Pisquei forte e vi que tinha amanhecido. Acordei mais cansada do que quando fui dormir. Senti o meu corpo mole e me rastejei para sair da cama. Fui ao banheiro e me olhei no espelho. Eu estava horrível.. mas eu também pouco me importava com isso. Sai do meu quarto e vi que Maggie ainda dormir, desci as escadas e fui pegar o jornal.

Joguei-o no sofá da sala e me sentei olhando ao meu redor. Onde eu iria começar a organizar!

Era tanta caixa, isopor, bexiga. Eu não sabia onde iniciar o trabalho. Olhei pra parede maior da sala, onde ficava o maior número de fotos penduradas em porta-retratos de vários tamanhos, cores e materiais.

Cada uma daquelas fotos me fazia lembrar de uma coisa na nossa vida. Uma data, um época. Lembrava até de coisas antes da nossa vida começar a se unir. A época que eu namorava com Luka.

" Carter pode ter você". Essa frase nunca me saiu da cabeça. Acho que Luka percebeu, antes de nós dois mesmo, que estávamos apaixonados.

Lembrei do nosso primeiro "café e torta". Acho que nossa relação ficou inteirinha marcada por essa comida. Nossa relação começou e recomeçou assim.

E como eu poderia esquecer daquela baboseira da "Teoria do Caos"? Aquele calor infernal e ele me falando de borboleta e tornado? Bom, o que realmente importava é que eu, pra ele, era o tornado.

Olhei a foto na mesa do lugar onde fomos dançar com Eric e Judy. dias depois "eu não vou a lugar algum", quando eu estava desesperada com Eric. Ele chegando no carro ao mesmo tempo que falava comigo no telefone.

Tantas coisinhas especiais. Detalhes que faziam a diferenças. Que faziam com que eu amasse aquele homem como jamais pensei.

Limpei mais uma lagrima e sai de perto daquelas recordações. Tudo aquilo so iria me deixar pior do que eu já estava. Apanhei algumas coisas jogadas no meio da sala e logo me cansei daquilo tudo.

Voltei ao meu quarto e fui verificar se havia algum recado na secretaria eletrônica. Duas mensagens. Sorri a possibilidade dele ter me ligado... mas quando verifiquei logo fiquei triste de novo com tudo aquilo. Onde diabos ele havia se metido?

Lembrei do meu celular e fui ver se também tinha algo. Mas não tinha nada. Nem uma misera mensagem, uma ligação. Onde ele teria passado a noite? Será que na mansão? Sua mãe iria amar ver que ele não dormiu em casa. Comecei a ficar nervosa com aquela situação. Será que ele não iria querer mais falar comigo? Com isso eu não poderia conviver.

Tirei minha roupa e tomei um outro banho. Quanto mais eu refrescasse a minha cabeça seria melhor. A cada vez que eu passava na frente do espelho relembrava a possibilidade. Acho que estava mais que na hora de tirar a prova disso. Me troquei e liguei para o County falando que não iria trabalhar. Ir pra que? Pra matar alguém? To fora.. quem quisesse que me demitisse.

Fui ao quarto de Maggie e vi que ela ainda dormia. Deixei um recado na geladeira e peguei as chaves do carro, saindo de casa. Olhei pro céu e vi que o clima estava começando a ficar pesado.

Esse era um sinal de como seria o meu dia. Cheio de emoções e decisões? É, talvez. Mas o mais provável mesmo é que seja repleto de dor e arrependimento, como o anterior.

Tomo o rumo do County como de costume. County? Eu estava louca? Não poderia causar mais confusão naquele hospital e além do mais, pelas minhas contas, ele estava trabalhando hoje. Ainda mais com a minha falta, com certeza deveriam tê-lo chamado.

Mercy? De novo? Por que não? A primeira já foi lá quem sabe uma segunda gravidez descoberta no mesmo hospital... Lindo!

Dirigi pra lá escutando rádio. A fossa era tanta que até o Cd dele eu escutei. Aquelas músicas clássicas que me davam enjôo... E falando nisso, nada deles aparecerem. Nem uma dor de cabeça ou tontura, nada!

Cada vez eu achava mais a remota a possibilidade daquele teste de farmácia estar certo. Nossa vida sexual ia de mal a pior... seria muita sorte... Sorte? Acho que na atual circunstância azar mesmo. Um outro filho que o que eu menos queria nesse momento da nossa relação.

Cheguei a porta do hospital e comecei a pensar. Será que eu deveria mesmo fazer isso? Eu tinha quase certeza de que foi um engano... não pareceria tola? E por outro lado me assolava um medo... e se fosse? Se estivesse certo? Como eu iria passar uma gravidez sozinha? Como é que eu teria outro filho sem ele? Com Julie já seria difícil...

Fiquei um tempo parada dentro do carro pensando em todas possibilidades. E toda vez era assim: quando eu tinha que tomar uma decisão mais seria começava a entrar em contradição com tudo o que estava acontecendo. No fundo eu sabia o resultado de tudo aquilo, mas aquela duvida.. eu sei que ela me martirizaria enquanto eu não esclarecesse. Estou fazendo isso por mim, por Maggie, por Julie e acima de tudo pela nossa relação.

Estacionei o carro e fui atrás de alguém conhecido no hospital. Eu não estava nem um pouco afim de ficar esperando horas por um exame de sangue. Subi pro andar de obstetrícia e pedi para uma enfermeira me encaixar entre os pacientes. Era caso de vida ou morte. Ela se assustou quando a minha afirmação mas pediu que eu sentasse pois iria dar um jeito. Peguei uma revista qualquer e comecei a folhear.

Durante essa espera interminável o meu estômago roncou de fome umas vinte vezes, eu tive vontade de sair correndo desse consultório umas dez e relógio denunciava que eu ja estava sentada ali a quase duas horas. Desistir talvez fosse a saída mais sensata para todo aquele medo que eu estava sentindo. Me levantei por mais uma vez, bebi um pouco de água e tornei a me sentar ouvindo o meu nome sendo chamado logo em seguida.

- Se sente que o medico vem logo... – acenei para a enfermeira e sentei em uma cadeira esperando o medico entrar. Confesso que estava sentindo a falta de uma mão pra segurar em um momento como esses. Verifiquei o meu celular colocando-o no silencioso e vejo o medico entrando pela porta e lendo a minha ficha antes de me encarar.

- O que trouxe a sra aqui?

Eu sorri sem graça. Médicos eram sempre tão gelados e extremamente éticos. Eu era assim também? Não tinham nada demais, nada de ruim, mas eu não me sentia nada à vontade com eles... Um simples sorriso já era sinal de falsidade na minha opinião. Mas não tinha jeito. Agora eu precisava dele.

- Não vou tomar seu tempo... Nem precisa passar com você, Dr..- eu procurei o nome dele pelo consultório, sem sucesso.

- Jack Heffrey...- ele sorriu- apenas Jack- ele me olhou ainda com aquele sorriso no rosto- vejo que a...senhora- ele me chamou depois de ver minha aliança e reparar na ficha- também é médica.

- Sim, no County - ele me olhou meio esquisito. Deve ter estranhado eu ia me consultar em outro hospital, sabendo que trabalho em um.

- Ótimo atendimento...Mas, enfim qual o problema?- ele voltou a se concentrar em mim. Isso era ótimo, afinal eu não queria falar sobre a minha vida pessoal...Só queria colocar umas gotinha de sangue no potinho e saber a resposta que mudaria a minha vida.

- A solução.. – eu me ajeito na cadeira e decido falar aquilo de uma vez – é simples.. só preciso fazer um exame de sangue e que de preferencia o resultado saia o mais rápido possível.

- Hum... – ele tornou a encarar a ficha – compreendo o que você quer.. é so isso!

Só isso? Se ele soubesse o quanto esse exame me seria útil, iria me ajudar ou não em algumas coisas, ele não menosprezaria tanto um exame de sangue. Acenei mostrando que era e ele chamou uma enfermeira pelo telefone.

- Se soubesse que era so isso já dava para ter feito quando você chegou...

Ah.. que agradável saber...

A enfermeira entrou na sala e me levou a uma ao lado, onde eu me sentei em uma cadeira e prontamente ela veio amarrar o meu braço para poder tirar o meu sangue.

- Alem do exame de gravidez vai querer que o medico peça mais alguma coisa? – ela em encara com a seringa na mão.

- Não.. obrigada... – eu respiro fundo e a vejo limpando meu braço procurando por uma veia. Estava ainda em momento de desistir... então fechei meus olhos e quando percebi ela já colocava um algodão no meu braço – Pronto.. você já pode ir.

- Quanto tempo, mais ou menos?- eu perguntei esperando que ela falasse que já estava pronto.

- Uma horinha pelo menos..- ela sorriu animadamente. Mais uma hora? Dai-me paciência pra agüentar!

Sai da sala e encontrei, no corredor, com o médico que havia me atendido antes.

- Tudo certo?- ele perguntou e foi caminhando ao meu lado até a sala de espera.

- Sim, agora é só esperar...- eu sorri, sentando na mesma cadeira de antes.

- Esperar a confirmação, não é, doutora? O resultado a senhora já sabe...- ele sorriu, piscando pra mim. Já sei? Como assim já sei? Ele realmente acha que se eu soubesse estaria aqui agora?

- Na verdade não- eu retribui o sorriso.

- Pois eu sei...- ah, bom pra ele. Virou mago? Eu ri meio sem graça. Ele se despediu e entrou na SDM.

Agora era só aguardar. Recostei minha cabeça na parede e fechei os olhos. O sono atrasado da noite anterior me pegava e eu resistia a ele até que não agüentei mais.

- Dra. Carter?- escutei meu nome ser chamado e instantaneamente abri os olhos.

Vi que uma enfermeira segurava um envelope branco e sorria pra mim. Me levantei e fui até ela.

- Sinto pela demora, mas estamos lotados - ela me entregou o papel e eu fiquei encarando-o, sem falar nada.

- Bem, obrigada mesmo - eu sorri e fui saindo. Ótimo. Agora, literalmente, o rumo da minha vida estava em minhas mãos.

Coloquei o envelope dentro da minha bolsa e voltei ao carro. Precisava comer antes de fazer qualquer outra coisa. Procurei por algum lugar decente para comer. Avistei uma lanchonete que parecia ser agradável e entrei me sentando em uma mesa isolada. Peguei o cardápio e comecei a procurar pelo que comer. Conferi o relógio e vi que já estava na hora do almoço. Havia demorado tanto esse exame? Pedi um sanduíche e recostei minha cabeça na parede esperando que a comida viesse logo.

Olhei mais uma vez pro céu naquele dia. Iria chover e muito. E é obvio que isso pouco me importava. O garçom logo trouxe a comida e eu mastiguei aquilo sem vontade apesar da fome. Pedi a contei, deixei o dinheiro na mesa e voltei correndo pro carro, onde vi que a chuva já tinha começado a cair.

Procuro um caminho mais rápido de chegar em casa e me encaminho. Pelo menos ainda era domingo e o transito estava calmo. Estaciono o meu carro na frente da casa e espero um tempo dentro do carro antes de entrar. Seria melhor se a casa estivesse vazia.. assim eu não teria que enfrentar ninguém, dar explicações ou algo do gênero.

Abro a porta de casa, jogo as chaves e a bolsa na mesa da sala e confiro umas correspondências que estavam pra abrir. Vou andando com elas nas mãos pela escada e ouço um barulho vindo do quarto de Julie. Será que...?

- Mãe? – eu a vejo com "aquela carinha" andando na minha direção. – Onde você estava!

- Oi, bebê- eu tratei de pegá-la no colo de imediato. Nada como um agrado a mais pra amansar a fera.

- Onde você se meteu? A vovó não soube dizer...- ela me olhou com aquele "?" estampado no rosto.

- Fui resolver umas coisinhas, Julie - ela se abraçou no meu pescoço.

- Hum...- ela ficou pensando- e o papai?- eu gelei. Tinha chegado a hora da verdade. Vi que Maggie saia da cozinha e paralisou ao ver a cena. Vamos mãe, me ajuda...

- Mamãe foi pagar uma contas pra mim, Julie...- ela sorriu e logo Julie sorriu também. Por que era tão difícil dela acreditar em mim, e Maggie era como mágica? - e o papai foi trabalhar...Eu pedi pra que ele fizesse uma coisa pra mim no hospital e ele foi bem cedinho, você ainda estava na Susan...

- Ah! Entendi...- ela me deu um beijo no rosto- e como passou a noite, mãe?- ah! Se ela soubesse...

- Com saudades- Maggie ficou séria, pensando por um momento que eu tinha enlouquecido- de você- eu beijei o nariz dela o que a fez sorrir.

- Agora já tô aqui!- eu a pus no chão- vou ver o Carby...- ela correu lá pra fora e eu sentei no sofá aliviada.

- Obrigada...- eu disse, vendo sentar-se à minha frente.

- Então... – ela falou não antes de ver Julie desaparecer da nossa visão – fez? – eu aceno mostrando que sim e ela sorri buscando segurar a minha mão – e qual o resultado!

- Não sei... – levantei os ombros e ela me encarou surpresa.

- Como não! – sua voz ia ficando mais alta e ela se aproximava cada vez mais de mim.

- Eu simplesmente não vi.. acho que ainda não é a hora... – me levanto e vou andando em direção a porta.

- Uma hora você vai ter que parar de fugir e encarar isso de frente Abby... – eu parei a porta e escorei minha cabeça na parede.

- È... eu sei.. – não olhei mais pra trás e entrei no meu quarto indo diretamente ao banheiro sufocar tudo aquilo que teimava em voltar. – Droga! – bati minha mão no mármore da pia. Quisera eu poder voltar no tempo e resolver tudo. Quisera eu passar o tempo e ver que a dor passou.

Me sento no chão do banheiro tentando sufocar o meu choro. Eu me sentia péssima mentindo pra minha filha. Ela iria me odiar, me julgar e me acusar de ser causadora disso tudo. Como uma criança de quatro anos vai entender que o pai foi embora? Ela vai achar que eu que o mandei embora...

- Mamãe? – eu ouço ela batendo na porta. Vá embora Julie.. pro mais longe que você puder.. garanto que você não vai querer passar por isso.

- O que, Julie?- eu fui o menos rude possível.

- Almoçar, mãe. Tá na mesa...- ela disse e vi que a voz dela se afastava. Será que ela tinha descido? Fui até a pia e lavei o rosto. O mármore cheio de coisas nossas. Uma parte com os meus cremes e na outra a loção pós barba.

Minha escova de dentes do lado da dele. O armário do espelho com as prateleiras repartidas. Isso era muito mais do que eu podia pensar.

Saí do banheiro tendo a certeza de que ela tinha decido. Quis trocar de roupa e colocar algo mais quente. Os pingos de chuva na roupa só estavam esfriando mais o meu corpo. Abri a minha parte do armário e peguei uma calça. Procurei meu moletom em todas as gavetas, nada. Onde eu tinha colocado? Fui até a cama, nada. Em cima da cadeira também não tinha nada. Será que eu tinha deixado na parte dele?

Voltei a ficar de frente para o armário. Abri a porta e me deparei com um vazio. Uma pilha de roupas tinha sumido e algumas camisetas. Não podia ser! Ele não tinha feito isso comigo! Corri pra ver a gaveta, mas tudo parecia estar lá ainda.

Apenas as cuecas pretas estavam faltando. Todo o resto permanecia no mesmo lugar. As malditas lágrimas começaram a voltar e antes que eu desabasse de novo, resolvi tirar essa história limpo com Maggie. Que eu me lembre, ele não tinha levado as chaves de casa.

Então ele veio aqui enquanto ela estava. Nem pra me falar? Que ela tava pensando? A quem estava querendo enganar? Desci as escadas os mais rápido que pude, não sei antes passar a mão no moletom dele. Se eu não achava o meu, não ia passar frio. Vesti o tecido grosso preto e fui atrás de explicações.

- Porque você não me falou que ele veio aqui! – eu gritei sem perceber que Julie estava sentada a mesa.

- Ele quem mãe? – ela mastigava enquanto perguntava intrigada. E agora? O que eu iria falar? Maggie ficou calada recostada a pia. Era a minha vez de falar. Mas falar o que!

Continua...