Narn i Hîn Ungoliant

Depois dos Balrogs de Angband livrarem Morgoth de Ungoliant, ela fugiu para as Ered Gorgoroth (depois chamado Nan Dungortheb, Vale da morte Horrenda). Lá haviam outras criaturas em forma de aranhas gigantes, e Ungoliant copulava com estas criaturas e as devorava.

Toda vez que ela copulava com algum macho, ela o devorava após o "serviço feito", e depois de um tempo, achava um lugar para colocar os ovos. Quando estava perto de os ovos chocarem, ela ia para o local em que os tinha colocado e esperava todas as aranhas saírem dos ovos, para comer as cascas. Na maioria das vezes, ela também comia os filhotes, mas eles davam um pouco de trabalho (apesar de recém-saídos dos ovos, eles já tinha as garras nas patas e um ferrão semi desenvolvido), e alguns da ninhada conseguiam fugir.

Certa vez, uma ninhada não nasceu no devido tempo, e Ungoliant estranhou isto, mas havia uma outra ninhada em outro local, e ela teve que ir para este outro local. E quando ela estava longe, preocupada com outras coisas, a ninhada chocou, e as aranhas saíram sem ninguém para persegui-las. Estas aranhas já saíram com fome, e comeram as próprias cascas, pois eram a única coisa comestível no lugar. Eram seis aranhas, e todas incrivelmente parecidas com a mãe; na verdade, as mais parecidas que já haviam nascido. Artragor e Ungol foram os que primeiro saíram da casca, juntos. Depois Helkamaik, Spidelhîn, Nimhîthel e Laracna, nesta ordem.

Artragor e Ungol eram muito parecidos, tanto no físico quanto na mente malévola. Eram de todo negros, enormes; em cada pata havia uma garra, seus pêlos eram como fios de aço. E em seus olhos medonhos ardia uma chama de um azul escuro e profundo, opaco, mas que causava grande temor a quem os visse. Helkamaik era negro, mas alguns de seus pêlos eram azuis, da cor do céu noturno. Era menor apenas que Artragor e Ungol. Seu veneno era o mais poderoso, e dava à vítima a sensação de estar congelando por dentro; até mesmo seu ferrão era frio como o gelo. Preferia ambientes frios, com muita neve. Spidelhîn era um pouco menor que Helkamaik, e a diferença entre eles era que alguns pêlos de Spidelhîn eram prateados, ao invés de azuis, e ela gostava de florestas escuras e densas, com pouca iluminação. Nimhîthel era a mais diferente dos irmãos: era albina. Sua pele era de um branco-rosado fosco, e os pêlos, semitransparentes. Os pedipalpos e quelíceras1 tinham cor avermelhada, assim como os olhos. Era muito resistente ao calor, e dava preferência à lugares quentes, como os desertos. Laracna, a última a sair, era idêntica a Ungol, mas era menor que esta, e Laracna também não possuía a mesma chama no olhar quando estava furiosa.

Como Ungoliant não estava presente no momento em que as aranhas deixaram os ovos, estas nasceram livres, e assim cresceram. Demoraram cinco anos para atingirem a fase adulta, e também para ver a mãe novamente. Raras eram as vezes em que andavam sozinhos, mas foi numa destas vezes, que Artragor encontrou-se com a mãe. Ungoliant estava caminhando nos sopés das Ered Gorgoroth, quando avistou o filho (mas sem saber que este o era), e resolveu ir até ele, pois estava em tempo de reprodução. Então começou a soltar um gás, que acalmava os machos, e os induzia ao cruzamento. Ela foi se aproximando de Artragor, como sempre fazia com os outros machos, mas no momento em que estava perto o bastante, ela olhou profundamente nos olhos dele e parou. Havia visto nos olhos de Artragor uma fome e uma fúria enormes, e sentiu nele um oponente terrível, case fosse necessário. Quando percebeu isto, Ungoliant parou de expelir o gás, voltou-se e fugiu dentre os precipícios das Gorgoroth. Artragor ficara apenas observando tudo, pois ainda estava sob o efeito do gás, e não se preocupou com o que aconteceu.

Ungoliant seguiu seu caminho, se perguntando como aquele macho era tão grande e amedrontador, e suas patas a levaram ao lugar onde estavam reunidas as outras aranhas da mesma ninhada de Artragor. Quando ela avistou Ungol, ficou ainda mais assustada, pois parecia que se olhava em um espelho; em decorrência disto, abandonou o lugar, e foi para o oeste nas montanhas.

Por volta desta época, Morgoth colocou a cabeça de Beren à prêmio, e foi mandado um exército contra ele, sob o comando de Sauron. E Beren foi tão perseguido que afinal foi forçado a fugir de Dorthonion. Era inverno, e ele começou então sua jornada rumo ao sul.

Devido ao fato do encontro de Ungoliant e Artragon, e da fuga de Ungoliant, Beren não encontrou-se com esta nem nos íngremes precipícios das Gorgoroth nem nos turbulentos ermos de Dungortheb. Para a felicidade dele, pois até mesmo para ele, o horror de fitar os olhos da Grande Aranha seriam demais, e talvez ele não chegasse ao seu destino.

Mas seus descendentes estavam lá, e foram um grande tormento para Beren.

Quando este chegou ao fundo dos vales das Ered Gorgoroth, onde havia sombras ali dispostas antes do surgimento da Lua, estavam à sua espera muitas criaturas malignas, nascidas nas longas trevas anteriores ao despertar do Sol. Mas destas não se falará aqui, pois evitavam as aranhas, e temiam-nas. Aconteceu que quando Beren chegou aos sopés das montanhas, e no começo dos ermos nefastos de Dungortheb, seu caminho cruzou com o dos filhos de Ungoliant, Helkamaik, Spidelhîn e Laracna (Pois Nimhîthel estava em Anfauglith para escapar do frio, e Ungol e Artragor estavam ocupados em outro lugar, a maquinar planos sobre uma assunto que será tratado posteriormente aqui).

Para sua sorte, ele havia dormido, e estava relativamente reposto. Mas para seu azar, era inverno, e isto deixava Helkamaik mais forte e resistente. No momento em que apareceu para as aranhas, estas rapidamente o cercaram, e começou uma briga para decidir quem iria comê-lo, pois a comida era escassa naquela época do ano. Beren tentou aproveitar-se disto para fugir, mas Spidelhîn apressou-se e postou-se diante dele, e atacou-o. Começou uma batalha da qual Beren jamais se esqueceria mais tarde, embora tentasse, e só conseguisse afastá-la da mente por um período de tempo quando Lúthien cantava para ele.

Spidelhîn atacava com as patas e os ferrões, e Beren se esquivava e se defendia com sua espada. Ficaram assim durante muito tempo. Helkamaik e Laracna não interferiram, pois para eles este ato era uma ofensa, e queria dizer que o ajudado não teria ganho a luta sem ajuda. Já estavam cansados, quando Beren encontrando uma brecha na defesa do inimigo, entrou debaixo das pernas da aranha, enfiou a espada até o punho no cefalotórax do inimigo e rasgou-o até o abdome2. Spidelhîn nada pode fazer, e no instante em que o humano puxou a espada de seu ventre, caiu no chão, agonizando. Ao ver isso, Helkamaik postou-se de frente para o irmão, olhou-o nos olhos, e depois de um tempo disse:

---Você não vai morrer... não pelas mãos dele.

Enquanto isso, Laracna entrou no caminho de Beren e o ameaçou, mas ele, mirando a aranha nos muitos olhos, perguntou:

---Qual é o seu nome, filha maldita de Ungoliant?

---Laracna. - respondeu ela

---Laracna... este será o nome da última aranha viva que verei! - disse Beren

---Não, este é o nome da última criatura que verás nesta vida, humano tolo! - retrucou ela, e preparou-se para atacá-lo, mas Helkamaik disse antes disso:

---Deixe-o Laracna! Deixe-o ir! Não será por nossas garras que ele deixará esse Mundo... não será por garra alguma, será por dentes... dentes afiados, cruéis e mortais...

E assim Beren deixou as sombras das Gorgoroth, mas não foi neste ponto que sua viagem terminou. Pois ainda haviam algumas milhas a percorrer pelos ermos de Nan Dungortheb, onde os feitiços de Sauron e o poder de Melian se enfrentavam, e o horror e a loucura andavam à solta; e monstros por ali vagavam, caçando, silenciosos, com seus muitos olhos. Mas a isto não se compete falar aqui, e talvez, em outro momento, esta história há de ser contada em outro lugar.

E eis que no momento em que Beren os deixou, Helkamaik disse a Laracna:

---Irmã, vamos à procura de Artragor e Ungol, eles saberão o que fazer corretamente. Eu posso apenas deixá-lo sem sentir dor por um tempo... ajude-me, utilize o gás que vocês, fêmeas, soltam para acalmar os machos antes do acasalamento...

---Você também será afetado... - ponderou Laracna

---Não... não assim... estou no meu habitat, e na minha estação... poucas coisas me afetam nestas condições. - retrucou Helkamaik

Então a fêmea usou do mesmo gás calmante que a mãe utilizara poucos dias atrás, mas com outro propósito. Surtiu efeito em Spidelhîn, mas não no irmão, como o próprio dissera. Este, depois que Laracna acabou sua parte, começou a "soprar" no ferimento, e criou uma fina camada de gelo no local, dizendo ao irmão ferido:

---Isto vai amenizar a sua dor por um tempo. Apenas tente se manter acordado... estamos indo procurar Artragon e Ungol, voltamos daqui a pouco.

E saíram em busca aos mais velhos, e deixaram Spidelhîn ali sozinho. Ao menos imaginavam assim.

Pedipalpos: órgãos sensoriais presentes nos aracnídeos em geral; nas aranhas, podem ajudar a "segurar" a comida, pois encontram-se ao lado das quelíceras; nos machos, também funcionam como copuladores.

Quelíceras: apêndices articulados, localizados na região bucal, e inoculadores de veneno; agarram as presas e as manipulam durante a alimentação. (N. do A.)

Nesta época, as Aranhas da prole de Ungoliant ainda não haviam desenvolvido a espessa camada interna em seus abdomes, pois ainda não haviam vivido tempo o suficiente para tanto; apenas por isto Beren consegue rasgar a parte inferior de Spidelhîn. A passagem em "As Duas Torres", que descreve como Sam conseguiu ferir Laracna, se passou duas Eras mais tarde. (N. do A.)