Enquanto ele entrava no banheiro, sem entender nada do que eu estava querendo dizer, eu sai e fui me sentar na cama respirando para conseguir levar aquilo ate o fim. Olhei pro chão pra evitar encara-lo, ouvi ele saindo do banheiro e senti quando ele sentou do meu lado. Levantei meu olhar e encarei suas mãos que seguravam o teste que eu havia feito antes de começar toda aquela confusão.
- Desde quando você sabia disso? – a sua voz também quase não saia mais.
- Eu não sabia.. – respirei e olhei rapidamente pro seu rosto – eu simplesmente senti...
- Mas você tinha dito que... – ele tocou meu rosto e procurou me encarar, eu desviei por mais uma vez o seu olhar e vi suas mãos tremendo – Abby... isso é um sinal...
- Sinal? – repeti sem saber ao certo do que ele se referia.
- Brad.. – ele sorriu e eu continuei sem entender nada – um sinal da minha avó de que com um novo filho nossa vida vai melhor.. que não vamos mais brigar... Abby.. – ele repousou uma mão na minha barriga e eu olhei pra baixo sem acreditar que ele realmente estava pensando de novo naquelas coisas – o meu sonho esta se concretizando...
- Sonho?- eu devo ter feito a pior cara de todas - é isso que não tá certo, Carter!- eu explodi! Não agüentava sempre a mesma ladainha! Tudo era esse tal sonho! Às vezes eu achava é que ele estava meio pancada das idéias. Melhorar nossa vida, não brigar mais? Até parece...
- É, Abby- o humor dele mudou completamente- é isso - ele sorriu, vindo me dar um beijo e eu recuei. A cara de decepção dele foi notória, mas eu não poderia mais viver assim. A base da nossa vida não poderia mais ver um sonho com um espírito, que eu se quer sabia se era verdade. Se é que existe uma verdade.
- Esse é o seu problema, Carter- eu comecei a chorar tudo de novo, percebendo que agora não tinha mais volta- EU NÃO SOU O SEU SONHO, EU NÃO POSSO SER ESSE SONHO!- eu disse aos gritos, bem pausadamente. A dor era enorme, tão grande que eu não sabia porque chorava. Eu só sentia dor, cansaço. A sensação de impotência. Saber que iria perder a coisa que eu mais amava nesse mundo depois da minha filha: o amor do homem que eu amava...
Ele colocou a cabeça entre as mãos e chorou feito um bebê. Agora eu tinha de ser forte. Forte por nós dois para ir com aquilo até o fim. Eu sentei ao seu lado e o abracei forte. A nossa dor se encontrou naquele abraço, desesperado como se aquilo impedisse as conseqüências de tudo isso.
- Eu amo você...- foi a única coisa que eu pude escutar dentre tantas coisas que ele falava naquela súplica desesperadora. O nosso choro molhava nossa roupa, como fogo que queima. A dor mútua, a certeza de um sentimento. Dor, desespero. Tudo ao nosso redor. Eu só queria fugir dali com ele, sem pensar em nada, e voltar tudo como era antes. Só o nosso amor, puro e simples.
Ele subiu a cabeça e os nossos olhos molhados se encontraram. Ele olhava através de mim, como se pudesse enxergar a minha alma e a minha dor ali mesmo. Ele piscou demoradamente e quando pensei que ele fosse se levantar, aproximou o rosto de leve, esperando que eu concordasse com aquilo. Eu sorri pequeno, eu fiz o mesmo, deixando que as nossas bocas tivessem um contato, quem sabe, pela última vez. O beijo pequeno não se conteve e fui eu mesmo quem tive a iniciativa de aprofundar. Eu só me perguntava como teria condições de viver sem aquilo.
- Ele vai salvar a gente...- ele disse, tocando novamente a minha barriga. Como ele tinha tanta certeza? Eu nem sabia que estava grávida. Ele se referindo ao bebê sempre como "ele". Isso me assustava um pouco.
- Acabou - eu disse me afastando dele.
Seus olhos cada vez mais transpareciam um desespero jamais vivido durante a nossa relação. Ele andava pelos lados, prestes a furar o chão e eu observava tudo, sentindo-o cada vez mais distante de mim. Ele tentou usar de mais alguns artifícios, mas eu já estava com minha idéia formada. Eu não iria voltar atrás.
- Por favor Abby... – ele se ajoelhou a minha frente e eu toquei no seu ombro mandando que ele se levantasse – eu não posso ir assim... eu não funciono sem você... que sentido vai ter minha vida? – ele agarrava as minhas mãos e puxava incomodada com tudo aquilo. Ele pensava que era fácil pra mim dizer adeus? - Eu não vou nunca mais poder te abraçar.. te tocar...
- Você ainda tem sua filha.. – usei o meu ultimo fio de voz me afastando de vez dele. Ele ainda tentou me puxar pra mais perto dele, mas me esquivei abrindo a porta do quarto procurando algum lugar que eu pudesse ficar em paz... chorar em paz... esquecer em paz.
Quando percebi, estava descendo as escadas e via que pouquíssimas pessoas ainda estavam na sala. Virei para voltar ao meu quarto, mas ouvi os seus passos me seguindo. Eu não podia trocar olhares pra ele. Ele tinha um poder sobre mim que me fazia ceder a tudo e cair nos seus braços concordando e acreditando que tudo dará certo no fim.
- Abby? – eu paralisei quando ele tocou meu braço – diga que tudo ficará bem...
- Eu já disse tudo, John- eu tive que chamá-lo assim. Nem que fosse pela última vez, ele teria que ser meu uma última vez. Eu tinha que ve-lo sorrindo por eu chamá-lo pelo primeiro nome, significando que não estava zangada com ele.
Eu virei novamente, terminei de descer as escadas. Precisava ver como estava tudo. se Susan já tinha ido, se minha mãe estava bem, se Julie precisava de algo. Vou até a porta da cozinha, mas antes de entrar, eu escuto os passos rápidos dele descendo as escadas.
- Não vai ficar assim, Abby!- ele grita do meio da sala e imediatamente eu me viro para olhá-lo - a gente pode ficar bem, agora tudo vai ficar bem... ainda vamos ter outro filho! Você ainda quer mais?- ele gritava e nisso, Susan já tinha ido para o meu lado. Porra, tudo o que eu menos queria. Ele falar desse filho que eu nem sabia se existia. Eu só esperava que Julie não tivesse escutada nada disso - mas não, né? Você quer desistir?- por que ele não falava mais alto? Quem sabe o povo da cidade mais próxima não pudesse ouvir também?- então vamos desistir!- ele olhou pra mim, totalmente descontrolado. Eu não agüentei e comecei a desabar no choro. Seria eu responsável por tudo isso? Por essa tristeza e essa situação horrível a qual nos encontrávamos?
Só então percebi que ela trazia uma mochila consigo. Pequena, menor do que a mala de Julie, eu diria. Ele foi até a estante da sala e pegou um porta retrato que tinha uma foto de nós três. Colocou na mala também e veio bem perto de mim. Qualquer um que o visse diria que ele estava maluco.
Olhei pra trás pra ter certeza de que Julie não presenciara a cena. Vi que ela estava sentada numa cadeira fora do alcance de John. Susan e Cosmo estavam com ela, distraindo-a. Vi que apenas Maggie e Chuck escutavam tudo e olhavam estagnados. Eu olhei pra Susan num olhar de desespero. Vi que ela disse algo a Cosmo e chamou Chuck. Ele ficou com Julie enquanto ela corria pra alcançar John lá fora.
Eu permaneci petrificada naquela posição. As pessoas me encaravam sem saber ao certo o que fazer. Decidi não estragar mais tudo aquilo trazendo duvidas a minha filha. Tornei a subir as escadas. Dessa vez eu encontraria o meu futuro. Vazio.. sem ele.
Entrei no meu quarto batendo a porta e verificando que ela havia fechado. Olho ao meu redor e tudo aquilo me faria lembrar dele. Das fotos as roupas. Das lembranças ao seu cheiro. Joguei-me na cama afundando o meu rosto no travesseiro. O quanto mais eu ficasse afastada disso tudo seria melhor para mim.
Palavras, idéias, testes, brigas, tudo vinha passando lentamente pela minha mente trazendo uma dor que eu jamais senti na minha vida. Quando eu disse "sim" eu pensei que seria pra sempre. No começo tudo era às mil maravilhas, mas com o tempo as nossas diferenças foram ficando cada vez mais evidentes e acabou superando o nosso amor.
- Ah meu Deus.. - eu respirei fundo me agarrando a colcha da cama. Isso tudo era um inferno, isso ainda cheirava a nossa noite anterior. O seu cheiro ficaria impregnado em cada local dessa casa, talvez esse seja o meu castigo por ter falhado com a pessoa que eu mais amei na minha vida.
Me levanto atordoada e tenho a impressão de ter ouvido o barulho do seu carro indo embora. Corro até a janela e constato que o que nós mais temíamos havia se concretizado. Era o fim, era o adeus. Eu havia aberto a possibilidade dele finalmente ser feliz. Mas será que eu estava fazendo o certo?
Agora não adiantava mais. Tomar decisões era o que eu tinha de fazer, e fiz. Apenas o tempo nos diria se tudo aquilo estava certo. O meu único medo era não conseguir corrigir se estivesse errado. Mas o negócio era não mais pensar nisso. Bola pra frente, eu tinha uma filha pra cuidar e não poderia me deixar abalar.
Não abalar? Como? Como sabendo que a única pessoa que eu amei na vida hoje dormia longe de mim, sabe-se lá onde. Sabendo que amanhã ele não vi acordar comigo, me dar um beijo e dizer que me ama. Saber que ele não vai pedir carinho e eu vou ter que recusar porque Julie está acordada. Saber que agora... ele estava fora da minha vida.
Fora? Isso me dava era um arrepio. Como fora? Lutamos tanto por isso e agora, tudo foi nada? De repente desespero me bate! O que foi que eu fui fazer? Só uma coisa me vem na cabeça: Julie! Como a cabeça dela estaria agora, onde ela estava?
Antes de pensar em procurá-la, escuto baterem na porta. Será ele? Era tudo o que eu pedia, que ele tivesse voltado pra nossa casa, que dissesse que tudo foi burrice, que nunca deixaria de ser meu. Eu olho esperançosa pra porta, e me olhar se entristece ao ver que era apenas Maggie.
Eu fico olhando ela entrar, sem dizer nenhuma palavra. Ela me olha com pena e isso me deixa pior ainda.
- Abby...- ela me chama, se aproximando da cama.
Eu não respondi. Também.. eu não tinha nada para falar com mais ninguém. A única pessoa que eu precisava conversar já deveria estar bem longe da nossa casa, da minha vida.
Maggie se aproxima mais ainda sentando na cama, em seguida pegando minha mão, talvez procurando palavras para falar comigo.
- Você esta bem? - ela aperta minha mão e eu a encaro sentindo as lagrimas por mais uma vez despencarem. Eu permaneço muda, eu realmente não tinha mais nada a falar com ninguém. Os meus atos falariam por mim.
Então ela se aproximou de mim e me puxou, fazendo com que eu deitasse no seu colo. O que eu mais precisava agora era ficar só. Quando eu tentava falar algo, sentia a minha garganta fechar e tornava a chorar compulsivamente. Quem sabe uma hora essas lagrimas sequem. Maggie começou a passar a mão no meu cabelo tentando assim me acalmar. Mas de nada adiantava, aquilo tudo só me fazia sentir cada vez mais a falta da presença dele no nosso quarto.
Ouço um barulho vindo da porta do quarto e nem vontade de ver quem era eu tinha. Me virei pra parede do quarto e senti a mão de Maggie parando sobre o meu cabelo.
- Mamãe? - quem eu menos precisava que me visse naquele estado, havia acabado de chegar.
Eu corro enxugando meus olhos, evitando que ela me visse nesse estado. Tudo o que eu menos queria era afetar Julie com tudo isso. Se bem que isso, pelo menos por enquanto, me parecia impossível.
- Precisa de alguma coisa, Julie?- minha mãe disse no meu lugar, enquanto eu ainda me punha em ordem.
- Queria falar com a mamãe- eu vi que ela se aproximava e Maggie a pegou no colo, evitanod que ela fosse muito perto de mim- tia Susan quer me levar pra domir na casa dela, mas eu já disse que papai não vai deixar...
Eu engoli seco. Só o simples fato dela falar "papai" já era motivo mais do que suficiente pra algumas lágrimas voltarem a cair. Eu iria ter que ser forte, ao extremo. Enxuguei mais uma vez o rosto e uni forças para encará-la. Deus quisesse que meu rosto ainda não estivesse muito inchado.
- Mãe? - eu ouvi sua voz preocupada. Respirei fundo e me virei tentando demonstrar alguma alegria.
Ela me encara sem falar nada. Olha pra Maggie e pula do seu colo vindo em sua direção. Seu corpo se aproxima do meu e ela se ajoelha a minha frente secando uma lagrima que teimava em cair. Droga... porque as vezes ela tinha que ser tão igual ao pai dela?
- O que aconteceu? - ela me encara preocupada e eu novamente tento sorrir, novamente sem sucesso.
- Mamãe tá com cólica... - falo a primeira coisa que vem a minha frente.
- Cólica? - ela parecia não acreditar muito. - Mas.. cadê o meu pai!
Olho para os lados e vejo o meu desespero transparecer no rosto de Susan e Maggie. Puxo Julie para o meu colo e seguro sua mãozinha procurando alguma desculpa convincente.
- Papai teve que trabalhar de ultima hora... - isso pelo menos iria distrair sua atenção por alguns instantes.
- Trabalhar? - ela faz um bico enorme começando a fazer uma voz de choro - Ele tinha dito que iríamos abrir os presentes juntos...
A expressão mudou um pouco e vi Susan sorrir à minha tentativa de melhorar algo.
- Abby, diz pra ela- Susan se pôs mais presente no quarto- o John não disse pra ela dormir em casa?- Susan me olhou séria. Eu fiquei meio abobada mas teria que ser isso. Eu não tinha condições de ficar em pé naquele momento, quanto mais cuidar da minha pequenininha, me fazendo dezenas de perguntas.
- É, o papai disse - eu vi que Maggie sorria pra ela e tentava me ajudar a convencê-la.
- Ah, não!- ele fez bico e cruzou os bracinhos, se jogando em cima de mim, como toda vez que fazia manha- eu quero dormir aqui, esperar papai chegar pra abrirmos tudo- ela disse olhando pra mim. Susan acenou com aquele olhar meio sem ter o que fazer.
- Julie, por favor- eu disse, segurando ao máximo aquilo dentro de mim. Ela fez aquela carinha de anjo pra mim e Maggie apertou minha mão, sinalizando que eu não poderia "entregar os pontos" ali
- Obedece a mamãe, vai, Julie...- ela disse. Minha filha só fazia era ficar mais injuriada. Quando não queria uma coisa, era teimosa como a mãe.
- Eu não quero!- a manha começou a ficar mais séria. Eu pedi a Deus que Susan fizesse algo antes que eu tivesse uma reação que não gostaria de ter
- Você pode levar os presentes para abrir lá em casa.. - Susan se senta na cama encarando-a - eu e Cosmos te ajudamos e ainda podemos tomar sorvete.. - Susan torna a me olhar - né Abby?
Julie virou o seu olhar de choro e eu aceno concordando. Ela torna a olhar pra Susan e de novo pra mim. Será que no fundo ela sabia que tinha algo de errado!
- Mas amanha eu volto pra casa? - seu olhar fixa no meu e eu a puxo pra mais perto lhe dando um beijo.
- Claro.. amanha você volta...
Susan se levantou da cama e tratou de tira-la dali. Se ela não fizesse aquilo ela não iria embora nunca. Vi minha filha sair pelo quarta cabisbaixa, segurando a mão de Susan. Novamente me dou o direito de chorar mais um pouco. Porem, quando me dou conta, ela volta correndo e pulando na cama me puxando pra um abraço.
- Te amo mamãe... - ela me deu um selinho e enxugou minha lagrima. Eu sorri e ela viu que Susan ainda a esperava - a cólica vai melhorar.. papai vai ajudar a curar...
Ela saiu do quarto antes que eu caísse na cama de novo. Acho que só não morria agora mesmo justamente por causa dela. A dor era tanta, a culpa tamanha. Só a imagem dele na minha cabeça. O meu choro que não cessava por nada desse mundo e só aquela sensação de sufoco terrível me rondava. Vi que Maggie foi até o corredor e deu um beijo em Julie, depois de Susan pegar alguma coisa pra ela em seu quarto. Eu não teria condições de nada mesmo e se não fosse a porta aberta, eu nada veria.
Continua...
