o Jabu. Shun vai visitá-lo como fez com Régulus e Shiryu. Sobre Shiryu, ele não apareceu no Santuário até agora.
- Nem vai aparecer. Shaina me contou.
- O italiano que você estava falando era com ela? – Dohko confirmou.
- Ele só vai aparecer quando tiver uma resposta a dar às pessoas. Uma resposta que ache digna e justa. – Dohko coçou os olhos com as palmas das mãos. - E isso leva tempo. Esse meu discípulo só me dá trabalho. – Seiya assentiu, deixando o celular de lado por um momento.
- Eu sei que as situações são diferentes, mas não posso evitar temer uma recaída. Dos dois. Saori está preocupada também. E como afeta Ryuho. Ele era um bebê de colo. Agora entende o que está acontecendo.
- Eu gostei que isso tenha acontecido. – o libriano achou divertida a boca aberta em choque do jovem. – Não tive nada a ver com a decisão de Shion e Mayura, nada disso... Sabe, Seiya, acredito que quando a nossa vida está muito quieta é como se ela não confiasse em nós. Eu gosto de ter problemas a resolver, enigmas a desvendar, aventuras a me chamar. Para mim, isso significa que é hora de crescer, de expandir nossos limites. – ele abriu um sorriso para o Cavaleiro de Pégaso. – Vou apoiá-los em cada etapa da jornada, ainda que não possa trilhá-la por eles.
- Esteve falando com Aiolia também?
- Não, com Marin. – Seiya se inclinou para frente de curiosidade. – As meninas retornam amanhã. Ela ainda vai ficar com Shunrei.
- Elas estão mesmo na Coréia? – Dohko confirmou.
- Shunrei está enfrentando o próprio nêmesis. E ela foi sozinha! – Seiya descreveria como orgulho o modo como Dohko falou. – Os dois querem ser mais fortes para serem dignos um com o outro. Quer declaração de amor maior do que essa? – o jovem se acostumara há muitos anos com a forma de pensar daquele mestre.
- E você acha que eles estão percebendo isso?
- Claro que não! E é aí que está a magia de uma boa jornada: você só sabe como ela começa, nunca como ela termina e nem o que ela vai fazer com você. – Dohko piscou para Seiya. – De qualquer forma, pedi ao dr. Lee Kang para ficar de olho nela. E para os Huang se prepararem.
- O casal que foi ao casamento deles? – nova confirmação com a cabeça. – De Rozan?
- Algo me diz que eles receberão um hóspede em breve. – Dohko respondeu à pergunta indireta. – Agora que compartilhamos as informações e as atualizações, será que precisarão de nós ali dentro?
- Estive pensando se não é melhor enviar mais pessoas para a Europa.
- Talvez sim, mas estamos com poucos candidatos. – Seiya concordou a contragosto. – Precisamos nos preparar para o Campeonato. Estamos nos movendo tanto para assegurar o direito de participarmos de cabeça erguida, não é isso?
- Mu disse que os antigos Dourados estão mais empenhados do que antes dos acontecimentos.
- Isso é ótimo! – a porta de comunicação com a sala de reunião se abriu e Shion entrou.
- Dez minutos de intervalo. Me digam como estamos.
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KAMAKURA – SOBRADO VERDE
A lua estava enorme no céu, ajudando os postes a iluminar a rua vazia àquela hora. Shiryu ouvia seus passos no asfalto e o som do vento sacudindo a sacola com a caixa de bolo.
"Não devia ter perdido a paciência com ela." sua respiração se condensava ao alcançar o ar à frente do seu nariz. "Sei que tenho falhado como marido... Ela está decepcionada comigo por isso brigamos... Na frente do bebê." Após o treinamento, ele descera até a lanchonete perto da escola para comprar uma maneira de fazerem as pazes. Seu Mestre o repreendera durante todo o dia por não estar focado e nem assim ele conseguira falar. "Ele avisou, não avisou?" Seus dedos apertaram mais a alça do embrulho. "Ela realmente pensou que eu pudesse?... O que eu estou fazendo da minha vida?" Lembrou-se dela caindo, com medo quando ele se aproximou com os punhos cerrados. Paralisada de medo dele. Engoliu várias vezes para tirar o gosto amargo da boca.
Pensara em enviar uma mensagem pelo celular diversas vezes e desistira sempre. Subiu o zíper da jaqueta de couro até o pescoço. Não queria ficar doente e dar mais trabalho. Haviam se mudado há pouco tempo para o sobrado e ele era grande demais. Solitário demais.
"Talvez se voltássemos para Tóquio ela retomaria o emprego na agência publicitária." Respirou fundo para acalmar o coração pulsando descontrolado como um bicho assustado. Por entre os pinheiros laterais, viu as luzes do segundo andar todas acesas. Apressou o passo inconscientemente. Hesitou por um instante a abrir o portão até ouvir o choro do bebê. As luzes do térreo também estavam acesas. "Tem algo errado." A sensação passou como um relâmpago na sua mente.
- Cheguei! – ele falou mais alto que de costume, fechando rápido a porta para o frio não entrar. Franziu a testa porque só havia o choro do bebê. Pendurou a jaqueta e nem se preocupou em calçar seu surippa. – Taeko, o que...? – a pergunta morreu porque ela não estava na cozinha. – Onde é que el...? – no chão da sala, ao lado do sofá, ele encontrou o cesto com o pequeno bebê com o rostinho roxo, tossindo e se engasgando com vômito, catarro e lágrimas. Os bracinhos e perninhas finos estremecendo fracamente no ar. Era uma crise respiratória.
O embrulho caiu pela beirada da mesa e o bolo se espatifou no chão.
Pegou Ryuho todo molhado e sujo de cocô e começou a massagear as costinhas enquanto procurava o nebulizador de oxigênio.
- Será que ela está passando mal? – não a encontrou no andar de cima. Ainda se convenceu de que ela perdera a hora de voltar para casa. – Calma, Ryuho. – segurava a máscara com o vapor na frente do rostinho banhado de lágrimas. - Papai vai dar um bom banho em você. – conversava baixinho enquanto preparava a banheira e o limpava com lenços umedecidos. Aos poucos, a respiração normalizou e a mente de Shiryu, atenta ao filho, acalmou o resto do corpo.
Todos os seus movimentos eram delicados e comedidos porque Ryuho nascera prematuro e seu corpinho era frágil como as asas de um passarinho. Aos seis meses, conseguia segurá-lo completamente no seu antebraço, como fez agora, apoiando a cabecinha na palma da mão, as costas no braço e deixando os membros soltos.
- Você gosta de água morna? – o sorriso banguela do filho o animou um pouco, mesmo que ele esperasse o tempo todo a porta da entrada abrir. Agasalhou-o bem antes de descerem para esperar a mamãe. – Será que tem comida para a gente? – os olhos azuis que tomavam quase todo o rosto do bebê o seguiam enquanto ele limpava a sujeira do bolo, preparava a mamadeira e uma caneca de chá.
Abriu e fechou a geladeira duas vezes antes de notar a folha de papel presa entre os imãs coloridos. Era curto e direto, escrito numa caligrafia apressada.
"Já que você é um covarde, eu vou consertar esse erro.
Não me procure.
Não pronuncie o meu nome.
Não quero saber, não quero ver, não quero nada desse lugar.
O bebê foi alimentado às 17 horas.
Não me procure. Eu finalmente voltei a ser livre."
Seu corpo não o obedecia. Ele queria se sentar, mas só conseguia ficar parado com o papel tremendo na mão. Abriu a boca e mesmo respirando rápido o ar faltava. Pensou em pegar o telefone, mas não tinha para quem ligar.
"Vão ficar satisfeitos quando souberem." O gosto amargo voltou à garganta. Ele subiu as escadas de dois em dois degraus, escancarando as portas do guarda-roupa. "Nada... Vazio." Revirou o papel amassado. Não havia mais nada. Ryuho voltou a chorar. Precisava de ajuda para se alimentar. Seus passos eram incertos e suas mãos tremiam ao pegá-lo no colo. "Ele não pode perceber."
Seu corpo no presente sentia a mesma dor dilacerante daquela noite, o mesmo desespero, a mesma sensação de fracasso e solidão.
- Você é tão egoísta que joga suas responsabilidades em cima das mulheres. – a vozinha retornou. – E quando não consegue o que quer, se faz de vítima. Você é patético. As força a tomar atitudes porque não age. Deveria se ajoelhar e pedir perdão a todas elas.
- Nós éramos tolos, os dois. – sua parte sensata soou quase impaciente. – Com certeza havia outras formas de lidar com a situação, mas não vou passar o resto da minha vida com medo. Eu não escolho o medo. Não escolho o peso do passado. Escolho o presente e o que posso realizar no futuro. Escolho viver. A purga dessas feridas durou tempo demais. A cura começa agora.
"Os desafios nos ensinam. A vida os traz de volta para testar se aprendemos." A terceira voz soou mais alta que as demais, permeando as cenas, lembranças e emoções. "Suas decisões o trouxeram até aqui e o levarão onde você escolher. A decisão quem toma é você."
A claridade do final da tarde o fez piscar seguidas vezes. As pernas dormentes das longas horas na mesma posição precisaram de soquinhos para voltarem a obedecer. Encheu os pulmões de ar fresco, enxugando as bochechas das lágrimas que desciam mansas e livres.
- Fica bem, Ryuho. – ouviu a voz distante de Éden. – Se quiser, vai lá para casa mais tarde.
- A gente pode brincar no balanço de pneu! – Shiryu sorriu porque Souma sempre soava animado. – Ou podemos jogar videogame. A mamãe disse que deixa se for você. – podia imaginar Ryuho ficando corado com essa declaração.
"Preciso ir." Forçou os músculos a obedecerem. Estava no último degrau quando o garotinho entrou em casa.
- Bem-vindo de volta. – ofereceu um meio sorriso ao aceno tristonho que recebeu como resposta. – Como foi o seu dia?
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TÓQUIO
Saori acompanhou-os para o hall da recepção. Sua intenção era conversar com Perséfone a sós, embora fosse complicado. Pandora, Radamanthys e Minos formaram um grupinho perto do jardim de inverno. Valentine se juntou a eles, cabisbaixo. Aiacos foi ao encontro de uma das duas pessoas que aguardaram do lado de fora.
"Então, essa é Violete Behemoth." Ele estendeu a mão para a mulher imponente e Saori não pôde deixar de pensar que eles formavam um belo casal. De alguma forma, a expressão arrogante de olhos vermelhos dela combinava perfeitamente com a sedução dos traços eslavos dele. "Aliás, falando em casal..." Procurou Perséfone e a encontrou próxima ao outro jovem que aguardava do lado de fora e Saori reconheceu na hora como o sujeito que andara dois passos atrás de Alone durante todo o evento da Federação. O presidente não estava à vista.
- Encontrei uma brecha para me aproximar. – em dez passos, Saori chegou a ela. – Fiquei feliz em vê-la, Perséfone.
- Quando soube que você estava envolvida com a Zodiac Team, decidi vir. Afinal, nós éramos tão próximas na escola. – o sorriso dela sempre fora caloroso. – Não sei se conhece o assessor mais próximo de Alone, Kagaho Benu. – o jovem fez uma mesura. Seu rosto compenetrado era difícil de ler.
- Espero que esteja gostando de Tóquio. Uma pena essa situação, não é mesmo?
- Ah, mas estamos praticamente resolvidos. – o tom de despreocupação acendeu um alerta na mente de Saori. - Como é uma área nova, ainda estamos nos adaptando. Estou aprendendo que os Heinstein fazem tudo com muita intensidade e dedicação. – ela comprimiu os lábios, capturando os olhos violetas com os seus. – Não foi correto o que aconteceu. Não é a forma adequada de competir. Soube que sua amiga foi atingida. – Saori confirmou.
- Você deve se lembrar de mencioná-la no internato. Ela morou comigo na infância. – a grega pensou um pouco e sua expressão se iluminou, confirmando que lembrava. – Você tem algum interesse em artes marciais, Perséfone? – os olhos castanhos estreitaram por um instante.
- A minha proximidade é bastante recente, como acredito que seja a sua, não é, Saori? Apesar que as nossas motivações são diferentes. Quem diria que você se casaria justo com um lutador profissional? Seu noivo não está aqui hoje? Seria uma excelente oportunidade de conhecê-lo.
- Desculpe a demora. – Alone retornou, deslizando os dedos entre os da esposa. – Os negócios não param. Ainda bem que a srta. Kido foi gentil em lhe fazer companhia. – Kagaho postou-se do seu outro lado, como uma sombra. – Que tal retomarmos? – Saori assentiu, caminhando ao lado deles.
- Quando vocês voltam para a Alemanha?
- Ainda não decidimos. – Perséfone respondeu. – Eu gostaria de aproveitar para conhecer alguns lugares. O que você recomenda, Saori? Algum lugar que iria conosco?
- Querida, a srta. Kido é uma mulher ocupada. – o tom de Alone era carinhoso. – Uma pesquisa na internet é o suficiente.
- Bem, se vocês quiserem... – Saori balbuciou, pensando no que ofereceria a Perséfone para ela permanecer no Japão o máximo de tempo possível.
- Além disso, você quer visitar seu primo, não quer? – o oferecimento morreu na garganta de Saori. – Foi tão difícil convencê-la a vir e agora eu quero recompensá-la. – ele puxou a cadeira para a esposa, fazendo uma reverência de despedida para a anfitriã.
Saga e Kanon conversavam com Mayura, retornando aos seus lugares quando o grupo entrou. Shion foi o último a voltar.
Valentine permaneceu do lado de fora e os demais retomaram seus assentos.
- Srta. Kido, antes de continuarmos, gostaria de dizer umas palavras. – o tom conciliador de Pandora escondeu bem o seu costumeiro sarcasmo. – Como responsável por tudo que se refere ao Subway Army, lamento profundamente as práticas conduzidas por membros da minha equipe. Estou disposta a arcar com os prejuízos decorrentes, quer sejam financeiros ou de outra natureza. – Saori recebeu a declaração com um aceno educado. Precisava manter isso me mente para fechar esse acordo. Era principalmente com Pandora e os 'três juízes' que eles teriam que lidar nos próximos meses.
Respirou fundo, olhando para os componentes da mesa. Ela estava acostumada com negociações complexas como aquelas. Tinha que levar em consideração, além dos fatores objetivos, o ânimo dos negociadores. O que cada um queria, o que não abria mão e o que estava disposto a ceder.
- Sr. Heinstein, soube que está em negociações com contatos gregos para facilitar o trânsito de mercadorias ao norte da África e costa do Oriente Médio. – precisou de concentração para não mostrar a satisfação com a microexpressão de choque de Alone, comprimindo os lábios por um instante.
- Não estamos tratando de comércio aqui, srta. Kido. – ele tentou invalidar o novo elemento na mesa. Saori sorriu internamente da nota de insegurança.
- Tenho certeza de que chegaremos a um acordo vantajoso para nossas empresas como um todo. – Saori falou com firmeza. - Que tal dividirmos essa reunião? Acredito que sua irmã e a equipe do Subway Army podem conversar com o sr. Mukherjee e a equipe do Santuário sobre os acertos referentes ao campeonato de artes marciais. Enquanto isso, nós conversamos no meu gabinete sobre os irmãos Thanatos e Hypnos Nix. Perséfone será bem-vinda, é claro.
Ela disse tudo muito rápido, se levantou e abriu a porta de comunicação. Tudo para que eles não tivessem tempo de raciocinar. Alone demorou um pouco a reagir. Sua esposa, mais ágil, passou suave pela ex-companheira de dormitório.
- Eu avisei a ele para não a subestimar. – sussurrou, piscando travessamente para Saori.
- Shion, deixo tudo em suas mãos. – o Grande Mestre assentiu antes que ela fechasse a porta. – Alone e Perséfone Heinstein, esses são Seiya Ogawara, atual campeão mundial de artes marciais e meu noivo, e Dohko Jiang, um dos mais respeitados mestres do mundo e meu assessor especial para esse tema.
"E agora nós vamos falar sério."
Eles tiveram que almoçar ali. A reunião durou até 22 horas.
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KAMAKURA - CENTRO
A brisa marítima chegava até a rua estreita e movimentada no final da tarde.
Entre dezenas de restaurantes e bares, a vitrine expondo os livros mais vendidos numa estante de madeira se destacava pelo inusitado. Na calçada, a tabuleta imitando um quadro-negro anunciava, numa letra caprichada, a chegada de um título de sucesso e convidava para um café. O sino anunciou a chegada de clientes, recebidos pelas boas-vindas do homem que terminava de entregar uma sacola para duas garotinhas risonhas.
- Vou contar ao seu médico que você está descumprindo as recomendações. – June projetou a voz para o fundo da loja, onde ficavam as mesas do café. O loiro virou as duas palmas para cima, sinalizando que não tinha outra escolha. O gesto foi seguido de uma careta porque ele moveu o dedo quebrado. – Crianças, nada de pegar os livros sem permissão! – alertou quando os três entraram em um dos corredores de estantes.
- Como passou o dia, Jabu? – Shun trazia a valise médica e sorriu ao ver a mulher que estava ao lado do paciente. – Miho! - a morena limpava a mesa desocupada a pouco. Fez uma reverência ao casal.
- Só fiquei tranquila quando o vi com meus próprios olhos. – Miho deixou as xícaras no balcão. June pensou que ela ficava bem com o avental da livraria-café. - Com todo respeito, doutor. – apressou-se a acrescentar.
- Entendo perfeitamente. – Shun sorriu. – Jabu, já vai fechar? – o loiro confirmou.
- Vou só retirar a tabuleta e fixar o aviso. Acabei não encontrando ninguém para ficar hoje até mais tarde.
- Uns dias sem expediente noturno não vão abalar tanto assim os negócios, não é? – June foi atender ao chamado de Yuuto.
- Mamãe, quero levar um para o Ryuho. – os olhos cinzentos do garotinho estavam enormes ao mostrar para a mãe a capa colorida do mangá. – Ele gosta desse aqui e não sei quando ele virá comprar.
- Eu também quero dar um presente para o Ryuho! – Yorie pegou um outro exemplar e entregou para a mãe.
- Mas vocês compraram doces para ele, não foi? – June ajoelhou para falar com os dois. – A caixa está ali com a Yuki. – Yuuto olhou de relance a irmã que fingia interesse em um livro de contos de fadas ocidentais.
- Ele vai gostar mais de comer os doces se estiver lendo o mangá. – Yorie argumentou, os cabelinhos verdes divididos em duas tranças deixando-a com uma carinha de mais nova que seus três anos.
- Isso mesmo! – Yuuto pegou a dica no ar. – E esse capítulo ele quer muito ler. Por favor, mamãe. – juntou as mãozinhas e foi prontamente seguido pela irmã caçula. June suspirou, querendo sorrir para eles, embora soubesse que a ocasião pedia seriedade.
- Muito bem, mas apenas um, tudo bem? – os dois assentiram com veemência. – Não são os presentes que vão animar o Ryuho, são vocês. Amanhã vamos à casa dele e aí vocês entregam.
- Eles estão cada dia mais lindos, June. – Miho embrulhou o mangá. Jabu e Shun fechavam a porta. – Vamos?
Shun ajudou a descer a porta de metal e eles caminharam a curta distância até a casa que Jabu dividia com quatro amigos. Yorie segurou a barra da calça do livreiro, deixando-o com as orelhas em chamas.
- Ela ficou bem impressionada quando ele chegou ferido ontem. – June comentou com Miho, as duas caminhando um pouco atrás do restante do grupo. – Que bom que você está aqui. Ele é muito teimoso. – Miho deu uma risadinha de concordância.
- Jabu me contou o que aconteceu. – a pedagoga acompanhava atenta os movimentos no namorado. – Vou ficar até ele ao menos conseguir engolir sem esforço. Como estão os outros? Ele disse que Shiryu foi muito atingido.
- Dohko, Saga e Kanon estão em Tóquio com o Grande Mestre, sem maiores consequências. Régulus, o filho de Marin, está na mesma condição. – apontou para o homem que pegara a mão de Yorie. – Shiryu é o que inspira maiores cuidados.
- Shunrei deve estar tendo muito trabalho. – June a olhou de soslaio, pensando no que poderia revelar.
- Ela precisou viajar com urgência. Shun o está monitorando. – viu Miho abrir a boca de espanto e fez um pequeno gesto de que não poderia falar mais do que aquilo. Viu os ombros erguerem num suspiro profundo e cansado.
- Entendo... – a voz de Miho soou decepcionada. – Ele quer voltar aos treinos amanhã. Estou tentando dissuadi-lo, mas se formos ao Santuário, vou visitá-lo... – passaram em frente à loja de conveniência. - Ei, Jabu, vamos comprar o jantar aqui. – o loiro assentiu.
- Vocês vão comer conosco, não é? – Yorie confirmou, feliz. Shun negou.
- Se você começar a alimentar esses três, vai ter um grande prejuízo. – não se importou com os olhares descrentes dos filhos.
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KAMAKURA – CASA KODAMA SOLLIS
- Isso é matéria só de hoje? – Régulus suspeitou da quantidade de páginas para copiar.
- Nem reclama que eu fiz letra bonita por sua causa. – Yato largou dois cadernos na frene do amigo.
- Aqui estão as do segundo período. – Teneo empilhou mais três cadernos. – E nós fizemos a limpeza no seu lugar também.
Os três estavam sentados na mesinha da sala dos Kodama Sollis. O compromisso era não deixar Régulus perder matéria enquanto se recuperava. Os amigos o encontraram ainda com a cabeça meio enfaixada e a mão direita quase sem mobilidade pelo curativo. Riram da decadência do leãozinho, embora, no fundo, o sentimento fosse outro.
- Isso tem que valer alguma coisa na lanchonete. – o coreano falou a frase-senha que um dos três repetia quando queriam uma desculpa para saírem para comer e paquerar. – Se bem que isso é coisa do passado. Vamos passar o bastão para Kiki, Haruto e Éden.
- Do que você está falando, seu maluco? – Teneo arregalou os olhos cinzentos, olhando para os lados.
- Pode ficar tranquilo, meu pai ainda não chegou. – Régulus começou a se alongar e de repente deu um peteleco em Yato. – Como é que você me levanta essa pauta. Depois apanha do velho e vai reclamar. Além disso, vocês dois estão quase casados.
- O que? – Teneo fechou a cara, os fios pretos caindo nos olhos. – Parem com isso vocês dois! O assunto aqui é japonês, matemática e ciências naturais. – estava vermelho até as orelhas.
- Você começou a sair com a Selinsa no dia do acampamento na praia, não foi? – Yato disse, colocando dois pacotes na mesa. – Mais de dois meses. E eu já vi vocês saindo de uns lugares bem suspeitos.
- Sabe que Orfeu já me pediu para ficar de olho em você, né? – Régulus começou a copiar enquanto mastigava um punhado de salgadinhos. – Não se engane com ele só porque é músico. O bicho é forte! – Teneo estava tão indignado que nem conseguia responder. A vermelhidão alcançou seus braços e mãos. – Ele treina com os Dourados.
- Teneo ficou todo chateado porque não foi para casa com ela hoje. – Yato a muito custo segurava o riso. – Selinsa insistiu em deixar os meninos menores em casa e pediu para o Kiki acompanhá-la.
- Desde quando eu dei permissão para vocês se meterem na minha vida? – a voz de Teneo saiu esganiçada e alta. – Por que você não fala nada para o teu cunhadinho, Régulus? O cara tá com tua irmã e você vem pegar no meu pé? Não tem noção das coisas, não? Quem tem que saber do meu namoro somos eu e a Selinsa!
- Concordo plenamente. – a cabeça de Aiolia surgia atrás deles enquanto o próprio trocava os sapatos para entrar em casa. Teneo e Yato procuraram se esconder, gaguejando. Régulus caiu na gargalhada. – Mas nem por isso precisa dessa gritaria, Teneo. Sabe que a senhora que mora aqui ao lado pode se assustar e passar mal? – mais risadas. Os garotos, sem outra saída, se esconderam atrás de um livro aleatório. – Como foi o dia, filho?
- Tedioso. – Régulus passou a mão para bagunçar os cachos dourados, mesmo cacoete do pai. – Fiz um pouco de lámen, li um pouco, dormi um pouco, levantei um pouco. Eu já estou bem.
- Não é o que Shun disse. – Aiolia chegou bem perto dele, observando os curativos no rosto. – Ele veio te ver à tarde e recomendou você ficar de repouso a semana toda. – o garoto arregalou o rosto inteiro. Ouviram-se risadinhas atrás dos livros.
- Notícias da mamãe e das manas? – mudou de assunto para ter tempo de pensar numa estratégia.
- Elas estão em viagem com Shunrei. Devem ficar fora alguns dias. – Aiolia sabia mais do que isso, entretanto não poderia compartilhar com os jovens uma informação tão sensível. Escolheu com cuidado as palavras. – Ainda não falei com sua mãe, mas elas estão bem, caso contrário já teríamos sido informados, não é?
- O senhor é incrível, Mestre! – Yato declarou, saindo do esconderijo. – Não fica nervoso e nem bravo da sua mulher e suas filhas terem viajado assim, do nada? – o Cavaleiro de Leão meneou a cabeça.
- Você não gostaria que sua... ããh... namorada fizesse algo por si própria, Yato? – Aiolia se divertia bancando o sogro rabugento. Adorava ver as reações exageradas do garoto, mas não o deixaria saber disso. – É do tipo que regula os passos das garotas?
O fato de ser também seu mestre de treinamento não ajudava porque Yato tinha receio de parecer inadequado. Ele se abria mais com Milo e Aiolia sabia que o garoto só fora designado para ele porque o escorpiano ainda não podia ter discípulos.
- Bem... Não é assim na minha família... – o garoto coçou a parte de trás da cabeça, bagunçando os cabelos verde-escuros. Completamente escarlate. – É bom a gente saber onde todo mundo está, não é? Para não ter confusões... Eu não gosto que a Yuzur... ãããhhh... isto é, não gostaria que a minha namorad...
- Vai sonhando que você vai mandar na minha irmã. – Régulus sacudiu a cabeça como a dizer que o amigo era doido. Mais risadinhas do livro.
- O que? Não, não foi isso que eu disse! – Yato fez uma careta e se recompôs em seguida. – Não é por nada, mas eu fico preocupado por ela estar longe, fazendo coisas que eu desconheço.
Aiolia imaginou que a harmonia da sua casa estaria em risco se Yato começasse uma discussão dessas com Yuzuriha. Olhou para os três adolescentes e decidiu que faria um favor a eles e a si mesmo. Sentou ao lado do filho.
- Sabem, eu comecei a frequentar o Santuário um pouco mais velho do que vocês. Acabara de perder meu irmão, Aiolos, e não tinha onde ficar. Nessa época, acontecera uma crise severa e o Santuário quase fechou. Quem permaneceu foram apenas o Grande Mestre Shion, a sra. Mayura, que eu quase não via, os Mestres Dohko, Camus, outros dois que não estão mais aqui, e Marin. Ela é só um pouco mais velha do que eu, dois anos, e era Mestra. Eles treinavam uns moleques de Tóquio há poucas semanas e eu pensei que não seria ruim me aventurar nas lutas. Eu ganhava lutas na rua. Pelo menos teria dinheiro para comer. – o sorriso dele era triste, lembrando de um passado sem esperança. – Em pouco tempo, me apaixonei pela Amazona de Águia. Se ela é sensacional agora, imaginem 24 anos atrás!
- Olha o respeito com a minha mãe! – Régulus estreitou os olhos perigosamente.
- Mas quem era eu perto dela? – Aiolia piscou para o filho. - Um gatinho olhando para uma águia. Então, escondi meu sentimento. Foram meses de agonia, em que eu a via sair e ficar semanas fora sem dar qualquer satisfação. E ninguém comentava nada! Ela poderia estar em perigo, poderia ter ido embora, poderia estar com outro homem! Eu enlouquecia só de imaginar e passava todas as horas livres do meu dia imaginando. Quando ela voltava, sentava comigo e com Seiya e contava histórias das suas viagens, o que fizera, quem conhecera. Eu gostava de ouvir, mas queria que ela ficasse aqui, debaixo do meu nariz. – tocou a ponta do nariz do filho, que resmungou algo ininteligível. – Uma vez ela ficou mais de um mês fora. Não aguentei e perguntei ao Mestre Dohko como eles deixavam as mulheres saírem desse jeito e por tanto tempo. Aquilo era um absurdo, negligência por parte deles. Elas tinham que ficar aqui e eles, os mestres homens, que deviam sair nessas missões. A sra. Mayura também ficava fora, até mais tempo que Marin.
- O senhor estava certo. – Yato confirmou com a cabeça. – Meu pai diz que é perigoso para as mulheres. – Teneo saíra de trás do livro para escutar a história.
- Como devem imaginar, Dohko riu de mim. Se dobrou de tanto rir. – Aiolia coçou a bochecha, corado pela lembrança. – Depois de me fazer sentir mais vergonha do que jamais senti, ele me explicou. – certificou-se ter a atenção dos três pares de olhos. – As pessoas são tão fortes quanto a confiança que temos nelas. Eles eram mais velhos e mais experientes e queriam que ela fosse forte, experiente, independente e segura, por isso lhe davam desafios, deixavam que ela caminhasse sempre além. A gente não mantém as pessoas conosco pelo medo, isso é ilusão. O medo nos enfraquece, não é um bom conselheiro. Faz a gente desconfiar. A verdadeira forma de ter alguém conosco é deixar a pessoa livre e fazê-la saber, a todo momento, que ela tem a nossa confiança. Porque ela passa a confiar em nós da mesma forma. Vocês não querem que as garotas de vocês confiem em vocês? – os três assentiram veementemente. – Respeito, confiança e conversa. – levantou indicador, dedo médio e anelar. – Sem isso, nenhum relacionamento permanece. Não sejam como esses homens que não conversam e não respeitam as mulheres. Ainda mais as mulheres do Santuário. – ele riu. – Vocês acham que Marin estaria comigo se não fosse assim? A concorrência é feroz, meus camaradas!
- Mais respeito com a minha mãe! – Régulus pontuou cada palavra, mas estava orgulhoso do pai. Muitas vezes, ele parecia não levar nada a sério e de repente o surpreendia. Aiolia sinalizou para eles chegarem perto.
- E a saudade é o melhor afrodisíaco que existe. – falou num sussurro, como um segredo. Os três adolescentes ficaram roxos de vergonha.
- É da minha mãe que você está falando!
- Na verdade, estou falando da Selinsa e da Shoko e da...
- Yuzuriha também? – Teneo perguntou, fingindo inocência. Recuou imediatamente ao ver o brilho assassino nos olhos verdes de Aiolia. Yato levantou rápido dizendo que ia ao banheiro. O adulto suspirou, reconhecendo que ele mesmo tinha procurado aquele resultado.
– Se você me prometer que não vai treinar, amanhã pode ficar na sede. – Régulus sacudiu a cabeça tantas vezes que ficou tonto. – Vou preparar comida para a gente. Vocês vão jantar aqui? – os outros dois confirmaram. – Ah! - Aiolia retornou da porta da cozinha. – quase esqueci. Shoko disse que vem aqui mais tarde. – piscou para o filho, que ficou tão ruborizado quanto Teneo, e sumiu para perto do fogão.
Deixou as risadas e implicâncias para os adolescentes. De vez em quando avisava que conferiria o resultado dos estudos ainda naquela noite.
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Faz tempo que não dou indicação de dorama aqui, né?! Sobre realidade aumentada, recomendo Memórias de Alhambra. É com um dos reis dos doramas, Hyun Bin, e começa como um sci-fi e termina como drama psicológico. Tem na Netflix! ;-)
Guilda – associação de negociantes, artesãos, artistas, durante a Idade Média européia.
Jetlag – alteração física do ritmo biológico depois de longas viagens de avião. (primeira viagem longa da Yuna, tadinha.)
Surippa – chinelo ou pantufa para ambientes internos.
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Olá!
Desculpem ter sumido tanto tempo. Tive problemas de saúde e não consegui digitar por vários meses. Ainda não me recuperei totalmente, por isso o próximo capítulo deve demorar (menos do que esse, espero!), então fiz um caprichado para vocês! Esse foi bem movimentado e com personagem nova! Além disso, estamos nos movendo em vários cenários ao mesmo tempo, então espero que não tenha ficado difícil de acompanhar. Deixei a indicação da localização para facilitar, tomara que tenha ajudado.
No mais, agradeço por continuarem acompanhando essa saga, que está em seus momentos finais.
Mandem reviews para eu saber como está sendo para vocês e o que esperam dos próximos acontecimentos.
Abraços,
Jasmin Tuk
