capítulo 3
hey, guria. o que foi?
ela ergueu os olhos pra ele, e ele viu que ela tinha estado chorando. não dava pra esconder as marcas de lágrimas naquela pele frágil dela. marie voltou a olhar pra noite estrelada e resmungou uma resposta.
nada.
ele continuou parado ao lado dela; e cruzou os braços e franziu as sobrancelhas. se sentindo meio impotente, porque ele não era bom com palavras ou sentimentos... mas era óbvio que ela estava com problemas, e ele se sentia completamente responsável por ela, mesmo que existissem o professor e tempestade e todos os outros ali. ela era dele. era como a irmã mais nova que ele nunca tinha tido, ou não se lembrava de ter tido. era sua amiga, sua parceira. e logan queria ser capaz de resolver os problemas daquela pessoa tão especial. ele se ajoelhou ao lado dela na estufa de ororo, tentando controlar ao máximo seu temperamento explosivo.
não mente pra mim, marie. eu te conheço.
ela mordeu o lábio, ele talvez tivesse sido grosseiro demais outra vez. raios. ele suavizou a voz, deixando-a com aquele tom que apenas ela conseguia tirar dele, desde aqueles meses distantes dentro daquele trem...
eu... me preocupo contigo.
e como da primeira vez, o tom de voz dele quebrou alguma coisa dentro dela, fazendo-a suspirar. logan estendeu um braço sobre o ombro dela, e marie finalmente se abriu.
são as coisas de sempre, logan.
a mutação dela. raios. ele realmente não conseguia fazer idéia do quanto devia ser difícil de suportar, tão acostumado que estava a ter mulheres sempre que quisesse... mas o problema não se resumia apenas a sexo, era claro... ela estava proibida até do mais simples e inocente aperto de mãos... mas ela era forte e raramente se entregava, e isso só a fazia crescer aos olhos dele. ele acariciou de leve o ombro dela por cima do casaco, tentando encontrar alguma palavra de conforto enquanto ela enxugava novas lágrimas com as costas das mãos.
nunca vou ser de ninguém... nunca poder me divertir como todo mundo...
nunca vai poder se divertir?
bom, isso ele podia resolver. pelo menos por aquela noite.
ah, logan. ninguém quer sair com uma garota que não pode tocar em ninguém, que vai ficar se isolando num canto... huh? quem?
hmpf. eles não sabem o que tão perdendo. vem, vou te levar prum bar.
ele se levantou mas ela continuou sentada no chão, surpresa.
bar?
ela tinha arregalado os olhos, agora secos, e o encarava.
você... já tá com dezoito anos, não tá?
ele não queria problemas com a lei, e ela sorriu.
sim, claro... é só que... nunca pensei... você...
então continua não pensando. vamos.
ela ainda estava em dúvida, e logan tirou a correntinha do pescoço.
e quanto a ser de alguém...
ela engoliu em seco enquanto ele colocava devagar a dogtag no pecoço dela.
pode não ser no sentido que você quer exatamente, mas já é alguma coisa.
ela baixou os olhos e corou; e disse baixinho:
qualquer forma de ter você vale a pena.
ele tentou não sorrir, aquilo já estava ficando sentimental demais. estrategicamente ele desviou o assunto.
e então? vamos?
seus olhos brilhavam quando ela respondeu.
eu... eu vou. só quero vestir alguma coisa melhor, ok?
alguma coisa realmente melhor. quando ela o encontrou no hall de entrada minutos mais tarde, ele não pôde deixar de notar o quanto ela ficava bem naquele tom de vermelho escuro... e as botas... por algum motivo ele achou estranho que ela usasse botas de salto alto, mas combinavam perfeitamente com ela. a correntinha continuava ali no pescoço dela, visível por baixo da echarpe e entrando por dentro da blusa. até mesmo na maquiagem leve ele reparou; a única coisa que ele não gostou foi o perfume que ela tinha passado. era suave, mas ele preferia milhares de vezes o perfume natural dela. mas ele não disse nada, apenas ofereceu o braço.
vamos?
e ela respondeu, empostando a voz:
quando estiver pronto, senhor.
"pronto. hmpf. a gente nunca tá pronto. nunca."
lentamente ele colocou as rosas brancas no vaso de um vidro translúcido,ao lado de incontáveis porta-retratos, todos com fotos da mesma garota, o mesmo rosto muito branco, os olhos profundos, lábios muito vermelhos e os estranhos cabelos brancos e prata. viu suas mãos meio pálidas por causa da falta de sol, ainda fortes e sólidas, mas definitivamente... fracas. como se fossem apenas uma casca... envolvendo o vazio. o que costumava ser ele. a ausência dela deixava um buraco quase palpável, a dor em seu peito chegava a ser física. logan nunca tinha pensado que fosse possível sentir falta de alguém dessa forma, a cada momento ele a procurava, inconscientemente: durante o café, que eles costumavam tomar juntos, nas sessões na sala de perigo, na sala de tevê durante à noite... bastava passar por uma janela que seus olhos percorriam ansiosos o jardim atrás dela. o jardim onde eles dois tantas vezes se sentaram juntos, onde tantas vezes ele a sentiu do seu lado, em seus braços... onde ele poderia ter sido mais esperto e menos covarde e se declarado e feito ela feliz e... fuck. ele não queria pensar nisso agora. logan franziu a testa, sacudiu a cabeça e olhou pra baixo outra vez. aquelas mãos fechadas de raiva em cima da cômoda eram mesmo suas? pareciam tão translúcidas quanto a pele dela, ou de como ele se lembrava de como era a pele dela...
ele se virou e andou até a cama, seus olhos pesavam mas ele não queria dormir. ela podia chegar a qualquer hora... ela, uma notícia, um sinal. logan se sentou e pegou uma outra echarpe do meio dos lençóis desarrumados e farejou.
merda.
ele se levantou irritado e pegou um novo retângulo de tecido na gaveta da cômoda. o cheiro dela sumia depois de um tempo em contato com o corpo dele, e ele se desesperava. porque era como se ele lutasse contra a própria imagem dela, se desfazendo em sua mente. ainda parado em frente à cômoda, seus olhos passeavam lentamente pelas fotos, por longos minutos, como se tentassem prender a imagem dela por toda a eternidade em sua memória. por fim ele olhou pela janela e suspirou. pôr-do-sol. hora de ir.
ele trancou a porta do quarto, guardou a chave no bolso e ignorou qualquer ser que lhe cruzasse o caminho. não que ele realmente precisasse: ninguém mais tinha puxado mais conversa com ele nessas últimas três semanas. cada vez mais agressivo, calado e imprevisível. os olhares de pena só aumentavam, os cochichos que paravam de repente quando ele entrava num lugar também só aumentavam. mas ninguém precisava parar porque ele ouvia tudo antes. e se torturava e sua alma sangrava. porque, assim como seus olhos, ela não chorava mais. as lágrimas tinham secado há muito tempo, naquele primeiro dia ainda, e tudo o que restava era a raiva e a culpa. foi numa dessas conversas percebidas por trás da porta que ele ficou sabendo que, enquanto ele tinha estado fora, sua marie ia toda tarde durante o pôr-do-sol se sentar num banco no jardim, esperando por ele. e era pra lá que ele ia agora. logan se sentou, as pernas cruzadas, o rosto virado pro norte.
"ela tá lá. mas não é como todo mundo pensa... ela foi... dar um tempo... depois do que eu fiz com ela. esfriar a cabeça. mas ela vai voltar. eu sei. ela só tem que... me perdoar antes. me perdoar por ter demorado tanto. pra entender, me declarar... me perdoar por ter sido tão egoísta e irracional."
ele socou a árvore ao seu lado, furioso.
rrr.
"não pensa mais. respeita a memória dela."
ele ergueu os olhos vazios para cima, as cores vivas do céu de primavera contrastanto e acentuando ainda mais seu vazio e sua ansiedade e suas esperanças e medos de que fossem falsas. encostado no tronco de uma árvore, ele viu o sol se pondo e as estrelas nascendo, como em todas as noites desde três semanas atrás. as estrelas nasciam e seus olhos percorriam a noite ansiosos esperando ver ela no céu. mas ela nunca aparecia... ele esperava toda noite até o sol nascer. esperava e se refugiava também. na única noite em que ele tentou dormir tudo tinha voltado: ela ficando pra trás pra impedir que os seguranças avançassem no campo de batalha, as portas se fechando, as últimas palavras dela que ele ouviu pelo vão da porta, depois tudo desmoronando e o incêndio...
não.
a lua crescente apareceu e era com um sorriso. frio, fino. um sorriso maligno zombando dele. o vento tocava nele com seus dedos gelados, o céu era negro como se alguém tivesse fechado seus olhos, como se ele estivesse debaixo da terra...
não.
seus olhos pesavam e queriam se fechar, mas ele resistiu. não pensou mais, não imaginou mais, apenas esperou. uma eternidade mas ele merecia todo tipo de tortura por ter feito tanta maldade com ela, com alguém que o amava tanto, com alguém que ele próprio amava mas só fez esperar e sofrer.
"marie... me perdoa, meu amor."
---
ele se colocou ao lado dela, se debruçando sobre a mesa de sinuca.
agora faz assim...
não dá, logan. eu nunca vou conseguir jogar de luvas.
e suspirou. o que prometia ser uma noite pra esquecer seus problemas estava se revelando exatamente o contrário.
tira elas.
não!
ela olhou pra ele como se tivesse ouvido um absurdo, uma obscenidade.
tira. eu fico do teu lado o tempo todo, ninguém vai chegar perto. huh?
ela o encarou em silêncio por alguns segundos, pesando as consequências. e por fim se decidiu.
okey.
confiança. ela sabia que podia confiar nele, e ele se sentia honrado e levemente surpreso com esse fato, já que poucas pessoas confiariam nele. mas ela confiava, e era o que importava agora. ele assistiu ela tirando as luvas devagar, um pouco incerta, e revelando as unhas pintadas de esmalte vermelho. logan piscou, surpreso. nunca tinha imaginado que ela pudesse pintar as unhas... afinal, quem é que ia ver? mas ele logo concluiu que não era por isso que ela ia deixar de se sentir bonita e fazer quase tudo o que as outras mulheres fariam. e ele deu mais uma boa olhada pras mãos dela antes de pegar no taco, fascinado em ver como o vermelho contrastava tão bem com a pele muito branca dela.
ela era inteligente, e aprendia rápido. ele se sentiu orgulhoso. porque ela não era apenas esperta, mas também uma das garotas mais olhadas por ali. a mais bonita aos olhos dele. e por obra do destino... estava com ele.
e ela confiava nele, e ele nela, e eles se davam bem e se entendiam. ele olhou pra ela, sorrindo e estreitando os olhos tentando acertar uma tacada e comemorando e bebendo uns goles de cerveja de vez em quando, e se sentiu satisfeito. e nessa noite ele dormiu um pouco mais leve, com uma sensação boa de dever cumprido.
hmpf. confiança. dever cumprido. como as coisas poderiam ter mudado tanto? se existiam duas coisas que ele não sentia agora era sensação de dever cumprido e leveza de espírito.
ele suspirou e largou o vidro de esmalte vermelho no fundo da gaveta, voltando sua atenção pra uma pequena caixa forrada de veludo vermelho meio gasto. logan ficou vários minutos olhando pra caixinha fechada em sua mão e então, bem devagar, ele a abriu.
marie...
seus dedos passavam devagar pelas duas correntinhas entrelaçadas, uma mais grosseira, a dele, e outra fina e delicada, a dela. as duas prateadas, as duas com nomes escritos em plaquinha ou pingente. marie e logan.
ele suspirou pesado, voltou a fechar a caixinha e guardou dentro da gaveta. alcançou a echarpe, e entrelaçou-a de leve entre os dedos. era tão suave. era como ele se lembrava da pele dela naquela vez que ele a tocou no alto da estátua da liberdade. macia, suave... e gelada.
não.
logan colocou de novo o estranho e desesperado cd pra tocar, era o único que ele ouvia, todos aqueles gritos e vozes desesperados e gelados eram a única coisa que combinava com sua alma. ele não sabia o que era, como chamava, não queria saber. só sabia que fazia bem porque o torturava ainda mais, o lembrava ainda mais daquele dia...
grr.
ele sacudiu a cabeça e olhou pro chão. algumas garrafas de whiskey vazias. olhou debaixo da cama, seus olhos percorreram rápidos o quarto.
todas vazias, baby... a gente tem que ir comprar mais.
logan vestiu sua velha jaqueta por cima da roupa amassada, guardou a echarpe debaixo do travesseiro e saiu. o sol já estava alto no céu e ele esbarrou em jean quando saiu do quarto.
logan...
ele não respondeu.
logan, por favor. não faça isso consigo mesmo, não vai ajudar...
jean, vamos dar mais um tempo pra ele, okey?
mas, professor... me parte o coração ver ele assim...
ele ainda precisa de um tempo pra aceitar a verdade...
o vento levava as vozes até a porta da frente da mansão e a audição dele só tornava tudo mais claro.
"bando de idiota. porque todo mundo insiste?"
logan subiu na moto e foi pro bar de sempre que, graças a deus, ou ao diabo, o lugar ficava aberto vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana ao que parecia. ele se sentou e pediu duas doses de whiskey. pagou adiantado; desde o primeiro dia, o dono do bar, desconfiado, tinha pedido assim. logan não era o primeiro nem provavelmente o último a chegar no bar nesse estado por causa de uma mulher. sempre era por causa de uma mulher, e os infelizes sempre se recusavam a pagar depois de algumas doses. hoje ele já sabia dos hábitos do canadense que incrivelmente nunca ficava bêbado, mas logan evitava conversa e solidariedade, sempre pagava adiantando e se sentava no fundo do bar, no canto mais escuro e cheio de fumaça. era um bar que lembrava o primeiro encontro dos dois e ele sempre ficava esperando ela aparecer por ali enquanto tentava se embebedar, e nunca consesguia. enquanto suas pálpebras se fechavam e se abriam tentando penetrar em outra realidade, enquanto seus olhos se estreitavam, tentavando enxergar as formas dela na fumaça do próprio charuto.
marie...
falae, mutuna.
logan escutou um resmungo mas não deu importância, se tivesse prestado atenção veria um cara por volta dos quarenta anos, roupa tão amassada quanto a dele, barba mal-feita de dias, também como a dele, que estava ali há muito tempo, só observando logan virando mais e mais uísques duplos. e reparando em como ele não ficava mais bêbado. "o cara é um mutuna, só pode ser"
'cê sabe que a gente não gosta da tua raça por aqui, né.
"deus, não"
sabe, velho... vou te contar uma história. a minha garota morreu...
"a minha garota morreu". "a minha garota morreu". "a minha garota morreu". a frase ficou ecoando em sua mente e causou reações muito mais intensas do que as que o velho tinha planejado.
grrr.
um mutuna matou ela, minha garotinha, minha filha.
grr.
há, tá vendo só? tua raça só sabe criar confusão, por isso a gente não vai com a tua cara, ceis não merece viver; o governo devia era exterminar os mutuna tudo e...
snikt
calaboca.
o dono do bar, já prevendo o fim daquelas provocações, alcançou o telefone debaixo do balcão; e poucos minutos depois os tiras entraram armados, prontos pra atirar.
todo mundo pro chão.
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oh, não!
charles sentiu no mesmo instante o que estava acontecendo, as projeções de logan ficavam cada vez mais fortes com o passar do tempo. os sentimentos do lado negro eram sempre mais fortes em qualquer pessoa, e o grau de culpa e arrependimento que logan sentia só aumentavam cada dia que passava e ela não voltava, a cada pergunta que ele fazia e ela não respondia... charles xavier estava sim dando um tempo pra que ele se curasse sozinho, mas as coisas tinham um limite e estava tudo chegando muito perto...
jean, você e ororo peguem o jato e vão imediatamente buscar o logan. ele está com problemas.
jean ouviu o contato telepático do professor em sua cabeça e apesar de não ser uma mensagem muito explicativa, ela tinha certeza de que o problema não era externo e sim, interno. ela também não conseguia ficar imune aos sentimentos dele e talvez por ser mulher, e mais sensível, tudo ficava ainda mais intenso e insuportável. várias vezes ela se pegava querendo que ele fosse embora de novo. mas depois ela voltava atrás e sabia que ia doer mais.
"aqui é o lugar onde ela passou mais tempo... o lugar onde as lembranças dela estão mais vivas. nada mais normal que ele queira continuar... embora isso o faça sofrer cada vez mais. pobre logan. eu quase sinto saudade dos seus flertes fracassados comigo..."
jean fez o caminho todo até o jato mergulhada em pensamentos de pena. ela sabia que ele odiava isso, mas não conseguia odiá-lo nem achá-lo culpado como muitos ali. culpado porque, depois de prometer tomar conta dela, ele tinha passado meses quase sem dar notícias, culpado por ter ficado dando esperanças pra ela mas não feito nada, quase como se brincasse com o coração dela, culpado por ter tido medo de se entregar, mesmo quando os sentimentos eram claros como cristal.
jean? vamos?
a ruiva sacudiu a cabeça, acordando de seus devaneios.
vamos, ororo.
a viagem curta foi feita em silêncio, ninguém andava muito à vontade ainda pra trocar umas palavras casuais. os dias depois de um trauma eram sempre terríveis e essa não tinha sido a primeira baixa nos x-men. mas tinha sido a mais inesperada, a mais chocante... rogue praticamente mal tinha entrado na equipe... ela enxugou uma lágrima e agradeceu por terem chegado tão rápido, ela já tinha repassado tudo o suficiente pra se sentir péssima. jean não precisou procurar muito pelo canadense. era muito fácil achar logan ali, fora do bar, cercado de policiais e armas inúteis contra seu fator de cura e cercado por curiosos que passavam pelo lugar. logan tinha atacado dois tiras que sangravam horrores. jean pousou o jato rápida.
logan, pára. agora.
grrr.
"eu sabia que mais cedo ou mais tarde isso ia acontecer... ele guardando toda essa raiva, isso ia explodir de alguma forma... e tinha que ser assim! eu não preciso da telepatia pra saber o inferno que ele está vivendo".
jean? ele não está ouvindo. está completamente descontrolado.
eu sei, ororo. vou ter que paralisá-lo.
telecinésia sempre vinha a calhar. jean não disse mais nada e com um gesto elegante deixou logan imobilizado. ele entou protestar mas nenhum som saía de sua garganta. sua preocupação agora eram os guardas feridos
tempestade, me passe o algodão, desinfetante...
jean se ajoelhou no chão ao lado deles. era feio, muito feio. ela ia tentar fazer seu melhor antes da ambulância chegar.
peço desculpas pelo comportamento do nosso companheiro, ele...
poupe-nos das suas desculpas, moça. é por isso que vocês são perigosos. todo mundo tem momentos de descontrole, mas quando neguinho tem garra de metal os momentos de descontrole ficam muito mais perigosos.
isso era demais pra tempestade e ela se virou sem terminar de ouvir seguida de perto pela ruiva, que tentava calcular mentalmente a dose suficiente de calmante pra deixá-lo mais relaxado enquanto tempestade pilotava a nave de volta pro instituto.
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logan. por favor. seja sincero consigo mesmo. vai doer menos, acredite.
não, chucky.
dez minutos depois logan estava trancado com o professor na sala dele.
controle-se, logan.
eu tô controlado.
não, não está. estou sentindo...
não entra na minha cabeça, chuck.
você sabe que eu não faço isso sem permissão, logan. mas no seu caso nem precisaria, você irradia seus sentimentos de um jeito tão intenso que...
rrr.
logan... continuar negando só vai aumentar sua dor e sua fúria...
RRRRRR.
acalme-se.
eu tô calmo.
não está. e você sabe disso. e sabe também o porquê de estar se sentindo assim.
"vergonha"
porque eu não tive coragem de... contar pra ela. e porque tá todo mundo enganado.
logan, por favor. a única pessoa enganada aqui é você. aceitar até pode doer mais no começo mas...
rrrr.
se nós estamos enganados porque você anda sofrendo tanto assim?
porque... porque... ela não me perdoou então não vai voltar.
não, logan.
sim.
logan... não foi alucinação coletiva, por favor. seja razoável.
ele fechou os olhos por uns minutos.
sai da minha cabeça, chuck, eu já avisei!
professor, está tudo bem?
jean, preocupada com os gritos e as projeções mentais, abriu a porta da sala antes mesmo de charles responder e teve que desviar pro lado: logan saía rápido e ela por muito pouco não foi atropelada.
sim, tá tudo bem, jeannie. acabei de resolver: eu vou provar pra todo mundo que vocês tão errados.
logan...
ela tentou, mas sabia que era impossível argumentar contra alguém como ele até mesmo em situações normais. o que dizer do desespero profundo?
alguém achou algum corpo?
impossivel, logan... depois de tudo... desmoronamen...
calaboca. então não tem como provar que ela não tá mais viva.
ele saiu correndo pelo corredor e não ouviu as últimas palavras de charles xavier.
eu saberia, logan, se ela estivesse... eu saberia.
nada nem ninguém conseguiu parar logan; ele subiu pro quarto e se sentou na cama, a cabeça enterrada nas mãos. o cheiro dela era intenso e vivo e real... e o chamava.
eu sei o que você quer...
os dedos dela passearam sobre o peito musculoso dele até tocarem o queixo, onde ficaram brincando com uns fiozinhos de barba mal-feita. ela lambeu os lábios e então se afastou, os cabelos vermelhos faiscando na luz quente da sala. seu corpo protestou quando ela se afastou.
jeannie...
ele sentiu sua voz rouca e baixa chamando por ela, e no instante seguinte se arrependeu de ter dito o nome dela; se sentindo meio humilhado por estar implorando a presença dela. logan sacudiu a cabeça. ele estava sonhando? jean grey ali... não, não era um sonho... o cheiro dela era real... e isso era o que mais o que incomodava. era o cheiro dela, jean grey. o mesmo, a mesma essência... mas ainda assim, mudado. mudado como os olhos dela, com um fogo novo e ameaçador. mudado como a personalidade dela, agora livre de todas as barreiras auto-impostas. isso não estava certo... essa não era a jean grey que ele queria...
ele estava incomodado e confuso, sentia os pensamentos borbulhando em sua mente e não chegando a lugar algum. ele odiava isso. contrariado, ele ficou dando voltas pelo instituto, tentando achar algum modo de liberar aqueles sentimentos estranhos acumulados. mas a sala de perigo estava sendo usada pelos alunos mais adiantados, e lá fora nevava demais... logan estava preso dentro de casa. ele subiu as escadas resmungando e pensando no que fazer, e assim que colocou os pés no segundo andar do instituto captou o cheiro que o fazia se sentir mais calmo e concentrado.
ele caminhou até lá e abriu a porta da biblioteca silenciosamente. ela estava lendo, sentada na janela, com um abajur iluminando um lado do rosto. absolutamente concentrada, com as mechas brancas caindo de leve sobre o rosto, a testa franzida, mordendo o lábio de baixo. ele pensou em dar meia-volta mas ela ergueu os olhos antes que ele saísse, e isso foi suficiente pra que ele mudasse de idéia. ele se sentou ao lado dela.
e então, logan?
ele não respondeu, apenas meneou a cabeça e ficou em silêncio, e ela voltou a ler.
tá lendo o quê?
na verdade, relendo. um dos meus livros preferidos.
ela estendeu o livro pra ele. 'o morro dos ventos uivantes'.
bom?
muito. me lembra alguém que eu conheço...
ela olhou fixamente pra ele, e logan ergueu uma sobrancelha.
eu?
ela sorriu.
talvez. mas você não veio aqui pra conversar sobre romances...
ele tentou sorrir também.
não.
e voltou a ficar em silêncio, ruminando tudo o que tinha acontecido nos últimos dias. jean tinha voltado da morte... mas às vezes ele preferia que ela continuasse morta. além do fato de que era estranho se acostumar com isso, ela não era mais a mesma. ele suspirou e olhou pra fora: tudo ficando cada vez mais escuro, chuva e neve caindo juntas e molhando as vidraças. o som da chuva era confortante e o acalmava, e a presença dela ali era como um bálsamo. ele perdeu a noção do tempo até sentir a mão dela sobre a sua.
é a jean, não é?
ele pensou um pouco e respondeu que era.
o que tá havendo, logan? achei que você ficar todo feliz e... e voltar a ir atrás dela... como... como...
hmpf.
o silêncio voltou a dominar a biblioteca, iluminada apenas pela luz quente do abajur e aquecida pelo perfume dela. ele fechou os olhos, realmente se sentindo mais calmo.
ela tá estranha...
é. e é isso que tá me incomodando, guria.
ela ergueu os olhos pra ele, preocupada.
tá me incomodando, também, logan. às vezes eu tenho medo do que possa acontecer...
e realmente eles deveriam ter temido, e se preparado. mas jean tinha passado por um inferno, e renascido; e depois perdido o controle, e renascido outra vez quando finalmente voltou a ser a mulher controlada de antes... porque não marie? porque ela não poderia renascer e voltar também? num impulso ele se levantou da cama, encheu sua velha mala com roupas dele e dela e desceu, indo pra garagem e se irritando com os pedaços de conversas que chegavam até ele.
professor?
vai ser bom, jean. vai ser bom ele descobrir por si mesmo...
ele riu ironicamente.
"vai sim. vai ser bom eu descobrir e trazer ela de volta pra vocês verem."
todas aquelas frases interrompidas, palavras não ditas e olhares de pena já tinham feito logan atingir o limite da paciência. ele pegou a moto e saiu, dirigindo loucamente pra espantar seus terrores.
