A água fria descia fortemente do chuveiro, chocando-se contra o corpo quente que estava debaixo das gotas. O garoto passou a mão por entre os fios negros de cabelo, enquanto o peito subia e descia em respirações ofegantes. Novamente teve aquele sonho, o mesmo que o estava atormentando por dois meses. Os mesmos olhos amêndoas que não lhe saíam da cabeça como se fossem uma maldição. Uma maldição que ao mesmo tempo estava mandando sensações agradáveis e desagradáveis ao seu corpo.

-Droga! – o garoto gritou, socando o azulejo do boxe e apenas ganhando dor como resposta.

-Day? – batidas vieram da porta do banheiro – É você querido? – perguntou a voz suavemente.

-É… sou eu. – respondeu o moreno, desligando o chuveiro.

-Não demore muito, senão perderemos o trem. - avisou a mulher do outro lado da porta.

-Okay! – foi tudo o que disse, enxugando o corpo e logo vestindo uma calça jeans surrada e uma camisa negra, passando os dedos por entre os fios negros do cabelo e os desorganizando, para logo depois descer as escadas da casa em direção a cozinha.

-Caiu da cama? – foi a primeira coisa que Evan perguntou quando viu o irmão mais novo entrar na cozinha. Day prezou-se apenas a sorrir para ele. Aquele sorriso inocente e sem malícia, tão conhecido por todos. Assim era Day Maxwell Potter. Dentre os três filhos de Dallas e Harry Potter, o caçula da família – pois nasceu cinco minutos mais tarde que a sua irmã gêmea, Hannah – era o mais calmo, o mais tímido e o mais paciente entre os três irmãos. Enquanto Evan mostrou-se um grifinório super protetor e ciumento, podendo passar do estado de calmaria ao caos em poucos segundos, Day era o seu inverso, assim como era o inverso da irmã. Uma sonserina esquentada, do tipo que não leva desaforo para casa. E juntos, Evan e Hannah formavam a sua pequena guarda pessoal. Não que ele reclamasse da preocupação e do carinho deles, mas ele já tinha quatorze anos, por Deus, sabia se cuidar, mesmo que alguém o provocasse.

-Day? Day? – Dallas chamou, tirando o garoto de seus devaneios e mirando seus olhos azul-violeta nos violetas do filho. Ao contrário de si, o moreno nascera com duas ametistas no lugar dos olhos, lhe dando uma certa beleza exótica. A mistura dos cabelos negros como a noite, a pele levemente morena e com pequenas e quase imperceptíveis sardas no nariz e nas bochechas, o corpo esguio, mas bem estruturado por causa do Quadribol, e aqueles grandes olhos violetas sempre atraíam a atenção, ainda mais em um rapaz no meio da adolescência.

-O que foi mãe? – respondeu, piscando um pouco.

-Como o que foi, cara? Vai ficar aí parado que nem estátua? – Evan riu e Day corou um pouco, movendo-se e sentando-se em seu lugar de costume à mesa, começando a se servir.

-E onde está Hannah? – perguntou.

-Onde você acha que ela está? Com certeza em seu quarto se embonecando, desde que descobriu uma coisa chamada maquiagem, argh, um tormento! – resmungou Evan.

-Pare de reclamar. Você mesmo gosta que uma mulher se embeleze para você. Por que não Hannah? – Day perguntou, dando uma mordida em sua torrada enquanto via Dallas revirar os armários da grande cozinha, a procura de alguma coisa.

-Acha que ela está se embelezando para alguém? – Evan estreitou os olhos azuis escuros por detrás dos aros finos, pequenos e retangulares de seus óculos. Não precisava usá-los para tudo, apenas para ler, mas preferia mantê-los no rosto a esquecer de colocá-los e ganhar uma enxaqueca como recompensa por forçar demais a vista.

-Você não tem jeito. – Day comentou, sentindo uma ponta de ciúme emanar do irmão. Não o culpava muito, até mesmo ele tinha um pouco de ciúmes de Hannah. Afinal, ela era a única menina da família.

-Olha só quem fala, o puxa-saco da Hannie. – Evan escarneceu e o outro garoto soltou um pequeno bufo.

-Mas quando você vai contar para o papai e para a mamãe. – perguntou o caçula, tentando mudar de assunto antes que o irmão começasse a pegar no seu pé.

-Sobre? – o garoto mais velho retrucou desentendido, olhando de relance para Dallas que parecia alheia a conversa deles enquanto preparava alguma coisa na pia.

-Você e Angela Malfoy. – comentou displicente, dando de ombros, e Evan empalideceu, quase engasgando com o seu leite. O seu caso com Angela Malfoy era segredo de Estado. Pois se o seu pai, Lúcio ou Draco soubessem no romance, os matariam. Não por reprovarem o namoro, não se ao menos eles estivessem na mesma faixa etária. Acontece que Angela era mais velha, mais madura e já tinha quase uma carreira de sucesso como advogada. Namorar um moleque que ainda nem se formou no colégio com certeza seria a última coisa que Draco e Lúcio Malfoy iriam querer para a garotinha de seus olhos. No conceito dos dois loiros, ele não servia para a ruiva. Na verdade, quase nenhum homem era bom o bastante para a ruiva, não segundo os homens daquela família.

-Calado sobre isso, senão arranco a sua língua! – ameaçou mas Day não se abalou diante do mau humor do irmão. Quando o assunto era o romance dele com a jovem Malfoy, ele sempre ficava com os nervos a flor da pele.

-Bom dia família! – Hannah entrou na cozinha com um sorriso de orelha a orelha. Seus cabelos mel desciam em cascata pelas suas costas enquanto os olhos verdes vivos brilhavam em excitação. Seus irmãos apenas se perguntavam como é que ela conseguia ficar tão animada a àquela hora da manhã.

-Bom dia. – Evan resmungou e Day apenas deu um aceno com a cabeça.

-Finalmente nos honrou com a sua presença. – Dallas aproximou-se da mesa e depositou uma jarra de suco sobre ela. –Já ia embora para a estação sem você.

-Você não sairia sem a sua filha favorita, não é? – Hannah abriu um grande sorriso branco para a mãe, que rolou os olhos.

-Você é a minha única filha, Hannah. – disse a mulher –Agora come logo antes que percamos o trem.

-E o papai? – a garota perguntou entre uma mordida e outra, depois de alguns minutos de silêncio.

-Já foi trabalhar, mas deixou recados. – Dallas respondeu, sentando-se à mesa e começando a se servir, ficando calada por alguns momentos para poder fazer suspense. –Para Evan, seja um bom monitor-chefe e siga as regras.

-Ou seja, - Evan murmurou para o irmão ao seu lado. –quebre as regras.

-Para Hannah, - Dallas continuou. –controle o seu gênio. Ele disse que não quer receber mais cartas de Hogwarts dizendo que a sua filha está em detenção por arrumar confusões. Ainda mais tendo uma Snape como cúmplice.

-O quê? Mas nós duas somos umas santas.

-Sei… acha que eu não conheço a minha cria? E para Day, pegue o pomo de ouro. – disse para o jovem apanhador.

-Bem… é só? – Day perguntou, já se levantando da mesa. –Eu vou terminar de arrumar as minhas coisas. – e subiu as escadas da casa, batendo a porta do seu quarto assim que entrou. Em algumas horas estaria de volta a Hogwarts e reencontraria aqueles olhos castanhos que lhe atormentaram o verão inteiro. Será que conseguiria suportar? Esperava que sim.


Abriu a porta da cabine e vagarosamente olhou em seu interior. O local estava vazio, atestou soltando um suspiro. Evan já tinha sumido com os seus amigos dentro do trem, com certeza para colocar um certo terror em algum aluno do primeiro ano, enquanto Hannah deveria estar de fofoca com Catharine Snape em algum lugar do expresso. E, por ter procurado no trem inteiro, essa cabine ficava no último vagão e por isso tinha certeza que uma certa pessoa não o encontraria aqui, pois deveria estar misturada com os sonserinos, que era a casa a qual pertencia.

Suspirou novamente e entrou no compartimento, ajeitando-se no banco dele. Finalmente teria um pouco de paz e talvez conseguisse dormir, já que, na noite passada, isso foi um ato difícil de se conseguir.


Os olhos castanhos procuravam de vagão em vagão atrás daquele par de ametistas que lhe encantavam tanto. Day Potter era quase uma obsessão, com a sua falsa aparência frágil e a sua inocência. Ele era a perfeição, e o teria. O único problema eram aqueles dois irmãos cães de guarda que ele tinha. Hannah com certeza seria fácil de conquistar, afinal, eram da mesma casa. Contudo, Evan Potter eram outros quinhentos. Aquele lá era mais difícil de se dobrar do que uma barra de ferro, mas iria tentar do mesmo jeito e Day seria seu.

Abriu a porta de mais uma cabine e seu olhar caiu em Hannah, rindo e conversando com as suas amigas. Sentindo que estava sendo observada, a garota virou-se para olhar quem estava na porta.

-Yatcheslav! – Hannah ergueu uma sobrancelha diante do garoto de dezesseis anos, alto, pele clara, cabelos castanhos e olhos amêndoas. Características diferentes para alguém que era de origem russa.

-Potter. – disse em reconhecimento. –Onde está o seu irmão?

-Evan? O que você quer com ele?

-Evan não. Day. – declarou e Hannah estreitou os olhos diante do nome do seu gêmeo, ganhando um rolar de olhos de Alexei. Pronto, o cão de guarda estava começando a rosnar, era só falar a palavra mágica.

-O que você quer com ele? – perguntou desconfiada.

-É particular Potter! – respondeu o sonserino de maneira presunçosa.

-Eu não sei onde ele está. Procure pelo trem. – declarou, o olhando de uma forma como se soubesse de algo que ele não sabia.

-Obrigado. – respondeu e saiu da cabine. Catharine e Hannah entreolharam-se e depois deram de ombros, voltando à conversa.

Estava quase entrado no mundo dos sonhos quando a porta da cabine abriu-se, o acordando. Deu um pulo no seu assento e sentiu seu coração vir à boca quando viu quem estava entrando.

-Alexei… - Day gaguejou, se afundando na cadeira onde estava.

-Day Potter. – o rapaz falou o nome longamente, abrindo um sorriso feral e fechando a porta da cabine atrás de si –Sentiu a minha falta? – sentou-se ao lado dele e em um pulo Day estava do outro lado do compartimento, ficando de frente, e o mais distante possível, do russo. Uma coisa era ter aqueles olhos castanhos o atormentando em sonhos, ou pesadelos, o que fosse, outra era tê-los bem na sua frente, no mundo real.

-O que você quer? – perguntou com a voz falha, quase sumindo no banco de tanto que se afundava no estofado.

-Qual é o problema Max? – o chamou de forma sussurrada, usando o apelido que a maioria dos colegas dele usavam, saindo de seu lugar e sentando-se ao lado do garoto, que se imprensou contra a janela para poder fugir dele.

-Meu problema? – o menino piscou um pouco –Meu problema? – e a sua voz começou a se elevar quando lembranças do semestre passado voltaram a sua mente. Ele retornando de um jogo de Quadribol, caminhando por um corredor vazio e escurecido. Sendo abruptamente abordado durante o caminho e preso contra a parede por um corpo maior que o seu. Os olhos de Alexei querendo ler a sua alma e o seu toque estranhamente lhe queimando a pele. E, finalmente, o beijo, seu primeiro beijo. E logo com um garoto. Virou todo o seu mundo de pernas para o ar. –O meu problema é você! – gritou e deu um pulo, pondo-se de pé em frente ao sonserino e apontando um dedo para ele. –O que você quer comigo, heim? O que você quer de mim?

Alexei levantou-se novamente, com uma certa determinação no rosto, olhou para um Day transtornado na sua frente, e tentou conter o sorriso. Ele irritado ficava mais belo ainda. Era estranho, sim, pois nunca em toda a sua vida ele sentiu-se traído por um garoto, tanto que até já teve namoradas. Mas quando pôs os olhos no jovem, há dois anos trás em um jogo de Quadribol, ficou fascinado por aqueles orbes violetas e aquela expressão quase infantil, que agora estava mudando pois ele estava crescendo, e jurou que o teria para si.

-Eu quero você, simples assim. – respondeu displicente, dando um passo a frente e aproximando-se do garoto.

-Não é tão simples assim, e eu não esperava que você tivesse a cara de pau de me dizer isso assim, na minha cara. – respondeu irritado, recuando um passo e tentando se livrar daquele olhar firme sobre si –E se isso for algum tipo de brincadeira, eu estou avisando… - deixou a ameaça no ar, voltando a sua postura defensiva. -… que não tolero piadinhas. – completou.

-Nossa, o cordeirinho está irritado. – Alexei zombou e o grifinório soltou um grunhido de desagrado. Ele não era um garoto otário, só era mais paciente do que muita gente de sua idade. E Harry costumava dizer que Day se parecia mais com a sua mãe quando ela era jovem, com a diferença de que ele não tinha uma avó ditadora por trás. Mas essa parte ele nunca entendeu direito mesmo, pois da família de Dallas as únicas pessoas que ele conhecia eram vovô Albert e Monty. Sua mãe nunca falou de avó nenhuma. Mas isso era outra história.

-Se você continuar com essas piadinhas… - disse o menino, entre dentes. -… você vai ver que esse cordeirinho pode morder.

O russo sorriu enviesado, inclinando-se um pouco para poder sussurrar no ouvido dele:

-Eu conto com isso. – e afastou-se quando a porta da cabine abriu-se e uma garota da idade de Day, também da grifinória, entrou. O sonserino deu um aceno de cabeça em cumprimento a menina, e saiu.

-O que ele queria Max? – perguntou a garota, sentando-se e Day sentou-se ao lado dela.

-Me encher, Rory, apenas me encher. – suspirou e jogou a sua cabeça para trás, fechando os olhos e relaxando o corpo que estava tenso desde a chegada de Alexei.

-Manda ele passear, ou fale para o Evan que ele estava te importunando…

-Não! Eu posso me livrar dele sozinho, pombas! O que há com todos vocês que pensam que eu sou feito de cristal? – gritou e depois se arrependeu. Não deveria estar descontando as suas frustrações nela. Rory, ou Rowena Weasley, era filha mais nova de Hermione e Rony, embora a garota não fosse nada parecida com os seus pais, com os seus grandes olhos azuis e cabelos loiros. Mas para isso havia uma boa explicação, uma que não era escondida de ninguém, nem dela mesma. Rory era adotada, pois depois do nascimento de Ethan, depois do fim da guerra, Rony e Mione tentaram ter outros filhos. Mas após muitas tentativas falhas, o casal veio a descobrir quê, por causa do ataque que Hermione sofreu no passado e o difícil nascimento de Ethan, a mulher acabou ficando estéril. Contudo, movidos pela vontade de serem pais novamente, e com o apoio de família e amigos, eles resolveram adotar uma criança. E quando foram a um orfanato trouxa encantaram-se com aquela menininha de cinco anos, que com os seus grandes olhos azuis derreteu o coração do casal. E não é preciso dizer que mais tarde foi com grande surpresa que descobriram que aquela menininha era uma bruxa.

-Não é que pensamos que você é feito de cristal. – começou Rory –Acontece que você é um menino retraído, tímido e com poucos amigos, diferente de seus irmãos. Nunca perde a paciência, mesmo diante das maiores provocações. As pessoas apenas supõem…

-Que eu sou feito de cristal. Eu vou ter que bater em alguém para perceberem que eu não sou tão frágil quanto aparento?

-Bater? Merlin, melhor não. Corre o boato de que Hannah tem uma direita poderosa. Você então, deve quebrar uma parede.

-Engraçadinha. – sorriu um pouco e agradeceu internamente por sempre ter Rory para lhe elevar o espírito.


O caldeirão fumegou para logo depois explodir, espalhando uma fumaça azulada pelo local. Dallas abanou as mãos em frente ao rosto para poder dissipar a fumaça e tossiu um pouco. Assim que a nuvem azulada sumiu, ela voltou ao caldeirão, sorrindo ao ver que a mistura que lá estava. Esperava que agora tivesse conseguido o creme antimanchas que estava lhe dando trabalho há meses.

-Se ele não tirar manchas da pele provocadas por exposição excessiva ao sol, eu o usarei como creme anti-rugas, porque para isso ele está servindo. – murmurou, pegando um pouco da poção com uma concha, quando a campanhia da casa soou dentro do laboratório que ela tinha no porão. Derrubou a concha novamente dentro do caldeirão e tirou o robe, que tinha mais manchas do que tecido, que sempre usava quando fazia experimentos. O jogou a um canto, sorrindo ao vê-lo pousar em cima de uma mesa. Ele tinha sido presente de Severo, e sempre ria quando se lembrava das palavras dele ao lhe dar o presente: "tanto talento para poções – nessa parte ele torceu o nariz – para terminar virando uma perfumeira", ela apenas riu e o corrigiu, dizendo que era uma boticária, e mestre em poções, assim como ele.

Subiu as escadas da casa, gritando um "já vai" no meio do caminho quando ouviu a campanhia ser tocada novamente. Parou em frente à porta principal, ajeitando um pouco as roupas e os cabelos e abrindo um grande sorriso para quem estava lá. Contudo, seu sorriso morreu assim que abriu a porta e viu quem era a visita. Uma mulher que ela não via há mais de vinte anos.

Amélia Winford.