Título: Mahabarata

Sumário: Com o fim das Guerras Santas, o mundo não parece melhor - o que faz com que uma sensação de incapacidade domine aqueles responsáveis pela manutenção da paz. Enquanto isso, o Cavaleiro de Virgem é atormentado por crises insones e supostos delírios, cuja causa ele desconhece.

Observação: Não, eu não criei Saint Seiya, e o tio Kurumada não deu de bandeja pra mim o seu sustento. Mas, fazer o que, cismei de escrever!

Pequenos fatos a serem esclarecidos: "Mahabarata" significa "Grande Guerra", uma epopéia da mitologia hindu. Pesquisei um pouco sobre ela, principalmente após constatar que é mais lógico o Shaka ser hindu que budista - já que o budismo é menos presente na Índia que o hinduismo. No mais, considerando que a primeira religião tem suas origens na segunda, não creio que seja um abuso muito grande. Enfim, não custa muito, custa?
Última consideração: escolhi as cores dos cabelos a bel-prazer. Na maior parte, mantive as cores do anime, mas deixei Camus e Milo como ruivo e loiro, feito no mangá. Por quê? Porque adoro franceses, e adoro ruivos. XD


O som das pesadas portas se abrindo quebra o vazio do grande salão, trazendo-me de volta à realidade - não sem algum pesar.

Acompanho, quase em câmera lenta, a entrada de Shaka e sua aproximação. Por tantas vezes ele e outros vieram se ajoelhar diante de mim que o ritual perdeu sua magia, tornando-se monótono. Atualmente, porém, é um constrangimento do qual eu gostaria de ser poupado.

- Shaka, por favor. Isso é desnecessário.

Desde que tudo recomeçou, vez ou outra me flagro perguntando se eles realmente ouvem a minha voz; a impressão que tenho é de que ela morre sufocada pela máscara, sem chegar a lugar algum. Como eu.

- Protocolos sempre são necessários. Ao menos o respeito a eles.

Ergueu-se. Por minha vez, sinto-me pequeno frente à magnitude do virginiano.

(Irônico, não?)

Eu sou o Mestre, o homem sentado em um trono, o representante da vontade de Athena, coroado e envolto em um manto, coberto de regalias. Ele é mais um dentre os oitenta e oito Cavaleiros, um dos doze encarregados de minha "guarda pessoal", um monge coberto por um sari velho.

Eu sou insignificante, se comparado a ele.

Mesmo assim, não é difícil perceber que há algo de errado com Shaka. Pele mais pálida que de costume, olheiras sob as órbitas fundas - até sua respiração o denuncia. É extremamente discreto, mas jamais o vi assim, nem sequer nos tempos em que ainda treinava para conseguir sua armadura de Ouro.

- Parece cansado.

- Eu estou. Mas não creio que este seja o motivo da convocação.

Recosto-me no trono, entristecido pela dimensão da destruição deste lugar. Suponho que ver Shaka tão abatido - por mais que ele tente ocultar, é inegável - tenha sido o golpe final.

- Seu estado fez com que eu o chamasse. E, sinceramente, espero respostas.

- Se me permite colocar desta forma, o que está acontecendo comigo diz respeito somente a mim. Não vejo porque envolver mais alguém nisso.

Entre a calma e a arrogância: é assim que ele se comporta. Mas não é tão simples, Shaka é realmente capaz de manter-se acima do que quer que seja. Ou, ao menos, de quem for. Não consigo determinar se tal atitude faz parte de seu caráter divino ou justamente da soberba humana.

- Eu estou preocupado, Shaka. Mas, se esta não for uma razão suficientemente boa, posso lhe oferecer outra: eu sou o Mestre e você, portanto, é subordinado a mim. Deve-me satisfações. Quando eu pergunto, Cavaleiro de Virgem, você tem a obrigação de responder.

Em questão de vaidade, posso ser um adversário respeitável. Aconteça o que acontecer, não se esquece o orgulho assim, tão facilmente. Ainda que essa estranha e repentina manifestação de ânimo me assuste, como se eu temesse voltar a sentir gosto pelo poder. Talvez minha apatia constante seja, na verdade, uma forma de defesa que acabei criando contra aquilo em mim que conheço bem o suficiente para querer trancafiar em algum porão escuro de minha alma.

(... Já devia ter aprendido que prisões não podem protegê-lo de si mesmo.)

Sob a fina camada de serenidade, o claro desagrado; decerto ceder a vitória a mim é frustrante para o virginiano. Que seja. Mais uma pequena decepção não há de matar ninguém.

- Pois bem. Nos últimos dias tenho enfrentado um certo mal-estar, nada além. Fraqueza, enjôo... Sem dúvida é alguma bobagem que meu sistema imunológico resolverá em sete dias.

Ele mente.

(Um mentiroso sempre reconhece outro.)

Bem sei que ele lá tem suas razões, mas não adianta, estou farto dessa situação. Mesmo que eu esteja mais que ciente que não sou digno da confiança de ninguém - sequer da minha, estou certo -, essa incapacidade me incomoda, me imobiliza. Como que tentando tirar o fardo dos ombros, me livro do elmo e da máscara, deixando-os de lado.

Curioso como, mesmo não abrindo os olhos, Shaka me observa.

- Parece cansado. - E não é deboche; há um discreto sinal de consternação em sua voz.

- Eu estou. - Ainda diria que absolutamente em qualquer aspecto mas, dado o meu tom, isso é certamente óbvio.

O silêncio persiste, tornando o ar denso como bruma. Ainda que não mova um músculo, eu me debato, impaciente e asfixiado, lutando como um condenado para me livrar de mais um grilhão; sou o grito sem resposta, o afogado que espera uma mão estendida. Todos os limites impostos por mim mesmo, mas é só ao me dar conta disso que consigo superá-los - me superar. Frente àquela oferta muda, o (ainda mais) fraco em mim ganha forças para se expor, irrompendo através de minha garganta.

(Reconhece sua própria voz?)

- Sabe bem que o último lugar em que eu gostaria de estar é esse. Você sabe, Shaka, eu preferia ter sido trancafiado no Tártaro a ter de me sentar nesse trono. Não que eu vá negligenciar o posto que me foi delegado por Athena, claro. - A ironia que eu sinto na ponta de minha língua é real ou estou imaginando coisas? - Mas como ela espera que eu comande homens que mais querem meu sangue vertendo pelas escadarias do Santuário? Regando as pedras e fundações? Não, Shaka, eu não posso, não sozinho.

Interrompo minha fala, expirando pesadamente. Ele, por sua vez, não diz uma só palavra - e não o fará até que eu termine. Sem opções e sem retorno, prossigo.

- Percebeu? Em outros tempos, honra e glória deste lugar eram voltadas a mim, e quase todos vocês me devotavam uma obediência cega, ou algo que o valha. Decerto que isso alimentava minha vaidade, mas nada mais. - (Ainda que, frente às recordações, o canto da boca tente torcer num sorriso. Admita.) - Depois, já conhecido como traidor, pude ter ao meu lado Shura e Camus. Afrodite e Máscara da Morte também, ainda que esses dois dêem atenção àquilo que lhes interessa, apenas. E mesmo Shion, Shaka! Shion!

A menção ao antigo Mestre basta para que meu tom se eleve, deixando transparecer o transtorno que vai em minha mente. (Não na alma, pois esta sequer existe, certo?) Sou forçado a me calar, ao menos até recuperar a (falsa) calma perdida. Ao menos, Shaka me poupa de maior constrangimento mantendo uma expressão neutra - como de costume. Mas descubro com um amargo (ou seria férreo?) desgosto que as forças para continuar se esvaem. Não tenho coragem de encarar um espelho, que dirá meu passado. (É realmente seu?)

- Shion está acima disso. Sempre esteve, não se esqueça. - O comentário, ainda que feito na costumeira serenidade, me atinge como um tapa na cara. Acordo.

- Enfim. Eu tive companheiros lutando ao meu lado. Mesmo sendo tido como traidor - (afinal, você era) -, eu acreditava no que fazíamos.

(Soa familiar?)

- Diferente da situação atual, lógico.

- Estou completamente sozinho, Shaka. Ninguém confia em mim (com razão) e mesmo aqueles com quem estabeleci alguns laços de lealdade nada podem fazer. Shion obviamente não está aqui; Shura mal se sustenta com suas próprias pernas; Máscara da Morte e Afrodite são como eu já disse. Quanto a Camus, bem, você o conhece, sabe que ele costuma manter um posicionamento mais neutro.

- Ainda que, aparentemente, ele e Milo tenham tido alguns atritos por conta deste assunto.

- Ah, sim, eu percebi. - Algum humor se manifesta em minha voz, apesar de um certo tédio. - Não que seja muito difícil que esses dois se desentendam.

- Ou perder a paciência com o Milo.

- Acredite, você não precisa dizer isso a mim. Se bem que, devo admitir, ainda prefiro a atitude dele. - Outro suspiro interrompe minha fala, mas logo sigo em frente. Não posso, no entanto, disfarçar esse desprezível toque de auto-piedade. - As afrontas do Cavaleiro de Escorpião são absolutamente sinceras. Não é uma experiência agradável, claro, mas é melhor que esse ódio velado, sustentado pela hierarquia. Estou ilhado em hipocrisia e rancor, mas não é isso que me assusta. Meu problema, Shaka, é que estou sozinho; e, depois de tudo que houve, eu tenho muito medo de mim. Tenho medo do que esse poder todo pode fazer comigo e, pior ainda, o que eu posso fazer com ele.

Curioso como, depois de começar, chegar ao fim do discurso não é tão difícil - um alívio, até.

- Certamente isso não foi apenas um desabafo. - A argúcia do virginiano não me surpreende; isso é o mínimo que eu poderia esperar de Shaka. Mas o raciocínio dele ainda está um passo atrás do meu, sem dúvida.

- Não, ainda que tenha sido sincero. E espero que sirva de algo.

- Nao há nada que não tenha serventia.

- Decerto que não. - A tensão dá lugar a um sutil interesse. Máscaras que surgem e caem num movimento tão rápido que gera apenas expectativa. - Imagino que, ao que mencionei aqueles que confiaram em mim, você tenha dado pela falta do seu nome. Mas não creio que me julgue relapso o bastante para ter simplesmente esquecido.

- Hm, não. - Por um instante, Shaka franze o cenho, algo pensativo. Em seguida, ergue as sobrancelhas; ele já percebe onde eu quero chegar.

- Não me entenda mal, Shaka. Eu lhe serei eternamente grato. Ainda que soe estranho agradecer pela oportunidade de ser seu algoz, sei que você entende; agradeço pela confiança que depositou em mim. Naquele momento em que eu me assumia como um traidor, você acreditou que eu entenderia o que devia ser feito. Sinceramente, eu não sou inescrupuloso o bastante para esquecer disso. E espero que você também não.

Silêncio, mais uma vez.

(Ele não tem mais por onde fugir; a raposa velha sabe o que faz.)

- E, assim como você me confiou seus medos, espera que eu lhe confie os meus. Estou certo?

- Se eu ainda sou capaz de esperar por algo, sim, eu espero. - A mais pura verdade. Esperança tem se mostrado artigo raro neste lugar, e não poderia ser diferente comigo.

- Que seja, então. - Shaka fala com a calma que lhe é natural, mas não é impossível perceber uma ligeira nota de contrariedade em sua voz. - Agora, não tome por mentira o que lhe digo: eu não sei o que temo. Não que eu desconheça, a sensação me é plenamente familiar; apenas sou incapaz de nomeá-la, por ora. - Ele faz questão de frisar que é apenas temporário.

- Entendo. Mas isso significa que você já passou por situação semelhante, anteriormente?

- A lembrança não é clara, mas creio que sim. Caso minhas suspeitas estejam corretas, o que é bem provável, foi antes mesmo que eu chegasse a este Santuário. Infelizmente, eu era demasiado jovem e despreparado; custa-me muito, alcançar tal ponto em minha memória.

Ele inspira devagar, passando as mãos pelo rosto; um ligeiro tremor lhe toma por menos de um segundo, mas já é mais que suficiente para me apavorar. A sombra de uma expressão de náusea lhe passa pelo rosto, estranhamente pálido e corado. Tudo é rápido demais para ser real, mas real demais para ser apenas uma impressão. Quando cessa, ainda posso notar a pele arrepiada, olhos voltando à posição normal sob as pálpebras cerradas.

- Shaka..? - Mal consigo murmurar seu nome, a voz me falta.

- O véu negro que envolve o mundo também se estende sobre meus olhos, sob minha pele. - Ele fraqueja, mais abatido que nunca. Em suas palavras, combinam-se o tom rouco de um moribundo e a incontestável firmeza de um profeta. - Uma eterna noite muda que não é, porque nada existe, sequer ela; mais que a morte, é o vazio que nos é destinado.

Noto o estranho tremor em suas sobrancelhas, o suor frio que começa a escapar por seus poros. Chego a me espantar quando vejo que Shaka gesticula enquanto fala - movimentos discretos porém nervosos, que fogem em absoluto da imagem do virginiano. Completamente aturdido, percebo estar de mãos atadas.

- Shaka, você não deveria...

- Cada vez mais perto. Aquilo que eu temo em plena ignorância, eu posso sentir sua aproximação. Como se me cercasse. - Seu rosto mais me parece um reflexo do meu. (Finalmente um espelho.) - De olhos fechados, sempre pude enxergar muito mais que qualquer homem. Agora, essa escuridão cega minha alma, incapaz de superar as limitações do corpo. O que eu temo é justamente o que não conheço, mas sei que devo enfrentar. Não há caminhos alternativos em um ciclo.

- Por Athena, Shaka! Você simplesmente não está em condições de...-

Para meu total assombro, o azul vívido dos olhos de Shaka parece explodir à minha frente. Vejo o homem cambalear, sua cabeça tombando para trás como se acometido por um violento golpe. Ainda agarrado aos braços do trono, me ergo num repente; enquanto o virginiano cai, inerte, lanço-me no espaço que nos separa. Seu corpo se curva para a frente, a franja loura escondendo o rosto, pernas dobrando sob o próprio peso. Alcanço-o bem a tempo de ampará-lo, assim que os joelhos dele atingem o piso. Sua testa bate violentamente em meu ombro, mas não há nenhuma reação.

E então eu ouço.

Seguro os braços de Shaka com força e o afasto de mim, de forma a poder encará-lo. Há medo impresso em cada músculo de sua face, os olhos arregalados fixados em coisa nenhuma. (Ou seria no vazio?) Seus lábios movem-se, trêmulos, mas mesmo a essa curta distância eu já não escuto mais. Aproximo o ouvido e o que concluo não me surpreende: um mantra. Desconheço sânscrito, mas seria tolice demais deixar passar a fala ritmada, quase como um canto. Seu desespero é tão palpável que mais parece meu, e me descubro correndo o olhar pelo salão em busca do que quer que pudesse indicar uma solução. (Mas tudo que você encontra são espelhos cobertos e a constatação óbvia: você não pode nem mesmo se ajudar, que dirá fazê-lo por outro.)

"Pense!"

A voz de Shaka, numa urgência inquestionável, irrompe em minha cabeça e meu peito, ecoa entre as paredes e o teto alto; mesmo assim, o silêncio é absoluto, exceto pela reza que ele entoa. O virginiano me alcança através de nossos cosmos.

Estupefato, espero ansioso por alguma instrução posterior à inusitada ordem, mas logo percebo que o faço em vão. Deduzo que aquele fragmento de mensagem já tenha demandado um esforço maior do que ele pode suportar em sua atual condição - seja ela qual for. Tudo que obtenho é o agourento som do mantra. Só me resta, portanto, atender àquilo que me foi exigido.

Mas como? As palavras que me disse, seu enervante estado, a situação do Santuário - no que devo pensar? Em que você quer que eu pense?

(Já percebeu como a mente fica em branco, em momentos assim?)

... E, apesar disso, você não se cala jamais; oculto pelas suntuosas cortinas de veludo, eu sei que você ri de mim. E enquanto a aflição me domina, antevejo o escárnio estampado em seu rosto, meu rosto (e mesmo assim, duas faces. Quantas somos capazes de assumir?)

Não, não é isso, não assumimos. Elas nos são impostas, todas, um sem-número de versões, distorções, anseios e expectativas que se mesclam com a realidade e a deturpam. (A palavra é "mentira".)

É isso que eu sou, então?

(Quisera a resposta fosse tão simples.)

Pontos de vista (sim, é um termo melhor). Panta rhei. Pois se um mesmo homem não pode se banhar no mesmo rio por duas vezes, de quantas formas diferentes se vê alguém? (E quantos olhares um homem pode suportar sobre suas costas?)

Certamente não tantos quanto se espera.

(E eis que você não agüenta o peso, e cai.)

Afinal, o que eu fui para eles? Para os tantos outros que me observaram, seguiram, glorificaram, amaldiçoaram, condenaram? Fui irmão (uma falha), Cavaleiro (mais uma), herói (falhamos miseravelmente), Mestre (uma piada)... traidor, enfim. (E isso quando, pela primeira vez em toda a vida, fazia o que era certo.)

Assassino,também. (Ainda que não tenha tido competência naquele que seria o ato mais ousado, ah, com que primazia conduzimos aquele massacre!)

Não, eu conduzi.

(E quem sou eu, afinal?)

Eu sou aquele que não é. A sombra que fica sob as fantasias, o ator que já usou tantas máscaras que nem lembra da própria identidade. O dono de todos os nomes, e que justamente por isso não possui nome algum.

(Quem sou eu?)

Busco os espelhos, quero, desejo, preciso de uma orientação, de um referencial que me defina. Mas não há reflexos, não há um eu sequer, só véus encobrindo meus olhos e os meus olhos que eu sei estarem ali. Escuridão. Veludo rubro feito sangue cegando um homem que há muito tempo não sabe o que é ver e nem mesmo pode chorar porque suas órbitas são tão secas quanto sua alma.

E o sangue corre. Desce pela superfície polida numa violência lenta e angustiante. As cortinas se foram e estou cercado pela dor em mim e na multidão de eus que se espalham ao meu redor e me devolvem esse olhar apavorado que beira o do único sobrevivente com um mar de mortos aos seus pés e a culpa sobre seus ombros onde Eros e Thanatos insistem na eterna peleja que faz de mim uma imagem torpe que se agarra com todas as forças ao último farrapo de sanidade que lhe resta nessa beira de abismo que conduz à loucura porque é justo no ponto mais profundo da queda que se percebe que ainda há a esperança de redenção mesmo naquilo que já se perdeu.

- Saga..?

Shaka. Semi-consciente, quase letárgico, mas ele fala. E, embora seja pouco mais que um som débil, é nele que encontro minha resposta. Olho ao redor, e não me surpreendo ao ver que todas as cortinas estão fechadas - algo que certamente resolverei mais tarde.

A face lívida do homem que ainda necessita de meu apoio começa, aos poucos, a recuperar a expressão - ou a falta dela. Noto que meus dedos prendem seus braços com força demais; cuido disso, mas não chego a me desculpar. Apenas sustento-o e me ergo, trazendo-o comigo.

- Consegue manter-se de pé?

- Seria ultrajante se não conseguisse. - Há um sutil sinal de sarcasmo em sua fala. Tanto melhor.

- Bom saber. - De uma forma ou de outra, fico por perto; não custa ser precavido.

Mais um breve silêncio, dessa vez para que cada um lide com suas próprias inquietações. Enquanto varro o salão com um quê de paranóia, percebo a preocupação de Shaka, claramente expressa por suas sobrancelhas contraídas e o brilho em seus olhos - o que é realmente perturbador. Não demora até que ele comece a falar, mais para si que para mim.

- Eu me perdi. Ao que vejo, a dita escuridão que se alimenta de minha essência já ultrapassou qualquer limite. - Meneio a cabeça vagamente, dando à explicação de Shaka menos atenção que a meus devaneios. - Ela foi capaz de me superar, e fez-se necessário um sinal que me mostrasse o caminho de volta a mim mesmo. Agradeço por seus pensamentos, cuja intensidade foi capaz de me servir de guia até a realidade.

- Eu realmente precisava de alguma reflexão. - É o máximo que me digno a pronunciar, soando distante, e vejo que o comentário não lhe importa nada.

- Saga?

- Hm? - Há quanto tempo não respondo a esse nome, que é meu?

- É noite.

Sua voz denota a casualidade de uma constatação lógica, mas é claro que o que ele diz é grave. Tal impressão só é acentuada pelo fato de que ele finalmente fecha os olhos, retornando à sua habitual calma. Sinto um frio mórbido subir por minha espinha no que percebo o movimento das grandes portas por sobre os ombros de Shaka. Curioso como, dessa vez, é meu nervosismo que confere à cena uma qualidade quase etérea. No que avisto o semblante de Afrodite, inegavelmente abalado, já espero pelo pior - e a confirmação vem em seu tom, típico de quem mal consegue acreditar no que diz.

- Um invasor alcançou a Casa de Áries.


E vamos aos comentários!

Em primeiro lugar, crianças de meu Brasil, peço desculpas pela demora - mais uma vez. Mas desde o capítulo anterior a história começou a ficar um pouco mais complicada pra mim. Afinal, saimos da fase de reflexões particulares e chegamos à ação efetiva. Sim, agora a coisa desanda de vez! XD (E isso também se reflete um tanto no tamanho dos capítulos, como creio que vocês já tenham reparado.)

Enfim, eis o Mestre. E parabéns, Calíope! Acertaste, ganha um bombom! (Mari, Prudence, vocês não valem. XD) E, com o Mestre, minha visão bastante particular do Saga - sobre a qual eu não devo falar muito, não hoje. Até porque, oras, acho que já está tudo lá em cima. Mas já adianto que tenho uma paixão doentia por esse homem (sim, eu tenho uma irreparável queda por problemáticos), que sempre me pareceu muito mais que um megalomaníaco que explode galáxias. Vejo no Saga um potencial enorme para explorar nobreza, melancolia, orgulho, auto-depreciação... Ah, diabos. Amo esse geminiano. E, de certa forma, foi o POV mais complicado; não por ser difícil chegar ao que esse "meu" Saga queria dizer, mas justamente pela complexidade da coisa toda. (Ou, como eu disse pra Prudence via MSN: "Gosto do Saga porque ele tem a fala bonita do Camus e a maconha do Shaka." - Depois substituí por "ópio". Ah, que posso fazer se esse povo é doente?)

No mais, "panta rhei" é algo como "tudo flui". Coisa de Heráclito, e fiquei assustada a ver que o Saga estava citando o Obscuro sem que eu desse ordem. (Eu digo, eu não escrevo os textos. Apenas anoto o que eles me dizem.)

Enfim, amores: agora ferrou.
(E espero demorar menos, na próxima!)

... Ah! Editando!
Não posso fechar isso aqui sem os agradecimentos, dedicatórias e afins.

Em primeiro lugar, claro, minha beta-reader oficial, madrinha dessa criança – a primeira, a única... Prudence! XD (Hoje você merece tambores rufando. Nós merecemos!)

Mari, Calíope, Arthur e quem mais aparecer para ler: agradeço pela paciência com essa que vos escreve.

Babbas e Papa: obrigada por me colocarem no mundo. O amor de vocês é fundamental para mim. Amo vocês! XD

E, por último – mas não menos importante –, Samuel e Shaka (não o Cavaleiro, e sim o loirão Miss Vila Valqueire 2002). Esse capítulo é dedicado a vocês, meninos; espero que sirva pra quebrar a tristeza do cancelamento do show do Rammstein. (E, sim, também estou deprimida.) Leiam, divirtam-se, façam sua versão com sérias restrições orçamentárias e animem-se! o/