"Marie, baby... "
Ele apertou mais os braços, tentando abraçar toda ela de uma vez.
"Esperei tanto pra ter você de volta, querida, tanto... tantas vezes tu me apareceu em sonhos, mesmo durante o dia... e eu tinha tanta certeza de que ia te achar... mesmo que todo mundo falasse o contrário. que eu tava ficando louco, que eu tava me iludindo... eu sabia que ia te encontrar... "
"Mas ele nunca poderia imaginar que o reencontro seria dessa forma."
"Não, não..."
O pedaço de couro, coberto de sangue seco, apertado ente seus dedos, era pequeno demais... e o pequeno x de metal retorcido não deixava dúvidas.
"Não..."
E os restos de cabelos queimado e do que parecia pele, ossos ou qualquer outro tipo de tecido carbonizado também não deixavam dúvidas.
"NÃO!"
Sua cabeça se inclinou pra trás com o grito, e seu punho se fechou. Com tanta intensidade que as garras se projetaram e ficaram faiscando na luz pálida do sol poente. Por quanto tempo, ele nunca soube dizer. Tudo o que ele sabia era que, depois de algumas horas explorando as ruínas, removendo pedras e valendo-se apenas da memória pra localizar o lugar onde ele a havia visto pela última vez, ele finalmente tinha chegado lá.
A pequena sala de controles, com a enorme porta de metal blindado. A porta continuava no lugar, intacta. E ele sentiu uma ponta de esperança quando passou se espremendo pelas paredes meio demolidas. O sol entrava glorioso pelos buracos no teto, aquecendo seu corpo e sua alma. Logan limpou o suor da testa e foi avançando pelo recinto. O cheiro de queimado ainda dominava o ar mesmo depois de todas essas semanas, o chão estava coberto por restos enegrecidos de várias coisas e cinzas. Mas ele ignorava todos os sinais e continuava avançando. Até que o reflexo de alguma coisa bateu nos seus olhos, obrigando Logan a fechar as pálpebras. Ele andou mais uns passos estreitando os olhos, parou ao lado do objeto que refletia a luz do sol e se ajoelhou. Seu coração parou. Um zíper, um pedaço de couro preto que tinha restado... lentamente ele viu sua mão se movendo em direção aos restos, e ele daria tudo pra voltar no tempo e não ter visto aquele pequeno x um pouco derretido no centro do zíper. Mas ele viu... e então o mundo parou. Ele não se deu conta de que o dia, ou dias, ou quantos dias haviam se passado, e ele nem sabia em que ponto suas garras se retraíram e suas mãos ficaram apertando sua cabeça, tentando se proteger de todas as imagens que surgiram como um turbilhão em sua mente. Ele murmurava o nome dela como um mantra, uma tentativa inconsciente de iluminar toda a escuridão.
"Marie..."
Ele apertou mais um pouco o pedaço do uniforme dela, e sentiu o couro ressecado cedendo à pressão.
"Não..."
Essas eram as únicas palavras que saíam da sua boca a essa altura, ora murmuradas cheias de dor, ora gritadas com fúria. Tudo o que existia era a escuridão dos olhos fechados, ele não queria abri-los, não queria enfrentar a realidade, ainda não... Logan só acordou do seu transe quando sentiu o couro finalmente se rasgando entre seus dedos. Então ele abriu os olhos e despertou. Uma gota de chuva em sua testa alertou-o pra chuva. Ele olhou em volta. Estava ensopado... o chão alagado e seus joelhos e pernas afundados no meio de cinzas e restos que boiavam... seus cabelos escorrendo sobre o rosto... mas os restos dela ainda firmes em sua mão. Devia estar chovendo há horas... mas ele não se importava.
Ele não merecia mais nada agora. Cuidados, atenção, compaixão, amor. Ele não era mais um homem. Não era mais um ser vivo. Ele se sentia vazio, arrasado, devastado. Não se importava com mais nada que pudesse lhe acontecer. Que tragédia maior poderia acontecer na sua vida depois dessa? Como se respondesse às suas perguntas mudas, o céu escureceu mais e mais, e a tempestade se tornou cada vez mais violenta. O teto, frágil, ameaçava desabar. Mas Logan ainda assim não se importava, e não se moveu um milíemtro. As piores mortes e formas de tortura passavam em sua cabeça, e todas tinham uma única vítima: ele, Logan.
Mas então um pedaço enorme de concreto caiu do seu lado, e ele se levantou num salto, assustado. O choque tinha despertado seu lado mais instintivo; o homem dentro dele podia estar se matando de culpa, mas seus instintos mais básicos o forçavam a sair dali, a fugir da fonte de dor. Ele andou devagar, o corpo fraco pela falta de comida ou fraco de dor, ele não sabia... Logan passou por um buraco na parede, deu a volta até ficar de frente pro seu pequeno acampamento e parou, se apoiando com a mão esquerda numa parede ainda de pé, e na outra mão segurando o seu tesouro.
Ele olhou pros restos de couro, cabelos e cinzas em suas mãos, e nem por um instante se preocupou com o quanto sua atitude era mórbida ou doente. Com todo o cuidado, ele caminhou até a moto, retirou a mala dela de debaixo do banco, abriu e escolheu a echarpe que ele havia dado de presente pra ela... há quanto tempo? Nem dois meses. Logan suspirou, e com as mãos firmes embrulhou tudo aquilo no tecido fino, e colocou num bolso interno da mala. Aquilo era ela. E ela ia ficar com ele até... bom, até ele ter se cansado de tudo, até ter se punido o suficiente. Sacudindo a cabeça pra tentar inutilmente se secar, Logan colocou tudo debaixo do banco da moto e se sentou, as pernas viradas pro mesmo lado. Ele ainda não ousava pensar, tomar decisões. Ele continuou sentado, sentindo a chuva escorrendo por seu corpo, lavando a lama e a sujeira, mas sua alma continuava suja e pesada.
Logan continuou olhando fixamente pra frente, o olhar perdido em algum ponto no além, como se olhasse pra dentro de si mesmo. Ele ficou assim por vários minutos, até um relâmpago iluminar a estrutura em ruínas bem à sua frente, pra onde ele tinha estado olhando o tempo todo. Ele sentiu um arrepio descendo pela espinha. Não, ele não podia continuar ali. Não agüentava mais olhar praquele lugar... aquele maldito lugar ia estar impregnado em sua alma até o dia de sua morte, por mais que ele tentasse esquecer. E isso já era suficiente, isso já seria a punição ideal. Ele finalmente encontrou o que tinha ido procurar... e agora sentia uma necessidade quase irracional de sair dali o mais rápido possível.
Deixando todo o acampamento pra trás, ele se virou, deu a partida na moto e saiu dirigindo sem destino e em velocidade máxima, não se importando nem um pouco com a possibilidade de terminar estendido no asfalto, sem vida.
