logan emergiu, sentindo o ar entrando em seus pulmões e o vento frio do final de tarde batendo em seu rosto e secando as pequenas gotas de água gelada que escorriam por sua pele. ele se deixou ficar boiando por alguns instantes nas águas frias do lago, tentando relaxar o corpo e a mente. apenas doze horas de buscas tinham sido mais desgastantes emocionalmente do que dias de lutas contra todos seus inimigos juntos. doze horas de gritos, perguntas ao vazio... de tentativas de sentir o cheiro dela em algum lugar das redondezas, de ver pegadas dela, de finalmente ouvir alguma resposta. doze horas de buscas sem resultados.
e todas aquelas dúvidas, de que "eles" pudessem estar certos, começavam a sobrepor as certezas cegas dele mesmo, à medida em que suas buscas frustradas terminavam e o único lugar que havia sobrado eram as ruínas do enorme galpão.
logan arriscou uma olhada de lado pro monte de paredes caídas e restos carbonizados alguns metros à sua esquerda. quase um mês depois do incêndio, o mato já começava a tomar conta do lugar, e mesmo algumas das árvores que haviam sido queimadas mostravam pequenos brotos e folhas em seus galhos retorcidos e negros. e era tudo o que ele sabia sobre o local. ele não tinha arriscado a entrar ali ainda... e o fundo ele sabia exatamente o porquê. o máximo que ele tinha feito durante o dia tinha sido circular o local, e só pela aparência externa das paredes dava pra saber que seria quase impossível alguém escapar com vida dali, depois que o incêndio tinha começado. sim, ele admitiu isso pra si mesmo. mas sempre havia o "quase impossível", sempre havia uma chance...
"amanhã..."
e, ah, como havia sido duro ver seus delírios se desfazendo quando ele viu aquelas paredes consumidas pelo fogo... mas agora que ele havia chegado ali, ele não ia andar pra trás. ele nunca fazia isso, nunca. e amanhã... bem, amanhã seria o dia da verdade. tentando afastar qualquer tipo de expectativa de sua mente, logan mergulhou outra vez, sentindo a água gelada cortando seu corpo como facas. as lembranças e comparações eram ruins, desconfortáveis. mas serviam como alívio pra ele não pensar em seu problema mais imediato.
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era impossível apagá-la de sua mente, impossível fazer seu corpo entender que devia esperar. e então ele se descobriu obcecado por ela.
quanto mais ele a negava, mais forte a necessidade dela se fazia presente. logan tentava esvaziar a mente da presença dela, mas era difícil; e era ainda mais difícil porque ela o procurava como antes e ele não tinha mais tempo com ela como antes... ou fingia não ter. e então ele se surpreendia mais uma vez com ela, e se dividia entre assustado e maravilhado: ela nunca o prendia, nunca o forçava a ficar e a fazer o que não quisesse. ela o deixava completamente livre. porque ela também era assim.
até nisso eles se davam bem. era incrível...
e então ele a encontrou em mais uma noite solitária na estufa de tempestade, no meio das plantas. o cheiro dela era inconfundível, mesmo misturado com o das plantas que se preparavam pra primavera, e o instinto o levou a dar alguns passos na direção dela.
mas antes que ela notasse a presença dele ali começou a murmurar alguma coisa, e logan esperou, a mão esquerda apoiada na parede. e então ele ouviu ela dizendo baixinho, mas claramente: "
aah, logan, eu te amo tanto...
não dava pra negar ou tentar se enganar, era muito claro o que ela tinha dito. ele engoliu em seco. se sentiu congelando e deu meia-volta e não respondeu. nada. nunca. e agora a declaração dela vagava solta pelo tempo e pelo espaço, esperando um eco, uma resposta... que nunca chegava aos ouvidos dela... vagava enquanto o rosto dela se desfazia, se derretia... enquanto as línguas de fogo, enormes e implacáveis, vinham exigir de volta todo o amor que existia no coração dela e que não tinha sido correspondido, não tinha florescido... e ela murmurava e suas palavras ganhavam uma força indescritível com a distância e viravam gritos "eu te amo eu te amo eu te amo eu te amo" enquanto ela se liquefazia...
não.
ele se revirou na cama, ainda dormindo e suando mesmo no frio da noite, e caiu no sono outra vez depois de alguns minutos. o resto da noite, estranhamente, transcorreu tranqüilo. nenhum outro sonho ou pesadelo. logan dormiu como uma pedra, como há muito tempo não acontecia... ou como ele nunca havia se lembrado de ter dormido. era como se, à beira de descobrir a verdade, seja ela qual fosse, seus desejos e ilusões tivessem se encolhido no fundo de seu coração. seu sono só era perturbado por uma vaga sensação das pedrinhas pontudas no chão, sentidas através do saco de dormir. mas mesmo essa sensação não passava de uma coisinha incômoda no meio do grande vácuo negro que o envolveu naquela noite... era uma escuridão e vazio tão intensos que, mesmo depois de ter acordado, logan ainda os sentia dentro de si.
"talvez... seja com isso que a morte se pareça"
um arrepio gelado percorreu seu corpo, e ele quis acreditar que fosse o vento da manhã que se erguia. logan finalmente abriu os olhos... e soltou um suspiro. a neblina se erguia quase como uma parede sólida, impedindo-o de ver mais do que alguns metros à frente. o mundo tinha se transformado num grande campo branco e etéreo... como se ele misteriosamente tivesse passado pra um outro plano de existência durante a noite. o arrepio voltou, e ele sacudiu a cabeça, se sentando sobre a superfície rústica do saco de dormir, que esfriava rapidamente ao perder o contato com o corpo dele.
"não. não devo encarar essa neblina como um sinal... isso não é um sinal. ponto."
ele não queria mais pensar e se levantou num salto. andou pelo lugar por alguns minutos atrás de algum galho seco pra fazer fogo, e voltou bufando pro pequeno acampamento. o orvalho tinha molhado tudo, e ele ia ter que se contentar com o café da noite passada. ele encheu uma caneca com a bebida morna e se sentou de volta no saco de dormir. ele levava a caneca aos lábio de vez em quando, distraidamente, e seus olhos se perderam na neblina, e ele começou a se recordar... lembranças de várias épocas afloravam à sua mente, e ele tentava descobrir quando foi exatamente que se deu conta do quanto ela era essencial na vida dele, antes mesmo de crescer e virar uma ameaça. teria sido ainda durante a "morte" de jean grey, antes dela milagrosamente ter voltado à vida por causa de sua mutação?
"... naqueles dias... eu me lembro bem. tentava me consolar imaginando que marie estava ali... e tentava colocá-la no lugar da jeannie... tentava imaginar como teria sido se eu não tivesse conseguido salvá-la na estátua da liberdade... e só simplesmente imaginar minha vida sem ela me fez sentir vazio como poucas vezes em toda a minha vida..."
suas sobrancelhas se franziram, e o aperto em seu coração aumentou, lembrando-o da situação atual. mesmo naquela época, com o impacto da morte de jean ainda fresco e presente, ele não tinha chegado nem perto de imaginar sua vida sem marie. ele sacudiu a cabeça, levou a caneca aos lábios e tentou engolir mais um gole de café morno, sua garganta tinha ficado seca demais...
"mas não. naquela época eu ainda não tinha me dado conta de que... a amava. e talvez por isso tudo tenha se desenvolvido assim tão fácil. naquela época ela então era só a minha guria, alguém de quem eu gostava demais, alguém que tava sempre ali, alguém que fazia minha vida mais leve... alguém pra quem eu era um homem, e não apenas uma fera, uma arma ou uma experiência que não deu certo..."
ele sempre tinha tido um lugar especial no coração dela. sempre.
ele entrou na cozinha e foi direto pra geladeira. abriu a porta e resmungou: tinham bebido sua cerveja. contrariado, logan procurou a mesa mais distante do grupinho de mulheres que assava biscoitos, pensativo, e ali ele se sentou e olhou pra fora. a neve derretia, e a primavera chegaria muito em breve. ele suspirou. e instantes depois sentiu seu corpo reagindo: o cheiro dela ficava mais próximo. seu pescoço se virou contra sua vontade, e ele olhou pra ela. sorrindo meio melancólica, os olhos fixos nos dele e com duas canecas de café fumegante nas mãos.
toma.
ela colocou uma das canecas na frente dele, o tempo todo sorrindo, e então tudo o mais em volta deles parou. o sorriso dela... ele estava com saudades. era tão magnético, tão suave e quente... como ele tinha sobrevivido tantos dias sem aquele sorriso? mas o sorriso durou pouco, muito pouco, e logo ela saiu da cozinha com sua caneca, e mergulhou nas sombras da mansão. ele continuou sentado por longos minutos, sozinho e pensativo, e sorveu a bebida negra e muito quente em sua xícara. mesmo no meio de toda a escuridão de seus pensamentos, mesmo tendo revelado o que sentia, ainda que indiretamente, e não ter sido correspondida, ainda assim ela conseguia confortá-lo. com café, com sorrisos.
logan começou a pensar se não estaria sendo um covarde. por deus, até outro dia ela era apenas uma garota... 'a guria'. alguém com quem ele saía às vezes pra jogar, ou pra beber, alguém pra quem ele estava ensinando as melhores técnicas de lutas. alguém que ele quase chegava a ver como uma irmã mais nova. uma garota inofensiva: a última coisa que ela representava era uma ameaça... pelo contrário. por meses ela tinha sido como um porto seguro. mas agora não era mais. ela tinha virado uma mulher, e não era uma mulher qualquer, alguém com quem ele poderia ter uma noite de sexo e nunca mais ver outra vez. ela estaria sempre ali, e ele também. e mesmo que não estivesse, a parte que ela ocupava em seu coração já era grande demais pra ser ignorada.
o barulho na cozinha ficou irritante demais e ele não estava conseguindo pensar. irritado, logan se levantou e entrou na sala escura, mas ela já estava tomada por outra pessoa... sim, ela. deitada no sofá, a caneca apoiada no chão, com fones de ouvido, os olhos fechados, os braços abertos acariciando distraídos os cabelos e revelando seus seios cobertos pela blusa de gola alta muito justa, e entre eles, a forma mais alta da correntinha e da dogtag. ele deixou seus olhos percorrerem devagar o corpo dela, e sentiu sua boca salivando.
mmm... logan...
ele arregalou os olhos, surpreso, quando ela murmurou seu nome, numa voz meio sonolenta, os olhos ainda fechados. eram seus sonhos virando realidade; os sonhos onde eles faizam amor e dormiam ainda unidos e ela acordava e dizia o nome dele exatamente desse jeito... era como um chamado, difícil de resistir. ele sentiu a pressão da corrente ficando mais forte outra vez, o sombra da prisão voltou a crecer em cima dele; e se virou rápido pra subir a escada e ir pro seu quarto, levando a caneca aos lábios. tentou tomar mais um gole mas o café já tinha esfriado completamente. logan jogou a caneca pro lado, assistindo os raios do sol nascente perfurando a camada espessa de névoa.
"acho que foi uma coisa natural, porque era pra ter sido. e eu não consegui entender isso na época. eu lutava, mas porque tudo já estava feito, e eu não aceitava... ela simplesmente tomou conta do meu coração do jeito mais irreversível que podia acontecer... sem sequer tentar, sem nunca ter me forçado a nada. simplesmente aconteceu. porque era pra ser. porque a gente era... é... predestinado"
ele suspirou e se levantou, limpando as folhas úmidas da calça.
"hora de ir, xará."
e ele seguiu a trilha estreita até o galpão destruído, o tempo todo com a cabeça baixa e a mente vazia.
