Things I'll never Say

Avisos:- Duo Pov, tentativa de humor, possível angst lá pra frente, mas coisa leve....=

Casais:-2x1 , 3x4

Spoilers:- Esse fic se passa 3 anos após Endless Waltz, portanto, pode ser que ajam algumas referências a série e aos OVAS

Disclaimer:- Ontem,chamei meu advogado em casa e perguntei para ele se eu era a dona da série Gundam. Ele jogou um livro gigante sobre direitos autorais na mesa, e mandou que eu lesse...portanto, por mais que eu queira, eu ainda não sou dona dos Garotos Gundam e nem nada relacionado sobre a série. Isso aqui é um trabalho de ficção sem fins lucrativos (infelizmente TT)

Quanto ao fic:- Mais uma vez, eu repito a fórmula que utilizei no "Blurry Arc", por que aparentemente trabalho melhor dessa forma. Esta fic é baseada nas estrofes da música "Things I'll never say" de Avril Lavigne. Porém, existem diferenças claras, por que enquanto "Blurry" é composto de vários fics que são ligados, este daqui é um fic mesmo, com uma duração aproximada de 10 capítulos, um atrás do outro, totalmente interligados. Boa Leitura!

Agradecimentos a Lien Li por ser uma beta na velocidade da luz e pelos ótimos comentários

"It don´t do me any good
It's just a waste of time
What use is it to you
What's on my mind..."

" Isso não me faz bem nenhum
è apenas uma perda de tempo
Que diferença faz pra voc
aquilo que eu penso..."


Imagine andar sobre as nuvens.

Muito bem, agora sinta seus pés tocando a superfície macia e suave sob estes, e seu peso tornando-se simplesmente uma memória do passado. Você não mais arrasta-se pela superfície do chão. Ao invés disso, você flutua com uma leveza incrível e o seu corpo dança, deslizando pelo ar.

Ok, agora imagine que, sem qualquer aviso prévio, uma âncora tenha sido colocada estrategicamente presa a um de seus pés. Esta te leva para baixo antes mesmo que você note o que causou aquilo, e a diferença entre dançar pelo ar e estar preso ao chão é tão grande que você sente vontade de gritar.

Caso você seja uma pessoa com uma imaginação do tipo viva, você agora tem uma idéia básica de como tenho me sentido nos últimos três dias.

Certo, talvez esse seja o momento para uma explicação.

Três dias atrás, eu tive o meu, tão esperado e desejado, encontro com Heero Yuy.

Após três anos de espera, expectativa e desejo reprimido, aquilo certamente só podia ser um sonho.

Mas é claro que não havia sido um sonho. Afinal de contas, em sonhos, não cometemos erros cretinos dos quais nos arrependemos mais tarde, certo? E, quando cometemos, não é realmente um grande problema, uma vez que a coisa toda não havia sido real, e portanto podemos esquecê-la sem preocupações.

Mas meu encontro com Heero havia sido real. Tão real quanto água caindo em seu colo ou molho caindo em sua camisa. Tão real quanto um encontro suave de duas mãos. Tão real quanto um abraço.

Essas memórias todas me davam a certeza de que tudo o que havia ocorrido a alguns dias atrás havia de fato acontecido. E apesar das lembranças dos momentos embaraçosos serem, para dizer o mínimo, desagradáveis, elas cumpriam bem o papel de garantir que eu realmente não havia sonhado o restante dos acontecimentos.

Afinal de contas, nem mesmo eu seria idiota o suficiente para sonhar com um encontro tão desastroso depois de três anos de semi-agonia. E antes que você pergunte, o fato de que eu não era capaz de sonhá-lo, mas era capaz de vivê-lo, não era realmente engraçado.

No sábado, ao fim de meu encontro, voltei a meu apartamento com toda a intenção de dirigir-me diretamente ao meu quarto, aonde eu pretendia dormir durante o domingo inteiro até que a segunda-feira finalmente chegasse para me carregar consigo de volta para a realidade e para a segurança de minha rotina.

Quatre porém, tinha outros planos.

Ele estava sentado em meu sofá, controle remoto em uma das mãos e uma manta colocada cuidadosamente sobre seu colo. Quando fechei a porta atrás de mim, notei que ele movimentou-se até a mesa ao lado do sofá para acender a lâmpada de um pequeno abajur que encontrava-se sobre esta.

Diante da cena, não pude conter uma risada leve e um comentário. 'Eu já estou em casa mãe, pode ir dormir agora.'

Quatre me respondeu com um pequeno sorriso e um gesto de sua mão. Ele bateu suavemente na poltrona ao seu lado, e eu suspirei diante do inevitável. Eu imagino que Quatre seja capaz de fazer até mesmo um assassino serial contar todos os seus crimes em detalhes com aquele simples gesto e olhar.

Sentei-me ao seu lado sem dizer nada e esperei que ele fizesse as perguntas.

'E então?' , ele falou em um tom alegre, talvez esperando que eu lhe contasse uma linda história sobre como dois príncipes encantados separados a muito tempo atrás, haviam conseguido encontrar o amor em uma única noite perfeita de céu estrelado e lua cheia.

Deixei que um monte de ar entrasse em minha boca para em seguida liberá-lo lentamente. O longo suspiro foi a maneira que encontrei de dizer a Quatre que não estaria exatamente contando uma história feliz.

'Duo?', ele perguntou, sua voz exibindo um toque de preocupação.

'Qat', eu disse, 'você realmente quer saber o que aconteceu?'

'Cada detalhe', ele respondeu com sinceridade, seus olhos exibindo um pequeno sorriso enquanto fixavam-se nos meus.

'Então precisaremos de uma bebida', respondi, deixando-me ser contagiado aos poucos pelo otimismo de meu amigo, e tentando esquecer pelo menos parte dos acontecimentos desastrosos daquela noite.

Peguei duas latas de refrigerante na geladeira e retornei para a sala, lançando uma das latas na direção de Quatre enquanto abria a minha própria. Em seguida, sentei-me a seu lado no sof e prossegui com a tarefa de lhe contar. em detalhes. tudo o que havia acontecido em meu encontro com Heero.

No meio de minha história, decidi que o refrigerante havia definitivamente sido uma boa idéia. Afinal de contas, graças a ele, eu pude ter minha pequena vingança instantânea, vendo meu amigo engasgar com o líquido que tentava sair pelo seu nariz, quando ele começou a rir, ouvindo a parte da história na qual eu derrubava molho em minha camisa.

Infelizmente ele não engasgou o suficiente para ficar inconsciente, o que me deixou na embaraçosa situação de lhe contar sobre o momento – ligeiramente longo - no qual Heero havia pego em minha mão e também sobre o inesperado abraço no corredor.

Quando finalmente terminei, Quatre dava risinhos curtos como uma colegial, e eu provavelmente tinha regredido a minha própria cota de anos, já que me sentia igualmente envergonhado como uma maldita colegial. E, por todos os infernos, nós nem sequer havíamos freqüentado o colégio!

'Ora, Duo, mas isso é maravilhoso!', Quatre falou repentinamente, fazendo com que eu levantasse meu rosto em sua direção, uma expressão de confusão tomando o lugar da cor vermelha que havia estado ali apenas segundos antes.

'O quê?', respondi, fazendo meu melhor para deter minha própria vontade de tirar a lata de refrigerante da mão de meu amigo para verificar a presença de ingredientes alucinógenos na composição do líquido.

'Você não vê?', ele respondeu, em um tom de voz que implicava que aquilo era uma afirmação das mais óbvias. 'Heero está interessado em você, Duo. Ele com certeza vai te chamar para sair novamente.', ele terminou, deixando que um grande sorriso estampasse seu rosto.

'Não seja ridículo', respondi quase imediatamente, tomando um longo gole da lata em minhas mãos. 'Me dê uma única razão para QUALQUER um querer sair comigo novamente depois de um encontro como esse? Nenhum idiota faria isso.'

Quatre suspirou. 'Eu não faço idéia de porquê qualquer um iria querer sair com você, Duo', ele respondeu, imitando meus movimentos e tomando um gole de seu próprio refrigerante antes de continuar, 'mas eu sei que Heero Yuy certamente não é um idiota.'

Minha confusão aumentou vertiginosamente diante do que aquela afirmação implicava, e Quatre aproveitou-se de meu momento vulnerável para explicar o porquê dele achar que Heero estava realmente interessado em mim.

Segundo a teoria de meu amigo árabe, o ex-soldado perfeito não teria feito que fez, sem ter uma grande razão por trás daquilo, afinal, esse é o tipo de comportamento que se espera de alguém que possuía o hábito de calcular com precisão até mesmo a ação de ir ao banheiro, certo?

Eu podia admitir que a teoria tinha lá alguma lógica, mas ainda não estava completamente convencido.

E Quatre continuou, com a melhor boa vontade, a me explicar as razões pelas quais todas aquelas atitudes eram sinais claros do interesse de Heero por mim. E eu me vi, involuntariamente, acreditando nas palavras de meu bom amigo.

Pois bem, é aqui que finalmente chegamos ao ponto no qual eu subo até as nuvens.

Sim, existia o fato de que meu encontro não havia sido exatamente da forma que eu havia planejado...ok, havia sido um completo desastre, mas mesmo assim, eu não pretendia desistir tão facilmente.

Ainda mais depois de receber de Heero, sinais de que ele também estaria disposto a dar a mim – ou seria a nós? – uma segunda chance.

Assim eu havia pensado.

E agora, três dias depois, no meio de uma terça–feira, e sem ter tido qualquer sinal de vida da parte de Heero, eu me sentia - não pela primeira vez - como a vítima da âncora amarrada no pé: caindo em um abismo de decepção até bater no chão duro da realidade.

Não pensem que eu esperava que Heero invadisse o meu apartamento em pleno domingo, ou adentrasse minha sala como um furacão na segunda–feira, para declarar amor eterno ou coisa do tipo. Quatre pode ter uma boa lábia, mas ninguém é tão bom assim.

Eu apenas supunha que uma ligação,, um 'al' breve para dizer que o encontro havia sido bom, ou mesmo uma pequena visita a minha sala, não seria pedir demais.

Eu obviamente estava errado quanto a isso.

Nós últimos dois dias, Heero havia praticamente sumido do mapa, e se eu fosse uma pessoa do tipo pessimista, me atreveria a dizer que ele estava me evitando, uma vez que mesmo a porta de sua sala, que havia estado sempre aberta, ficava fechada o tempo todo ultimamente.

Extremamente frustrado com minha atual situação, e cansado da repetitiva dança de ter minhas expectativas elevadas apenas para vê-las sendo pisoteadas em seguida, resolvi partir para atitudes extremas. Chegara o momento de buscar aconselhamento sério e livre de sentimentalismos.

Eu resolvi falar com Wufei.

Saí do trabalho e fui diretamente para o apartamento dele, sem nem mesmo parar no meu. Eu sabia que o encontraria em casa, porque Wufei estava atualmente em seu período de férias.

Parei diante de sua porta e sem pensar muito entrei sem bater, esquecendo completamente que a visita do dia não era para Trowa.

Fui surpreendido pela imagem de meu amigo chinês no meio de sua sala , usando apenas as calças brancas típicas de treinamento, e segurando sua katana sobre sua cabeça enquanto equilibrava-se em uma única perna, a outra estando flexionada e apoiada nesta. [1]

Uma vez dentro do apartamento, a espada foi imediatamente apontada em minha direção e a outra perna rapidamente instalou-se no chão, o corpo agora tomando uma posição clara de ataque.

Me encostei na porta levantando minhas duas mãos em sinal de rendição, desejando silenciosamente que Wufei não fosse do tipo de pessoa que se concentra o suficiente para perder a noção do que é real e o que não é.

Diante da cena, ele simplesmente deu um pequeno sorriso e sua postura relaxou visivelmente.

'Maxwell', ele falou, abaixando sua espada, e fazendo uma leve reverência na direção do pequeno altar localizado no outro lado da sala, antes de voltar-se para mim e continuar, 'ninguém lhe ensinou a bater antes de entrar?'

'Me desculpe, Wufei' , respondi, abaixando minhas mãos e lhe dando um sorriso, 'eu esqueci completamente que não estava visitando Trowa.'

Ele sacudiu sua cabeça levemente de um lado para o outro enquanto colocava sua katana em seu suporte ao lado do templo. 'Eu não vejo como você pode, possivelmente, ter confundido o meu apartamento e o de Barton'. Ele parou de falar enquanto dirigia-se até o banheiro e em seguida continuou, voltando para a sala principal com uma toalha em mãos, 'mas eu suponho que você tenha uma razão para ter vindo até aqui. Eu vou fazer um pouco de chá, você aceita?'

Acenei com a cabeça, e assisti com um pequeno sorriso enquanto Wufei retirava-se para a cozinha. Ele certamente tinha mudado um bocado desde o fim da guerra, tornando-se um alguém infinitamente mais agradável. Eu alimentava teorias de que talvez aquele rabo-de-cavalo que ele costumava usar fosse apertado o suficiente para lhe deixar constantemente irritado, mas independente de qualquer especulação de minha parte, o fato era que agora ele era uma pessoa e tanto.

Eu podia ver porquê Sally havia interessado-se por ele, afinal, o corpo também não era de se jogar fora. Nem um pouco de se jogar fora pelo que eu havia acabado de presenciar naquela sala...

Com um tapa mental em meu cérebro, me convenci rapidamente a parar de babar por mais um de meus amigos e simplesmente sentar-me para esperar a volta de Wufei com o chá.

Poucos minutos mais tarde ele estava sentado a minha frente, segurando uma xícara de líquido borbulhante, enquanto eu fazia o mesmo. Ele havia colocado a toalha em seu pescoço, e colocou uma perna cuidadosamente cruzada sobre a outra, olhando em minha direção.

'E então, Duo, a que eu devo a sua visita?', ele perguntou, em seguida tomando um pouco de seu chá, sem nunca tirar os olhos de minha figura.

Coloquei minha xícara sobre o braço do sofá aonde encontrava-me e suspirei. Eu tinha de fazer isso, não importava o quão vergonhoso fosse.

'Eu vim para pedir um conselho, Wufei', respondi, abaixando minha cabeça e levantando-a rapidamente para olhar diretamente nos olhos de meu amigo.

'Certo', ele respondeu, colocando sua própria xícara no braço de sua poltrona, 'e você necessita exatamente de que tipo de aconselhamento?'

Suspirei longamente, tentando reunir coragem para contar – novamente – a história de meu fatídico encontro com Heero. O fato era que, desta vez, eu iria contá-la para a mais improvável das pessoas. Não que Wufei não tivesse interesse na vida de seus amigos - muito pelo contrário - mas ele havia preservado um enorme senso de privacidade, e era o tipo de pessoa que esperava que lhe contassem as coisas, ao invés de perguntar sobre estas.

Resolvi começar do começo. 'Você sabe que Heero voltou, certo?'

'Sim, eu sei.', ele respondeu, tomando mais um gole de sua xícara, 'ele veio até aqui no dia em que mudou-se.'

'Certo...', respondi , olhando para meus dedos envolta da xícara como se estes fossem a coisa mais fascinante em todo o mundo, '...e você...se lembra de como...de como as coisas eram entre Heero... e eu...certo?'

Ele acenou com a cabeça. Eu não tinha certeza se Wufei realmente entendia o que haviam sido os meus sentimentos por Heero, e como eles haviam sobrevivido até então, mas eu podia sentir que ele estava fazendo o seu melhor para diminuir o meu constrangimento, e tudo o que eu podia fazer era agradecê-lo silenciosamente por essa sua atitude.

Continuei então a contar a Wufei tudo o que considerei que ele precisava saber para me aconselhar da melhor maneira possível. Obviamente isso incluiu detalhes íntimos de meu encontro, atitudes estúpidas e surpresas agradáveis inclusas.

Ele ouviu a história toda em silêncio, periodicamente tomando goles de seu chá, e não deixando mais do que um sorriso compreensivo escapar de seus lábios diante do relato de minhas desgraças. Quando finalmente terminei, Wufei havia também terminado com o líquido em sua xícara, que colocou lentamente sobre seu pires, no encosto do sofá.

'Certo, Duo', ele falou ao notar que a história havia acabado, 'e que tipo de conselho você veio me pedir?', ele respondeu, olhando diretamente para mim e fazendo com que eu me sentisse ainda mais envergonhado, agora que ele sabia de tudo.

'Bem...' falei enquanto olhava novamente para meus dedos envolta de minha xícara, '...Quatre acha que...que Heero esta interessado em mim, e que vai me chamar para sair novamente mas...', hesitei por um momento, '... o que você acha?', terminei, tomando um gole do chá, mais pelo efeito de esconder minha face atrás da xícara, do que qualquer outra coisa.

Wufei desviou seus olhos dos meus, provavelmente sentindo meu desconforto. 'Duo, eu realmente não sei o que te dizer, de fato. Eu concordo que algumas coisas muito ruins aconteceram para você nesse encontro e que, ao mesmo tempo, Yuy realmente não é uma pessoa de ações vazias ,mas...'

Nesse momento Wufei voltou a olhar diretamente para mim, e esse olhar fez com que eu tivesse a mesma reação de lhe fitar nos olhos.

'O melhor conselho que tenho a lhe dar nesse momento é que você espere', ele falou.

Pisquei algumas vezes, não entendendo de imediato o que aquilo queria dizer.

'Eu sei que...você provavelmente já esperou mais do que desejava, mas Duo...', ele falou, alcançando uma de minhas mãos e colocando-a sob uma das suas gentilmente, 'Tudo tem seu tempo.'

De todas as coisas que eu esperava ouvir saídas da boca de Wufei Chang, essa certamente não era uma delas.

Não era como se as palavras não tivessem sentido, porque elas tinham, e muito. O problema era que, naquele momento, eu simplesmente não me sentia como o tipo de pessoa que era capaz de esperar por qualquer que fossem as conseqüências do tempo.

Sem que eu dissesse qualquer coisa sobre minha frustração diante daquele conselho, Wufei suspirou e soltou minha mão. 'Você também vai precisar de um pouco de tempo para digerir isso.' , ele falou, aquele mesmo sorriso compreensivo estampando seu rosto.

Suspirei novamente. Ultimamente a atividade de fazer com que o ar entrasse e saísse dos pulmões, em uma quantidade maior do que a necessária, vinha ficando cada vez mais freqüente. Sorri de volta para meu amigo. 'Eu realmente não podia esperar um conselho fácil vindo de Chang Wufei'.

'Talvez você devesse ter ido ao apartamento de Barton', ele respondeu, deixando sarcasmo visível em sua voz.

'Aquele precisa mais de aconselhamento do que eu.' , respondi, e rimos juntos dessa afirmação.

Agradeci Wufei pela hospitalidade e retirei-me de seu apartamento para voltar ao meu. Fiquei feliz de notar que hoje Quatre encontrava-se fora, pelo que me lembrava, ele estava em uma das conferências para as quais havia vindo em primeiro lugar.

Dessa vez, pude ir diretamente para meu quarto, sem grandes alardes por conta de meu atraso ou coisa parecida, e deixei-me ser levado quase que imediatamente pelo sono.

Não pude pensar de maneira profunda no que Wufei havia dito naquela noite, mas isso não havia sido realmente um problema, uma vez que pude passar os dias seguintes inteiros pensando.

Claro que, fazendo isso, esqueci-me de um detalhe, de certa forma, interessante sobre minha pessoa.

Eu possuo essa perigosa tendência de me concentrar excessivamente em uma única coisa quando esta é o centro de minhas preocupações.

Essa pode ser uma tendência inofensiva quando estou em casa pensando sobre as aulas e deixo o jantar queimar no fogo, ou quando estou no banho pensando sobre a lista de compras e deixo que minha pele fique completamente enrugada debaixo da água.

Porém, quando estou no trabalho e deixo que uma gigantesca prateleira de utensílios de aula caia sobre minha indefesa mão direita, é um sinal claro de que eu havia estado desatento além dos limites do aceitável.

Alarmado pela dor pungente em minha mão, um segundo depois desta ter sido esmagada pelo peso da prateleira, imediatamente levantei o objeto e fui o mais rápido possível na direção do ambulatório dos Preventers.

Por sorte, Sally estava em um dos corredores, e me acompanhou até a enfermaria, tratando de manejar pessoalmente o raio-x de minha mão, e as bandagens que tiveram de ser aplicadas depois de descobrirmos que, nada mais nada menos, do que três dedos haviam sido fraturados no acidente.

Enquanto eu era enfaixado, pensei que ter uma amiga médica trabalhando com você pode ser uma coisa muito boa, principalmente quando os doutores do departamento médico de seu emprego são conhecidos pelos maus-modos e falta de cuidado peculiares.

'Eu estou surpresa de ver que, entre todas as pessoas, logo Duo Maxwell tornou-se vítima de uma prateleira' , ela disse de repente, como que para chamar minha atenção.

As palavras de Sally me tiraram de meus pensamentos e eu lhe lancei um olhar um pouco confuso. O que ela queria dizer?

Ignorando completamente minha expressão, ela continuou, 'Você tem de ser mais atento, Duo. Você costumava ser completamente ligado no ambiente a sua volta, e todos os seus detalhes. Antigamente, você não deixaria que um acidente idiota desses acontecesse...'

Não pude evitar que uma certa quantidade de revolta tomasse meu corpo. Claro, o Duo de antigamente provavelmente não deixaria que aquilo acontecesse; o Duo de antigamente era completamente dedicado a missão, afinal de contas. Por outro lado, o Duo de antigamente pouco se importava com prateleiras, com sua própria mão, ou com qualquer outra coisa. O Duo de antigamente só queria que a maldita guerra acabasse, custasse o que custasse.

Puxei minha mão bruscamente, para terminar de enfaixá-la por minha própria conta, cuidadosamente mantendo meu rosto virado para o lado oposto ao de Sally, tentando evitar que ela visse minha frustração óbvia diante do comentário e da situação toda.

Por todos os diabos, os dias estavam ficando cada vez piores. Será que a âncora ficaria presa a meu pé para sempre?

Antes que meu cérebro viesse com a resposta para essa pergunta, braços inesperadamente me enveloparam por trás, fazendo com que eu enrijecesse por um segundo, antes de notar que estava sendo abraçado por Sally.

'Me desculpe, Duo', ela falou suavemente em meu ouvido, 'Eu não estou dizendo que quero o antigo Duo de volta, eu apenas...me preocupo com você.' Sorrindo em minha direção, ela continuou, sem nunca desistir do abraço , 'Eu me esqueço com freqüência que agora você não precisa mais estar alerta vinte e quatro horas por dia. Que agora, acima de tudo, você tem seus amigos para te ajudar a se recuperar, seja lá o que quebre...'

'É...eu tenho', respondi com um sorriso, abraçando-a de volta com meu braço disponível. Em seguida, estendi minha mão em sua direção, e ela terminou a tarefa de prender as ataduras. Por alguns momentos, fiquei imerso naquele pensamento feliz.

No fato de que, acontecesse o que acontecesse, com Heero ou sem ele, eu agora tinha pessoas que haviam tornado-se verdadeiros aliados a meu lado. Pessoas que estariam ali acontecesse o que acontecesse. Deixei que essa certeza me acompanhasse, me distraindo de minhas outras preocupações.

Peguei um táxi de volta para casa, e antes de abrir a porta de meu apartamento, me preparei para a verdadeira chuva de perguntas que Quatre lançaria sobre mim, assim que visse a bandagem em minha mão.

O que me fez lembrar que a amizade também tinha alguns revezes, como por exemplo, quando seus amigos eram super-protetores.

Entrei de qualquer forma, resignando-me do fato de que não poderia me mudar para o corredor. E certo como o dia, foi o olhar de verdadeiro horror que Quatre lançou em minha direção logo depois de notar meu curativo.

Sentei e expliquei, com muita calma, o que havia acontecido, e depois de saber que o acidente não tratava-se de nada grave, Quatre relaxou visivelmente.

Isso, é claro, até o momento em que Trowa apareceu no apartamento.

'Duo', ele falou, 'eu fiquei sabendo que você se feriu. O que aconteceu?', ele perguntou, fechando a porta atrás de si, e vindo em minha direção.

Reprimi a imensa vontade de rodar meus olhos. Realmente as notícias voam com uma velocidade incrível.

Prossegui com a tarefa de recontar como a prateleira havia soltado-se sobre minha pobre e indefesa mão, sendo cuidadoso para não revelar minha distração no momento do acidente.

Quando terminei de contar a história, que eu já podia sentir que seria recontada ainda muitas e muitas vezes, Quatre me olhava com uma expressão...suspeita.

'Duo...', ele começou, em um tom levemente acusador e ao mesmo tempo um pouco demandante, 'como você não viu a prateleira caindo?'

Eu sinceramente tive vontade de lhe dizer que a minha capacidade de prever o futuro tinha expirado no dia anterior. Mas, ao invés disso, olhei profundamente em seus olhos, buscando neles a razão para aquela pergunta. Eu sabia que ele tinha seus motivos para estar indagando aquilo. Quatre muito provavelmente estava pensando que tudo isso tinha acontecido em decorrência do caso "Heero e o encontro do inferno".

Não que ele estivesse completamente errado...mas isso não vinha ao caso.

Foi nesse momento que eu vi em seus olhos uma preocupação genuína. Por puro instinto, olhei na direção de Trowa, aonde pude encontrar exatamente a mesma coisa.

Eu podia praticamente gargalhar da situação na qual eu me encontrava no momento.

Eu estava literalmente no meio de um fogo cruzado dos mais confusos. A minha frente eu tinha Quatre, sentado sobre a mesa da sala, e ao meu lado eu tinha Trowa, sentado no sofá, ambos remoendo-se de preocupação por mim, ao mesmo tempo em que agiam completamente conscientes da presença um do outro e, remoíam-se por isso também.

Eu resolvi nesse momento que pelo menos uma farsa acabaria ainda hoje.

Dei um suspiro e coloquei meu plano em ação. 'Bem, Quatre, se você pensa que isso', falei enquanto apontava para meu pulso enfaixado, 'aconteceu porque eu estava pensando em meus problemas de suposto amor não correspondido, é melhor você se cuidar. Você pode muito bem ser o próximo.'

Eu obviamente não tinha a intenção de jogar Quatre numa situação tão difícil por nada, mas se eu conhecia as duas pessoas que estavam comigo no cômodo naquele momento – e eu tinha um bocado de certeza de que as conhecia muito bem – eu sabia que alguma coisa estava prestes a acontecer.

E aconteceu. Bem diante dos meus olhos, assisti o exato segundo no qual Quatre ficou completamente vermelho, e Trowa ficou branco como um papel.

O silêncio tomou a sala por completo, e repentinamente tornei-me um mero espectador em um filme de terror muito ruim. Digo isso porque pude observar meus dois amigos: Quatre apavorado pelo que ele achava que Trowa havia acabado de descobrir, e Trowa gradualmente ganhando uma expressão que misturava incredulidade e dor.

Foi quando eu percebi que ele não havia notado que estávamos falando dele.

Resisti a vontade de lhe dar um tapa na cabeça. Para alguém que havia pilotado um Gundam, tendo uma quantidade absurda de munição nas mãos, Trowa era bem burro. Nesses momentos eu me pergunto se realmente não tivemos um bocado de sorte ao nosso lado para ganhar a guerra...

Meus pensamentos foram interrompidos pela movimentação de meus dois amigos.

'Quatre , você...existe alguém...?' , Trowa falou.

'Trowa, eu...', o árabe respondeu.

Por todos os demônios, eu era o único a achar que faltava algo nos diálogos dentro dessa sala?

Porém, antes que eu tomasse a decisão de intervir naquilo que havia iniciado, Trowa levantou-se, e lentamente começou a se dirigir para a porta. 'Eu...eu preciso...preciso ir', ele falou.

Estava prestes a me levantar e ir atrás dele quando finalmente Quatre tirou a decisão de minhas mãos.

'Espere Trowa', o loiro falou, levantando-se de seu lugar na mesa, e virando-se na direção da porta.

Meu outro amigo ficou paralisado em seu lugar, simplesmente olhando na direção de Quatre, com uma expressão simplesmente ilegível.

'É você, Trowa', o árabe falou simplesmente, deixando que seus olhos fossem para o chão em seguida.

'O...quê?', ele respondeu inteligentemente.

Interrompendo meus pensamentos de que, por ser o moreno daquela dupla, Trowa possuía um raciocínio incrivelmente lento, Quatre respondeu sua pergunta.

'É você. Só você. Sempre foi você, o tempo todo...', ele falou, finalmente levantando sua cabeça, e olhando diretamente para o objeto de sua afeição.

Trowa movimentou-se na direção dele e os dois ficaram parados no meio da sala por um momento extremamente longo, apenas observando-se com olhos cheios de um brilho, que parecia fascinação.

Finalmente, meu vizinho colocou uma de suas mãos sobre o rosto de meu outro amigo e os dois avançaram lentamente na direção um do outro, seus lábios encontrando-se no meio do caminho em um beijo suave.

Diante da cena, soltei um suspiro que nem sequer havia notado que estava segurando.

O beijo durou alguns minutos, e em seguida, braços moveram-se um em volta do outro. Nesse momento, resolvi que tinha em mãos a deixa perfeita para abandonar a cena, afinal de contas, meu papel aqui já havia sido cumprido.

Abandonei o apartamento silenciosamente, deixando os pombinhos atrás de mim, ainda engajados em um abraço caloroso. Uma vez fora de meu lar,decidi que podia muito bem passar algum tempo na companhia de Wufei, enquanto esperava que meus amigos recuperassem-se emocionalmente o suficiente para notar minha ausência.

Dirigi-me até a porta do chinês, e dessa vez, lembrei-me de bater.

A porta do apartamento abriu-se para revelar olhos azuis, levemente surpresos, e que em nada lembravam os olhos de Wufei.

E quando esses olhos mudaram quase imperceptivelmente diante de minha presença, eu senti uma estranha leveza tomar conta de meu corpo. Como se um peso tivesse sido retirado de meus ombros.

Ou talvez, como se uma âncora tivesse sido solta de meu pé.

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Fim do Capítulo VI

[1] Shirtless Wufei / - Essa foi pra você Hi-chan!

Ja faz tempo que eu esqueço frequentemente de fazer isso enton, hoje, sem falta , fica o alô para os amigos reviwers: Daphne, Kagome, Karin e Serenitty - I Love you guys!

Eu só tenho um comentário a fazer. Em três palavras: QUE CAPITULO LONGO

....e quase que completamente 3x4 ainda por cima...não me matem, haverá MUITO 1x2 no próximo okie? =