Ordinary Star - by Celly M e Lili Psique
Resumo: Kamus é um magnata da indústria cinematográfica, em busca de uma estrela para suas produções. Jamais imaginou que iria encontra-la num lugar mais do que inusitado... Romance yaoi lemon.
Disclaimer: Saint Seiya / Cavaleiros do Zodíaco pertence a Masami Kurumada. Infelizmente. E os sobrenomes Fauvet e Kazantzakis são criações da Calíope Amphora.
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Capítulo 3 – Bonequinha de Luxo
— Quando você disse negócio na área, não esperava por algo do tipo. – Miro pegou-se dizendo, admirado. Kamus permitiu-se sorrir rapidamente.
Estavam em um carrinho de golfe, bem equipado e fechado por um vidro transparente, dirigindo pelas ruas dos estúdios da Paramount. Apesar do fim de semana, centenas de pessoas ainda transitavam por ali, como se fosse um dia útil. Carregamentos de filmes, câmeras e equipamentos de luz, tudo ia passando pelos dois, enquanto o francês conduzia o veículo lentamente, explicando esporadicamente para Miro o que cada um daqueles galpões abrigava.
— Ali foi filmado Breakfast At Tiffany's. Quiseram destruí-lo antes da minha chegada, mas eu impedi. Está se sentindo bem, Miro? – Kamus perguntou, notando o rapaz, que ainda olhava para trás, os olhos um pouco marejados.
— É que... bem, Bonequinha de Luxo é meu filme favorito. Costumava assisti-lo com minha mãe.
— Sinto muito, vamos seguir em frente então. – Kamus disse, não acostumado com as pessoas a sua volta ficarem tão emotivas com um simples passeio por seus estúdios. Pensou em como o outro era diferente de si, tão passional.
A excursão feita pelos turistas por entre os vários sets e galpões, onde as séries famosas e super produções eram filmadas, geralmente durava duas horas e era um dos marcos que a Paramount se gabava de ter adquirido: o status de ser ponto turístico em Los Angeles. Mas Kamus não estava ali para servir de guia, mas sim dividir algo com Miro, que ele esperava estar se divertindo. Não tinha noção se o outro teria aquela oportunidade alguma outra vez, então lhe pareceu uma boa idéia.
Passaram pelos estúdios aonde outros clássicos e sucessos de bilheteria foram filmados. A cada novo set, imortalizado por placas e objetos de época, Kamus admirava-se com o conhecimento de Miro a respeito daqueles filmes. O rapaz não parecia apenas um fã, mas um expert em algumas daquelas produções. Ele sabia de algumas locações de "O Poderoso Chefão", diálogos de "Titanic" e produtores de "Indiana Jones".
Cortaram atalho para uma parte nova dos estúdios, onde Kamus passou ligeiramente, acelerando o carrinho. Miro percebeu, e, curioso como era, resolveu indagar ao francês o que seria aquilo.
— Uma possível locação para um possível filme. – Ele disse, não se estendendo muito naquele assunto. Na verdade, aquele era um projeto pessoal que havia ficado engavetado por falta de uma estrela, o que o aborrecia profundamente.
— Quantos mistérios. Com certeza vai ser mais um sucesso.
Kamus não pôde deixar de sorrir; elogios: não importava de onde vinham, eram sempre bem vindos. Dirigiu então para o 'prédio antigo', como ele gostava de chamar. Era uma parte tombada dos estúdios, a pedra base da Paramount, onde o primeiro escritório havia sido construído. Ele o reformara e transformara-o em seu ambiente de trabalho, contrariando o moderníssimo complexo que seu tio costumava ocupar, logo na parte nobre do lugar.
— Onde estamos indo? – Miro perguntou, visualizando o prédio a sua frente, notando a fachada bem antiga. Teve uma visão não muito agradável de um Kamus o agarrando naquele lugar. "Preciso parar de pensar que esse homem prestativo quer, de alguma maneira, se aproveitar de mim...", pensou, vendo o francês desligar o carrinho e descer do mesmo.
— Quero lhe mostrar a grandiosidade da Paramount. – Ele disse, olhando para o prédio.
— Achei que já havíamos visto isso.
— Achou errado. Sua grandeza está aqui. – Kamus disse, mostrando o edifício à frente deles.
— Um prédio velho? – Miro parecia desdenhar.
— Velho não, antigo. Há uma grande diferença. Venha, vou lhe mostrar. – Kamus disse, despreocupado, tomando a mão de Miro para si. O rapaz apenas olhou para a dita cuja. O francês percebendo, soltou-a discretamente, ajeitando os cabelos.
Entraram no edifício, disfarçando o constrangimento anterior. Miro ficou bobo ao ver o elevador antiguíssimo, que, apesar de estar pintado e reluzente como se fosse novo, era daqueles onde se puxava a porta.
— Você quer que eu entre nessa lata velha?
Kamus nem respondeu. Apenas puxou a porta e entrou, e ficou segurando-a, encarando Miro. O outro percebeu a 'quase ordem', e entrou, contrariado.
— Onde estamos indo?
— Eu ia lhe mostrar meu escritório primeiro, mas você está desdenhando tanto este lugar, que irei direto ao local que quero que você conheça. Quem sabe assim sua má impressão se dissipa, e você se interesse por outras coisas daqui. Afinal, pra quem gosta de Bonequinha de Luxo, você está se mostrando extremamente intransigente no quesito 'clássicos'. – O francês respondeu, ao alcançar um dos últimos andares, e abrir a pesada porta do elevador.
O grego não pode deixar de suspirar; tá, velho, mas tudo impecável. Andaram por um longo corredor, com muitas portas antigas e admiravelmente restauradas. Sentiu-se em um daqueles hotéis chiques dos anos 20, principalmente por causa do carpete vermelho no chão.
Kamus retirou um molho de chaves do bolso de sua calça, e abriu uma porta de madeira trabalhada, que ficava no final do corredor, em nítida posição de destaque. Fez sinal para que o outro entrasse primeiro, que teve que acostumar seus olhos a escuridão da sala. A única coisa que conseguiu discernir de início foi a leve inclinação do lugar, e a tela branca na parede de frente para a porta.
— Sente-se, e aguarde. – Kamus disse, sem dar a chance para Miro perguntar 'sentar aonde?'
Logo ele teve sua pergunta respondida. Poucos segundos depois seus olhos foram se adaptando, e ele identificou cerca de umas 30 cadeiras fixas ao chão, no centro da sala. Aquele lugar era um cinema! Ok, pequeno demais para um cinema como ele estava acostumado, mas a tela e as cadeiras mostravam tudo.
Miro acomodou-se na última fileira. Afinal, os últimos lugares eram sempre os melhores. Ficou quieto, esperando impaciente.
Não viu que Kamus saíra da sala, e, com outra chave, abrira uma pesada porta, parecida com as típicas corta-fogo. Dentro do lugar encontrou um conhecido dispositivo, e digitou uma senha, abrindo outra porta, balançando a cabeça. Não conseguira deixar todo o prédio original como gostaria, afinal, aquilo tudo que estava trancado naquela sala era valiosíssimo, e deveria ser protegido como tal¹.
Abriu mais uma porta, e dirigiu-se ao cofre que procurava. Retirou de lá dois antigos rolos de filmes, grandes e pesados, mas sem dificuldade. Colocou-os numa mesa na saleta anterior, trancando o cofre. Saiu do lugar, fechou tudo, e dirigiu-se à sala ao lado da qual deixara Miro.
Colocou o primeiro filme no projetor. Sabia que quando a película chegasse mais ou menos na metade, teria que subir ali novamente e ligar manualmente o segundo projetor², ao mesmo tempo em que desligasse o primeiro. Afinal, aqueles projetores não eram digitais, nem os rolos de filme, obviamente. Ele podia sentir o clima glamouroso do cinema da época somente em toca-los.
Fechou o lugar, trancando-o, e entrou na outra sala. Rapidamente seus olhos localizaram Miro, que já estava mais uma vez com lágrimas nos olhos, e sentou-se ao seu lado. A abertura do filme Bonequinha de Luxo já passava na tela.
O grego olhou para Kamus, com a óbvia intenção de falar alguma coisa, mas o francês simplesmente olhou para a tela, com um discreto sorrisinho de vitória nos lábios.
— Apenas assista.
Miro voltou para a tela, procurando conter as poucas lágrimas que desceram pelo seu rosto, e assistiu ao filme. Não era frio, mas também não costumava se derreter desse jeito na frente dos outros. Continuou a ver o filme, procurando não agir como uma menina que não agüenta ver romances no cinema.
Estava tão entretido que mal notou a saída do francês em determinado momento. Kamus, apesar de não operar aquela máquina há um bom tempo, realizou a troca dos projetores com precisão, fazendo com que Miro sequer notasse o movimento.
Voltou a sentar-se ao seu lado, e continuaram a assistir o filme. Kamus sorriu ainda mais ao ver que Miro citava algumas falas junto dos atores, completamente imerso na magia.
Quando a película acabou, os dois mantiveram-se calados, enquanto os créditos passavam na tela. Miro já estava emocionalmente controlado, mas encabulado por ter desdenhado daquele lugar, e por ter desconfiado da índole de Kamus. Por isso fez a primeira coisa que passou por sua cabeça, com a intenção de agradecer o francês.
As luzes ainda estavam apagadas, e o pouco que saia do projetor não era suficiente para iluminar o local. Talvez por isso o diretor não se surpreendeu com o princípio da atitude do grego. Afinal, ele não viu o olhar dele.
Miro virou-se para Kamus, pensando vagamente em como os braços das cadeiras do cinema incomodavam em alguns momentos. Segurou na mão do francês, que virou-se para encara-lo. Kamus não pode deixar de ver o caminho que as lágrimas, agora já devidamente secas, fizeram, e mais uma vez deslumbrou-se com a beleza do 'garoto'. Sim, pois, apesar de terem quase a mesma idade, Kamus não conseguia pensar nele de outra forma. Era um garoto. Lindo, mas jovem, e imaturo demais.
Foi surpreendido quando subitamente seus pensamentos foram cortados por lábios macios que colaram nos seus.
O reflexo do francês foi se afastar, mas os braços grossos do outro já haviam rodeado suas costas, e seguravam-no com possessividade. Miro apertou mais os lábios, com fome, e Kamus viu-se inebriado com o cheiro do outro. Abriu levemente a boca, mais por instinto que qualquer outra coisa, e deliciou-se ao receber a língua macia.
Beijaram-se alguns instantes, e as línguas serpentearam com anseio e familiaridade, como se aquele beijo não fosse o primeiro, mas um de muitos. Kamus não teve coragem de retirar seus braços dos encostos das cadeiras e abraçar o grego. Achou que se começasse algo ali, iria até o fim.
Quando o grego mordeu seu lábio inferior com desejo, e o trouxe para mais perto, Kamus percebeu o perigo da situação, e o modo ingrato como seu corpo estava respondendo. Por isso segurou os braços de Miro com força, e fez com que ele se afastasse, rompendo o beijo.
Miro adorou a expressão de confusão do francês. Os olhos abertos, sem esconder a surpresa, os lábios levemente avermelhados de tanto que Miro os sugara... Lindo demais. Porém, notou que uma certa censura também era lançada a si naquele olhar. Sorriu, sarcástico, e resolveu dissipar as dúvidas daquele francês maravilhoso.
— Apenas quis lhe agradecer. Há muito tempo não ficava feliz como fiquei hoje.
Kamus ficou perplexo e sem graça. Soltou os braços dele, afastando-se do corpo quente. Miro chamava aquilo de 'agradecimento'? Afastou o pensamento irônico que lhe disse que deveria fazer mais coisas para receber aqueles 'obrigados', e censurou-o, agora com palavras.
— Miro, não fiz nada disso buscando o seu agradecimento. Principalmente um 'obrigado' desse tipo... – Disse, enquanto limpava discretamente o canto dos lábios.
O grego riu, achando a feição de sem graça de Kamus adorável.
— Tudo bem, não faço mais! – Levantou-se, segurando o outro pela mão. — Então vamos; prometo que agora vou ver com toda a atenção tudo o que você quiser me mostrar.
Miro puxou-o para fora da sala, e foi na direção do elevador, enquanto Kamus trancava a porta e ia desligar o projetor, sem deixar de tocar seus lábios com a ponta dos dedos, ao lembrar-se do beijo.
Porém, jogou qualquer indício de sentimento que poderia ter sido desperto com aquele breve toque de lábios para algum canto muito afastado de sua memória recente, caminhando atrás de Miro até o elevador. O grego estava lá, olhando algo nas unhas que lhe parecia muito interessante.
Kamus repetiu o ritual de antes e dessa vez o elevador indicava o último andar. Ele concentrava-se no ponteiro dourado, não olhando para o grego que parecia querer chamar sua atenção de alguma maneira.
— Mais alguma surpresa?
— Meu escritório. – Ele disse, secamente. Não sabia porque estava agindo daquele jeito e subitamente pensou se aquela idéia toda não havia sido ruim.
— Legal. O que tem de bom por lá?
Kamus não respondeu. Seu escritório, apesar de ser seu templo, de onde comandava tudo o que acontecia nos estúdios, não era exatamente o que poderia chamar de 'playground'. Não havia muita coisa para se ver e somente alguns poucos conhecidos davam o exato valor ao que ele acumulava ali.
Miro tomou aquele silêncio como um motivo de aborrecimento do outro, talvez por suas ações dentro do cinema. Realmente, aquele beijo havia sido errado e fora de propósito, mas não sabia demonstrar felicidade de outra maneira, quando algo realmente o agradava. Estava tão acostumado a fazer aquilo com Shaka e Mu, que pensou que o outro não iria se importar. Ledo engano.
— Você está aborrecido?
— Não. – Ele ouviu o outro responder por um monossílabo frio e taxativo, e calou-se.
O elevador parou de forma brusca, mais um indício da idade do mesmo. As portas abriram-se diretamente em um ambiente bem arejado e claro. Miro não pôde deixar de surpreender-se, mais uma vez, diante do que seus belos olhos viam.
O escritório de Kamus era amplo e claríssimo, devido as enormes janelas, com poucos móveis e uma visão privilegiada de todo o estúdio e, principalmente, do letreiro de Hollywood. Uma bela mesa e cadeira de mogno faziam um par perfeito em uma das extremidades do cômodo, combinando com a tapeçaria azul escura que cobria todo o lugar. Mas não eram apenas aqueles aspectos que transformavam o lugar em algo especial.
Miro entrou naquele cômodo com uma certa reverência instintiva, notando as pequenas amostras preciosas que cobriam paredes, emolduravam estantes e decoravam as mesinhas. Eram fotos raras, livros, roteiros, objetos de cena, tudo muito bem colocado, dando ao lugar uma aparência de santuário do cinema.
— Não acredito que você tem todos os roteiros dos filmes aqui, na sua estante... – Ele disse, abismado.
Kamus sorriu. Miro descobrira uma de suas paixões; não se cansava de ler, várias vezes, as cenas cortadas dos roteiros originais, imaginando os personagens em cena, as marcações da direção. Tudo era perfeito, não tinha como não se apaixonar.
— Fique à vontade para lê-los. 'Bonequinha de Luxo' está na prateleira superior. Preciso fazer algumas ligações. – Ele disse, displicente, percebendo a dificuldade do grego para alcançar o roteiro. — Tem uma escadinha aí do lado da estante.
Miro visualizou a mesma, mas não a tocou. Talvez Kamus tivesse esquecido que ele não conseguiria subir na escada, sua perna ainda doía um pouco. Ficou receoso de pedir algum favor, especialmente por tudo o que acontecera momentos antes.
Kamus percebeu a hesitação de Miro e só então lembrou-se dos ferimentos do grego. Sentiu-se um inútil por aquilo e logo saiu de trás de sua mesa, caminhando até ele. Pegou a escada e subiu na mesma, retirando o antiqüíssimo roteiro do filme favorito do outro.
— Aqui está. Sinto muito por não ter lembrado dos seus machucados. Como eles estão?
Miro sorriu, encantado com a presteza do francês e por estar com uma coisa tão rara em suas mãos. A dorzinha incômoda naquele momento ficara em segundo plano.
— Melhores que ontem. Você deveria ser médico. – Ele disse, ainda sorrindo.
Kamus sentiu-se ofuscado por tamanho brilho que aquele sorriso emanava, mas sorriu de volta, não importando-se mais uma vez com seus pensamentos. Desta vez, eles eram sobre a injustiça de um rapaz como aquele viver da venda de seu corpo.
— Algo me diz que os filmes são melhores para mim. – Kamus concluiu, fechando a escada e voltando para sua mesa, enquanto observava Miro sentar-se em uma chaise longue da mesma madeira da mesa e cadeira.
Os dois ocupantes do escritório ficaram por horas imersos em assuntos absolutamente adversos. Kamus resolvendo assuntos administrativos e burocráticos e Miro sonhador, debruçado nos roteiros que apareciam em sua frente. Já havia passado por seu favorito e agora folheava outros clássicos e épicos. Absorto que estava, não percebeu a aproximação do francês, que apenas o observava.
— Miro...
O grego empalideceu no mesmo instante, não esperando ser interrompido e muito menos pela proximidade do francês, que o fitava graciosamente. Sentiu algo embolar em sua garganta ao perder-se por milésimos de segundos nos olhos azuis do outro.
— Que susto, Kamus. – Ele disse, colocando uma das mãos sobre o peito.
— Desculpe-me. Já estava lhe chamando por alguns minutos. Vamos almoçar agora e depois gostaria que fosse comigo ao hospital.
— Tudo bem, mas não vou a hospital algum.
— Miro é o hospital aqui do estúdio, ninguém vai saber de nada sobre a sua condição. – O francês ponderou, tentando, mais uma vez, levar o rapaz a ter cuidados especializados.
— Kamus, não é tão simples... E o que vai explicar para aqueles que questionarem sobre a sua aparição com alguém como eu? – Ele detestava se rebaixar, mas naquele instante era a única desculpa que lhe veio para negar a ajuda de Kamus. Não iria dizer que estava completamente ilegal nos EUA.
— Não me importo com os outros. Fora que ninguém vai perceber nada. Você está bem vestido, e é tão aficionado por filmes, que passaria tranqüilamente por um estudante de cinema.
— Mas eu me importo, e não pretendo me meter em farsa nenhuma. Já lhe disse que estou bem. Deixe-me. – Ele disse, ameaçando levantar-se da cadeira.
— Pare de agir como uma criança mimada, Miro. Não vou seguir você sempre que disser algo que lhe contraria.
Miro virou-se para o francês, seus olhos gélidos. Não esperava ouvir algo daquilo, especialmente vindo dele, que havia sido tão gentil naquele momento. Saiu da chaise longue e colocou o roteiro de 'Titanic' na prateleira central da estante e caminhou para a saída do escritório.
— Aonde vai? – Kamus perguntou, vendo-o apertar o botão que chamava o elevador.
— Nunca pedi que me seguisse, nem que me bancasse o herói naquela noite. Mas isso pareceu te dar um bem-estar impressionante e agora estou atado a você. Já lhe disse, pela milésima vez, que não precisa se preocupar. Posso me virar sozinho. Não será a primeira vez que alguém me machucou. – Ele disse, sem medir as palavras, nem ao menos parando quando revelou coisas demais.
Kamus naquele momento sentiu-se um idiota por não saber lidar com aquele rapaz. Nunca havia estado naquela situação de encarar alguém tão arredio, que interpretava suas palavras de maneira errônea, como Miro fazia na maioria das vezes. Caminhou até ele, assim que viu a porta do elevador abrir.
— O que você quer dizer com machucou?
— Não importa agora, Kamus. Será que você não percebe que isso tudo é inútil?
— Do que está falando?
— Disso! – Miro falou, em tom mais alto, apontando para si mesmo e depois para o francês. — Para essa tentativa patética de ser um bom cidadão, trazendo o pobre garoto de programa para conhecer as maravilhas da Paramount, para enche-lo de sonhos que nunca serão realizados! Acorde, francês! Por quantas vezes passou acelerando pela Hollywood Boulevard sem ao menos dispensar olhares na direção daqueles que vendem seus corpos?
Kamus engoliu em seco, as palavras de Miro atingindo-o com uma força impressionante, ferindo-lhe. Continuou olhando nos olhos azuis do grego, sem ter o que falar, pela primeira vez. Quando o rapaz fez menção de entrar no elevador, em alguns passos cambaleantes, ele segurou-o pelo ombro.
— Nunca pensei em te tratar como um garoto de programa, Miro. Nem sabia o que você era, sabe muito bem disso. Mas também não pode me impedir de tentar mantê-lo aqui de algum jeito, me sinto responsável. E parece que esse é...
— É o que? – Miro perguntou, desafiador.
— Oferecendo-lhe dinheiro. Já disse que vou lhe pagar pelo tempo em que estiver aqui. – Kamus admitiu, num suspiro tímido.
Miro sorriu, triste, os olhos enchendo de lágrimas involuntariamente. Realmente, não podia negar que dinheiro lhe fazia falta. E muita. Era só lembrar do pequeno apartamento que dividia com Mu e Shaka que aquilo lhe dava ansiedade. Era fácil para quem sempre teve o que quis ver-lhe como um desesperado.
— Você tem razão, Kamus. Eu estou aqui apenas pelo dinheiro.
— Não distorça minhas palavras, Miro. O que quis dizer... – O francês começou a se explicar. "Por que eu me sinto na necessidade de justificar-me para ele?"
— Não importa, Kamus. Contanto que me pague, eu faço o que você quiser. – Ele disse, voltando para o escritório, não percebendo que Kamus fechara os olhos, contrariado.
Os dois emudeceram após a discussão. Miro sentara-se mais uma vez na chaise longue, mas agora não tinha pique para ler absolutamente nada. Pensou milhares de vezes que preferia que Kamus fosse simplesmente um cliente. Assim Miro seria o dono da situação, pois saberia perfeitamente como agir.
Olhou para o francês, que parecia cansado. Kamus sentara-se mais uma vez à mesa, e, pelo o que o grego escutou, ele pediu que alguém estivesse disponível no tal ambulatório, para que examinasse um amigo dele. "Amigo?", Miro pensou. Divagou em como aquilo se afastava da realidade.
Saiu de seus devaneios ao ouvir o leve sotaque francês.
— Quer almoçar antes, ou podemos ir ao hospital?
— Como quiser. Você é quem dá as ordens. – Respondeu, seco.
Kamus levantou-se mais uma vez, e fez sinal para que Miro o seguisse. Logo estavam no tal ambulatório, que Miro achou equipado demais para estar dentro de um estúdio. Mas, não abriu a boca.
Foi levado a uma sala menor, e percebeu que, apesar do francês estar sendo educado, por se preocupar em ter um médico cuidando dele, agia com discrição. Miro não era tonto, percebeu que eles não entraram pela porta principal do ambulatório. E foi atendido em uma sala totalmente particular, por um médico ainda mais discreto, que sequer lhe perguntara como ele conseguira aquele monte de arranhões.
Saíram de lá com o grego medicado, e com curativos melhores do que os feitos pelas hábeis, porém inexperientes mãos do francês.
Miro estava achando que iria para o refeitório. Sabia que, quando havia gravações dentro da Paramount, era comum as estrelas almoçarem juntas com a produção e a direção, em refeitórios muitas vezes construídos especialmente para determinado filme³. Mas não. Logo os dois estavam em outro carrinho de golfe, alcançando o carro de Kamus.
Saíram da Paramount, e foram a um restaurante razoavelmente chique que ficava por ali. O almoço transcorreu sem grandes desastres, apesar de Miro perceber certos olhares de repreensão por parte dos outros fregueses. Será que a diferença entre a educação dos dois era assim tão óbvia?
Por outro lado, Kamus estava inconformado. Preferiu levar Miro a um restaurante, para não correr o risco de vê-lo tietar possíveis atores que estariam pelo estúdio, nem encontrar conhecidos. Não queria sofrer a saia justa de explicar quem era seu desconhecido acompanhante.
Mas se arrependeu. O hábito o levou a um restaurante italiano. Pensou em ir a um francês, mas agradeceu mentalmente o fato de ter descartado a idéia. Se Miro estava com dificuldades para não se sujar com o molho, imagine comendo um escargot, por exemplo?
Passaram toda a hora transcorrida calados. Miro divagando, ainda lembrando do filme que vira há poucas horas. Passava as cenas ininterruptamente em sua mente, com a intenção de grava-las muito bem em sua memória, e jamais esquece-las, mesmo quando a lembrança de Kamus se esvaísse.
Sorriu. Que francês lindíssimo. Além de educado, culto, e rico, claro. Miro estaria feito se conseguisse conquista-lo como um cliente fixo. Imagina, passar noites de luxo naquela mansão, receber altos pagamentos, usar roupas melhores, pagar em dia seu aluguel e as outras despesas mais importantes que ele tinha...
Suspirou, enquanto colocava outra garfada do spaghetti na boca. Impossível. Se ele havia ficado tão revoltado por causa de um beijo...
Enquanto isso Kamus parava para analisar friamente a situação na qual se metera. Por que raios ele insistira tanto em trazer Miro para sua casa? E por que não o deixara ir embora nas suas muitas tentativas? E agora, que ele estava medicado, e razoavelmente melhor, por que não queria deixa-lo ir?
Ele não conseguiu achar as respostas.
Logo ambos saiam do restaurante, e o clima melhorou. Miro não conseguia ficar quieto por muito tempo, e seu jeito irreverente demoliu, mesmo que discretamente, as barreiras do outro. Voltaram à casa de Kamus, e Miro entrou em desespero quando viu a enorme piscina nos fundos da mansão. O francês prometeu que, como ele teria que trocar os curativos no dia seguinte, ele deixaria o grego nadar um pouco.
Os dias seguintes voaram. Kamus, um verdadeiro workaholic, chegou até mesmo a deixar de ir ao estúdio. Algumas vezes permitia-se rir perante a alegria de Miro. Ensinou-o a comer educadamente, enquanto o outro tentou fazer com que ele se soltasse. Miro não foi muito feliz na sua tentativa, mas não havia como discutir que Kamus, na presença dele, poderia até ser uma pessoa fria, mas ainda assim era muito diferente do que em seu dia a dia.
Uma semana completou-se, e Miro não mais mancava. Suas costas estavam quase que completamente cicatrizadas, e os outros ferimentos mais leves já dispensavam quaisquer cuidados. Não havia mais o porquê dele manter-se ali.
Não que não tivesse tentado seduzir Kamus. E não que o francês não tivesse entendido. Mas nada aconteceu.
Na manhã de sábado, sem sequer dizer nada, o grego vestiu uma calça e uma camisa que Kamus lhe dera. Gostaria de colocar suas roupas antigas, mas os trapos haviam ido para o lixo. E, de qualquer forma, ele estava muito melhor daquele jeito.
Sorriu tristonho ao olhar para o quarto onde dormira toda aquela semana. Pensou na banheira luxuosa onde se banhara. Nos almoços e jantares deliciosos, nos passeios pela Paramount. Suspirou, e virou as costas. Aquele não era seu mundo. E seu conto de fadas não tinha final feliz.
Como o prometido, ele estava dormindo num quarto no andar de baixo da mansão, para evitar ter de subir as escadas. Saiu devagar, evitando fazer barulho, apesar de ter a certeza de que o francês já estaria acordado, e trabalhando. Claro que iria despedir-se, mesmo sabendo que iria doer deixar aquele sonho para trás.
Bateu de leve na porta do escritório, que estava aberta; este era menor do que o que havia próximo aos quartos do andar de cima, mas era tão luxuoso quanto. Os móveis de mogno combinavam muito bem com a organização e a austeridade do lugar. Kamus estava sentado em uma grande cadeira giratória, digitando algo em seu laptop. Sorriu ao levantar os olhos e ver Miro.
— Já de pé?
— Ora Kamus, são nove horas. – Retrucou, entrando no aposento. Apoiou as duas mãos na mesa, encarando sorridente o outro.
— E você sempre levanta depois das dez. – Kamus comentou.
— Sim, eu sei. Mas hoje não tenho o por que ficar mais tempo dormindo. – Um silêncio incômodo seguiu-se, até o grego falar aquilo que havia ensaiado enquanto tomava banho. — Sem dúvida você é a melhor pessoa que eu já conheci. Me trouxe para sua casa, um completo estranho; cuidou dos meus machucados, me mostrou um mundo maravilhoso, e em momento algum me julgou. Mas você não é meu príncipe encantado, Kamus, – Riu, sarcástico. — e eu não vou ficar aqui encostado. Estou bem; e por isso estou indo embora.
O francês ficou calado. O leve sorriso que havia em seus lábios esvaiu-se. Queria pedir para que ele ficasse. Sabia que Miro estava bem, afinal, era ele que o ajudava com os machucados. Miro poderia ter ido embora há pelo menos dois dias... Mas algo fez com que Kamus sequer cogitasse essa possibilidade. Há quantos anos alguém não o tocava, não o 'libertava' como ele fizera? Nem mesmo Kamus conhecia a resposta. Apenas sabia que não queria deixa-lo ir.
Ponderou sobre o ridículo da situação. Apoiou os cotovelos sobre a mesa, e segurou sua cabeça, evitando o olhar do grego. Deixou os fios esmeraldas caírem pelos seus dedos, enquanto raciocinava. Miro era um garoto de programa. Simples assim. E deixara bem claro como queria construir sua vida sozinho, ao contrário daqueles que se aproveitaram da ingenuidade e devoção dele.
Fora que seu orgulho jamais permitiria que ele pedisse que o outro ficasse.
Levantou-se da cadeira devagar, e Miro apenas o observou. Ele foi até um armário, retirou uma pasta de couro negro de lá, e rodou os números da tranca do cadeado. Abriu-a, e retirou discretamente um maço de dinheiro de lá. Virou-se, e o entregou na mão do outro.
Miro ficou meio bobo com a quantidade de dinheiro que havia ali. Contou meio por cima, e achou a quantia absurda.
— Kamus, aqui tem mais de dois mil dólares! – Disse, enquanto apontava o dinheiro na direção do francês, que continuara placidamente em pé, ao lado do armário, guardando a mala.
— Quando você cobra por hora? – Perguntou, desinteressado, ainda de costas.
Miro ficou sem graça, mas respondeu.
— Depende. Geralmente cobro cem.
— E pela noite inteira? – Virou-se, olhando para o grego.
— Cobro quatrocentos por seis horas.
— Seguindo esse raciocínio, eu lhe devo cerca de dez mil dólares, contando os dias e as noites que você passou aqui. Nesse maço há cinco mil. Acho que é suficiente.
— É muito dinheiro, Kamus.
— Para mim é pouco. Espero que você o use sabiamente. – Disse, seco, sem querer demonstrar sua decepção por deixa-lo ir. – Irei chamar um táxi pra você.
Ambos dirigiram-se à frente da mansão, com passos lentos, calados, pois não tinham nada a dizer.
Logo o táxi, da companhia já conhecida pelo francês, entrava pela sinuosa rua à frente da mansão, e parava em frente aos portões. Miro olhou para Kamus, segurando as lágrimas. Não era uma donzela. Não iria chorar.
Apertou com firmeza a mão delicada.
— Obrigado, e adeus, Kamus.
Kamus não disse nada. Apenas o observou descer a ruazinha que levava até os portões da mansão, e entrar em um táxi. Logo que o carro partiu, ele virou-se para a enorme casa. Estranhamente maior do que poderia imaginar.
Continua...
1 – Realmente existe um cofre na Paramount, onde originais de filmes e outros 'documentos' importantes são guardados, atrás de portas corta-fogo e sistemas modernos de segurança. Porém, a disposição dos cofres, assim como o local, não é fidedigno ao que descrevemos.
2 – Ainda existem cidades do interior dos EUA, ou mesmo no Brasil, que utilizam esse tipo de projeção. Sabe quando, no canto geralmente direito do filme, aparece uma bolinha branca? Era ela que indicava ao profissional que cuidava dos projetores que faltavam poucos minutos para a troca. Ele tinha pouquíssimos segundos para desligar o projetor 01 e ligar o 02, pois os espectadores não podiam perceber a troca dos rolos de filme.
3 – Não somente dentro da Paramount, mas também em outros estúdios e locações externas.
Notinhas! (de novo, óbvio!)
Celly M. (a psicótica pelo Saga...)
Demorou, mas saiu! Finalmente, não é mesmo? Espero que não tenham se esquecido dessa nossa fic! Esse capítulo foi delicioso de escrever, especialmente pelo passeio na Paramount. A pesquisa foi gostosa e leve e devo salientar que esse mundo do cinema é fascinante! Fizemos algumas adaptações na disposição dos Estúdios, mas no básico é isso mesmo que está descrito!
Bem, como não poderia deixar de ser...agradecimentos às reviews aqui no ff . net e claro às perguntas e elogios via MSN e email, que me deixam mais do que feliz. Esse apoio é demais, vocês não têm noção!
Beijos também à minha companheira de fic, Lilizinha. Demorou mas saiu mais um capítulo do nosso projeto cinematográfico, hein?
Lili Psiquê (enlouquecida pelos Anjos...)
Mais um capítulo! Escrever esse aqui foi super legal por causa das referências ao cinema americano e os estúdios. São detalhes encantadores, que fazem qualquer um sucumbir à magia do cinema. Espero que vcs gostem dele tanto quanto nós.E não vou abrir a minha grande boca falando sobre quando vamos postar o próximo. Nunca consigo cumprir prazos, mesmo...
Beijos a todos que deixaram reviews, e que leram a fic. Ah, e agradeço e muito aos comments via MSN. A opinião de vcs é sempre importante. Ah, e sim, se vcs quiserem q a gente poste nos blogs fotos dos carros do Kamus, da Paramount, Hollywood Boulevard e Los Angeles, dêem um toque nas reviews. Beijos!
Ah, e Cellyzinha, beijocas tbm! Adoro escrever a OS!.
