Terminei de catar meus papeis e a vejo devidamente vestida. Ela quando se arrumava sozinha, sempre vestia a mesma roupa. Um vestido que era fácil de entrar. Vendo-a com seus braços de fora, fui ao seu quarto e peguei um casaco vestindo-a. Desci as escadas, bebi um pouco d´água e ouvi uma buzina do lado de fora.
Julie instantaneamente saiu correndo pra fora de casa e eu fechei a porta entrando em seguida no carro.
- Som som! – ele mal liga o carro e ela já insistia pra ouvir musica. Liguei o som e estava tocando um cd dela. Era um mais agradável que o outro, e a ainda tinha que ouvir ela se empolgando com os patinhos que foram a lagoa.
- Ela adora esses cds... devíamos comprar mais... – ele puxa assunto comigo e eu sorrio encarando o transito a nossa frente.
Da nossa casa até uma rua antes de chegar no hospital ouvimos o tal cd. Felizmente a última música acabou, devolvendo a paz e a tranqüilidade aos meus ouvidos.
Quando John parou o carro bem em frente ao P.S, eu ajeitei a minha bolsa e virei pra trás pra me despedir dela.
- Dá um beijo na mamãe, bebê..eu inclinei o rosto pra ela mas ela dei aquela risadinha sapeca.
- A madrinha tá trabalhando?- ai ai ai. Eu até sabia o que vinha por aí. Voltei a minha posição normal e encarei John, com aquele olhar de "não mesmo".
- Acho que não Julie..- ele tomou a frente da conversa.
- Deixa eu entrar pra ver?- ele se colocou entre os bancos e eu permaneci olhando pra frente. Não gostava um pouco que ela entrasse no hospital. Achava que isso não era ambiente pra ela.
- Você me prometeu que ia dormir, lembra?- eu disse, esperando que John me ajudasse.
- Só um poucuinho, vai mãe- ela tocou meu cabelo de leve e me beijou o rosto. Chantagista que nem o pai.
- Cinco minutos, Julie. Só cinco minutos...- acho que tudo bem ceder às vezes. Não queria ser taxada como a que só falava "não".
Carter a colocou nos braços. Ela entrar no hospital ate que vai, mas sair andando por ai dentro dele? Tem nem perigo.
Entramos no hospital pela porta dos fundos. Julie foi observando atenta o movimento e nós dois mais atentos ainda para que não passasse um morto vivo que causasse perguntas ou algum trauma nela.
- Tia Susan! - ela gritou vendo alguém loiro de costas. Fomos nos aproximando e não é que era mesmo a "tia" dela?
- O que uma mocinha ta fazendo uma hora dessas aqui! - ela a coloca nos braços e Julie sapecamente sorri encarando Susan.
- Vim te ver.. tava com saudades...
Julie encontrava em Susan a tia que ela não tinha presente. E Susan, que nunca foi boba nem nada, via na minha filha a sua futura nora.
Tudo estava muito lindo mas eles precisavam ir. Olhei para John que logo entendeu o recado. pegou-a nos braços e eu fui deixa-los fora da SDM.
- Dra. Carter, trabalho de parto entrando em menos de um minuto. - uma enfermeira avisou correndo e foi só nos desviarmos o olhar para ver uma mulher gemendo, gritando sendo amparada pelos paramedicos.
Eu não sabia se acudia a mulher ou Julie que arregalou os olhos numa surpresa sem fim.
- Que é isso, pai?- ela fixou os olhos na mulher e olhava assustada pra mim. Ótimo, eu falei que isso não ia dar certo. Agora nunca que eu poderia deixá-los ir embora com Julie toda assustada e cheia de perguntas.
- Espera aí...já venho- eu gritei pra ele, acompanhando a maca.
Subi ate o andar da obstetrícia depois de estabilizar e ajeitar tudo. Passei o caso para a Obstetra de plantão e logo retornei ao P.S. Procurei por eles na recepção e logo Jerry me disse que os dois ainda estava lá, na SDM. Entrei de devagarzinho, sem fazer muito barulho, com a esperança de que Julie tivesse dormido.
Triste ilusão. Ela estava deitada no sofá com os olhinhos no tetoe John sentado ao seu lado, de prente pra ela, acariciando a cabecinha dela.
- Oi..- eu chamei a atenção e logo ele olhou pra mim, aliviado. Ela logo levantou do sofá com aquela expressão de inúmeros pontos de interrogação.
- Que houve mãe?- ela ainda parecia um pouco aflita. John não deveria ter tido muito sucesso.
- Você não acha que ta na hora de mocinha dormir? – tentei por mais uma vez fugir daquele questionário.
- Mãe.. – ela me encarou mais seria do que nunca – porque aquela mulher gritava tanto?
- Seu pai não te explicou? – eu olhei pra ele que parecia estar em pânico com a situação.
- Ta, falou, mas eu não entendi. Ele disse que ela estava com medo, perguntei medo do que, ai ele disse que tava doente... mãe – ela me olhou assustada – ela engoliu uma melancia inteira? Por isso a barriga tava tão grande?
Melancia? A nossa situação ali não era bem das melhores, mas vir com uma historia dessas pra cima de mim. Respirei fundo pra não rir e estragar a nossa conversa, ela permaneceu esperando uma resposta e eu sentei ao seu lado, colocando-a no meu colo.
- Não Julie, ela não engoliu uma melancia inteira – eu sorri para Carter que resolveu se juntar mais a nós.
- Então porque a barriga dela tava tão grande?
- Ela estava grávida meu amor... – Carter falou fazendo-a olhar pra ele.
- Grávida de um bebezinho! – ela virava os olhos para saber quem iria responder dessa vez.
- Claro Julie. – ele sorriu tocando na mãozinha dela - De um bebezinho bem pequenininho...
- E ele tá lá dentro?- ela falava como se esse fosse o maior absurdo do mundo- e como ele vai sair?- a curiosidade se mistura com o pânico e ela ficava até com a respiração mudada.
- Era justamente pra isso que ela veio até aqui, Julie- eu me coloquei na conversa novamente- pra nós ajudarmos o bebê a nascer- ela ia se acalmando aos poucos, enquanto nós no intercalávamos para explicar a ela.
- Tá...entendi- ela ia acompanhando nosso raciocínio- mas ele foi parar lá como?- as perguntas continuavam, logicamente. Se tratando de Julie, ambos sabíamos que aquele era apenas o começo.
- Julie...- agora até mesmo eu estava perdida. Achei que isso fosse ser mais fácil do que realmente é. Olhei para Carter, pedindo uma ajuda que não sabia se viria.
- Se lembra não das fotos que sua mamãe também estava com a barriga grande? – instantaneamente ela olha pra minha barriga e fica procurando pelo "bebe". – então.. é ai que a mamãe guarda o bebe por nove meses ate que ele possa nascer...
- Então eu estive ai? – ela me olha e eu aceno sorrindo – mas como eu sai!
- Um medico ajuda a mamãe a tirar o bebe.. – ele aponta pra barriga dela fazendo-a olhar pra baixo - dando remédio.. fazendo um corte na barriga...
- Ah.. – ela sorri com uma feição menos preocupada – e como eu entrei ali!
Eu olho pra Carter que me atirava aquele olhar de "E agora Abby?". Talvez com meu lado materno eu consiga falar algo a mais do que ele conseguiria.
- Você se acha mais parecida com a mamãe ou o papai? – eu pergunto vendo-os se encararem.
- Bom.. – ela sorri nos analisando – com os dois.. os olhos acho que da mamãe... a boca do papai...
- Então... para que pudéssemos ter você.. nós tivemos que passar por algumas coisinhas que acontecem somente entre um papai e uma mamãe...
- Coisinhas? - Ops.. acho que não usei os termos certos.
- É, Julie- ele manifestou alguma ajuda. Era só saber conciliar tudo. Um dia esse dia iria chegar, nós sabíamos desde o começo- papai planta uma sementinha na barriga da mamãe que tem tudo para que essa semente cresça. Com o passar do tempo, ela vai crescendo, crescendo até se transformar num bebezinho que fica morando na barriga por nove meses. Aí, quando ele está todo formado, ele nasce- John disse tudo aquilo com uma naturalidade que eu fiquei de boca aberta. Não tinha saída. A boa e velha história da "sementinha que cresce" era uma boa.
Ela pareceu entender muti bem e já sorria pra nós. Louvado seja esse meu marido. Além de tudo, me tira dessas enrascadas.
- Agora eu entendi- ela nos deu aquele sorriso satisfeito, nos aliviando por completo. Tudo estaria lindo, perfeito e resolvido se não fosse uma última colocação dela.
- Toda vez que você beija a mamãe, tá plantando sementinha, pai?- ela diz naquela inocência toda, quase matando John do coração...Mais uma vez.
- É... não... – ele me olha em duvida – mamae e papai namoram de um jeito diferente.. mas isso você so vai entender quando crescer... – ele falou já se levantando do sofá. Acho que estava na hora de dar um basta naquilo.
- Bebes podem ser feitos sempre que namora de jeito diferente? Porque a mamãe não tem mais bebe? Vocês não namoram mais!
Carter já estava sem paciência. Eu também, e ainda precisava trabalhar. Me levantei junto com ele e encarei o relógio vendo meu atraso.
- Isso pode ficar pra amanha bebe? – eu falo olhando pro relógio e tentando nos dar um tempo pra pensar – mamãe precisa trabalhar.
Ela faz careta mas logo cede pulando do sofá. Quem sabe amanha ela esquecesse? Criança num instante se distraia com outra coisa, acho que vou comprar uma outra boneca pra ela amanha. Me abaixei para beija-la e Carter tornou a pega-la nos braços. Acenei pra ela e ele me beijou fazendo-a rir.
- Papai e mamãe vão fazer bebes! – ela sorriu talvez vendo a nossa cara de "panacas" com aquela piadinha.
Deixei isso de lado e acompanhei eles até a porta. Deixar Carter com a "bombinha em forma de gente", ele ia me matar depois. Mas não tinha nada o que fazer. Voltei a pegar as fichas e atender. O hospital estava bem vazio agora, mas a noite era longa. Daria tudo pra estar numa caminha agora mesmo.
Pulei a ficha que esta em primeiro. Joguei pra algum estudante. Mais cum criança cheia de perguntas em seqüência? Nem a pau! Talvez com os idosos eu tive um pouco mais de sorte.
- Boa noite Sra. Carlson...- eu me apresentei, vendo-a dar aquele sorriso que era quase maioria no pessoal daquela idade. A exceção era só os velhos rabugentos mesmo.
Eu fiz um exame rápido diagnosticando a infecção na bexiga. Pedi os exames necessários enquanto conversava com ela. Velhinhas simpáticas e faladeiras eu não atendi há muito tempo.
Peguei mais casos pequenos e parei um tempo na recepção vendo que ainda faltavam horas pela frente.
- Descansa Abby – Susan falou se aproximando de mim – marido, filhos, plantões não combinam muito não...
- Se eu pelo menos tivesse o meu cigarrinho acho que agüentaria melhor isso tudo. – eu sorrio puxando uma cadeira e me sentando um pouco.
- Nem pensar.. – ela sempre fazia a mesma piada quando eu lembrava dos "velhos tempos" - não quero ver a minha afilhada com algum problema porque a mãe é uma chaminé viva...
Sorrio pela milésima vez na vida ao comentário. Olho para a porta e via que estava vindo um trauma pela frente.
- Vamos Dra. – Susan fala amassando um papel e jogando no lixo – hora do nosso show..
Curamos e ate consertamos pessoas. Terminei o meu plantão morta. Era capaz de piorar da minha doençinha dos dias anteriores. Pensei em ligar para o Carter me pegar mas isso nem foi preciso, na hora que abri a minha bolsa vi que tinham chamadas não atendidas. Olhei para os números e sorri a preocupação. Mas eu deixaria ele dormindo, já tinha arranjado a minha carona. Pratt se ofereceu pra me levar em casa e eu não recusei. Pra que acordá-lo se era possível evitar. Cheguei em casa e ainda não tinha amanhecido por completo. Entrei fazendo o mínimo de barulho possível.
Tirei o sapato e fui até o quarto de Julie pra ver se estava tudo ok, enquanto tirava a minha blusa. Quando cheguei no quarto de volta, só faltava mesmo tirar a calça, colocar a camisola e mergulhar na cama, sem data prévia pra voltar.
Assim que deitei, bem devagarzinho, senti ele se mexer.
- Não acredito que você veio sozinha...- ele murmurou, ainda meio sonado.
- Pratt me deixou aqui...- eu falei de frente pra ele, bem perto do rosto dele.
- Piorou- ele retrucou e finalmente abriu os olhos, me dando um beijo em seguida.
- Se livrou da baixinha?- eu perguntei, me colocando no meio dos braços dele.
- Lógico, nas perguntou mais nada depois que eu falei que a mamãe vai explicar tudinho amanhã..- ele deu uma piscada, e apagou a luz que eu tinha acendido- tá cansada?- ele perguntou, quando nós dois já estávamos prontos pra pegar no sono.
- Morta...E pensar que em um mês já é a festa...- eu bocejei já quase caindo no sono.
- É, tudo tende a piorar...- ele riu, me dando um beijo no ouvido e caindo no travesseiro em silêncio.
Continua..
