Capítulo IV

Mútua Atração

Sem levantar os olhos do pudim que comia como sobremesa do jantar, Severus sentiu o exato instante em que Draco entrou no salão principal.

Lentamente, sem dar a perceber qualquer interesse, ele correu os olhos pelas mesas das Casas, começando pela da Grifinória e terminando na de sua própria Casa.

Nos pouco mais de trinta dias que haviam se passado desde a transformação de Draco, o jovem hermafrodita tornara-se ainda mais bonito, e Severus via-se surpreso ao realmente apreciar esse encanto totalmente andrógeno.

Era notório aos olhos do Professor de Poções que ele não era o único a admirar a beleza de Draco. O garoto, que sempre fora o centro de um grupinho na Sonserina, agora parecia atrair olhares de toda a escola. Se Draco quisesse, poderia escolher praticamente qualquer garota; havia também um bom número de garotos que ele seduziria facilmente.

Severus respirava aliviado ao ver Draco evitar todas as abordagens, discretas ou não. Dizia a si mesmo que era melhor o garoto não se envolver com ninguém agora, que era muito arriscado antes do final do treinamento. Uma denúncia antes que Draco tivesse completado seu treinamento e o garoto estaria nas garras do Ministério. Pelo menos até Lord das Trevas seqüestrá-lo.

Severus temia imaginar os efeitos da presença nociva do Lord das Trevas na sensibilidade ainda parcialmente desprotegida de Draco. Seu protegido já conseguia bloquear o caldeirão emocional da escola, mas no jogo da Lufa-Lufa contra Corvinal Draco se sentira mal por causa dos ânimos exaltados. Frágil assim, o Lord das Trevas o destruiria em pouco tempo.

Essas não eram as únicas preocupações de Severus. Desde o café da manhã ele estava achando Draco abatido. Em uma conversa rápida depois da aula de Poções, ele descobrira que o garoto estava com dor de cabeça o dia todo.

Severus aguardava a hora do treino para saber se Draco o obedecera e fora falar com Pomfrey. O rapaz andava rebelde em relação ao excesso de exames médicos a que era submetido, mas, caso ele não tivesse ido, Severus estava determinado a arrastá-lo até a enfermaria.

E até onde podia perceber pelo ar abatido de Draco, isso ia ser realmente necessário.

Parecendo ter captado a irritação do Professor, Draco olhou para Severus e deu um leve suspiro agastado. Severus olhou-o com sua mais arrogante expressão e preparou-se mentalmente. A noite não seria fácil; Draco andava irritadiço e teimoso.

Pouco mais de uma hora depois, foi um hermafrodita exasperado que entrou na sala do Diretor da sua Casa.

—Procurou a Pomfrey?

—Boa noite para o senhor também, Professor. Sim, eu procurei Madame Pomfrey.

Severus ficou meio segundo surpreso ante o tom petulante do aluno. Depois ficou furioso com a resposta.

—Senhor Malfoy, será que preciso lembrá-lo de que não está falando com um dos seus colegas? – Normalmente Draco teria se encolhido com o tom venenoso que Severus usara, mas no momento parecia irritado demais para temer Snape. – O que ela disse?

—Que estou ótimo para uma aberração.

—Malfoy, eu não gosto de tirar pontos da minha própria Casa, mas ou o senhor se contém, ou eu farei isso. E acredite-me, não vai gostar das conseqüências para o senhor se eu tiver de fazê-lo. Já que está bem, senhor Malfoy, acredito que devamos passar para o próximo nível de treinamento.

Severus notava a palidez acentuada de Draco e esperava que ele protestasse. Mas Draco apenas pegou a varinha e se posicionou para receber as instruções.

Decidido a dar uma lição no garoto, Severus avisou:

—Bloqueie, Malfoy.

E liberou toda sua irritação, completamente focada no aprendiz.

Draco empalideceu um pouco mais, mas conseguiu manter seu bloqueio mental, limitando-se a perceber o grau da irritação do Professor sem deixar-se envolver por ela.

Esses treinos eram desgastantes para Draco, mas o eram igualmente para Severus, que era obrigado a expor-se, mesmo que em pequenas doses, aos olhos do aluno. Era quase como um ator revivendo suas dores e alegrias para recriá-las ali, diante daquela criança.

—Certo, senhor Malfoy. Vamos aumentar o jogo. – Severus concentrou-se em memórias antigas que ainda tinham o poder de irritá-lo, fazendo com que a aura de raiva ao seu redor crescesse ainda mais.

Draco estava mortalmente pálido, mas permanecia de pé, com os braços cruzados no peito, mostrando a Severus uma resistência excepcional.

Disposto a derrotar Draco no que se tornara um confronto de vontades, Severus buscou as memórias do seu pai, sua mão pesada e todo medo e toda dor que sentira quando ainda era criança, reuniu de uma só vez a dor das humilhações quando adolescente, a dor de se descobrir preso ao Lord das Trevas, a dor de algumas das coisas que se vira compelido a fazer, e a profunda e onipresente dor de ser tão sozinho. Sem piedade, projetou essa dor toda em cima de Draco.

O garoto cambaleou para trás e levou a mão à boca, sufocando um gemido. Estava totalmente exangue.

Severus liberara coisas demais e precisou de alguns segundos para conter-se. Ainda trêmulo pelo impacto das próprias emoções, buscou socorrer o aluno, que tremia e suava frio.

Mal Severus se aproximara, Draco desmaiou, escapando de ir ao chão apenas pela velocidade de reação do Professor, que o pegou no colo e sentiu o garoto completamente gelado.

Na espartana sala do Diretor da Sonserina não havia nem um sofá onde pudesse deitar o garoto desmaiado. Sem parar para pensar, Severus carregou Draco para seu próprio quarto e o deitou em sua cama, antes de jogar Pó de Flu na Lareira e chamar Madame Pomfrey aos berros.

Quando a enfermeira chegou, Severus já havia coberto Draco com edredons e cobertores e estava esfregando a mão do rapaz, que lentamente voltava a si.

Severus foi empurrado para longe da cama de forma nem um pouco gentil pela velha senhora, que lançou feitiços de diagnóstico em Draco e pareceu acalmar-se com o que viu.

—Severus, me traga sal.

—Sal?

—Sim, Severus. Sal. Aquela coisa branca que se põe na comida. Draco teve uma queda brusca de pressão.

Menos de um minuto e seis elfos domésticos aterrorizados depois, Severus trouxe uma xícara de sal e entregou a Pomfrey, preferindo ignorar o resmungo dela sobre exageros.

Pomfrey fez Draco, que voltara a si, engolir uma generosa pitada de sal e mandou que ficasse deitado até melhorar.

—Só isso? – Severus sussurrou, ao ver que a bruxa não faria mais nada.

—É só o que ele precisa agora, Severus. – Pomfrey puxou-o pelo braço até longe da cama. – O que você fez para ele passar mal assim? É a primeira vez dele, deveria ir mais devagar. Com o tempo ele vai se acostumar, mas no primeiro mês ele deveria ser poupado um pouco - Pomfrey falava baixo para não incomodar o garoto.

—Do que diabos você está falando, velha maluca? – Severus conseguia passar a impressão de estar gritando com alguém mesmo que sussurrasse como naquele momento.

—Ele não disse a você? Mas você mandou ele me procurar!

—Ele me disse que estava bem.

—E você não viu que era uma bravata e que ele estava abatido? Ou viu, e resolveu puxar o treino até o limite dele para lhe dar uma lição?

Algumas vezes Severus pensava realmente em azarar aquela bruxa.

—O que diabos ele tem?

—Ele está menstruado, Severus. Pobrezinho! Deve ter ficado com vergonha de falar com você.

—Menstruado?

—Sim. Com o tempo isso será algo natural para ele, mas a primeira vez não está sendo muito fácil. Ele está tendo de lidar com uma persistente cólica, dor de cabeça, dor nas costas e a pressão dele está baixa, além, é claro, do sangramento em si. É difícil para ele adaptar-se a isso tudo. Você deveria ser mais compreensivo.

—Eu seria se ele tivesse me dito.

—Severus, não é fácil para ele falar disso.

—E eu vou adivinhar como?

—Cuidado! Fala baixo. Quer acordá-lo?

Só então Severus percebeu que Draco dormia a sono solto na sua cama.

—Papoula, ele está dormindo na minha cama!

—E você vai deixá-lo lá. Eu lancei um feitiço relaxante nele que o fará dormir bem.

—Na minha cama?

—Você ficou falando demais; não deu tempo de levá-lo para o quarto dele. Agora não quero que o incomode mais.

Severus respirou fundo e contou até vinte antes de rosnar para a bruxa na sua frente:

—Não posso ter um aluno dormindo na minha cama.

—Hoje pode. Vou dizer a Albus dessa circunstância especial. E da próxima vez seja mais gentil com o pobrezinho.

—Não sei por que não transformo você numa galinha velha e o "pobrezinho" ali em um galinho de briga.

—Porque você não é tolo. Cuide do garoto, sim?

A enfermeira se dirigiu à porta quando foi detida por um berro assustado de Severus.

—POMFREY!

—Fala baixo! O que foi?

—E se... e se... Droga, mulher! E se ele sujar minha cama?

—Pouco provável. Mas, se acontecer, tire os lençóis que os elfos lavam, ora essa. E não se atreva a deixá-lo embaraçado por causa disso.

Pomfrey se retirou, deixando Severus velando o sono de Draco sem saber onde ele dormiria aquela noite.

O feitiço de Madame Pomfrey fez Draco dormir a noite toda. Foi uma dor na região da barriga que o acordou.

"Droga de cólica!" Draco se encolheu quase até a posição fetal.

Ele tentou tornar a dormir, mas o incômodo persistente acabou por acordá-lo de vez.

E ele olhou em volta desorientado. Aquela não era sua cama. Era grande demais, o cheiro dos travesseiros era diferente e aquelas não eram suas cobertas.

Evitando qualquer ruído, ele sentou na cama e olhou em volta.

O Professor Snape dormia em um sofá do outro lado do quarto.

Draco lembrou-se de ter apagado durante o treino. Snape pegara pesado no treino, e ele se recusara a reclamar. Não era por ser uma aberração que ele se mostraria fraco diante do Professor, mas a porcaria do treino fora puxada demais e ele apagara. Pomfrey estivera ali, disso ele também se lembrava. Provavelmente Snape a chamara. Mas onde diabos ele estava?

Não estava na enfermaria, nem no seu quarto. Então Draco só pôde deduzir que estivera dormindo na cama do Professor Snape. Por que haviam deixado ele dormindo na cama de um Professor?

Provavelmente acharam que ele precisava de uma babá. Tudo culpa da maldita menstruação.

Um calafrio percorreu o corpo de Draco, e dessa vez não era por culpa da dor.

Desde a véspera, Draco vivia em estado de terror imaginando se aquela coisa que ele estava usando dentro da cueca seguraria aquele sangramento maldito, ou se deixaria sujar sua roupa, expondo sua condição para a escola toda. Ele estremecia só de imaginar a humilhação. E agora ele dormira na cama de um Professor e não sabia a quantas andava a situação com a coisa lá embaixo.

Draco preferia a morte a encarar Snape se tivesse sujado a cama dele de sangue. Ele temia até se mover, quanto mais olhar o estrago que seu corpo com certeza já devia ter feito.

O garoto se lembrava de ter-se trocado a última vez minutos antes de vir para o treino, por volta das oito da noite. Madame Pomfrey havia dito que a coisa agüentava sem ser trocado até doze horas, se fosse preciso, graças a um feitiço qualquer do fabricante, mas Draco preferia se trocar de hora em hora. Ele não ia deixar aquela coisa nojenta encostando nele além do necessário, e agora estava sabe-se lá há quantas horas com o mesmo absorvente. Até o nome da coisa era asqueroso. Sem falar que aquilo esquentava, pinicava, incomodava e provavelmente o deixaria assado.

Tomando coragem, Draco moveu-se na cama tentando erguer as cobertas sem fazer ruído, mas a luz da lareira não era suficiente e, mesmo ele não pretendendo acordar o Professor Snape, foi isso que aconteceu.

—Algum problema, Draco?

—Nenhum, Professor – Draco respondeu automaticamente, enquanto tomava consciência de que Pomfrey provavelmente falara ao Professor sobre seu estado.

—Está se sentindo melhor, Senhor Malfoy?

—Sim, senhor. – A cólica estava aumentando, mas Draco não ia se humilhar falando nisso. – Onde eu estou?

E Draco teve, pela primeira vez, a honra reservada a poucos de ver seu Professor de Poções completamente sem graça.

—Nos meus aposentos, Senhor Malfoy. Quando desmaiou ontem eu o trouxe para cá por ser mais próximo, e Madame Pomfrey achou por bem conservá-lo aqui.

Snape acendeu algumas tochas e velas enquanto falava, e Draco pôde ver que ele só tirara a habitual capa negra para se deitar. Sem dúvida o Professor tinha um porte másculo, e sem a capa dava para ver melhor a elegância de seus movimentos.

Sacudindo a cabeça para espantar esses pensamentos, Draco olhou para o relógio em seu pulso.

—São quase quatro da madrugada, Professor. Posso usar sua lareira para voltar ao meu quarto?

—Vai ficar bem sozinho, senhor Malfoy?

—Sim, senhor.

—Então fique à vontade.

Draco travou. Como ele iria se levantar com Snape ali?

As vestes do uniforme de Hogwarts que ele usava eram negras, e o sangue não apareceria, mas e a cama? O garoto olhou apavorado para o Professor, para a cama e para a lareira.

Draco sentiu a atenção de Snape sobre ele sendo focada do jeito que só ficava quando o Professor usava legilimância e ouviu a leve tossida que o outro bruxo deu.

—A lareira do quarto é bloqueada, Malfoy. Eu o aguardarei na sala.

—Sim, senhor.

Assim que o Professor saiu do quarto, Draco saltou da cama e levantou as cobertas: nenhuma mancha de sangue.

O alívio o invadiu. Não teria de botar fogo na cama do Diretor de sua Casa, não importando quantos pontos isso custaria à Sonserina.

Despedindo-se formalmente do Professor, Draco voltou o mais rápido que pôde a seu quarto e, apesar do frio e da hora, enfiou-se no chuveiro.

Um banheiro individual era um luxo que só os Professores possuíam, mas Snape providenciara um para Draco, evitando que ele tivesse de dividir o chuveiro com mais alguém. Naquele momento, Draco achou isso uma verdadeira benção.

Desde que a transformação de seu corpo ocorrera, Draco evitava tocar-se. Tomava banho o mais rápido possível, tocando a parte nova de sua anatomia o minimamente indispensável para sua higiene. Naquele dia, no entanto, ele ficou parado debaixo do chuveiro, deixando a água quente acalmar seus batimentos cardíacos e relaxar sua musculatura.

Quando saiu do banho, o vapor enchia o banheiro. No quarto, ele secou-se rapidamente e vestiu apenas as roupas de baixo antes de deitar sob as cobertas.

Normalmente ele se enxugava e se vestia mais rápido ainda, sem sequer se olhar. Draco só tirava a cortina que cobria o enorme espelho trouxa que havia em seu quarto depois de completamente vestido, para conferir se seus seios não estavam em evidência e se seu cabelo estava no lugar.

Criado para desprezar os trouxas, nunca imaginara que um dia fosse preferir usar um objeto feito por eles, mas apreciava a incapacidade de falar do espelho. Desconfiava que isso tinha sido uma delicadeza do Professor Snape. Mais uma.

Até a sua metamorfose, Draco sempre supusera que Snape só vivia para agradar Lucius, mas agora ele podia sentir a proteção que vinha do Professor. Ele nunca externava carinho ou preocupação, mas Draco sabia que podia confiar nele, contar com ele.

Draco via o Professor como um homem difícil de se lidar, rude com as pessoas, capaz de jogos arriscados, fora um choque saber que Snape espionava o Lord das Trevas. Apesar disso, Snape era gentil com ele. Não de gentileza comum, que se traduzia em palavras; ele só agia diferente com Draco. Sólido como uma rocha, mas um tanto perigoso também, e isso agradava o jovem sonserino, que de ordinário preferia evitar qualquer situação de perigo.

Com Snape era diferente. A sensação de perigo latente que ele às vezes tinha perto do Professor o estimulava. Ele odiava a idéia de que Snape poderia desprezá-lo por alguma razão, por isso se comportara como um idiota, indo além dos seus limites no treino.

E Draco avaliou que, no final das contas, tinha havido uma coisa boa em toda aquela situação embaraçosa: ele agora sabia como cheiravam os travesseiros do Professor. Sorrindo dessa idéia boba e abraçando seu próprio travesseiro, ele conseguiu dormir pouco antes do dia raiar.

Não era a primeira vez que Draco dormia pensando em Severus e sentindo-se confortado por isso. Não que, naquele momento, ele se importasse ou tentasse entender o porquê.

Severus finalmente trocou suas vestes pelo confortável camisolão e deitou, pretendendo dormir o que restava da noite em paz.

Quando colocou a cabeça no travesseiro, sentiu o perfume levemente cítrico de Draco. A visão do garoto adormecido naquela mesma cama e o calor que o corpo dele deixara ali vieram assombrá-lo também.

Severus já admitira à sua consciência que Draco era muito atraente e que trabalhar tão próximo ao garoto era perturbador. Nada mais que isso, um aluno interessante, por quem ele sentia uma certa atração. Já tinha acontecido antes, e Severus sempre soubera se conter. Não era nada de mais. Todo professor, à exceção de McGonagall, já devia ter passado por algo semelhante.

Agora ele estava com os sentidos invadidos pela lembrança de Draco. A culpa por estar se revirando na cama, insone e cheio de desejo por um aluno, era da Pomfrey e do Lord das Trevas. Ela por ser uma tonta e ter insistido para que ele deixasse o garoto dormir ali, na sua cama, e o Lord por existir. Se ele não tivesse voltado, Severus poderia ter continuado sua rotina de misturar-se aos trouxas no verão e ter alguns casos sem grandes envolvimentos sentimentais. Agora, com os comensais e espiões do Lord das Trevas ativos, era arriscado demais continuar com esse hábito.

Mais de três anos de jejum sexual haviam produzido esse efeito: estava se interessando por um aluno. E um aluno que estava sob sua responsabilidade direta, pelo qual nutria alguma consideração.

Não tinha sentido nenhum negar a si mesmo que realmente tinha uma consideração especial por Draco. Não era homem de tentar se enganar. E era exatamente essa mistura da consideração que tinha por Draco e do quanto o rapaz era atraente que o estava deixando naquele estado.

No seu segundo ano como professor em Hogwarts, Severus se sentira atraído por um aluno do sétimo ano da Corvinal. Alto, moreno, másculo e inteligente, o estudante era apenas seis anos mais novo que ele, mesmo assim Severus conseguira controlar sua libido.

A bela ruiva da Sonserina que lhe lançava olhares dissimuladamente sedutores alguns anos depois também não conseguira abalar a austera regra de conduta que ele decidira seguir quando começara a trabalhar na escola.

Além de ser uma estupidez se envolver com um aluno, havia o risco. Severus sabia muito bem que era um espião, e quais os riscos que corria. Relacionamentos para ele deveriam ser apenas satisfatórios encontros sexuais, com pessoas que não soubessem quem ele realmente era. Durante anos isso fora suficiente.

Era só carência de sexo que o fazia desejar ter Draco em sua cama permanentemente. O belíssimo garoto nunca desejaria nada com ele, de qualquer forma.

Severus concluiu que estava raciocinando com muita sabedoria, mas o corpo não parecia concordar com isso. O melhor a fazer seria trocar a roupa de cama e arrancar o cheiro de Draco dali, mas, ao contrário, Severus viu-se aspirando o perfume que o deixava semi-ereto e o fazia dar um meio sorriso.

Ele acabou por dormir em meio a uma fantasia com Draco.

A fantasia tornou-se sonho, e Severus viu-se sozinho em uma charneca desolada e seca. Nenhuma cor destacava-se no meio daquela desolação, e ele caminhava sentindo frio no corpo e na alma.

Em seu sonho, Severus andou até encontrar um vulto vestido de negro e tão cheio de tristeza quanto ele próprio. No sonho ele sabia que bastava estender a mão para descobrir de quem era o vulto e consolar a tristeza dele para acabar com a sua.

Mas Severus se afastou quase correndo até dar de cara com Lupin. O lobisomem tentava detê-lo, mas ele se desvencilhava das mãos de Lupin, empurrando-o com força, até que Remus conseguiu segurá-lo firmemente:

—Severus, volte. Não deixe isso escapar de você.

—Não. É mais seguro assim. É melhor.

—Melhor para quem,Severus?

—Pra todo mundo.

Com um safanão, ele livrou-se de Lupin e continuou a fugir, agora correndo cada vez mais rápido.

Apesar de não ver mais o lobisomem, ainda podia ouvi-lo dizendo coisas como se estivesse dentro da sua mente.

—Não é melhor pra ninguém, Severus. É frio, vazio e fútil no final das contas. Ficar sozinho parado também não é bom. Busque o que é seu, Severus.

Mas Severus fugiu para a região banhada pela lua cheia e viu Remus se transformar em Lobo e uivar, enchendo o ar de mais tristeza ainda.

Fugindo daquilo tudo, deu de cara com Black, ou seu espectro. A aparição falava alguma coisa que ele não podia ouvir, mas parecia importante.

Um pensamento cruzou rápido por sua mente: se Black tem algo que preste a dizer é porque é sonho. E Severus acordou com o coração acelerado segundos antes do seu despertador tocar.

Enquanto se vestia, Severus esqueceu o sonho e concentrou-se em arrumar um jeito de bloquear o que sentia de forma a não deixar Draco captar nada, e esquecer o desejo que o hermafrodita lhe despertava.

Durante o desjejum, quando seus olhares se cruzaram rapidamente Severus chegou à conclusão de que, se a primeira parte do plano era muito difícil, a segunda era quase impossível. E, até onde ele podia perceber, as coisas ainda iam piorar. E muito.