Aletherium
Capítulo 4:
" Traição"
" Pelas amarguras suportadas,
ele verá a luz e ficará saciado.
Pelo seu conhecimento,
o meu servo justo devolverá a muitos
a verdadeira justiça,
pois carregou sozinho os crimes deles."
Isaías, Capítulo 53, Versículo11
A claridade agradável e não familiar em muito se diferenciava da luz fria e sem vida da redoma que o prendera durante quinze anos. Sua liberdade se estendia até adiante do horizonte enorme. Duo sorriu, maravilhado e surpreso com a vastidão daquele novo mundo, que parecia infinito, para onde quer que olhasse. Jamais esqueceria a primeira vez em que via o sol nascer, e a devia a Heero.
Duo demorou-se por mais algum tempo admirando o sol que aos poucos se erguia ao topo do céu, espalhando sua luz pela planície arenosa. Receoso de que aquela vicejante claridade sumisse caso parasse de contemplá-la, buscou os olhos de Heero, encontrando a mesma confiança que os salvara naquela fuga quase impossível. Suas mãos mergulharam nos cabelos castanhos do japonês, afagando-os. Satisfeito, o Messias viu-o fechar os olhos cansados, suspirando serenamente.
- O Sol ...não sei como descrevê-lo. Só posso dizer que é a coisa mais bonita que já vi... – Duo sussurrou, voltando a admirar o astro brilhante. – Muito obrigado...
Heero abriu os olhos, sentindo a desejosa paz emanada por Duo percorrendo suas veias. Parecia quase inacreditável, mas haviam conseguido. Nem mesmo as portas do Calvário puderam impedir que o Messias abraçasse a luz do Sol. E Heero estava ao seu lado, velando por cada segundo seu. Nada jamais parecera tão certo ao japonês, como proteger Duo.
- Você gosta? Então ele é seu. – Heero declarou, sorrindo amplamente diante da surpresa que explodiu nos olhos violetas do rapaz.
- Meu? – incrédulo, Duo procurou algum sinal de brincadeira nos olhos de Heero, encontrando somente o brilho de determinação no mar azul deles.
- Sim, ele é seu. Todos os dias, ele brilhará para você, e vai te aquecer nos momentos de frio.
Braços delicados envolveram o seu peito repentinamente, acompanhados de lágrimas quentes e soluços de incompreendida alegria. Confuso, Heero ergueu um braço hesitante, acariciando os cabelos macios do rapaz sobre si.
- Duo...o que foi?
- Por tanto tempo...eu tive medo do escuro e senti muito frio. Agora, por sua causa...tudo acabou. Obrigado...obrigado...Heero...
Os soluços pararam, e o peso de Duo sobre o seu corpo pareceu aumentar subitamente. Preocupado, Heero chamou-o, sem obter resposta. Rapidamente amparou o corpo esguio de Duo entre seus braços ao se levantar do chão arenoso, percebendo então que o rapaz fora vencido pelo cansaço.
Sorrindo, Heero acariciou a face delicada de Duo, afastando alguns fios de seu longo cabelo. Não havia mais sangue ou dor. Só paz.
- Não tenha mais medo, Duo. Eu estou com você, e nada vai mudar isso. – Heero apoiou os joelhos no chão antes de se levantar, trazendo o rapaz desacordado em seus braços. – Nada.
Surpreso, Heero percebeu que o seu braço há pouco dolorido parecia como novo, e a força havia voltado ao seu corpo. O lingüista sabia que Duo era uma lacuna longa e misteriosa, então tentou empurrar todas as suas perguntas para um canto distante de sua mente, se concentrando em chegar até o vilarejo próximo a Pérgamon para deixar Duo em segurança o mais rápido possível.
- Então Heero Yuy levou o Messias, Mason? – a voz grave ecoou pelas paredes frias de metal, fracamente iluminadas pela luz vinda do monitor que transmitia a imagem de um homem oculto pelas sombras.
- Sim, senhor Éfesus. Ele conseguiu burlar nossa segurança e escapar. – Mason tentou tornar a sua voz a mais confiante possível, a fim de enganar o misterioso homem por trás de tudo aquilo.
- Entendo. Pode se retirar. – Éfesus murmurou, resoluto.
Aliviado, Mason deixou o laboratório. Sentia-se extremamente mal em contato com aquele homem, mesmo que indiretamente. Algo de muito ruim se escondia por trás de Éfesus, e Mason faria de tudo para não permitir que ele colocasse suas mãos em Duo novamente.
Assim que as portas do laboratório foram fechadas, dois olhos amarelos e opacos se abriram na escuridão, encarando o monitor.
- Sollen, estou certo de que tem uma versão mais verídica dos fatos. O nosso caro doutor Mason não me pareceu muito convincente. – a voz de Éfesus soou desprovida de emoções, se equiparando à frieza do metal que estruturava o lugar.
- Mason os ajudou. Devo eliminá-lo?
- Não ainda. Pelo menos por enquanto ele deve continuar vivo. Será útil para nosso propósito. E quanto ao garoto, faça o que deve ser feito.
A transmissão foi encerrada, e a penumbra voltou a engolfar o laboratório. Os olhos brilhantes de Sollen desapareceram da escuridão. Partira para cumprir sua missão.
Duo abriu os olhos lentamente, tentando se acostumar com a pouca luminosidade que passava por frestas das enormes janelas de madeiras que adornavam as paredes claras e rústicas ao seu redor.
Se sobressaltando, Duo ergueu-se da confortável cama onde estivera descansando, olhando ao redor à procura de Heero. Uma bonita moça entrou em seu campo de visão. Duo não a temeu, pois imediatamente percebeu vinda dela uma sensação de confiança semelhante a que sentia de Heero.
Ela aproximou-se da cama, sorrindo gentilmente:
- Finalmente acordou! Você é um dorminhoco, sabia? Dormiu por treze horas! – a garota sentou-se na beirada da cama, fazendo uma careta engraçada ao comentar seu sono prolongado.
Duo gargalhou suavemente, surpreendendo a si próprio. Não lembrava da última vez em que rira. Talvez a sua liberdade estivesse mudando-o completamente. Para melhor. Seu sorriso sumiu rapidamente ao indagar-se onde Heero estava, senão ao seu lado:
- Onde o Heero está? – perguntou abruptamente, saltando o chão e caminhando até uma porta de madeira envelhecida na parede direita do quarto, sendo impedido pela simpática moça, que parecia preocupada.
- Hey, rapazinho! Você não pode se esforçar assim! O Hee me contou que te achou nas ruas, desacordado. Como você disse que se chama mesmo?
Nas ruas? Mesmo não tendo entendido bulhufas da história inventada por Heero, resolveu segui-la, para não trazer a verdade à tona. Nem todos estavam preparados para entender a existência de alguém como ele. Nem ele próprio estava. Além disso, não o agradou a forma com a qual Relena se referiu a Heero. Era tão...íntimo! Não entendia a razão da pontada desagradável em seu peito diante do apelido, nem a quase irresistível vontade de fazer cara feia. Com um suspiro, imitou o sorriso gentil da moça ao ser conduzido de volta à cama, e ter um cobertor puxado até a cintura. Só então reparou que vestia outras roupas, estas largas e maltratadas, mas muito confortáveis:
- Eu não disse. Mas me chamo Duo. E você? – Duo tentou ser educado, como fora ensinado por Mason quando pequeno, mesmo estando demasiado ansioso para saber logo sobre o paradeiro de Heero.
- Muito prazer, Duo! Eu me chamo Relena, e se você olhar para a porta, poderá ver o meu noivo Edward nos espiando. – a moça apontou por sobre o próprio ombro para a porta que, agora Duo reparava, estava entreaberta. Como num reflexo imediato às palavras de Relena, a porta se fechou, e um pigarro forçado foi ouvido pelos dois, arrancando uma risada de Relena.
- Mas, senhorita Relena...depois que o Heero me trouxe "das ruas", para onde ele foi? – Duo perguntou, incerto, apertando a barra do lençol em um claro sinal de sua preocupação.
- Só Relena está bom. E quanto ao Heero...ele saiu de carro há uma hora, e não disse para onde ia, mas pediu para avisá-lo que voltaria logo para perto de você.
Aquelas palavras despertaram em Duo um calor estranho e gostoso que brotava da boca do seu estômago e se concentrava em seu peito, enviando ondas de rubor ao seu rosto. Era tão esquisito! Mas era...estranhamente bom. Ouvir que Heero estaria perto dele era algo tão confortante a ponto de amainar sua preocupação. Com um suspiro aliviado, Duo levou as mãos ao rosto, esfregando-o preguiçosamente, não percebendo a surpresa nos olhos de Relena:
- Duo...o que são essas marcas em suas mãos?
Confuso, Duo afastou um pouco as mãos do rosto para observa-las, e com espanto percebeu que Gênesis e Exodus estavam nítidas em sua pele, e desta vez, pareciam ser definitivas.
Heero encarou o desfiladeiro profundo logo adiante, e desceu do veículo que roubara do laboratório. Precisava destruir o automóvel, ou chamaria mais atenção do que já haviam conseguido. Além disso, era extremamente provável que houvesse algum dispositivo de localização escondido nele.
Tirando o freio-de-mão do engate, Heero empurrou o veículo até a beirada do abismo, se afastando quando parte do chão cedeu, lançando o carro contra as rochas pontiagudas da imensa falha no solo. Uma explosão iluminou parcialmente a escuridão do desfiladeiro.
O sol do fim da tarde caminhava rumo ao horizonte, e logo se esconderia. Heero queria voltar logo ao vilarejo escondido entre as montanhas. Logo seria noite, e queria mostrar o céu estrelado para Duo. Duo...fora realmente difícil deixá-lo, mesmo que por algumas horas. Relutara ao máximo em se afastar do lindo garoto, mas era arriscado demais manter o carro no vilarejo. Fora realmente uma grande sorte encontrar naquele isolado vilarejo uma de suas amigas de infância, Relena. Seu lado cético recebeu uma bela agulhada com tamanha coincidência, mas foi refreado pela preocupação com o rapaz de olhos violetas. Depois de obrigar a moça dezenas de vezes a prometer que cuidaria bem de Duo, Heero partiu em direção ao desfiladeiro, para apagar de uma vez por todas qualquer pista sobre o paradeiro dos dois.
Aquela madrugada fora definitivamente a mais estranha de sua vida. Em poucas horas, foi seqüestrado do seu quarto, levado a um laboratório subterrâneo, conheceu a criatura mais enigmática a qual jamais vira, foi atingido por um tiro e teve uma adaga cravada no coração. O mais estranho de tudo era que tudo isso parecia um preço banal a se pagar pela liberdade de Duo. Não entendia bem o elo que o ligava ao Messias, mas sabia que essa conexão era forte demais para que pudesse ser definida. Apenas existia, e não podia ser quebrada.
Heero tateou mais uma vez, a décima nas últimas horas, o lugar onde fora atingido com a adaga. Nenhuma marca ou dor. O sangue de Duo o salvara, e firmara o vínculo entre suas almas. Mesmo que parecesse algo mórbido, Heero levou a adaga consigo ao vilarejo, a fim de estudá-la. A lâmina parecia ser antiga, e a disposição das pedras preciosas em seu cabo lembrava símbolos babilônicos semelhantes aos encontrados nas versões originais dos livros bíblicos, há muito perdidos. Muitos acreditavam que a própria Igreja Católica havia destruído-os, por conterem ideologias não aceitas pelos dogmas cristãos. Outros, porém, creditavam o desaparecimento de tais volumes ao fato dos símbolos babilônicos, assim como a famosa Grande Babilônia representarem... traição
As entranhas de Heero pareceram sumir quando uma terrível possibilidade explodiu em sua mente, confirmada por um alarme que soou dentro de sua alma. Podia sentir. Duo estava em perigo.
Suas pernas o colocaram em uma corrida desesperada à estreita brecha nas formações montanhosas próximas, que levava ao vilarejo onde escondera o Messias. Alcançou a pequena estrada de terra, sentindo o temor de perder o seu Duo sufocá-lo.
- Duo...!
As marcas em suas mãos repentinamente tornaram-se ardentes, como se sua carne estivesse em chamas. Ondas turvas sacudiram sua cabeça, e no instante seguinte seus olhos foram atraídos para a bela adaga sobre um criado-mudo próximo à cama. Em seu cabo, uma das pedras piscava continuamente.
Relena aparentemente não percebera seu espanto, e continuava a encará-lo, esperando uma resposta. Com terror, Duo sentiu um calafrio conhecido, que o colocou a par da real extensão do perigo que corriam ali.
- Sollen...
O sinistro homem se materializou às costas de Relena, que parecia não enxergá-lo. Os olhos amarelos demarcados no rosto informe de pele muito branca se estreitaram num sorriso lascivo, enquanto os seus lábios finos se moviam, mostrando seus dentes amarelados de cachorro feroz:
- Onde está o teu salvador agora?
Foi rápido demais para que Duo pudesse pensar direito. Sentiu a presença de Heero se aproximar, e logo a porta da cabana foi aberta.
Heero encontrou o rapaz sobre a cama, mas o alívio que por alguns segundos quebrara os seus temores se desfez quando sentiu Relena ser jogada contra si por uma força invisível , que arrastou a ambos para fora da cabana e trancou a pesada porta sob o comando de Duo.
Nada puderam fazer quando, alguns instantes mais tarde, uma poderosa explosão demoliu a pequena casa, lançando estilhaços de madeira e pedra sobre suas cabeças.
CONTINUA...
/ Notas do autor /
Aloha! Como vão todos?
Eu demorei, né? Sei que, da última vez, prometi me tornar mais regular nas atualizações, mas logo depois dessa promessa algo muito bom aconteceu! A minha escola conseguiu vagas para a Feira Nacional de Química! Desde então, não tive tempo de parar e escrever, e é difícil até mesmo eu ter chance de entrar na net, com todos os preparativos para a viagem, já que a feira será realizada em Belém do Pará, no meio de setembro (alguém por aqui mora nessa cidade? ) Então, é provável que essa seja a minha última atualização antes da viagem.
Acho que é isso! Em outubro voltarei com mais fics! XD Obrigado a todos que me acompanham, e que sempre me perguntam pelos fics, e os comentam ou não! XD Valeu, gente!
O capítulo ficou pequeno exatamente pela falta de tempo, mas o próximo será maior! XD Mesmo assim, espero que gostem, e se quiserem deixar comentários, ficarei muito feliz!Ah, vocês gostaram da citação bíblica no começo? Eu achei que ficou parecida com o Duo! .
Um grande abraço para todos! Desejem-me sorte! XD
Jo-kun
