))Antes da fic...((

E aí, gente! XD Eu só queria avisar, antes da leitura, que eu tive que tirar alguns acentos graves dos "a"s, porque o site está engolindo e mudando as palavras em que eles aparecem! Então, não estranhem se virem algum verbo sem esse acento, tá? XD

Boa leitura!

Aletherium

Capítulo 3

" Vou te mostrar a luz do Sol..."

Seus olhos tentaram vencer a penumbra, correndo alucinados pelas paredes frias de metal. Quem quer que fosse, estava perto demais. Apertando a arma entre os dedos, Heero tentou conter seus movimentos bruscos, temendo perder o controle sob um provável ataque. Precisava se manter concentrado em tirar Duo dali, apenas isso. A confiança depositada sobre suas costas pelo Messias era a única coisa que, no momento, o incentivava a continuar aquela tentativa praticamente suicida.

Heero cuidadosamente apertou Duo contra si, sentindo-o novamente tenso contra o seu peito, derramando algumas gotas de sangue em sua camisa, manchando-a outra vez. Aos poucos, a luz de Duo ameaçava escapar novamente do seu alcance, tornando a escuridão ainda mais densa aos seus olhos.

Os passos se aproximavam a cada segundo, martelando nos ouvidos do lingüista, como num presságio do fim. Tremendo levemente quando um estranho frio correu por seus ossos e carne, Heero aproximou a arma que mantinha firme entre as mãos do rosto, percebendo que não havia mais munição. Fechando os olhos ao sentir-se repentinamente cansado, Heero percebeu mais tremores vindos de Duo, e o calor do seu corpo se esvair novamente. Não importava se morresse ali, naquele momento, contanto que pudesse ao menos, mais uma vez, trazer o conforto e a paz ao doce anjo ensangüentado entre seus braços.

Acomodando Duo melhor entre suas pernas, Heero largou a arma no chão metálico, ecoando pela penumbra um ruído alto. Com algum esforço, moveu seu braço ferido até a cintura do Messias, envolvendo o corpo trêmulo num abraço silencioso.

O galgar dos passos era quase ensurdecedor, mas estes pareceram sumir no segundo em que, surpreso, observou Duo se acomodar contra seu peito, murmurando mais uma vez as palavras que pouco antes deram ao lingüista coragem para continuar:

–Eu confio em você...

Heero surpreendeu-se ao derramar uma lágrima, única, com aquelas simples e quase inaudíveis palavras. Oh, Deus...desejava de todas as formas guardar Duo para sempre entre os seus braços, e pela eternidade mantê-lo seguro. Porém, o japonês sabia que tinha pouco tempo, diminuído com a proximidade iminente dos ruídos de passos.

Suspirando ao ver todas as suas esperanças se esvaírem, o japonês acomodou-se contra o ombro de Duo, sussurrando-lhe, num dos dialetos antigos que aprendera, uma canção. Seria sua última tentativa de trazer ao menos alguns segundos de paz ao Messias, e se fosse preciso, morreria para atingir seu objetivo.

A canção era doce e suave, e contava , segundo uma lenda, a origem do Sol. Em suas notas delicadas, narrava a história de um jovem príncipe, recluso em seu reino por ser muito valioso ao seu povo, que desejava ardentemente conhecer o mundo fora das muralhas do castelo. Um dia, conseguiu escapar, mas logo sentiu medo, pois percebeu que tudo era escuro. Os dias se passaram, e o jovem príncipe percebeu que a noite era eterna fora do seu castelo, e que as pessoas eram infelizes por isso. Então, desejou ardentemente que pudesse encontrar a luz, e os deuses antigos ouviram seu chamado, fazendo-o voar através das nuvens, até os céus, onde o jovem se tornou o Sol, lançando sua luz sobre a penumbra interminável e criando a vida onde antes só havia trevas. Assim como Duo...

Um sorriso triste, porém satisfeito, se desenhou nos lábios do lingüista quando o Messias suspirou, novamente irradiando alívio e paz contra o seu corpo. O sangue mais uma vez parava de fluir. Sorrindo, Heero abraçou-o com força, ignorando a dor em seu braço ferido, causada pelo movimento.

Só então percebeu que os passos haviam parado. Seus olhos azuis se abriram, alertas, para encontrar um par de pernas diante dos dois. Abraçou o Messias protetoramente quando algumas luzes do corredor foram acesas, revelando o rosto confuso do doutor Mason, encarando-os longamente.

O cientista fora acordado com os alarmes, e antes que pudesse conter-se, correra até o Calvário, desesperando-se ao encontrar a cúpula vazia. Não demorou muito para juntar os pontos e perceber quem fora o causador daquela fuga. Não fora difícil para o raciocínio avançado de Mason perceber que o jovem lingüista estava envolvido, não depois de presenciar a estranha ligação entre ele e o Messias.

Mason contornara todos os guardas, alcançando outro setor do laboratório e tratando de abrir as passagens principais para os dois, temendo que pudessem ser pegos. Fora realmente uma sorte terem escapado com vida da horda de guardas que perseguiam-nos, pelo menos na sua opinião. As ordens diziam claramente que o Messias não poderia ser ferido, mas era um tanto improvável que isso não acontecesse. Mas agora, enquanto olhava o modo protetor como Heero envolvia o corpo de Duo, o cientista percebeu que algo mais acontecia ali. Algo muito maior.

O doutor Mason viera decidido a trancar novamente o Messias, temendo que o jovem perdesse o controle sobre si mesmo e causasse uma destruição sem precedentes, mas no momento em que distinguiu os dois jovens abraçados na penumbra, logo mudou de idéia ao descobrir, com extrema surpresa, que Duo estava...feliz.

Nunca, nos quinze anos nos quais acompanhou cada segundo da vida do Messias, havia encontrado aquela expressão serena em seu rosto. Nem o leve sorriso nos lábios delicados, ou a respiração suave e compassada, indicando um confortável sono. Todas as noites de Duo, dentro do Calvário, eram povoadas de pesadelos incompreensíveis, nas pouquíssimas vezes em que o Messias dormia. E isso parecia destruí-lo pouco a pouco, minando sua sanidade e tornando tudo confuso diante de sua inocência pura.

Sim, tudo fazia sentido. Duo precisava ir, conhecer o mundo longe das blindagens frias do laboratório, sendo protegido por aquele jovem e corajoso lingüista.

Sorrindo calmamente diante do olhar feroz de Heero, Mason abaixou-se até ficar à altura dos seus olhos:

–Sabe, é a primeira vez que vejo o Duo dormir tão tranqüilamente. – o cientista tentou tocar o rosto do Messias, o que fez com que o japonês comprimisse ainda mais o abraço, impedindo-o, e provocando-lhe um sorriso gentil.

–O que pretende? – Heero analisou-o, ferino, desconfiado da repentina gentileza do cientista.

–Ajudar.- Mason sussurrou, sorrindo mais amplamente.

O lingüista não estava disposto a acreditar no homem que mantivera o Messias trancafiado numa tristeza de quinze anos, privando-o de sua própria vida. Heero ignorou o sorriso estampado no rosto cansado do cientista, e tentou erguer-se com Duo em seus braços, tarefa que se mostrou um pouco difícil devido à dor em seu braço direito.

Surpreso, o lingüista percebeu um braço apoiado em suas costas, ajudando-o a equilibrar-se em pé, ainda abraçado ao Messias.

–Por que eu confiaria em você? – receoso, Heero novamente pegou-se procurando algum sinal de falsidade nos olhos do cientista, mas nada encontrou, a não ser o desejo verdadeiro de libertar o jovem em seus braços.

–Por que você não tem escolha.- sibilou o cientista, preocupando-se com os guardas que logo chegariam ali.

Era verdade, Heero sabia. Por mais que tentasse dizer a si próprio que não precisaria de ajuda, era praticamente impossível que conseguisse sucesso em sua fuga sem algum apoio, mesmo que suspeito.

Sua atual situação não o dava chances para questionar qualquer caminho possível de escapatória, e se Mason realmente queria ajuda-lo, aceitaria. Assentindo finalmente, Heero voltou a encarar o rosto sereno de Duo, apoiado em seu peito, num sono profundo:

–O que devo fazer? – abandonando por alguns instantes a admiração ao jovem em seus braços, Heero encarou o rosto cansado do cientista.

–Apenas peço que feche os seus olhos, e deixe sua mente limpa. Duo te ajudará a entender... – o velho homem sussurrou, alcançando uma das mãos do Messias. Se estivesse realmente certo quanto à dimensão do elo entre o garoto de olhos violeta e o corajoso lingüista, tudo seria mais fácil, e as chances seriam maiores.

Heero pareceu confuso por alguns instantes, mas a seriedade impressa nos olhos cinzentos do cientista, e o calor confortante do corpo de Duo que acariciava sua alma o fizeram ignorar a aparente tolice naquelas palavras, e cerrar os olhos.

A escuridão novamente engolfou-o, e Heero se viu estranhamente incomodado por não poder enxergar o rosto sereno do Messias. Mas algo parecia diferente.

Sua cabeça rodou por alguns instantes, enquanto a escuridão propiciada por suas pálpebras cerradas se dissipava numa névoa difusa, revelando a imagem embaçada, porém um pouco nítida, de uma enorme passagem, semelhante à do Calvário.

A imagem se aproximava, como se caminhasse em sua direção, tornando-se cada vez mais nítida. Silenciosamente, a passagem se abriu, alçando sua visão para um enorme lance de corredores.

A velocidade com que as imagens se deslocavam em sua mente se tornava cada vez maior, entretanto, o lingüista conseguia assimilar cada detalhe, como se a trilha para a fuga do laboratório fosse queimada à brasa em sua mente.

Um último flash de imagens cortou a sua memória num zunido, revelando uma passagem que se abria para a madrugada de uma parte isolada da cidade.

Aos poucos, seus olhos cerrados ganhavam novamente a escuridão silenciosa, e a consciência da presença de Duo tornava-se real. Com um longo suspiro, Heero abriu os olhos, sentindo-se estranhamente tonto. Encarou interrogativamente o cientista, que parecia igualmente desorientado.

Antes que o lingüista pudesse questiona-lo sobre o que havia acontecido, Mason se ergueu, espreitando a passagem principal, que agora era alvo de baques profundos.

–O Duo é diferente, você sabe. Ele é capaz de criar elos fortíssimos com aqueles que estão próximos, compartilhando sentimentos, pensamentos e lembranças. É por isso que você se sente triste ou aliviado quando está próximo do seu corpo.Há pouco, eu te passei cópias de algumas das minhas lembranças, através dele.- explicou-lhe, oferecendo-se como apoio para que Heero se erguesse novamente.

O japonês desistira de tentar questionar qualquer coisa longe da normalidade no momento em que conhecera o Messias, que com certeza quebrava qualquer paralelo ou limite.

Com o auxílio de Mason, alcançou o primeiro nível blindado que encontrara em sua visão. Abraçando Duo contra si, sentiu sua confiança aumentar a cada segundo, juntamente com a sensação de plenitude agora desencadeada pelo Messias. Sim, eles conseguiriam. Heero podia sentir. Nunca fora de acreditar em intuição, mas aquela noite mudara muitos dos seus conceitos sobre o real e o irreal.

Seus dedos correram mecanicamente sobre o teclado eletrônico, comandados por uma passagem de sua memória recém-adquirida através de Duo. Surpreso, percebeu que tudo era realmente verdade quando a passagem se abriu diante dos seus olhos, mostrando-lhe o extenso labirinto metálico que agora lhe parecia simples e familiar.

Apressando-se em fechar a blindagem atrás de suas costas, Heero percebeu que talvez pudesse retardar os guardas o bastante para evitar um confronto, no qual certamente estaria em desvantagem, já que estava desarmado.

Os alarmes continuavam soando no restante do laboratório, e vestígios da ofensiva luz avermelhada transpassavam cada setor, tornando-os ainda mais assustadores ao serem refletidos nas paredes metálicas.

Um sorriso satisfeito surgiu nos lábios do japonês ao avistar, alguns metros à frente, um elevador, que sabia dar acesso ao nível mais externo do laboratório, de onde poderiam escapar.

Sussurrando um "obrigado" ao ouvido do jovem adormecido, Heero apressou o passo em direção às portas metálicas do cubículo, sentindo suas esperanças aumentarem a cada centímetro alcançado.

Mas algo foi rápido demais para que o lingüista pudesse perceber.

Um novo disparo cortou o ar, atingindo uma das paredes metálicas, próxima à sua cabeça. Instintivamente, Heero cobriu o corpo de Duo com o seu, imprimindo ainda mais velocidade, numa fuga desesperada do novo, e bem maior, grupo de atacantes que se movia pelos corredores à sua direita, cada vez mais próximos. Merda!

O elevador estava apenas a alguns metros.Só precisava alcançar o painel...não poderia desistir!

Mais disparos anunciaram a proximidade dos seus perseguidores, e também de um possível fim.

Suas pernas pareciam extremamente cansadas, e reclamavam por tanto esforço.Disparos secos atingiam as paredes a cada instante, cada vez mais próximos do alvo. O ressoar de botas duas contra o chão ecoou nos ouvidos de Heero, instigando-o a se apressar.

O painel de controle foi acionado pelas mãos trêmulas do japonês, e o elevador se abriu para que pudessem passar no mesmo segundo em que os guardas entraram em seu campo de visão.

Cerca de dez homens de aparência furiosa corriam em direção ao elevador, empunhando armas e lanternas.

O japonês não pôde esperar que a porta do cubículo se abrisse completamente. No instante exato em que a passagem tornou-se livre o bastante, Heero se lançou pelas paredes de metal, tomando o cuidado de amortecer o corpo do Messias contra o seu próprio.

Os gritos enraivecidos dos homens ecoaram pelo véu da semi-escuridão do laboratório, urrando ásperos palavrões quando o elevador se fechou.

O japonês trouxe o corpo relaxado de Duo para mais perto de si quando, com alívio, percebeu um leve solavanco nas paredes do elevador, indicando que este começara a se mover.

A luz fraca irradiada de uma lâmpada no topo do ascensor tornava, na opinião do lingüista, o rosto sereno de Duo ainda mais bonito. Correndo delicadamente um dedo pelos contornos delicados das feições do Messias, Heero teve a estranha certeza de que faria tudo novamente somente para ter aquela doce imagem eternizada em sua memória.

O lindo garoto o prendera como num encantamento, com a doce e triste melodia do seu olhar violeta. O lingüista nunca esperaria que, durante a noite, um anjo chegasse à sua vida. Mas aconteceu, da forma mais conturbada possível. Só temia que as asas do seu pequeno anjo estivessem quebradas. Mas se assim fosse, Heero trataria delas, e o faria voar novamente.

–Eu prometo, Duo.Vou te mostrar a luz do Sol... – sua voz sussurrada se perdeu nas paredes frias do elevador, emanada por um reconfortante calor que crescia em seu peito.

Em resposta, recebeu um sorriso, mínimo, mas ainda sim esplêndido. Era a primeira vez que via Duo sorrindo, e o lingüista prometeu a si mesmo que não seria a última. Esforçaria-se ao máximo para manter a felicidade junto ao garoto, mesmo que tivesse que mover o mundo inteiro para isso.

Um outro solavanco sacudiu o elevador, e as portas se abriram, expondo os contornos de um grande e escuro hall.

Mantendo o corpo do garoto seguro contra o seu, Heero se apoiou no braço ferido para se erguer, tentando ignorar a dor lacerante que rasgou os seus nervos com o movimento. Mesmo que quisesse, não poderia se distrair com algo tão simples como um braço baleado. Grunhindo algo incompreensível quando suas veias foram novamente atingidas por pontadas de dor, o japonês ancorou ambos os braços ao redor da cintura do Messias, carregando-o para fora do elevador.

No mesmo instante em que seus pés tocaram o chão do enorme salão, luzes esbranquiçadas foram acesas, provavelmente por algum sistema sensível a toques.

A luminosidade trouxe a tona a origem dos contornos brilhantes que se sobressaltavam na escuridão: diversos veículos, em sua maioria negros.

Heero sabia que não poderia chamar muita atenção, caso fosse obrigado a circular num lugar povoado com algum daqueles carros, então optou por um veículo aparentemente simples, mas que parecia ser rápido o bastante para se dar bem numa fuga.

Cuidadosamente, depositou o corpo de Duo no banco de passageiros, cobrindo-o com o cinto de segurança. Correndo até o outro assento, acionou um comando no pequeno main de navegação do carro, ligando-o. Diante dos seus olhos, uma das paredes vergou-se mecanicamente, se sobrepondo ao chão para formar uma rampa para a parte externa do laboratório.

Heero estendeu uma de suas mãos, entrelaçando seus dedos delicadamente com os de Duo, por alguns segundos, sorrindo ao avistar o céu levemente azulado da madrugada.

Tomando ar, o lingüista acelerou o carro em direção à liberdade.

Os pneus do carro cantaram ao ultrapassarem a rampa metálica, encabeçada numa parte desértica da pequena cidade interiorana. O japonês tinha total certeza de que não poderia voltar para seu quarto de hotel. Seria burrice demais, pois aquele seria o primeiro local onde procurariam o Messias. Que se danasse o congresso! Girando a direção furiosamente, Heero avistou a algumas centenas de metros a antiga sinaleira da ponte que cruzava o desfiladeiro Pérgamon (1), rota principal para um pequeno vilarejo que o lingüista acreditava ser seguro. Seria melhor esconder Duo naquele lugar por algum tempo, enquanto a poeira abaixava.

A madrugada estava prestes a dar lugar ao dia, e o céu ganhava tons rosados, característicos de um amanhecer. Sentindo-se extremamente aliviado por finalmente terem escapado do laboratório, Heero desviou a atenção da direção por um segundo, para admirar o Messias, que ainda dormia, aninhado no banco como um gatinho. Sorrindo com a doçura daquela imagem, o lingüista não percebeu uma nuvem de poeira que se erguia a alguns metros atrás de si.

O silêncio ameno da madrugada foi rompido com um estraçalhar agudo. Alertado pelo barulho, o lingüista apenas se deu conta de que a vidraça anterior do veículo fora destruída quando alguns cacos de vidro cortaram o ar, ferindo o seu rosto.

Com terror, divisou os contornos de cinco carros que os perseguiam, velozes ao cortar o chão arenoso daquela região. O ruído inconfundível das hélices de um helicóptero explodia sobre si, e uma luz poderosa era jogada sobre o seu trajeto, agredindo sua visão. Os inúmeros disparos lançados em sua direção obrigaram-no a mover o carro em zigue-zague, desviando alguns projéteis de seus cursos. A ponte metálica estava cada vez mais próxima, mas Heero sabia que seria suicídio tentar ultrapassa-la enquanto era perseguido.Talvez se conseguisse despistar os perseguidores por alguns segundos...

Afundando o pé no acelerador, o lingüista alçou velocidade contra a ponte, colocando todas as suas fichas em sua única chance de escapatória.

Em um único segundo, o japonês de olhos azuis freou bruscamente o carro, fazendo com que os demais carros perdessem o seu rastro, ultrapassando-o em direção ao desfiladeiro.

–Vamos...caiam! – Heero sussurrou entre dentes, torcendo para que os guardas não conseguissem parar seus carros a tempo e sucumbissem ao abismo.

O lingüista viu todas as suas esperanças se esvaírem quando, em movimentos perfeitos, todos os veículos marcaram o chão arenoso, estabilizando-se numa baliza perfeita.

Agora, seus problemas eram ainda maiores: a ponte estava bloqueada.

As portas dos automóveis se abriram para dar passagem a uma dúzia de homens, que pelas roupas, Heero julgou serem seguranças do laboratório. Pistolas foram apontadas em sua direção, e ignorando qualquer perigo, Heero jogou-se para fora do carro, circulando-o para tirar Duo lá de dentro o mais rápido possível.

Não sabia o que estava fazendo, mas a ânsia de afastar o seu anjo daquele perigo era maior que qualquer medo ou receio. Não permitiria que a luz se apagasse novamente...

Seus movimentos bruscos desencadearam uma chuva de disparos, esquentando o ar a sua volta e erguendo pequenas explosões de poeira ao atingirem o chão. Merda, merda, merda! Seu braço ferido pesava demais, e suas pernas começavam a falhar! Precisava chegar até Duo e tira-lo dali...!

Mas, de repente, tudo parou. Os disparos cessaram, e um silêncio estranho engolfou a madrugada, quebrado apenas pelo ruído das hélices do helicóptero.

Finalmente alcançando a lateral do veículo, Heero sentiu suas entranhas desaparecerem quando não encontrou o Messias adormecido no banco. Sua cabeça girou desconfortavelmente, e milhares de pomos agourentos explodiram em sua mente. Onde ele estava!

Seus olhos azuis varreram todo o veículo alucinadamente, enquanto seu desespero tornava-se sufocante. Mas nunca estaria preparado para o que seus olhos captaram ao vidrarem-se em direção à ponte.

–Duo...

Ele estava lá. Em meio à madrugada cinzenta, o Messias caminhava em direção aos carros, tendo seus longos cabelos balançados pela brisa fria. Suas mãos, banhadas em sangue, haviam voltado a ser maculadas por pequenas e mórbidas cruzes, desenhadas na pele alva.

Todos ao redor pareciam estupefatos demais para esboçar qualquer reação, e apenas jaziam estáticos, encarando o misterioso garoto de semblante triste.

Afastando-se do carro, Heero tentou alcança-lo, antes que algo terrível acontecesse. Mas nunca chegou ao seu destino.

Um frio percorreu aespinha de Heero quandouma presença estranha se materializou às suas costas. Seu pescoço foi imobilizado por um braço forte, envolvido por um casaco fino e negro.

–Aqui será o teu sepulcro...- a aterrorizante voz, que Heero reconheceu como sendo a mesma do homem que o raptara no início da madrugada, atingiu seus ouvidos, causando arrepios dolorosos.

Num flash confuso, o lingüista sentiu seu ar ser empurrado bruscamente para fora dos pulmões quando uma dilacerante explosão de dor corroeu sua sanidade, partindo do seu peito, onde uma adaga de metal frio fora cravada.

No instante seguinte, sentiu que a presença sinistra e fria desaparecera.

O seu sangue quente brotou mansamente, acompanhando a agonizante dor que arrebatava os seus sentidos, terrivelmente aguçados ao sentirem o metal rasgando a sua carne, perfurando seu coração.

Suas pernas já cansadas perderam as forças, e o mundo a sua volta pareceu tornar-se lento enquanto dobrava-se sobre o próprio corpo, caindo em direção ao chão. Um baque surdo atraiu seu olhar para a atormentadora ação que agora surgia alguns metros à frente.

Uma poderosa força invisível rugiu pelo ar em direção aos homens e seus veículos, lançando-os com uma incrível intensidade ao desfiladeiro. Sob o olhar do lingüista, Duo derramou sangue em suas roupas brancas, enquanto outra explosão invisível descontrolava o imponente helicóptero no ar, arrebentando uma de suas hélices e derrubando-o contra o abissal buraco, rasgando o ar com uma incrível explosão de fogo.

Os poucos guardas que resistiram à investida do Messias foram estraçalhados contra as paredes rochosas e íngremes do desfiladeiro por um novo rompante invisível, que os arrancou do chão ao som dos seus gritos e urros desesperados.

Heero acompanhou, aterrorizado, a fúria dos ataques, que deslocavam o ar ao seu redor, erguendo paredes de poeira seca no ar. O frio do metal cravado em seu peito ameaçou se espalhar pelos seus sentidos quando a perda de sangue roubou parte da sua consciência.

O corpo do lingüista atingiu o chão. O silêncio perturbador voltara, exceto pelo crepitar das chamas resultantes da explosão no desfiladeiro. O Sol parecia prestes a nascer, enquanto a sua vida escapava lentamente de suas entranhas.

Havia conseguido. Mesmo que não pudesse dar a Duo tudo que queria, faria com que, pelo menos, visse a luz do Sol uma única vez. Um sorriso se desenhou em seus lábios ao avistar a sombra do Messias, que se aproximava a passos rápidos.

Duo piscou, incomodado com a tristeza repentina que novamente o tomara, juntamente com uma dor estranha e esmagadora em seu peito. Seus olhos tentaram romper a poeira que aos poucos se dissipava, revelando o corpo abatido de Heero.

Ele estava...sangrando?

Apressando-se em direção ao japonês, o garoto sentiu, pela primeira vez, medo. Medo de perder a única pessoa em quem confiara plenamente. Medo de ficar sozinho de novo.

As marcas em sua mão novamente abandonavam sua tristeza avermelhada. Não poderia perdê-lo...

Heero abriu os olhos, com algum esforço, ao sentir sua cabeça ser apoiada sobre algo macio. Sua visão estava embaçada, mas conseguiu distinguir o rosto de Duo sobre si. Sorriu fracamente, erguendo uma das mãos para tocar o rosto perfeito do garoto.

O Messias sentiu sua angústia aumentar ao perceber que a respiração do lingüista parecia diminuir a cada instante, tornando-se quase nula. Focalizando o olhar sobre a adaga maldosamente fincada no peito forte de Heero, o garoto de olhos azuis percebeu que precisava fazer algo.

Cuidadosamente, seus dedos se fecharam ao redor do cabo talhado de pedras preciosas do objeto, arrancando um gemido de dor do lingüista. Procurando os seus olhos, Duo encontrou confiança. A mesma confiança que depositara sobre Heero.

Acomodando melhor a cabeça de Heero sobre o seu colo, o Messias observou-o fechar os olhos, suspirando em contentamento. Acariciando uma última vez o rosto do lingüista, Duo entoou, em sussurros, a oração ensinada-lhe pelo doutor Mason quando tinha apenas cinco anos, para que não temesse a escuridão:

A escuridão sem fim me aflige, e a noite pesa sobre as minhas costas, mas eu não temerei. As esperanças são distantes, e o frio me condena, mas eu não temerei. – novas gotas ensangüentadas escaparam de suas mãos ao sentir com total eficiência a dor emanada por Heero - Os meus receios me cercam, e não enxergo um caminho, mas eu não temerei. Pois a tormenta terminará, e todas as lágrimas secarão...a escuridão deixará de me rodear, e a luz me tomará em seus braços. Todos os medos vão se apagar. Todas as dores...cessarão!

Com um soluço dolorido, sua mão moveu-se ao redor da adaga, retirando-a finalmente do seu lugar no peito de Heero. O japonês arqueou o seu corpo, num gemido mudo. O sangue do lingüista fluía do ferimento profundo, escorrendo até o chão, misturando-se à areia.

Ofegante, o Messias procurou o seu olhar, mas não o encontrou. Aos poucos, o peito de Heero tornou-se imóvel, até que a sua respiração desaparecesse, e o seu coração deixasse de bater.

–Não...não! Eu confio em você! Não me deixe! Eu confio em você! Lute...! Lute! – soluços sufocantes abraçaram a voz de Duo, enquanto o sangue em suas mãos escorria rapidamente, misturando-se ao do japonês.

Seus soluços continuaram, enquanto as marcas em seu corpo exalavam toda a sua tristeza.

Mas algo acontecia. Algo extremamente surpreendente.

O sangue de Duo alcançou o ferimento do japonês, infiltrando-se em seu corpo. Um sopro de luz sacudiu toda a sua alma, dando-lhe novamente uma chance. Um milagre. Uma nova vida.

Um suspiro longo ergueu o peito de Heero, e a sensação de ter acordado de um longo sono o engolfou.

Ao longe, o Sol se erguia, lançando sua luminosidade fraca sobre os dois, prometendo calor e paz para um novo dia. Novamente abrindo os seus olhos, Heero encontrou a surpresa e alívio estampados no olhar violeta de Duo. Ganhara uma nova chance. E agora...não deixaria que Duo ficasse sozinho! Não mais.

–Veja, Duo...aquele é o Sol...- sorrindo, Heero indicou o horizonte, onde uma luz fraca se desenhava, alcançando-os com um delicioso fio de calor.

Confuso, Duo percebeu que estava...livre. Finalmente. Algo úmido percorreu o seu rosto. Mas não era vermelho. Era...cristalino.

Naquele dia, sob a luz dos primeiros raios de Sol, Duo aprendeu a chorar. De felicidade. E Heero descobriu que não conseguiria viver um único segundo sem o brilho dos olhos violetas do seu anjo.

O Sol os abençoaria.

Agora...precisavam encontrar um lugar seguro o quanto antes.

CONTINUA...

(1) Pérgamon é o nome de outra igreja para a qual uma das primerias cópias do livro Apocalipse, parte integrante da Bíblia, foi enviada.

))Notas bobas do autor((

Olá a todos! Tudo legal? XD Espero que sim!

Demorei dessa vez, né? ;D Me entendam, por favor! Escola, falta de tempo e preguiça, unidos, formam uma arma mortal contra qualquer escritor! XD

Bom, mais uma vez, muito obrigado por lerem, e um agradecimento muito especial a todos que comentaram:D Ah, e um beijão especial para a moça Arsinoe do Egito, com quem eu tive o prazer de conversar no Msn e ficar amigo! Te adoro, moça! XD

Acho que é só! XD Ereviews são muito bem vindos!

Beijão!