Capítulo 04 – O SecoeA Chuva
Ainda de manhã o sol já estava forte daquele jeito. A estrada parecia mais longa, mais deserta. E eles ainda haviam comido tanto na noite passada! Kagome se sentou no meio da estrada de terra, com um bico enorme, intimando uma parada para o hanyou.
"Ahhhh não, nós não vamos parar Kagome!"
"Estou cansada! E com calor!"
"Não!" – berra o hanyou.
"Ah, Inu Yasha! Senta!"
"Feh! Kagome, sua burra! Por que fez isso?"
Mais uma briga. Era quase divertido assisti-los. Quase.
Sango se recostou a uma árvore, esperando a decisão dos seus amigos. Shippou gritava entre eles, como sempre do lado de Kagome. Nessas horas, ela e o monge costumavam rir dos dois...
"Ohayo (bom dia), senhorita Sango! Esteve quieta desde que saímos do vilarejo. Está tud..."
"Posso ajudar, houshi-sama?"
Ela se virou, lhe mirando os olhos. Tremia por dentro, sabia que tremia. Mas não ia mostrar! Era uma caçadora, e sabia disfarçar diante de uma caça quando sentia medo.
Miroku engasgou a seco, com os olhos dela lhe socando o ego.
Estava errado. O tempo todo. Estava errado.
"Só queria saber se estava bem, senhorita Sango."
"Sim, obrigada."
Ela se virou novamente, notando o olhar de Miroku ainda preso a ela. Ele não ia sair dali nunca mais? Por Buda, como aquilo era incômodo, será que ele não entendia isso?
"Mais alguma coisa?"
Ela já ia voltar para seu caminho, quando ele a interrompeu.
"Não me trata assim, Sango!"
Um grito. Um grito que Sango jamais havia ouvido da boca do houshi. Agora mais que nunca ela não poderia virar, ela não olharia pra ele! A voz dele lhe passava pela espinha como um arrepio gelado, amarrando sua garganta, a fazendo desaprender a respirar...
Mas ela se virou. Por um segundo, esperando que ele fosse capaz de entender. O mesmo olhar.
"Gomem ne. (me desculpe)"
Sango sentiu o sangue subir até o seu rosto e fazê-lo arder. Em volta estavam para Inu e Kagome, que agora serviam de platéia para aquela cena.
Ela tentou voltar a caminhar, mas Miroku a segurou pelo pulso.
"Isso é uma parada, Inu Yasha. Mas só pra mim e Sango. Depois alcançamos vocês."
Sango lançou um olhar de reprovação ao monge, mas Miroku simplesmente ignorou. Inu pegou Shippou pelo rabo e voltou a caminhar, seguido de Kagome e Kirara.
Miroku soltou o pulso de Sango, olhando a caçadora que ainda permanecia virada de costas para ele.
"Onegai (por favor), Sango, fale comigo... o que eu lhe fiz de tão mal? O quê?... Aquilo... pelo que aconteceu... me desculpe!"
"Aquilo o quê, houshi-sama? Você não me deve satisfações."
Ela se voltou para ele, misturando raiva e ternura no jeito como o olhava. Por que ele estava ali, se desculpando com ela? Pelo beijo? Pelas outras? Por não sentir nada por ela?
Miroku se calou, perdido entre o seu pensar e as idéias que lhe vinha sobre ela. Era pelo beijo que ela lhe odiava? Senão, mais pelo quê? Foi ali, foi naquele instante em que abriu os olhos, que a viu olhar daquele jeito pela primeira vez... Quando havia a sentido finalmente perto, quando por um instante ele se viu apenas nela...
Quando...?
"Sabe ao menos me dizer porque se desculpa, houshi-sama?"
Ele abaixou os olhos, e num murmúrio respondeu:
"Não sei mais..."
"Nani? (o quê?)"
"Eu estava errado. E não sei mais o que aconteceu..."
Errado. Apenas errado. Como era estúpida!
Apenas errado. Ops, aconteceu. Mas era errado.
"Você não sabe, Miroku... não sabe..."
"Sango, eu..."
"Não me toque nunca mais!"
Ela gritou, os olhos encharcados e trêmulos, e correu em sentido oposto, para fora da estrada. E agora? Que diabos ia fazer com tudo aquilo preso na garganta? Com tudo que tinha na cabeça, no peito, por toda parte dentro dela! Correr? Gritar? Chover?
Miroku se viu sozinho no meio da estrada, se distanciando cada vez mais da caçadora que corria floresta adentro, enquanto finos pingos de uma garoa fresca lhe caíam sobre a nuca.
Finalmente, depois de tanto calor, chovia.
E agora que ela gritara, ele não sabia o que dizer.
oOo
A chuva escorria pelos seus cabelos, enquanto se apertava contra os próprios braços. Era tão fácil se sentir tola... e sua coragem, sua bravura? Era uma caçadora! E mesmo assim, estava lá, fugida de um simples olhar daquele monge, se escondendo como uma presa ferida entre as árvores daquela floresta.
"Quando você vai saber...? Quando?"
Ela soluçava, sem se importar se a chuva que aumentava abafaria seus murmúrios ou não. Ele não a escutaria mesmo que estivesse ali do seu lado. Era como se ela falasse outra língua, vivesse em outro mundo! E mesmo que ele tentasse entender, se ele tentasse escutá-la... O que escutaria? Que ele era tudo aquilo que ela não era capaz de acreditar? Que ele, ali na sua frente, era tudo que ela jamais pôde entender? Que ele, perto dela, junto dela, tinha sido o único caminho por onde ela havia se sentido completa...?
Sango levantou seu rosto molhado, confundido entre as lágrimas suas e as da chuva.
Não ia sair dali, até aquela chuva parar.
Qualquer uma delas.
oOo
Miroku continuava parado, meio a estrada chuvosa, quando Shippou voltou gritando por ele e Sango.
"Miroku..."
O monge continuava com os olhos presos na estrada de barro que descia entre as árvores e se perdia além da escuridão daquela floresta.
"Ela saiu correndo..."
"Vem, a Kagome me pediu para mostrar o abrigo que conseguimos."
O monge segiu o filhote de raposa, sem pensar. Não sabia aonde ia, o que fazia e não fazia a menor questão de saber. Ele sequer entendia porque seus pés andavam, mas sabia mesmo assim que estavam andando no caminho errado.
E o que era realmente errado?
Sua cabeça doía, não sabia o que pensar. Então era isso? Então ela simplesmente iria embora com a chuva sem dizer mais nada? Sem nenhuma explicação?
Quando se deu conta, já estava em frente a uma caverna na encosta da montanha, onde Kagome e Inu Yasha os esperavam, junto a uma aflita Kirara, que sentia a ausência da dona.
"Miroku, você está ensopado!"
Miroku arregalou os olhos para a colegial, como se alguma coisa tivesse lhe dado uma pontada no cérebro, o fazendo ligar.
"Você sente algum fragmento por perto, Kagome?"
"Hein?"
A garota piscou os olhos com força, estranhando a repentina preocupação do monge com a jóia.
"Inu Yasha, e youkais? Existem muitos youkais aqui? A Sango saiu correndo para a floresta, você tem que ir buscá-la."
Kagome se afastou, com um sorriso suave nos lábios. Inu Yasha soltou uma risada sarcástica, dando de ombros.
"Feh, problema dela!"
"O quê?"
O monge sentiu o sangue ferver. Que atitude era aquela agora do hanyou! E da Kagome, que nada dizia! Eles se esqueceram que Sango também era amiga deles?
Mas Kagome sorriu novamente, tentando acalmá-lo.
"Ora, Miroku, ela sabe se cuidar. Ela é uma caçadora de youkais, se lembra?"
"Mas ela está lá sozinha! Por que o Inu Yasha não vai atrás dela!"
"Feh!" - e como resposta, o hanyou deu um belo soco na cabeça do houshi. – "Porque não sou eu quem fez ela fugir pra lá! Toda vez que eu brigo com a Kagome vocês me fazem buscá-la! E quem tem sentimentos pela Sango é você, não eu! Então você que vá!"
Kagome olhou apreensiva para o hanyou. Será que ele tinha percebido o que tinha acabado de dizer, realmente? Ele devolve um olhar quase envergonhado. A colegial sorriu, voltando a atenção para Miroku.
Inu fez o mesmo. Afinal tinha que terminar de dar sua bronca no monge tarado. Estava fazendo algo certo então, se estava fazendo Kagome sorrir.
"Ainda está aí, houshi? Vá logo, ou ela vai pegar um baita resfriado nessa chuva..."
Miroku não precisou ouvir as últimas palavras. Agradeceu a ambos com um largo sorriso, e saiu correndo de volta à estrada.
Agora ele tinha uma boa desculpa para encontrar Sango.
Havia uma chuva a parar por ela.
