Coloquei minhas mãos na cabeça e sai andando pela casa. Era obvio que ele tinha vindo aqui. Mas eu não entendo é o porque dela não ter me falado nada. Não voltei a cozinha. Não estava nem um pouco preparada pra encarar os questionários intermináveis de Julie. Sentei no sofá e me pus a chorar... mas não por muito tempo. Ouvi passos ao meu redor e uma mãozinha tentar tirar as minhas mãos do rosto.

- Ele quem mãe? – ela perguntou de novo. Parecia que ela sabia o que era mais precisava ouvir da minha boca a confirmação.

Olhei ao redor pensando em mil desculpas. Nenhuma parecia sensata. Levantei o rosto em sua direção e ela me olhou espantada.

- Cadê o papai? – novamente ela insistiu naquele assunto. Respirei fundo limpando as lagrimas no seu moletom e tratei de puxa-la pra mais perto de mim.

- Julie.. – busquei a forma menos dolorosa de falar – eu e o papai brigamos...

- Cadê o meu pai? – os olhinhos dela enchia d´agua e eu não conseguia me controlar e recomecei a chorar tudo de novo.

- Papai... – eu fui buscar outra desculpa mas ela me impediu.

- Eu quero o meu pai! – ela bateu os pés no chão e começou a espernear. – Porque você mandou o meu pai embora?

- Julie...- eu primeiro teria que fazer com que ela se acalmasse para tentar explicar algo. Maldita hora em que eu fui falar alto! Eu e essa minha mania de não controlar o que falo, perto de quem falo...

Ela se atirou no outro sofá e começou a chorar compulsivamente, encondendo o rosto com as mãos.

- Julie, eu não mandei ele embora. A gente precisa conversa e decidir..- ela atropelou minha fala de novo.

- Decidir o que? Se ele vai deixar de ser meu pai?- ela gritava comigo como eu nunca vi. Ela realmente era muito apegada a ele.

- É lógico que não, Julie!- eu falei alto também pra ultrapassar o som da voz dela. Quando olhei, vi que Maggie assistia a tudo de longe, calada, também com o coração na boca- ele nunca vai deixar de ser seu pai, Julie. Nunca!- eu dizia, controlando pra que o choro não fosse maior do que a minha vontade de esclarecer tudo a ela.

- Eu odeio você, mãe!- ela gritou e saio correndo pela escada. Ainda escutei quando a porta do quarto bateu... parecia que eu lidava com uma adolescente, mas era só a minha filhinha de 4 anos sendo mais forte, mais inteligente e mais poder do que todos.

Pensei em ir atrás dela de imediato mas vi que de nada iria adiante. Ia dar um tempo pra ela se acalmar daí então eu subiria as escadas e me sentaria para falar tudo. Nisso Maggie continuou parada, estática na porta da sala.

- Ele só veio pegar umas roupas.. – agora ela me fala. Podia muito bem ter evitado essa confusão toda. Agora já não importava mais. So tinha curiosidade sobre uma coisa. Será que ele perguntou de mim! Fiquei encarando-a esperando mais algum comentário que não veio. Me levantei do sofá e fui atrás da minha filha antes que essa se afogasse no seu quarto.

- Julie? – eu bati na porta e não veio resposta alguma. Fui abrindo-a devagar e a encontrei toda encolhida na cama abraçada a uma boneca. Me aproximei lentamente sentando na sua cama e percebi que ela nem se deu ao trabalho de se virar para me encarar.

- O papai não gosta mais da gente mãe? – eu vi seu rostinho vermelho de chorar e senti o meu coração despedaçar aquela cena.

- Claro que gosta meu amor.. – eu fui me aproximando lentamente receosa com o que ela pudesse fazer.

- Então.. porque ele teve que ir embora? – ela me perguntava coisas que nem eu sabia responder direito. Porque mesmo que ele teve que ir embora? Nós tínhamos nossos atritos mas confesso que não conhecia família mais feliz.

- Tem uma hora que o papai e a mamãe brigam tanto.. que daí decidem que é melhor se separarem.. – eu respondi sabendo que não convenceria ninguém com aquilo.

- Melhor? – ela se levanta da cama me encarando – porque ele ir embora e nos deixar sozinhas é melhor!

- Julie... - eu deixei mais uma lagrima cair e ela se ajoelhou me encarando.

- Foi algo que eu fiz mamãe?

- É claro que não, meu amor - Deus! Me tire dessa ou eu não agüento! Aqueles olhinhos molhados olhando pra mim com tanta culpa e esperança - Julie, você não tem nada a ver com isso. A única forma que você contribuiu pra isso foi quando eu e ele pensamos o que seria melhora pra você, entende?- ela foi me encarando de uma forma que eu não sabia mais pra onde correr - queremos preservar você de tudo que possa ser ruim filha.

- Mas mãe - ela enxugou- como você acha que ter meus pais juntinhos pode ser ruim? É tudo o que eu quero...- ela fez aquela carinha sofrida de novo.

- Eu sei, Julie, mas você não pode viver num universo de brigas. O clima aqui em casa já tava ficando ruim pra nós... Não queríamos passar isso pra você entende?- eu olhei esperançosa. Quem precisava ter essa conversa com ela era ele. Ela o escutava e o entendi bem melhor.

- Mãe, a única coisa que eu entendi é que ele foi embora. Não quero saber o porquê, entendeu? Pra mim estava bom daquele jeito. Quem não briga? Todo mundo! E eu até gostava, porque depois vocês faziam as pazes e era muito legal. A gente saia pra passear e vocês ficavam abraçadinhos- nessa hora eu parei de tentar me controlar. Ia chorar tudo agora pra que depois pudesse colocar a cabeça no lugar.

- Julie, por favor...entende, filha- eu a puxei pra bem perto de mim, sentindo a dor dela também.

- Por favor, mãe. Papai não faz por mal...Não culpa ele pela festa, não foi ele quem errou...E outra- ela parecia desesperada- eu juro que nunca mais vou atrapalhar em nada, vou pra escola todo dia sem reclamar e ainda não vou fazer careta quando vocês se beijarem na minha frente.

Eu sorri com aquela sua tentativa de corrigir as coisas. Quem dera que tudo fosse fácil assim... Por mais uma vez fiquei sem resposta. O que eu iria falar? Abracei-a forte e esperei que ela compreendesse o que eu estava passando. Logo ela saiu do meu abraço e eu vi que ainda chorava um pouco. Limpei suas lagrimas e ela ficou me encarando esperando que eu falasse o que ela queria.

- Vamos comer agora? – mudei de assunto mesmo sabendo que não iria mudar muito aquilo.

- Não quero... – ela se afogou no meu abraço e tornou a começar a chorar.

- Tudo bem.. – decidi não forçar nada. Pensei em me levantar da cama, mas pra onde eu iria? Decidi me deitar ali junto com ela. Juntas nós iríamos superar tudo isso. Fiquei acariciando o seu cabelo ate que ela caísse no sono. As vezes ela ainda fungava um pouco mas logo acabou dormindo.

Permaneci deitada de olhos abertos naquela cama por longos minutos. A minha esperança era que ele entrasse por aquela porta e dissesse que tinha voltado para resolver tudo, voltado pra ficar e que nunca iria nos abandonar. Vendo que ela tinha definitivamente dormido, me levanto da cama e saio em direção a qualquer lugar. A minha vontade era de enfiar a minha cabeça num, buraco no jardim e desenterra-la sabe lá quando.

- Abby! – Maggie me para quando eu estou indo me sentar no sofá da sala. – Como ela esta?

- Mais calma.. – falei pegando o controle da tv e revirando os canais.

- E você.. como esta?

- Ótima- eu disse com um certo tom irônico na voz.

- Eu vou embora amanhã- ela disse de sopetão e eu paralisei. Como ela ia me deixar agora? Agora que eu mais precisava dela... Eu ia começar a reclamar mas ela foi logo se defendendo- sei que você acha que precisa de mim agora, mas entenda: faço isso pro seu bem. Se é assim que tem de ser, vocês separados, vocês vai ter que aprender a lidar com isso sozinha. Só você e Julie podem se ajudar. Eu não quero interferir na sua vida ainda mais...

- Mas mãe...- eu ia tentar argumentar, em vão.

- É isso, Abby- ela se aproximou- mas dessa vez eu vou te deixar sozinha consciente de que é o melhor pra você, e não por irresponsabilidade, ok?- ela piscou e eu não me contive em dar um abraço nela. Como era gostoso abraço de mãe...

Me desvencilhei do seu abraço e olhei para ela que teimava em sorrir pra mim. Como ela estava conseguindo ser otimista com isso tudo!

- Vou te deixar sozinha... – ela tornou a se levantar – o que mais você precisa agora é descansar e por essas idéias em ordem.. qualquer coisa estou pela casa.

- Obrigada mãe... – eu finalmente agradeci pela ajuda que ela estava me dando. Se não fosse ela eu nem sei como estaria.. quem diria um dia eu ter que precisar tanto do apoio de alguém e esse alguém ser justamente a minha mãe.

Ela saiu do quarto e todas as palavras ditas por ela começaram a martelar de novo na minha cabeça. Peguei o telefone e pensei em discar para pelo menos ouvir a sua voz, mas ele saberia que eu estou fazendo isso. Eu não quero dar mais razões para que se desenvolvam outras brigas entre nós. Afinal, nós nos separamos pelo melhor.. e agora teríamos que buscar isso.

Finalmente depois daquela confusão toda me deitei realmente cansada a ponto de dormir. Eu precisava dar descanso ao meu corpo e a minha mente. Então fechei os olhos e o busquei nos meus sonhos. Nos meus mais calmos e profundos sonhos.

Acordo escutando a voz de Julie pelo corredor. A voz não era gritada e feliz como sempre. A voz manhosa e chorosa que eu conhecia de cór... Isso me doía o coração mais do que tudo, creio eu. Mais do que a separação, me doía ver quem mais eu amava no mundo...E o pior: essa pessoa achar que eu tinha culpa de tudo aquilo estar acontecendo.

Levantei da cama ainda vestindo o moletom dele. Fui até o corredor e vi que Julie não estava lá. A vozinha dela agora saia do seu próprio quarto, onde eu via uma movimentação considerável.

Entrei, vendo que Maggie terminava de fechar a mala. Julie estava deitadinha olhando tudo com olhos atentos.

- Vou pegar o vôo daqui umas duas horas...vou chamar um táxi, ok?- eu olhei mais pra Julie do que pra ela.

- Eu levo você, Mag - eu a ia chamar pelo nome, mas desisti. Eu até que eu gostava de chamar de "mãe". Era bom escutar o que eu mesmo dizia, e ela devi gostar de escutar - mãe. Eu levo você...- eu sorri e ela sinalizou Julie.,

- Vamos levar a vovó comigo, Julie?- ela ficou quietinha por um instante e eu repeti- vamos?

- Posso ficar aqui?- ela disse, sem olhar pra mim. Estava toda amoada, só olhando enquanto Maggie pegava as últimas coisas. - aliás, por que ela tem que ir tão cedo? Eu pensei que ela fosse ficar mais... Meu pai já foi embora, agora vovó também? Isso tudo tá uma droga!- ela disse., emburrando mais um vez.

Eu respirei fundo para simplesmente ignorar a frase e não despencar de novo.

- Vovó tem que trabalhar, Julie - ela sorriu, colocando as malas no chão perto da porta onde eu estava e foi sentar na cama para fechar a ajuda com chave de ouro- mas suas férias ja já chegam e você vai passar uns dias lá comigo, combinado?- ela piscou pra Julie que esboçou um sorriso.

Eu sorri à cena e quando olhei pela janela ainda aberta, vi uma luz e o som do trovão.

- Só espero que o temporal não faça com que os vôos sejam cancelados...- Maggie resmungou antes de levantar da cama de Julie outra vez.

Eu aproveitei para sentar na cama e tentar convencer Julie de ir com a gente pro aeroporto. Ou ela ia, ou ela ia.

- Julie.. vamos tomar um banho antes de deixar a vovo? – eu sorri pegando uma boneca sua e ela faz careta me encarando.

- Eu não quero ir mãe... – seus olhinhos brilhavam implorando aquilo. O que eu poderia fazer? Não poderia e nem deveria deixar que Maggie fosse embora assim sozinha.

- Ajuda a mamãe Julie.. prometo depois tomar sorvete com você.. – nessa eu sabia que ela ia cair.

- Não! – ela se impõe – você bem que poderia ligar pro meu pai ficar comigo enquanto você deixar a vovó!

- Julie.. – falei com a voz mais firme tentando não chorar – você sabe que isso agora é impossível..

- Porque? – ela sentou na cama. – ele não quer mais ser o meu pai? É isso!

- Claro que não! Que bobagem! – eu a pego no meu colo – seu pai não pode agora.. – eu olhei pra Maggie – ele ia ter plantão o dia inteiro.

- Mentira! – ela pulou da cama começando a fazer escândalo – ele não gosta mais de mim... – ela se deitou no chão e se pôs a chorar. Meu Deus.. se continuasse assim eu não sei se teria forças pra agüentar tudo isso sozinha.

- Julie.. – Maggie tentou ajudando sentando no chão perto dela – acredite na sua mãe. Papai realmente não pode agora.. e claro que ele não deixou de te amar. Ele ate me falou hoje que assim que der ele vai te levar pra passear com ele...

- Verdade? – ela levantou o rosto passando uma mão nos olhinhos.

- Claro.. – as duas sorriram. – agora você precisa obedecer a sua mãe direitinho... ela vai precisar de muito de você.. promete que vai cuidar dela por mim?

Julie olhou pra mim e eu não me contive e comecei a chorar.

- Claro vovó.. – ela de novo passou as mãos nos olhos – eu cuido dela. – ela virou o seu rosto olhando pra mim e eu limpei meus olhos esperando que ela tivesse entendido tudo. – mãe.. – ela abaixou o olhar e falou sem me encarar – eu não quero ir.. chama a tia Susan aqui... por favor..

Susan? Susan.. a coitada só me escutava choramingar pra lá e pra cá. Escutava os meus problemas os deles e tentava ajudar. Era a babá de Julie e me ajudava em tudo. Eu não poderia ter amiga mais fiel. Às vezes eu até ficava meio envergonhada, mas ela vinha com o famoso "amigo é pra essas coisas" e ficava por isso mesmo.

Mas a essa hora? Eu não podia esquecer que ela tinha um marido e dois filhos pra cuidar. Não podia ficar a minha disposição a hora que eu bem entendesse.

- Filha, a tia tem que dar de mamar pro bebê...Não pode sair no meio da noite...- eu joguei o argumento que julgava ser mais convincente.

Ela fechou a cara mais um pouquinho. Eu tinha uma perfeita adolescente de 4 anos em casa.

- Então deixa eu ficarrrr!- ela disse na voz impaciente. Ah, perai. Agora quem iria ficar impaciente era eu!

- Escuta aqui, mocinha! Você só tem 4 anos, ouviu bem? Quatro! Eu ainda mando em você, escutou?- ah, ela que me desculpasse, mas me tirou do sério.

Maggie me olhou séria, me censurando. Ela que não quisesse se intromenter aqui...

- Eu quero ficar com o papai!- ele berrou comigo de novo- pelo menos ele não é tão estressado...- ela virou as costas e deu os ombros pra mim. Contei até 3 para não fazer alguma besteira. Ela procurava até achar, exatamente como o pai.

- Você pensa que esta falando com quem hein! – eu gritei com ela ainda de costas – e se vire pra mim quando eu estou falando com você! – minha voz ia se elevando e eu via que ela não estava nem ai com o que eu estava falando pra ela. – Julie! – eu me impus puxando-a para me encarar – não me venha com gracinha pra cima de mim que eu não estou pra piada hoje!

Ela me olhou apavorada e assim mesmo se atreveu a abrir a boca.

- Me leva pro meu pai agora! – ela gritou e bateu o pé no chão. Eu não acredito que ela iria pirraçar nisso ate conseguir me tirar do serio. – Me leva! - ela deu um passo a frente – me leva agora sua chata!

Eu não me agüentei. Eu bem que tentei. Eu levantei a minha mão e fiquei prestes a lhe dar um bom tapa na cara. Só não o fiz porque Maggie segurou o meu braço e me encarou.

- Não faça algo de que você vá se arrepender depois..

Eu olhei pra minha mão e pra Julie. Vi nos seus olhos terror do que eu poderia fazer com ela. Pisquei forte e dei meia volta saindo dali. Talvez seja melhor eu ficar o mais longe possível de todo mundo. Eu ia acabar machucando todas as pessoas que eu amo.

Continua...