Vou deixar o vento me levar - 2

Em um bairro nobre de Boston, onde apenas os mais ricos viviam em suas enormes mansões que ocupavam pelo menos um quarteirão, apenas o som de um táxi podia ser ouvido enquanto percorria as ruas durante uma noite em que a Lua Cheia brilhava intensamente no céu.

O carro depois de andar pelo menos meia hora por entre as casas chegou ao seu destino. Era a mansão mais afastada de todas, era como se não tivesse vizinhos já que além dos muros que rodeavam a casa, ela parecia ter sido feita escondida entre as árvores para que ninguém a achasse e os moradores pudessem ter tranqüilidade.

Kennedy desceu do táxi e olhou para seu "lar", estava igual desde a última vez que o vira. A não ser pelo fato de o portão parecer ter sido arrancado com violência, pois uma parte estava caída no chão e seus belos contornos tortos. A morena franziu a testa, nem ela poderia fazer uma coisa dessas, aquele portão era feito de puro aço e lembrava bem que seu avô lhe falara que foi preciso pelo menos uns 20 homens e 3 dias para colocá-lo no lugar quando ainda estavam construindo a casa, quando ele mesmo era jovem.

- Ô minha filha! Eu não tenho a noite inteira pra ficar parado aqui não – o taxista buzinou, chamando a atenção da caçadora.

Ela se virou, lhe lançando um olhar reprovador, mas não disse nada. Apenas pegou sua mala e jogou uma nota de 100 dólares na mão do cara e caminhou jardim adentro.

Se antes só o fato do portão estar arrombado não fosse suficiente para que os instintos de caçadora de Kennedy alertarem que algo estava errado, com certeza a ausência dos guardas seria uma boa pista.

Seus passos ficaram mais apressados, praticamente correndo até a porta dupla na frente da mansão. Ela colocou a mão na maçaneta enquanto procurava por sua chave no bolso da jaqueta, mas não foi necessário, pois assim que ela tocou a porta, esta se abriu lentamente com um rangido. Kennedy colocou sua mala no chão e deslizou para sua mão uma estaca que sempre mantinha na manga da jaqueta.

Cuidadosamente ela entrou e um forte cheiro de sangue preencheu seu nariz. Mas não era só o olfato que indicava sangue, o chão que antes fora de mármore, agora estava manchado de vermelho. Em algumas partes o sangue deixava rastros como se alguém tivesse sido arrastado.

Kennedy olhou para o canto da sala e viu o mordomo estirado no chão. Ela abandonou sua postura silenciosa e correu para o lado dele, mas não adiantou em nada. Ele estava morto, seu rosto rasgado em três linhas paralelas, como se fossem garras. Por toda a extensão de seus braços e pernas, marcas de mordidas profundas.

- Lobisomem – Kennedy murmurou com raiva.

Mas algo não batia com a forma de ataque de lobisomem, que era o pescoço quebrado do mordomo, que não fora acidental e sim feito pelas mãos de alguém, já que o pescoço estava com manchas roxas em volta. E sua pele parecia queimada por algum ácido. Lobisomens matam, estraçalham, mordem, rasgam, mas não quebram pescoço e queimam suas vítimas, Kennedy pensou. Demônio e lobisomem, mas atacando juntos? Só poderia ser a mando de alguém.

A morena fechou os olhos do mordomo e se levantou, com certeza teria mais corpos. Ela respirou fundo e começou a subir as escadas do lado esquerdo da sala em direção a uma das alas de sua casa, onde ficavam os quartos de seu pai, sua madrasta e sua irmã, mais o escritório particular do Sr. Blanchard que ele usava para relaxar.

A cada degrau que subia, segurava com mais força a estaca em sua mão. Mas então parou e olhou para sua arma, franzido a testa e fazendo cara feia. Com tanta arma, ela foi pegar justo uma estaca, isso mataria rapidinho o demônio e o lobisomem, ela pensou sarcasticamente. Kennedy balançou a cabeça tentando não se distrair com a falta de utilidade da arma. Pelo menos não estava de mãos vazias.

Chegando no escritório, ela viu que a porta estava no chão, marcas de garras raspadas na madeira. Livros rasgados e espalhados, sangue respingados neles. A mesa de seu pai, virada e quebrada ao meio, como se tivesse sido usa golpeada com um murro, bloqueava a visão de Kennedy do que poderia estar atrás dela, mas uma mão esticada foi tudo que ela precisava ver para saber quem era. O dedo do meio usava um anel grosso de ouro branco, com uma pedra de rubi no centro e um B dentro, era uma tradição na família, passara de geração a geração e o último a usar era seu pai.

A caça-vampiros se aproximou da mesa, se mantendo em alerta caso algo a atacasse por trás. O que viu atrás do móvel foi uma cena parecida com a da sala. Seu pai, assim como o mordomo, tinha várias mordidas pelo corpo, mas seu pescoço estava intacto, sua causa mortis fora uma série de ferimentos muito profundos no estômago e peito, em forma de ataques de garras. Morrera agonizando.

Kennedy desviou o olhar e segurou seus sentimentos. Ele não merecia suas lágrimas. E agora também não era hora de ficar emotiva, se os agressores ainda estivessem na casa ela teria que detê-los. A morena se abaixou e retirou o anel do dedo de seu pai, o guardando em seu bolso. Quando ia se levantar, algo brilhante a sua frente chamou a atenção. Olhando de perto viu que era a arma de seu pai, um antigo revolver em perfeito estado, preto e dourado com um grifo trabalhado no canhão, o símbolo da família. Kennedy se lembrou que as balas foram feitas sob encomenda, personalizadas com um B em letra cursiva de antigamente e seu material era de prata. Pela primeira vez agradecera a soberba do pai.

Pegou o resto das balas que estavam na caixa do revolver, carregou o que o Sr. Blanchard já tinha usado e guardou o resto no bolso. Ela olhou mais uma vez em volta da sala e sai. A caçadora seguiu pelo corredor, passando algumas portas que seriam o quarto de seu pai e madrasta, e um banheiro, que Kennedy sempre achara desnecessário pelo fato de todos os quartos serem suítes. Ela ignorou o quarto do pai, provavelmente onde estaria sua madrasta, e seguiu em frente até o quarto da irmã. Chegando lá, ela viu que a porta estava fechada. Respirando fundo abriu a porta, temendo o que pudesse encontrar. Da sua família, a única com quem se importava mesmo, depois da morte do seu avô, era sua irmã mais nova Hayley.

Kennedy entrou no quarto com a arma em posição para que pudesse atirar se necessário, mas tirando coisas espalhadas pelo chão e móveis virados, não havia nenhum outro sinal que tivessem atacado o quarto, pois não havia corpo nem sangue. A morena sentiu esperanças, talvez Hayley estivesse viva. E essa esperança só aumentou, quando sua super audição ouviu soluços muito baixos vindos do closet a sua direita. Com a mão trêmula, ela segurou a maçaneta e o abriu, mas antes que pudesse ver o que tinha dentro, uma rajada de energia a lançou contra a parede do outro lado do quarto, a fazendo bater na parede e cair de joelhos, alguns detritos da parede caindo sobre ela.

A caçadora levantou e olhou para o closet, vendo sua irmã de 12 anos, com a palma da mão erguida para ela e um pouco de energia ainda remanescente rodeando sua mão, e seus olhos fechados. Desde quando Hayley sabia magia, Kennedy se perguntou, mas decidiu se preocupar com isso depois. Ela se aproximou lentamente da irmã, e quando estava a poucos passos, a chamou pelo nome, fazendo com que olhasse para cima.

Quando Hayley viu que era sua irmã mais velha, ela se jogou em seus braços, a agarrando forte e escondendo seu rosto no pescoço de Kennedy que o sentiu molhado pelas lágrimas da menina. A morena se afastou um pouco e olhou para Hayley, enxugando as lágrimas da irmã com a mão. A menina se assemelhava com Kennedy, com exceção de seus olhos azuis e sua pele um pouco mais clara, mas seus cabelos tinham o mesmo tom castanho escuro e quando Hayley sorriu para a caça-vampiros, não tinha negar que fossem irmãs. Era a cópia idêntica do sorriso de Kennedy.

- Ken-ken...

- Você está bem? – Kennedy sussurrou.

Hayley consentiu com a cabeça, mas seus olhos mostravam que estava assustada e suas mãos agarravam a jaqueta da irmã como se sua vida dependesse disso.

Kennedy abriu a boca para fazer mais uma pergunta, mas nessa hora, o chão do quarto tremeu e logo se quebrou, formando um buraco. Dentro dele saiu algo que a morena achou que nunca veria. A criatura tinha pelo menos dois metros de altura, seu corpo era coberto de um pêlo muito curto e vermelho, seu rosto era uma mistura de lobisomem e demônio. Tinha focinho, mandíbula, dentes e orelhas de um canino, mas seus olhos eram vermelhos e grandes chifres saiam de sua testa. Seu corpo não era sustentado por quatro patas e sim apenas pelas pernas, como de um demônio. Já os braços eram fortes e musculosos, com garras nas mãos e por fim, possuía um par de asas vermelhas.

A morena ficou em posição de luta, colocando Hayley atrás dela e tratou de segurar com força o revolver e a estaca, mas lembrou que com a rajada de energia que recebeu da sua irmã, as armas caíram de suas mãos. Ela olhou para a parede onde tinha sido jogada e viu lado a lado a estaca e a arma de fogo, só que antes que pudesse correr para pegá-las, a criatura a agarrou, segurando no alto e depois a jogou no buraco que ele havia feito quando destruiu o chão do quarto.

O Demônio-lobo nem esperou Kennedy cair completamente pelo buraco e já se virou para Hayley, rosnando e deixando baba cair no chão o corroendo aos poucos por causa do ácido. O medo na garota era enorme e sem perceber, suas mãos começaram a brilhar criando energia e sussurrava palavras estranhas, mas que para ela faziam todo o sentido, mesmo não entendendo como.

A criatura rosnou outra vez e pulou para atacar Hayley, mas esta o acertou com sua magia, ao mesmo tempo em que a caçadora, que conseguira se segurar na extremidade da cratera, pulava nas costas do Demônio-lobo tentando quebrar seu pescoço. Ele jogou as garras para trás, pegando Kennedy pela jaqueta e a jogando por cima de seu corpo. A morena voou pelo quarto e caiu rolando pelo chão, arrastando seu corpo tentado parar e xingando até a décima geração do demônio. Quando seus movimentos cessaram, ela viu pelo canto do olho a arma a não mais que 3 metros de distância. Meio que se arrastando e correndo ela se jogou em cima do revolver e virando seu corpo, permanecendo deitada de lado no chão, Kennedy atirou em cheio no coração do demônio-lobo.

Bom pelo menos ela achava que era o coração, pois o demônio deu apenas alguns passos para trás, sem sinal de ter sido enfraquecido.

- Ótimo, só me faltava essa um demônio sem coração e ainda por cima um lobisomem que é a prova de prata – ela disse murmurando sarcasticamente.

Mas não tinha tempo de ficar se lamentando pela falta de pontos fracos da criatura, a única coisa que importava era achar um jeito de vencê-la e rápido.

O demônio-lobo percebendo sua vantagem voou em direção a Kennedy que acabara de levantar, só para ser atacada de novo. Ele a segurou pelos braços, ainda voando e subiu até o teto, a chocando contra ele. Depois, pela terceira vez naquela noite, ela foi jogada através do quarto, mas dessa vez a morena foi contra a porta, a derrubando da dobradiça. Kennedy ficou deitada no chão do corredor com pedaços de madeira em sua volta. Estava começando a ficar muito irritada.

Hayley gritou ao ver sua irmã ser atirada novamente e quebrar a porta com seu corpo, desse modo chamando a atenção do demônio para ela. Ele se aproximou dela com um rápido movimento, a segurando pelo pescoço. Suas garras o arranhando, fazendo com que sangrasse um pouco. A criatura então grunhiu de dor, caindo sobre um joelho e soltando a garota. Sua perna fora atingida por uma bala do revolver que Kennedy conseguira manter com ela, mesmo sendo atirada para tudo que é lado.

- Pode ser lá o que for, um tiro na perna sempre dói – Kennedy deu um sorriso de lado – Hayley, desça as escadas e se esconda.

Prontamente sua irmã a obedeceu, mas não antes de olhar para a caçadora e suplicando com os olhos para que fosse junto com ela.

- VAI!

Hayley assustada com o tom de voz da irmã e o furor em seus olhos, virou e desceu correndo as escadas, se escondendo pela imensa casa.

O demônio já se recuperava e estava novamente em pé, pronto para massacrar a pequena caçadora. Seu rosnar era mais intenso e a baba caia em mais quantidade de sua boca. Mas dessa vez ela não seria ferida de novo, quando a criatura veio para cima, ela girou seu corpo com toda força, acertando um chute em suas costelas e logo depois um soco em seu rosto. Só que ele também não deixou barato suas garras fecharam em punho e a acertou no estômago. A luta de verdade começara, não mais só de um lado, agora os dois desferiam e recebiam uma série de socos e chutes pelo corpo. A cada golpe que executavam ou bloqueavam, iam se aproximando da escada.

A caçadora viu que isso poderia ser usado ao seu favor, mas o único problema era que ela estava de costas para a escada, seria mais fácil ela cair de lá. Ela pensou rapidamente, e no momento em que o demônio-lobo foi socá-la, desviou seu corpo, indo para o lado da criatura e a pegando pelo braço, mudando suas posições. Agora ele estava perto da escada. Então a morena lhe deu uma rasteira, o desequilibrando e o fazendo cair de costas nas escadas. Kennedy pulou em cima dele, com um joelho na sua barriga e o pé em seu tórax, suas mãos o prendiam pelo pescoço. Os dois começaram a deslizar escada abaixo, a morena usando o demônio como uma prancha.

A criatura tentava se soltar, suas garras arranhando os braços de Kennedy que o segurava e sua baba caia na mão da garota. Kennedy rangia os dentes, suportando a dor pelo menos até chegar ao fim dos degraus. Quando terminaram de "descer" as escadas, as mãos da morena estavam parcialmente queimadas e seus braços sangrando, por isso que não o seguravam tão firme quanto antes e o demônio-lobo se aproveitando disso levou uma de suas garras contra o peito da caçadora, que saiu de cima dele, cambaleando para trás.

O demônio se levantou e tentou voar para cima de Kennedy, mas suas asas foram feridas por causa do atrito quando servia de prancha para a morena. A caça-vampiros sorriu e percorreu seus olhos pela sala, tentando achar algo que pudesse usar como arma para acabar de vez com ele. Mas nada parecia servir, e também não ajudava muito não conseguir distinguir que espécie de demônio tinha se juntado com o lobisomem. Sabia que não ter prestado atenção quando seu sentinela a explicava sobre as classes dos demônios tinha sido um erro, isso seria de bom uso agora.

Mesmo sem as asas, o demônio ainda tinha ao seu lado a força e seu instinto selvagem, sem contar a saliva ácida. Ele grunhiu ferozmente e ficou em posição de ataque, mas ao contrário do que Kennedy esperava, ele não avançou contra ela, mas sim contra Hayley que desobedecera às ordens da caçadora e saíra de seu esconderijo. Kennedy saiu correndo e se jogou na frente da irmã, recebendo todo o impacto das garras em suas costas. Sua jaqueta foi rasgada em três linhas paralelas, e sua carne ferida da mesma forma, sangue escorria aos montes do ferimento. Com certeza deixaria cicatrizes.

Kennedy caiu nos braços da irmã, com uma expressão agonizante de dor. Suas costas queimavam, mas ela engoliu seco e se levantou. Com uma voz dura disse:

- Eu disse para você se esconder, vai! E não me obedeça de novo! Tenho que terminar isso aqui.

Ela se virou, encarando o demônio com ódio em seus olhos. Sua respiração estava ofegante pelo cansaço e também pela fúria que sentia.

- Quer saber de uma coisa? Já cansei disso – ela correu até a criatura e a socou – Minha vida tá um lixo, a mulher que eu amo terminou comigo – chute – Minha família está morta, você tentou atacar minha irmã – um gancho de direita o jogando contra uma porta e dentro de uma sala que parecia ser algo como salão de troféus e coisa do tipo. Kennedy entrou logo atrás e viu na parede duas lanças de pratas cruzadas sobre o brasão da família. Ela pegou uma delas e foi para cima do demônio que já estava de pé e um pouco desnorteado – Me jogou pra lá e pra cá como se fosse um nada, me feriu feio nas costas e ainda rasgou minha jaqueta preferida – ela desferiu alguns golpes enquanto falava e depois deu uma rasteira, o jogando no chão de barriga para cima – Você realmente irritou uma caçadora – e então girou a lança em cima da cabeça e a desceu com tudo, cravando a arma entre os olhos da criatura, que finalmente caiu desfalecida.

Kennedy sorriu vitoriosa, quando viu a lança logo lembrou que um dos pontos fatais da maioria dos demônios era no meio dos olhos e como era metade lobisomem, nada como uma lança de prata cravada entre os globos oculares.

Quando a adrenalina começou a deixar seu organismo, seu corpo tombou para o lado, mas antes que chegasse ao chão, foi amparada por Hayley.

- Ken-ken... – Hayley agora percebia a extensão dos machucados da irmã, além das costas, seus braços, mãos e rosto estavam cobertos de machucados, marcas roxas e sangue.

- Eu não disse para você se esconder? – Kennedy disse com a voz fraca, se agarrando na garota de 12 anos para se levantar, mas não tendo sucesso.

- Fica parada, você está ferida.

- Me fala algo que eu não sei – Kennedy mesmo com a irmã a segurando, se aproximou do demônio-lobo e então viu algo que não tinha reparado durante a luta. Na parte interna do seu bíceps esquerdo, um símbolo parecendo um triângulo com uma estrela e águia no centro estava tatuado.

Era como se fosse o símbolo de uma organização, e que a criatura fora enviada por alguém, com o intuito mesmo de matar quem houvesse na casa. O ataque fora planejado.

- Hayley, vamos precisar de ajuda – foram as últimas palavras de Kennedy antes de desmaiar nos braços da irmã.