Capítulo 1: Transpondo as Barreiras da Escuridão

Quarta-feira, 4 de abril. 17 h: 55 min.

Hotohori ganhara uma punição, por mais uma matéria audaciosa, o jornal estava mais uma vez sendo processado. Seu chefe, Fujiro Tanaka, sabia que Hotohori provaria que estava certo como sempre, mas tinha que dar exemplo para seus outros funcionários, por trás, tinha o maior orgulho de Hotohori Kishomoto, principalmente porque ele fazia questão de não deixar o pequeno jornal onde trabalhava. Suas reportagens cada dia mais ousadas servia para dar uma grande projeção ao jornal e por isso até gostava do fato de estar sendo processado, todo mundo sempre falava do "jornal independente que estava sendo processado". Isso era ótimo.

Trabalhando na coluna, Investigação, sua punição, tinha que fazer uma "ponta" em outra coluna, a de "Artes". Detestava estar ao lado daquela gente que se achava muito importante e que se fazia de estrela. O artista que ele tinha que entrevista agora era um exemplo disso, um jovem pintor que não gostava de dar entrevistas e nunca tirava fotografias quando iria ser entrevistado, usava uma máscara que vedava completamente o seu rosto,uma máscara onde estava sempre sorrindo, Hotohori detestava essas excentricidade, mas desconfiava que por trás daquele sorriso havia um rosto sempre triste.

Ao chegar na casa dele Hotohori foi recebido pelo interfone. O portão automático abriu-se e ele entrou num jardim imenso e todo colorido com as cores da primavera, era final de tarde e o sol já desaparecia atrás da casa e o crepúsculo dava um colorido diferente ao jardim. A casa de Chichiri era impressionantemente grande, uma verdadeira mansão num estilo tão diferente que ele não soube identificar, nunca tinha visto nada parecido, sua arquitetura parecia ser única.

Hotohori procurou uma campanhia, mas ao bater na porta, esta abriu-se um pouco e ele dando de ombros entrou. Era tudo escuro dentro, não, estava quase tudo escuro. A única luz que tinha vinha de um candelabro posto em cima de um piano de calda, que ficava na outra extremidade da sala, perto de uma porta aberta naquele momento. Aquela situação para ele era muito estranha, e Hotohori levou uma grande susto quando aporta bateu causando um estrondo que lhe arrepiou a espinha. Cortinas e porta fechadas, só as velas iluminavam o grande cômodo que era o salão de entrada ma casa de Chichiri Yoshinaka. Não havia quase mais nada na sala além daquele piano no lugar. Com suas vistas se acostumando com a pouca luz, ele começa a dar uma boa olhada ao redor, se sentindo no Castelo do Conde Drácula, deixa um pequeno grito escapar quando ouve uma voz vindo da porta aberta.

- Não precisa ficar assustado. – diz a voz. – Eu não sou o Conde Drácula.

Hotohori sentiu um arrepio percorre sus espinha.

- Mas como você sabia que eu...

- Estava pensando no Conde Drácula? – Chichiri completa. – Fácil. Todos que entra aqui com a casa desse jeito pensa nisso. Venha por aqui, por favor, a entrevista vai acontecer em outra sala.

Hotohori o segue, achando que a qualquer minuto vai quebrar a cara desse "artistasinho metido a besta e cheio de fricote", embora no fundo sua curiosidade aumentasse para descobri o porque de tanto mistério, tanta coisa para manter sua identidade em segredo.

Chegaram a uma outra sala, também escura, com dois sofás, um de frente para o outro, sendo que um deles ficava entre dois abajures com uma luz um pouco forte. Chichiri apontou esse sofá e pediu que Hotohori se sentasse.

- Espero que essa luz seja suficiente para que escrevas. – disse Chichiri.

Hotohori tira uma caderneta da bolsa e um gravador, que coloca na mesa. Depois de todas as formalidades sobre direitos autorais, Hotohori começa as perguntas sobre sua nova exposição. Enquanto ele fala, Hotohori tenta divisar seu rosto envolto em sombras, já que a luz ilumina somente o seu lado. Consegue ver seus lábios e desconfia que suas suposições estão corretas, Chichiri parece ser uma pessoa bem triste. Percebia isso também em sua voz, em seu jeito de falar, calmo demais e um pouco arrastado, gesticulava pouco ou quase nada e sua cabeça permanecia quase sempre baixa, como se sentisse vergonha de algo. A melancolia do jovem e talentoso pintor incomodava Hotohori, fazia-o sentisse a pior das criaturas e que suas tristezas não eram nada perto das dele, tinha vontade de interromper a entrevista e perguntar porque ele se sentia tão triste. Depois de vinte minutos de perguntas e respostas, Hotohori pergunta sobre o quadro que tiraria a foto para o jornal e Chichiri pede que ele siga por uma outra porta, ao lado da que entraram. Hotohori se pergunta quantas portas será que a casa tinha.

O cômodo era, para não diferenciar dos demais, pouco claro, a luz dos lustres eram fracas e davam um tom muito sombrio e melancólico ao lugar.

- Como vou tirar uma fotografia aqui? - perguntou em voz baixa, quase para si mesmo. E então as luzes se acederam e seus, acostumados com a penumbra se fecharam.

- Assim está melhor? – Chichiri volta a sala, de máscara agora. Hotohori pode ver que a sala onde estava a pintura, era na verdade um ateliê, pois haviam telas em branco, inacabadas e manchas de tinta por todos os cantos. Era um cômodo bem grande e havia também três grandes janelas, fechadas, obvio. – O quadro para a foto é aquele ali.

Poucos minutos depois Hotohori esta saindo dali, disposto a desvendar o mistério por trás daquela máscara, não era apenas sua curiosidade de repórter falando, aliás, ele mal estava presente nisso, mas sentia uma enorme tristeza emanar daquele rapaz e queria de alguma forma dizer para ele que não estava só com sua tristeza, seja ela qual fosse.

Quinta-feira, 19 de abri. 14 h: 17 min.

Duas semanas mais tarde, Hotohori estava novamente na porta de Chichiri, dessa vez nada tinha haver com trabalho.

- O que queres aqui? – pergunta Chichiri pelo interfone. Era um dia de domingo, a tarde estava calma e fresca, sem ter o que fazer, Hotohori resolveu visitar Chichiri, sentia uma vontade inexplicável de ir até ele, falar com ele fazê-lo sentir-se menos triste.

- Gostaria de falar com você. – diz meio inseguro, já se arrependendo de estar ali. – Conversar um pouco... mas se você estiver ocupado eu posso voltar outra dia. "Mentira, eu nunca mais volto aqui", pensou.

- Não. – Fala Chichiri. – Espere, podes entrar.

Sem esconder sua surpresa, Hotohori entra novamente na casa. Dessa vez não teve a impressão de estar entrando num castelo mal-assombrado e sim numa casa normal. As cortinas estavam meio abertas e a luz entrava esquentando o grande cômodo, Hotohori viu que era um lindo salão, havia uma escada grande que levava para o andar de cima, e o que ele supôs serem replicas de obras famosas feitas pelo próprio. Chichiri mais uma vez não estava e nem apareceu como da primeira vez para conduzi-lo ao lugar em que deveriam conversar, então Hotohori seguiu pelo mesmo corredor que entrara uma semana antes, fazendo questão de observar cada detalhe agora que estava no claro.

Chegou sala, onde acontecera a entrevista, esta também tinha janelas abertas, tudo era tão claro, tão diferente, que ele por um momento duvidou que estivesse na mesma casa de antes. Entrou no ateliê e como nos outros cômodos, as grandes janelas abertas iluminavam e arejavam todo o lugar. Chichiri estava de frente para uma dessas janelas e conseqüentemente de costas para Hotohori.

- Sobre o que tu queres conversar? – perguntou Chichiri com sua voz triste. – Queres saber sobre minha vida particular? Vai publicar isso em sua coluna no jornal? "A vida de Chichiri Yoshinaka, por Hotohori Kishomoto em entrevista com o próprio."

- Não... não é isso que vim fazer. – se desculpou, Hotohori, sentiu sua face se avermelhar com a direta que Chichiri lhe mandou. Sentiu toda sua segurança se esvair num só golpe – Eu só... só queria... queria conversar um pouco. Só isso. – Ele gagueja nervoso, não entendia porque Chichiri estava sendo tão agressivo.

- Queres ver meu rosto? Saber porque uso máscara? – Sua voz era cheia de um rancor e uma raiva que tentava conter falando com tanta educação que fazia Hotohori sentir-se um completo lixo. – Tens alguma câmera escondida? Queres me expor ao ridículo?

- Também não é assim! – Hotohori quase grita, respirando rapidamente, estava ficando nervoso. – Eu não sou esse mostro que você pensa. Não sou como todos os jornalistas do planeta. Quando me viu publicar sensacionalismos? Não entendo sua agressão! – Ele estava realmente arrependido de ter ido até lá. Por que não fora embora quando tinha chance?

Chichiri não se abalou nem um pouco com a reação dele, continuou em sue lugar, calmo e com a respiração pausada.

- Eu vim aqui nem sei porquê. Aliás, vim porque queria falar com você. Senti que você estava muito triste. – Disparou, com os olhos cheios de lágrimas. – Pensei que precisasse de um pouco de companhia, mas vejo que não, que é um egoísta, e deve ser por isso que é tão sozinho. Pessoas como você que se acham os donos da verdade merecem mesmo ficar e morrerem sós. Seu bruto! - Hotohori se vira e sai da sala, revoltado e enxugando as lágrimas que agora corriam por seu rosto.

Ele não viu que pelo rosto de Chichiri escorriam grossas lágrimas, as palavras de Hotohori o atingiram com tanta força quanto pedras atiradas contra ele. Mas ele não entendia que precisava manter-se na defensiva, pois as pessoas que se aproximavam dele só queriam aproveitar-se dele, de seu talento ou de sus fama.

Hotohori ficou chorando no salão de entrada da casa se Chichiri. Ele não tinha o direito de tê-lo destratado dessa maneira. De repente se lembrou de algo que Tamahome lhe disse, foi com se ouvisse a sua voz e sentisse novamente o chacoalhar de seus ombros por ele: "Para de se comportar feito criança e de ficar choramingando sempre que alguém fala grosso com você. Você é homem, não aja como criança!". Ele ficou atônito, lembrando que esse foi um dos motivos alegados por Tamahome quando este terminou o namoro. Essa lembrança o fez levantar-se imediatamente e enxugar as lágrimas. Decidiu enfrentar Chichiri e seu mau-humor, nem que fosse para sair de lá expulso e com o nariz sangrando.

- Yoshinaka? – Fala com voz firme. – Queria pedir desculpas se te disse algo impróprio.Não foi minha intenção.

Chichiri ainda estava de costas para ele, pegara o pincel pra continuar a pintar e o deixara cair no chão, surpreso com reação de Hotohori. Sabia que ele ainda não tinha ido embora, mas não imaginava nunca que ele voltaria para se desculpar. Respirou fundo.

- Por que isso? – perguntou tentando não deixar sua surpresa transparecer em sua voz.

- Porque eu pensei que você não era tão mal assim. – confessou com um meio sorriso, Hotohori. – E porque eu acho que você realmente se sente sozinho e que precisa somente de uma companhia. – Sentia-se um pouco ridícula, mas vendo que Chichiri não tivera nenhuma reação para expulsá-lo ficou ali mesmo.

- Tu és muito audacioso, Kishomoto. – disse sorrindo. – Eu gosto disso. Faz a vida ficar mais divertida. Mas eu já conheci muita gente como tu... e já me decepcionei muito com elas também. Agora acho melhor tu ires. Essa conversa não vai nos levar a lugar nenhum.

Hotohori não se intimidou e empertigou-se no lugar e começou a passear pelo ateliê, mas Chichiri ficava sempre de costas para ele.

- O que há de errado com você? Por que não querem que vejam seu rosto? – "Espero que ele não me de um tiro!", pensou.

- E tu porque queres tanto ver o meu rosto?

- Não é seu rosto que eu quero ver. – respondeu desafiadoramente. – Quero saber o porque prefere a solidão. Porque ficar sozinho nesse lugar imenso? Você mora aqui sozinho, não é mesmo?

Chichiri balançou a cabeça confirmando.

- Tu és curioso demais. Eu pergunto o porquê de tanta curiosidade?

Hotohori então senta-se no chão e sua voz agora transparecia uma melancolia que não era intencional.

- Quando você falou comigo, senti que havia algo de triste em você, pensei que deveria ser muito solitário morar aqui, ser sozinho. Também queria conversar um pouco, dividir algumas agonias – disse dando de ombros.

- Quer falar sobre os seus problemas? Porque escolheu a mim? Será que não tem amigos?

- Não muitos. Na verdade não tenho quase nenhum e todos estão tão ocupados que não temos tempo para conversar.

- Você também se sente sozinho? É difícil imaginar que uma pessoa como você se sinta sozinha.

- E é fácil imaginar que alguém como você se sinta sozinho. A vida de uma artista sempre me pareceu muito solitária.

- Nem sempre tenho amigos que são artistas, mas tem famílias e não são nada solitários. – Chichiri também se senta, agora está de perfil para Hotohori e ele pode enxergar com clareza o seu rosto aparentemente perfeito, embora um pequeno risco, um traço de uma cicatriz aparecesse perto de seu nariz. Ele encosta o rosto nos joelhos dobrados e seu olhar torna-se distante. – Eu sou sozinho desde que meus pais morreram no acidente de carro. Eles construíram essa casa para mim, meu pai era arquiteto, foi ele mesmo quem a projetou, e essa idéia de ela se parecer com um labirinto foi minha, eu tinha cinco anos e estava empolgado com quebra-cabeças e jogos de labirintos. Ele gostou da idéia e começou a construir. Um dia nós viemos ver como andavam as obras, estava chovendo um pouco, mas havia muita neblina na estrada.

Hotohori ouvia tudo atentamente, e via as lágrimas escorrerem pelo rosto de Chichiri, sua voz se embargava um pouco com o choro.

– Mamãe pediu para que ele esperasse até o dia seguinte, mas ele disse que tinha negócios para resolver ainda aquela noite... Eu tinha doze anos e também pedi a ele para esperar, mas ele também, não me ouviu, não dessa vez... Não sei o que houve, não lembro de ter visto o carro virar e capotar, devo ter desmaiado com a primeira pancada, mas eu lembro da chuva em meu rosto quando fui levado de maca para a ambulância... Lembro-me que não consegui falar, mas queria chamar por meus pais, não conseguia abrir meus olhos, não podia enxergar nada, não sentia nada.

Chichiri levanta a cabeça como que para engolir o choro.

- Quando acordei e perguntei por meus pais a enfermeira me disse que sentia muito, mas eles haviam falecido. Por dias eu fiquei no hospital, ninguém aparecia para vir me visitar porque eu não tinha mais ninguém... Havia uma bandagem enorme em meu rosto, cobrindo o meu olho esquerdo e quando vieram tirar eu gritei e chorei de desespero, não conseguia enxergar direito e logo descobri que tinha perdido a visão do olho esquerdo e pra piorar a situação quando me olhei no espelho consegui ver uma enorme cicatriz cortando o meu rosto.

- Então é isso que você esconde? Essa cicatriz?

Chichiri confirma com a cabeça, volta a abraçar os joelhos e a deitar a cabeça sobre eles.

- Fiquei com muito ódio, gritando e perguntando porque maldição eu ficara vivo, gritava que queria morrer imediatamente e que queria meu rosto de volta, quebrei varias coisas no hospital e foram necessários dois homens adultos para me conter e me sedar. – Levantou a cabeça passando a mão pelo rosto para enxugar as lágrimas e virou-se, mas não totalmente para Hotohori, continuou meio de perfil. – Tu fazes idéia do que é a dor que um garoto de doze anos sente quando perde os pais e tem o seu rosto deformado para o resto da vida? Não tu não fazes, porque nunca passou por isso, eu sim.

Hotohori teve vontade de correr até ele e o abraçar, mas não fez isso. Simplesmente aproximou-se devagar e estendeu a mão par ao rosto de Chichiri. Ele não recuou, deixou-se tocar e também não se opôs quando Hotohori virou seu rosto, deixando completamente de frente. A reação de Hotohori não foi de repulsa, pelo contrario surpreendeu-se pela beleza do rosto de Chichiri, o corte não maculava tanto a beleza que possuía, então, passou a mão pela cicatriz do rosto do jovem artista. Era um pouco grossa e cortava mesmo metade do rosto dele, começava um pouco acima da sombracelha, riscava seu olho e passava por seu nariz, terminando no outro lado de seu rosto, no inicio de sua bochecha, o corte deveria ter sido bem profundo, já que o cegou.

- Não é tão assustador assim - ele disse, com carinho e viu o rosto de Chichiri se avermelhar. – Poderia dizer que sinto muito pelo que aconteceu, por seus pais terem morrido, mas você deve ouvir isso sempre que conta essa história e isso não mudará nada...

- Eu nunca contei isso para ninguém. – Disse puxando o rosto das mãos de Hotohori e desviando-os novamente. – Tu és a primeira pessoa a ouvir. Ninguém nunca se interessou por ouvir como eu ganhei essa cicatriz... porque ninguém jamais a viu. Todos que estiveram comigo só se interessavam em se promover as minhas custas: promotores de vendas, modelos e outros artistas, todos interessados em aparecer nos jornais e nas revistas a meu lado. Nem mesmo os homens com quem dormi viram meu rosto.

- É muita confiança depositada num cara que você expulsou momentos antes achando que era um jornalista de fofocas.

Chichiri sorri, pois nem ele acreditava que tinha contado essas coisas para um jornalista, ainda mais um que acabara de conhecer. Mas no fundo algo lhe mandava confiar em Hotohori. Senti uma empatia inexplicável por aquele rapaz moreno e de longos cabelos lisos presos atrás, mas com varias mechas soltas a lhe cair pelos ombros e pelo rosto.

- Acho que gostei de ti. – e vira-se par Hotohori. – Tu és mesmo audacioso e corajoso também. Se não o fosse não terias coragem para enfrentar tanta "gente importante", como vem fazendo. Não queres beber alguma coisa? Todas essas lágrimas derramadas me deixaram sedento.

Hotohori sorri e levanta-se acompanhando Chichiri, ainda tinham muito que conversar. Ta´bem não entendia porque se aproximara dele, mas se o pintor confiara nele para contar uma coisa tão importante não deixaria uma oportunidade de ter algum para conversar, alguém que o compreendesse e a seus medos, pois também os tinha. Talvez Chichiri fosse essa pessoa...