Capítulo 03 – Sertão Punk.
Isso aconteceu já faz algum tempo. Depois de um furto frustrado, o adolescente foi pego pela polícia. Havia algo de estranho. Os agentes vestiam um uniforme que o jovem nunca tinha visto antes. Um tom de azul-escuro diferente. A viatura também estava fora do padrão, parecia com um daqueles carros de polícia modernos vistos em filmes. De tanto ser levado para fazer boletim de ocorrência, o adolescente já conhecia o caminho para a delegacia de co e salteado. Naquela vez os policiais estavam levando-o para outro lugar. - Será que vão acabar comigo? - Pensou o garoto. Parte dele até torcia que sim, seria uma maneira de fugir dos seus dias difíceis. Porém, para a sua surpresa, aquela abdução resultaria em uma grande oportunidade.
- Timóteo? É esse o seu nome? - O jovem infrator foi levado até um prédio que mais parecia um castelo. Depois o levaram até um escritório pequeno. O garoto não precisou pensar muito para entender que quem usava aquela sala era de hierarquia alta. - Faltam só cinco meses para você atingir a maioridade. Se a gente se atrasasse teríamos um baita trabalho para tirá-lo do sistema penal.
- Então eu não vou para a detenção, senhor..?
- McAlister. - Disse o homem com cabelo grisalho. - Nossa agência está precisando de pessoas como você!
- Mas eu sou só um "orelha suja"!
- Tem certeza?
Presente. Depois de acordar cedo, Timóteo gostava de sentar no chão do seu quarto com as pernas cruzadas. As vezes a meditação o levava longe na memória. Ele sorriu com um canto de boca. O agente gostava de lembrar o quão o destino de alguém, no caso o dele mesmo, podia mudar tão abruptamente. Seu momento íntimo foi interrompido por batidas fortes em sua porta. Era um agente de grau baixo. - Senhor, o diretor McAlister solicita a sua presença. - Cinco minutos depois e Timóteo já estava na presença de seu superior. Lhe foi mostrado um vídeo a qual um religioso de renome anunciava sua mudança de credo. Era algo inusitado, mas nada tão impressionante assim.
- Por essa eu não esperava. - Disse Timóteo. - Ainda bem que eu nunca segui esse aí.
Com um apertar de botão no seu controle remoto, o diretor mudou a imagem da tela. Ela passou a mostrar um homem magro, alto e de longos cabelos louros. - Esse homem se diz ser Ashtar Sheran, comandante da Federação Galáctica.
- O que é isso? Star Trek? - Timóteo não se preocupou em esconder o deboche.
- Isso não é tão cômico quanto parece, garanto. - Disse McAlister, com um tom sério. - Esse homem enganou várias pessoas, dilapidou finanças e se aproveitou da inocência de jovens. É uma ameaça que deve ser detida.
Timóteo engoliu em seco quando percebeu que naquele momento havia agido de maneira pouco profissional. - Desculpe, com certeza deve ser bem triste. Mas, o que isso tem a ver com a Polícia Dark? Ele não passa de um humano.
- Tenho fontes que indicam que esse tal de Ashtar é um pleiadiano. Isso explicaria seu poder de manipulação. - Assim que foi dada a sua missão, Timóteo se infiltrou em uma caravana. O terreno do retiro espiritual ficava a um longo caminho, em uma fazenda. Durante o percurso, o agente tratou de dormir. As pessoas ao seu redor não lhe interessavam. A maioria era obcecada por óvnis ou ripongas que se vestiam como se ainda estivessem nos anos setenta.
Durante sua inconsciência, o sono de Timóteo o levou para o passado. Não um recente, mas um anterior, de uma outra vida. A cidade ficava em uma paisagem árida. A falta de chuva podia ser sentida pelo ar seco. Timóteo olhou para suas mãos, estava segurando uma clavina (uma espingarda típica de um cangaceiro). Ouviu-se três disparos, dois Timóteo sabia que haviam sido provocados por ele. O último, de autoria desconhecida, o acertou no bucho. Naquele dia um outro Timóteo havia morrido combatendo a polícia. Anos depois, uma criança com o mesmo nome nascia no seio de uma família humilde. Um não era para se lembrar do outro, mas alguma coisa errada (ou muito certa) aconteceu.
- Oi, amigo. - Timóteo acordou com uma cutucada de um desconhecido em seu ombro. - A cerimônia de abertura vai começar, não quer perder, né? - Era a primeira vez que o agente testemunhou tanto exotérico junto, dava pra encher um estádio. No palco, guiando o espetáculo, estava o sujeito de aparência nórdica que se dizia ser do espaço.
- A Terra está prestes a se tornar membro da Federação Galáctica. Todos no planeta ganharão benefícios, mas só aqueles que seguirem minha convocação terão o direito de guiar os irmãos menos esclarecidos. - Timóteo conteve uma gargalhada. A ideia de um bando de gente (que não conseguia governar as próprias cozinhas) almejando dominar o mundo lhe fazia graça. - Há uma alma entre nós que não compartilha o nosso desejo por ascensão espiritual.
Como o mar que se dividiu, a multidão abriu espaço para que Timóteo ganhasse destaque entre os presentes. Timóteo ficou impressionado com a velocidade que a criatura conseguiu exercer sua influência na mente de tantas pessoas. Ashtar tocou com a mão esquerda a sua têmpora e com a mão direita apontou na direção do agente.
- Por que não consigo entrar em sua mente?! - Pelo visto Ashtar não estava muito acostumado com aquilo. - Tragam ele até mim! - Era um contra centenas. Sem que pudesse se defender, Timóteo foi levado até o palco e forçado a ficar de joelhos em frente ao alienígena. Ashtar tocou na testa de Timóteo e com os dedos exerceu uma maior concentração de sua telepatia.
A consciência do pleiadiano não estava mais em seu corpo físico, mas sim na mente do agente. Dentro da cabeça de Timóteo, Ashtar foi parar em um cenário de estrada de barro e com casas simples. Se destacando na pracinha havia uma paróquia. O tiro passou perto do corpo astral do alienígena, mas ele não se assustou. Pouca coisa podia lhe afetar ali. - Parado, fardado de merda! - De onde estava, o atirador podia acertar o pleiadiano sem dificuldade. O disparo havia sido só um aviso.
- Seu rosto está diferente. - Constatou Ashtar. - E você é muito jovem pra ter sido um cangaceiro. O que é isso? Uma vida passada?
- Mais um passo e o tiro vai na testa.
- Eu sou o comandante da Federação Galáctica! Consigo dobrar qualquer vontade. - O alienígena se aproximou do cangaceiro sem tocar os pés no chão, flutuando. Ele mostrou a palma da mão direita para Timóteo e fez com que este ficasse desconfortável com a luz intensa que era emitida dali.
Um segundo disparo atingiu a coxa esquerda de Ashtar. Como resposta ele tombou no chão. O ferimento não era real, mas a dor sim. Eles saíram de praticamente todos os lugares. Das casas, da delegacia, da padaria… Ashtar nunca viveu o cangaço, do contrário saberia que um cangaceiro nunca andava sozinho.
- Não importa quantos vocês sejam! - A noite despencou abruptamente, como em um eclipse. - Eu lidero uma frota de milhões! - Discos voadores de todos os formatos começaram a se materializar no céu. Uma chuva de disparos de lasers despencou nos guerreiros. Todos foram abatidos. Se a batalha tivesse ocorrido no plano material, seria um massacre.
Ashtar entrou na paróquia, ela simbolizava o que havia de mais sagrado na mente de Timóteo. Em cima do altar havia uma caixa de bronze muito antiga. O pleiadiano a abriu e acabou descobrindo o segredo para a força de vontade do seu adversário.
Um molecote e uma garotinha brincavam na rua com um presente de natal dado a ele. Sentada em um banco na calçada, a mãe do rapaz tomava conta dos dois. A mãe da menina foi trabalhar fora, como de hábito. O menino ganhou apenas uma espada de plástico. Mas, como ela vinha com uma bainha, dava pra improvisar e brincar de esgrima. - Esse sou eu. - Disse Timóteo, agora já com sua forma atual, enquanto apontava para a sua versão mirim. - Essa menina se chamava Clementina. Era para a gente se casar, mas ela acabou morrendo em um acidente de carro. Uma lástima, o pai dela estava bêbado.
- É ela que te dá força?!
Timóteo tomou a espada e a bainha das mãos das crianças e com uma ordem mental transformou os brinquedos em dois facões. - Sabe, ela era para ser minha no passado também. Naquela vez ela foi morta em uma troca de tiro. Nunca soube quem efetuou o disparo. Não que isso fizesse muita diferença, já que no fim das contas acabei entrando para o cangaço.
- Espera! O que está fazendo?!
- Você tem um exército de naves à disposição? Eu tenho em uma mão a frustração (Timóteo ergueu seu facão da mão esquerda) e na outra a esperança (Timóteo ergueu o da direita). - Em um movimento que formava um "X", o agente cortou o espaço astral e com ele o alienígena. O ataque não resultou em dano físico à Ashtar, mas sim em algo mais danoso.
Mundo físico. Enquanto Timóteo despertou apenas sentindo uma forte dor de cabeça, Ashtar permaneceu desacordado. Seus olhos estavam virados e no chão, perto de sua boca, havia uma poça de vômito. - Onde estou? - Os seguidores do pleiadiano, livres de seu controle mental, ficaram se sentindo perdidos, sem saber o que faziam ali. Timóteo, porém, não conseguiu sentir pena deles, já que, há pouco tempo, eles o denunciaram ao inimigo. Cientes disso ou não pouco importava para o agente.
O celular no bolso da calça de Timóteo tocou, era McAlister. - O que foi que você fez?!
- Resolvi o caso. Um "obrigado" seria apropriado agora.
- Você está em ar livre? Olhe para o céu?! - Mesmo sendo bem visíveis ao olho nu, Timóteo demorou para notá-las devido ao fato de não emitirem som algum. Eram naves de diversas formas e tamanhos, as mesmas que Ashtar invocou quando lutou psiquicamente com o agente. Porém, agora a situação era muito diferente. Elas estavam no mundo real. Ou seja, o estrago que podiam proporcionar também era.
As caixas de som que Ashtar estava usando para palestrar começaram a emitir uma mensagem. Não havia ninguém nos microfones e nenhum laptop conectado, o que faria daquilo ser quase impossível. - Aqui fala a Federação Galáctica. - Disse a voz saída das caixas de som. - Vocês feriram de modo irreversível um colaborador de alta patente. Vocês têm até o fim do dia para entregar os responsáveis ou riscaremos esse planeta patético da face da galáxia.
Timóteo voltou a falar no telefone. - Chefe, foi uma honra trabalhar com o senhor alongo desses anos.
- Por que está falando assim?
- Vou me entregar, é a única saída. - McAlister gargalhou ao ouvir aquilo, Timóteo ficou sem entender o porquê.
- Você quer se sacrificar, é isso? - E ele gargalhou de novo, até chegar ao ponto de deixar Timóteo sem graça. - Uma alma que ao longo de várias vidas salvou tantos do perigo. Você acha mesmo que quem ajudou tanta gente ficaria desamparado só por causa de um momento difícil?
Mais naves se materializaram no céu. A princípio Timóteo achou que sua situação havia piorado, mas então percebeu que havia dois grupos ali. Um competindo com o outro. Entre as naves novas havia algumas que imitavam caravelas antigas. De seus canhões laterais bolas de ferro com eficiência absurda abatiam naves da Federação. Spirfires (caças usados pelos Aliados na Primeira Guerra Mundial) voavam com uma graça nunca antes vista entre os inimigos e derrubaram vários deles. Timóteo sabia que aquilo não fazia sentido, aqueles equipamentos deveriam ser velhos demais para aguentar uma disputa tão tecnológica.
- Estamos respondendo ao pedido de ajuda. - Voltou a dizer as caixas de som, agora com uma voz feminina. - Até parece que a gente ia permitir que esses trogloditas destruíssem um planeta tão antigo e cheio de vida. - Pouco a pouco as naves foram sumindo. Antes que os presentes se dessem conta, o céu já tinha ficado limpo. A guerra pode ser vista em várias partes do mundo. Porém, ela foi tão absurda, que a maioria das pessoas preferiu acreditar que o evento não passou de imaginação. No máximo um surto coletivo de dez minutos. Os jornais e a mídia trataram de desmentir a guerra, inventando várias desculpas que foram majoritariamente aceitas.
- Timóteo? É você? - Então as caixas de som deram o seu terceiro e último aviso. Era outra voz, também feminina. A diferença era que o agente a conhecia bem, de outras paradas.
- Clementina?!
- Meu tempo é breve. - Responderam as caixas de som. - Não guarde amargura pelo que aconteceu. Estou em um lugar bem melhor, garanto. -Timóteo se aproximou do equipamento e começou a golpeá-lo como se sua amada estivesse presa aí dentro e ele precisasse resgatá-la. - Escute, Timóteo! O que é seu está guardado. Quando a sua hora chegar nada e nem ninguém poderá nos separar. - No fim daquela conversa Timóteo passou um tempo abraçando a caixa de som. Sem saber se devia ficar ali ou ir embora.
XXX Bestiário XXX
* Pleiadiano: povo alienígena que vive em algum lugar na constelação das Plêiades. Sua evolução física e espiritual os tornou versados na telepatia e elevou sua expectativa de vida (até cerca de mil anos). Com o passar dos séculos, porém, a vaidade transformou a raça em seres egoístas e fúteis. Através da Federação Galáctica, eles tentam expandir sua influência pelo cosmo. Usando um verniz de pureza e avanço, os pleiadianos seguem a vida se aproveitando de planetas jovens para explorá-los. Fisicamente eles se parecem com homens e mulheres de cabelos louros e compridos.
