Excedendo Limites

A Amazona descia as escadarias da primeira casa.

Fôra chamada por Athena para que lhe dissesse como estava indo o treinamento das aspirantes à Amazona. Apesar de o mundo agora estar em paz, a deusa da Sabedoria e da Guerra estava sempre atenta a tudo a seu redor. Não pretendia ser surpreendida e ficou satisfeita ao tomar conhecimento do sucesso dos aprendizes no Santuário. Shina também se orgulhava de suas discípulas.

Seus devaneios foram interrompidos e assustou-se quando um corpo bloqueou-lhe o caminho.

Miro a fitava surpreso.

Não esperava encontrar a Amazona no caminho para sua Casa, mas o fato lhe fôra muito agradável e providencial. Aquele seu costumeiro meio sorriso, que fazia disparar o coração de quase todas as mulheres do Santuário, enfeitou-lhe o rosto.

Shina o fitava, aborrecida. Não esperava encontrar o cavaleiro de Escorpião... E podia afirmar que o encontro não a agradara. O que deu em Miro para cercá-la daquela forma? Bufou irritada.

— Olá, Amazona. — disse ele suavemente, sem nunca desfazer o sorriso.

— Me dê licença, Cavaleiro. Tenho pressa. — disse, não se importando nem um pouco em ser sociável com o moço. — O treino começa em poucos minutos. — disse num tom autoritário, que apenas serviu para instigar o rapaz.

— Ora, duvido que não tenha um tempinho para este humilde Cavaleiro. — disse fazendo uma reverência e espalmando a mão sobre o peito.

Shina olhou para cima, por alguns instantes, como se pedisse paciência aos deuses para aturar aquele homem. Tornou a olhar para o Cavaleiro a sua frente:

— Se tem uma coisa que você não é, Escorpião, é humilde. — disse seriamente. O Cavaleiro baixou a cabeça e sorriu, tornando a fitá-la em seguida:

— Bom, temos isso em comum, então, minha cara. — Shina não pôde deixar de se irritar. — Somos dois arrogantes. — concluiu.

— Já que minha arrogância o incomoda... Arivederci, Cavaleiro. — disse fazendo menção de se afastar. Mas Miro não permitiu e antes que ela desse mais um passo apoiou a mão esquerda no muro, passando o braço em frente a ela, bloqueando-lhe a passagem.

Shina voltou seus olhos na direção dele.

Miro a encarava enigmaticamente e de forma intensa.

— Nunca disse que me incomodava. — a voz soou rouca. Um arrepio percorreu-lhe a nuca ao sentir o Cavaleiro se aproximar, enquanto apoiava a outra mão ao lado de sua cabeça. Estava coagida por ele. Ele deu mais um passo em sua direção, ficando com o corpo muito próximo ao seu. Fazendo-a sentir o calor que ele emanava. O coração da Amazona disparou: — Acho essa sua arrogância um charme a mais, Shina. — comentou sedutoramente.

A Amazona, irritada e perturbada, respondeu-lhe entre dentes:

— Talvez ache isso ainda mais charmoso, Cavaleiro de Escorpião. — e com uma joelhada certeira, atingiu-o entre as pernas. Miro arregalou os olhos, e um gemido escapou de seus lábios devido a dor. Se curvou, num movimento reflexo. Ouviu o comentário zombeteiro da moça: — Nunca imaginei que veria um Cavaleiro de Ouro curvar-se diante de uma Amazona. — Miro levou a mão entre as pernas, enquanto a outra apoiou no chão, para manter o equilíbrio. O Cavaleiro tinha dificuldades de respirar devido à dor que sentia. Shina se ajoelhou a sua frente e segurou seu queixo, erguendo-o para que ele pudesse fitá-la: — Cavaleiro ou não, certos pontos fracos são comuns em todos os homens, Escorpião. Lembre-se disso antes de chegar tão perto de um adversário. — e tentando conter o riso se levantou e caminhou em passos calmos para longe do Cavaleiro.

Miro respirou fundo e sentou, com as costas apoiadas contra a muralha que cercava o Santuário. Seus olhos fechados por alguns segundos, enquanto sentia a dor se suavizar aos poucos. Quando os abriu, fixou-os em Shina, vendo-a já a uma boa distância.

— Maldita... — sussurrou, raivoso, mas a verdade é que toda essa rebeldia de Shina só servia para incitá-lo cada vez mais. Não pôde deixar de sorrir ao se ver naquela posição. Graças aos deuses ninguém presenciara aquela cena deplorável: Um Cavaleiro de Ouro subjugado por uma Amazona.

Depois de alguns minutos de "repouso forçado", Miro se levantou, tomando o caminho da Casa de Escorpião. Lembrava-se de Shina. Quando a teve tão próxima a si, sentiu uma eletricidade percorrer seu corpo. Ela era vibrante, não podia negar. Aquela situação se mostrava cada vez mais interessante.


A festa em homenagem à Athena corria tranqüilamente. O noivado de Seiya e Saori fôra anunciado naquela noite e por incrível que pudesse parecer, não afetara Shina como ela pensou que aconteceria. A certeza de que jamais seria correspondida já havia sido assimilada, e a distância entre ela e Seiya a estava ajudando a superar a situação aos poucos.

Seus olhos verdes se estreitaram ao cruzar com os olhos azuis de Miro.

O Cavaleiro estava com o ombro esquerdo apoiado a uma pilastra. A mão direita no bolso da calça e a esquerda solta ao lado do corpo. Apesar da irritação ao perceber o olhar insistente, Shina não pôde deixar reparar no Cavaleiro de Escorpião.

Miro era um homem bonito e exalava sensualidade, ela tinha que admitir. Por onde passava as mulheres ficavam suspirando por ele... E naquela noite em particular, o Cavaleiro estava... Devastador.

Usava uma camisa azul escura, ressaltando os olhos azuis e uma calça social. Nada de gravata, não combinaria com o ar descontraído do Cavaleiro de Escorpião. Os cabelos cacheados azuis escuros desciam por suas costas e vez ou outra o Cavaleiro deslizava a mão pela franja, para afastá-la da testa, mas os fios rebeldes voltavam a cair-lhe displicentes e sensuais. Os olhos azuis claros contrastavam belamente com a tonalidade mais escura dos cabelos.

O garçom parara à frente de Miro, que pegou uma taça de champanhe da bandeja. O Cavaleiro não conseguia desviar os olhos de Shina.

Ela estava deslumbrante. Sentada à mesa a sua frente. O vestido preto era longo, justo no corpo até o quadril, e preso ao pescoço com uma gargantilha de strass. Os cabelos presos num coque elegante, a franja caindo sobre a testa da Amazona, algumas mechas fininhas soltas na nuca. E... AQUELA MALDITA MÁSCARA QUE NÃO COMBINAVA COM DROGA NENHUMA!

Miro suspirou, frustrado.

Por quê, mesmo depois de Athena ter deixado a critério das Amazonas o uso ou não daquele objeto irritante, TODAS, praticamente sem exceção, ainda a usavam? Era enervante

Miro levou a taça aos lábios e tomou um gole pequeno do champanhe. Se conformando com o fato de não poder ver o rosto da moça. O desconforto de Shina era palpável. Ele só não sabia dizer se era sua atitude que a irritava, ou o fato de ela odiar festas. Talvez os dois, pensou um tanto decepcionado.

Marin se aproximou da mesa onde estava Shina e se sentou junto com a Amazona.

— Gostando da festa, Shina? — perguntou Marin. A amazona de Cobra suspirou desanimada.

— Você sabe que eu odeio isso! — respondeu irritada. — Me sinto uma idiota com essas roupas e ainda por cima aquele cretino tem que ficar bem na minha frente! — Marin olhou na direção que Shina olhava e viu Miro, que levantara a taça, cumprimentando-as. Um sorriso lhe curvou os lábios, e o divertimento não passou despercebido quando Shina ouviu sua voz:

— Ora, você não pode negar que ele está bonito. — provocou e percebeu que apesar de tentar negar, Shina não estava tão indiferente ao Cavaleiro. A Amazona desviou o olhar. Por que aquele Cavaleiro não sumia da sua frente!

— Deixa ele te ouvir dizer isso... — comentou, para provocar a Amazona de Águia que voltou seus olhos na direção que Shina mostrava. Marin respirou fundo quando viu Aioria se aproximar de Miro.

O Cavaleiro vestia um fraque que realçava os ombros largos; o corpo viril; Uma camisa verde esmeralda, que destacava os belos olhos verdes de Aioria e uma gravata borboleta preta. Os cabelos rebeldes dando o toque final ao Cavaleiro que mais parecia um deus grego. Nunca o tinha visto tão lindo... Exceto quando usava a Armadura de Ouro de Leão.

— Ora, achei que o Kamus fosse o único pingüim por aqui, mas hoje eles resolveram se multiplicar! — riu Miro, sem conseguir se conter ao ver o amigo e outros Cavaleiros com aquelas roupas.

— Miro, você não imagina o quanto é engraçado. — disse Aioria, cinicamente. — Eu estou me contorcendo de rir... É que eu sou discreto.

— Aioria... Tsc, tsc... Você não tem senso de humor. — disse tomando mais um gole.

— E você é melhor com agulhas do que com piadas. — Miro ignorou a piadinha nada engraçada de Leão e retornou seu olhar para a mesa onde estavam as Amazonas.

Aioria acompanhou-o, ficando visivelmente extasiado com o que vira.

A Amazona de Águia estava simplesmente... Linda.

O vestido azul escuro de Marin tomara-que-caia, longo, realçava a pele branca da ruiva; com detalhes em vidrilho no decote e na barra. Os cabelos presos para cima, deixando que os cachos avermelhados caíssem naturalmente, tocando sua nuca com suavidade.

Miro percebeu a reação do amigo e sorriu, enquanto comentava:

— Você também não odeia essas malditas máscaras? — disse ele. — Athena não devia ter deixado a critério das Amazonas escolherem se usariam ou não... Devia era ter proibido seu uso, isso sim! Essas porcarias não combinam com nada e assim mesmo, elas usam! — Aioria se recompôs:

— Não fale asneira, Miro. O uso das máscaras para elas é normal. Elas se sentem bem usando, quanto às novas Amazonas, bem, a máscara é uma tradição. — comentou, apesar de concordar com Miro. O Cavaleiro de Escorpião o encarou e sorriu quando Aioria o olhou:

— Você é um mentiroso de primeira, Aioria. Até parece que você não adoraria ver o rosto de Marin por sob aquela porcaria imprestável. — o Cavaleiro de Leão suspirou.

— O que está fazendo plantado aqui? — perguntou ignorando o comentário.

— Admirando a vista... — respondeu displicente. Aioria o encarou desconfiado.

— Cuidado com a "vista" que admira, Escorpião. — o Cavaleiro o encarou com um sorriso zombeteiro.

— Não se preocupe, Aioria, não é a sua "vista" que eu estava admirando, embora ela seja tão bonita quanto... — os olhos verdes brilharam irritados. — Que Leãozinho ciumento o senhor está me saindo, hein? — comentou debochado. — Calma! — disse Miro contendo o riso. E num tom baixo completou: — Embora você seja um medroso cego, eu jamais teria chances com ela, mesmo que me atrevesse a algo... Afinal, é óbvio qual de nós dois sua Águia escolheria, não é Leão?

— Hunf. — resmungou Aioria, se aproveitando de quando o garçom passara a sua frente, para se servir de um canapé.

— Eu vou ficar lá fora, Marin. — disse a Amazona se levantando. — Não agüento mais aquele "Don Juan" de quinta me encarando o tempo todo. Se ele continuar a fazer isso, vou reclamar com Athena que temos um tarado no Santuário.

— Ora, Shina, não seja tão exagerada. — disse Marin, sorrindo. Shina ignorou o comentário e olhou na direção de Miro e viu Aioria se aproximando.

— Até por que... Estou cansada de segurar vela. — murmurou.

— O que... — Marin ia perguntar, mas sua pergunta fôra respondida ao ouvir a voz grave de Aioria. O som daquela voz lhe provocara um arrepio delicioso:

— Olá, Shina. — cumprimentou a Amazona.

— Olá, Aioria. — respondeu ela.

— Oi, Marin... — o Cavaleiro disse suavemente, não escondendo a apreciação em seu olhar.

— Oi, Aioria... — respondeu ela e sentiu seu rosto esquentar. Ainda bem que estava com a máscara ou Aioria teria visto suas faces coradas.

— Bom, arivederci, meu amigos. — e dizendo isso se retirou da mesa.

Miro, que se distraíra por alguns instantes conversando com Kamus e Saga se surpreendeu ao não ver mais a Amazona de Cobra sentada à mesa em frente. Onde ela teria ido?

Seus olhos buscaram por todo salão e viu o exato instante em que ela cruzara a porta para a varanda. Os olhos azuis brilharam. Uma oportunidade perfeita para tentar uma aproximação.

Shina estava na sacada. O salão ficava no alto de uma montanha, de frente para o mar. A sacada era grande, se projetava sobre o mar e dava a impressão de flutuar sobre as águas. A noite não estava bonita. As nuvens carregadas nublavam o céu e um vento frio soprava, constante. As ondas batiam, agitadas, contra as pedras. Parecia que ia chover a qualquer momento.

A Amazona voltou seus olhos em direção ao salão.

A ampla janela lhe dava uma visão perfeita do que estava acontecendo ali dentro. Apesar de seus sentimentos por Seiya já não serem os mesmos, a presença dele ainda a perturbava, mas tinha que se controlar. Depois daquele dia, em que se entregara às lágrimas daquela forma deprimente, parecera que aquele sentimento começara a apaziguar.

Seus olhos passeavam pelo salão e surpreendentemente, ela se pegou a sentir falta de Miro no local. Onde estaria o Cavaleiro de Escorpião? Demorara-se um pouco mais na busca, mas definitivamente: Miro não estava lá. Teria ido embora? Tão cedo?

— Me procurando? — perguntou divertido. Shina virou o rosto, num sobressalto, em direção àquela voz e descobriu o Cavaleiro fitando-a, encostado em uma das portas de acesso ao salão que ficava alguns metros a sua esquerda. Os braços cruzados sobre o peito, e um meio sorriso em seu rosto. Seus olhos se arregalaram ao se dar conta de como estava distraída... Sequer percebera a presença de Miro. — Eu escondi meu cosmo, Shina. — disse, como se tivesse lido os pensamentos da Amazona, desencostando-se da parede e se aproximou lentamente, apoiou os braços no parapeito, olhando o mar agitado abaixo dele.

— O que quer, Escorpião? — perguntou, erguendo o queixo, numa atitude de desafio. O Cavaleiro a fitou.

— Não pretendia assustá-la. — Continuou, como se não a tivesse ouvido.

— O que você quer? — repetiu a pergunta. Miro suspirou e olhou para o horizonte, antes de voltar os olhos azuis para o rosto dela novamente.

— Lhe fazer companhia. Conversar... — disse tranqüilamente. Shina arqueou uma sobrancelha.

— Você não é inocente da forma que quer mostrar, Cavaleiro. — disse sem rodeios. — Diga logo o que quer... — O Cavaleiro sorriu com a franqueza da Amazona. Sempre direta.

— Vim convidá-la para dançar... — disse suavemente. E desencostando-se do parapeito, ofereceu-lhe a mão direita: — Aceita? — Shina olhou para a mão do Cavaleiro, antes de fitá-lo nos olhos, atentamente. Hesitou por alguns instantes: — Ora, vamos! — disse ele: — É só uma dança... — e se inclinando em sua direção, murmurou rouco: — Não vou atacá-la, prometo... — e deu-lhe uma piscadela divertida.

— Hunf... — Lentamente, ela descansou sua mão sobre a dele, que se fechou imediatamente, segurando a dela com firmeza. Miro não conteve o sorriso, que deixara Shina encantada. Não era o sorriso zombeteiro ou sedutor. Era um sorriso franco; aberto; sincero; desprovido de malícia. Aproximou-se devagar, como um felino, e enlaçou a cintura da Amazona, e ao invés de trazer o corpo dela contra o seu, ele se aproximou, mas seus corpos não chegavam a se tocar.

Tenho que ir devagar... — pensou, quando sentiu a mão direita dela repousar suavemente em seu ombro esquerdo.

Shina engoliu em seco. Por que estava fazendo aquilo? Por que aceitara dançar com Miro? Mas seus pensamentos foram interrompidos, quando o Cavaleiro começou a se mover lentamente, no ritmo suave da música que vinha do salão.

Miro a fitava abertamente e Shina, apesar de constrangida, lutava para não desviar o olhar do Cavaleiro de Escorpião. Mas estava difícil. Era um olhar penetrante e apesar de saber que ele não podia ver-lhe os olhos, sentia como se aquele olhar lhe atravesse e visse sua alma. Isso a assustou de tal forma, que não pôde se conter. Baixou a cabeça levemente. A mão sobre o ombro dele sentia perfeitamente a flexão dos músculos do Cavaleiro de Escorpião.

Ele apenas a mantinha perto de si, sem dizer uma única palavra. Sentia o calor que emanava do corpo dela. A mão pequena era calejada devido ao treinamento, mas não deixava de ser delicada na opinião Miro. Ainda não entendia o que estava acontecendo. Por que se importava tanto em conquistar aquela Amazona? Em dobrá-la a sua vontade? E por que sua recusa em render-se fazia com que a admirasse ainda mais?

Sentindo-a relaxar em seus braços, Miro se aproximou. Sentindo o corpo dela se moldar ao seu. A mão que repousava em seu ombro, subiu instintivamente para seu pescoço, enredando-se pelos cabelos azulados e cacheados, sentido sua maciez e a sua mão, que lhe tocava a cintura, deslizou até o meio das costas dela e pôde sentir a suavidade da pele, descoberta pelo decote do vestido.

Miro encostou o rosto ao dela, ligeiramente incomodado com a frieza da máscara, mas extasiado pela proximidade. A respiração suave tocara-lhe a orelha e Shina suspirou contra o pescoço dele, provocando um sorriso no Cavaleiro de Escorpião. Sentia-se flutuar dançando com ele. Miro era excelente dançarino e a conduzia com graça e leveza.

Um delicioso arrepio lhe tomara o corpo, quando sentiu os lábios úmidos do Cavaleiro tocarem sua pele. Assustou-se com a sensação tão intensa e empurrou o Escorpião, desvencilhando-se de seus braços.

Miro a fitou confuso. O que houve? Ela parecia estar gostando de dançar com ele...

— Shina...? — perguntou fazendo menção de se aproximar dela novamente.

— Já chega, Escorpião. — disse tentando controlar as emoções. O que aquele Cavaleiro fizera com ela? — Essa dança foi o suficiente. — completou.

— Shina, eu... — mas ela o interrompeu:

— Já teve a sua dança, Cavaleiro! — disse irritada. Miro arqueou uma sobrancelha:

— Ok, Amazona... — disse com desdém. — Deixarei-a em paz... — curvando-se a sua frente, disse: — Com sua licença... — e sem mais uma palavra, afastou-se de Shina, voltando para o salão.

A Amazona aproximou-se do parapeito sentindo seu coração acelerado. Aquele Cavaleiro era um petulante! Como se atrevera a um contato daqueles? A um gesto tão íntimo? Levou a mão ao pescoço, tocando-o suavemente com a ponta dos dedos, como se ainda pudesse sentir o toque suave e eletrizante dos lábios de Miro.

Maledetto... — murmurou. Era só o que lhe faltava! Por que ele a estava perseguindo daquela forma? Era óbvio que a estava tentando seduzir... Mas por que? Ele nunca se aproximara dela antes, por que isso agora? Resolvera torná-la mais uma de suas conquistas? Pois esperaria sentado! Jamais lhe daria esse gostinho. Aquele cretino não chegaria mais perto dela.

Ela ficou mais alguns minutos na varanda, sentindo o vento frio que vinha do mar, lhe tocar a pele, tentando não pensar no que acontecera há pouco. Um suspiro escapara. Finalmente, resolvera voltar para o salão. Caminhou devagar, ouvindo a música mais agitada do que a que dançara com Miro momentos antes, quando seus olhos percorreram a pista. A cena que presenciou a desagradou mais do que poderia imaginar ser possível.

Miro dançava sensualmente com uma garota que ela conhecia. Era uma aspirante à Amazona. A moça estava, literalmente, derretendo nos braços do Escorpião. Colava-se ao corpo dele de forma vulgar. E o Cavaleiro parecia estar apreciando e muito as atenções da ninfeta... O que a deixara estranhamente decepcionada.

Uomini... Tutti i cretinos! — pensou enojada.

Decidira-se por ir embora. Odiava aquele tipo de ocasião, e já tinha feito seu "papel social". A Amazona abandonara a festa, tentando convencer a si mesma de que o real motivo era que odiava lugares barulhentos e cheios de gente e que em nada lhe incomodara ver o Cavaleiro dançando com aquela garota daquela forma tão... insinuante.

Miro viu quando ela cruzou a porta, e quis ir atrás dela, mas como se livrar daquela fedelha que se pendurava em seu pescoço? Onde estava com a cabeça para aceitar dançar com aquela pirralha ao invés de ir atrás de Shina? Claro... Seu orgulho o fizera ter certeza que a Amazona não resistiria ao seu charme e esperou que ela viesse a sua procura... Fôra pretensioso ao extremo... E lá estava o resultado, saindo pela porta do salão.

A verdade, é que ela ferira seu orgulho ao recusá-lo e aquela garota, ter-lhe convidado para dançar, fez com que seu ego fosse inflado. Mas agora arrependia-se amargamente. Aquela pirralha era inconveniente.

Quando as mãos da moça tocaram-lhe o pescoço, provocaram uma sensação estranha. Não sentiu prazer naquele toque, pelo contrário, lembrou-o de outro toque, que acontecera apenas alguns minutos antes, que o deixou em êxtase.

Estava confuso. Nunca se sentira assim. Aquela obsessão por Shina estava passando dos limites, pensou, desvencilhando-se da garota, enquanto dava uma desculpa qualquer e se afastava em direção a Aioria. Chegou perto da mesa em que ele e Marin estavam e se despediu:

— Estou indo, Aioria. — o Cavaleiro o encarou surpreso. Miro saindo tão rápido de uma festa? Era estranho...

— Já, Miro? — perguntou sem se conter.

— É... Estou cansado e esta festa já deu o que tinha que dar... — respondeu: — Querem carona?

— Não, não precisa, eu estou de carro. — respondeu o cavaleiro. — Levo Marin quando for embora... — seu olhar se voltou em direção à Amazona, que desviou os olhos, corada.

— Miro... Er... Você viu a Shina? — perguntou Marin, também para buscar controle depois do olhar que Aioria lhe lançara. — Não a estou vendo...

— Ela saiu há alguns minutos. — respondeu sem emoção. Aioria percebeu. Então era por isso que seu amigo sairia da festa tão amuado... — Bom, então, boa noite para quem fica. — disse ele e se afastou da mesa, indo em direção à saída.

Seus passos eram apressados. Queria chegar logo em sua casa e descansar. Sorriu ao lembrar-se da dança.

A noite não fôra de todo perdida.


Uma mulher de salto era muito mais elegante, mas por que diabos escolhera um sapato tão alto! Estava acostumada a andar de salto... Mas não naquela altura... E seus pés já reclamaram. Retirou-os, sem se preocupar se machucaria ou não seus pés percorrer os próximos oito quilômetros do salão até sua casa com eles nus. Um pingo grosso caiu em seu ombro e a Amazona olhou para o céu:

— Ótimo... — suspirou. — Era só o que faltava! — Tomar uma chuva no meio do caminho iria coroar a sua noite catastrófica. Ainda estava com raiva de si mesma por ter se permitido dançar com Miro.

Um carro parou ao seu lado e o vidro do lado direito desceu. Shina olhou para o carro e viu Miro inclinado sobre o banco, fitando-a.

— Quer carona? — perguntou estranhamente neutro. Ela o encarou e voltou seu olhar para a estrada a sua frente.

Tinha pelo menos mais uma hora e meia até chegar ao Santuário, e de lá mais uma hora até sua casa... Mas estava hesitante em aceitar a carona de Miro, não que achasse que ele a atacaria, simplesmente não queria muita intimidade com o Escorpião. Ainda mais depois do que acontecera naquela noite.

Outro pingo grosso caiu sobre seu ombro e resolveu o dilema. Aturar Miro por uma hora não seria tão desastroso.

O Cavaleiro abriu a porta e se afastou para que ela pudesse entrar. Shina se acomodou no banco e Miro, depois de lhe dispensar um rápido olhar, saiu com carro. Em poucos segundos a chuva desabou, batendo contra o pára-brisa fortemente. Seguiram em silêncio por uns bons dez minutos.

— Achei que ficaria mais um bom tempo na festa... — comentou, se arrependendo em seguida. Devia ficar de boca fechada! Por que a proximidade com o Cavaleiro a estava deixando tão perturbada? Não fazia sentido, nunca, sequer, reparara nele antes... Quer dizer, não podia negar que Miro era bonito, mas isso nunca a afetara.

— Oh, sim? Por que achou isso? — perguntou ele, casualmente, não desviando os olhos da estrada. Miro procurava se manter calmo. Não demonstrar a ansiedade que estava sentindo, e que o estava irritando. Nunca se sentira daquela forma, por que a presença dela mexia tanto com ele? Era apenas mais uma mulher! Já saíra com tantas...

— Você parecia estar se divertindo bastante... — disse não conseguindo conter o sarcasmo. Por que não conseguia manter sua estúpida boca fechada? Era melhor ficar quieta antes que dissesse alguma besteira. Evitar conversar com o Cavaleiro de Escorpião seria a atitude mais sensata.

— Não... Não tinha nada lá que me prendesse. — respondeu friamente e voltando os olhos para ela rapidamente. — Já você estava bem incomodada desde o princípio... Não gosta de festas, ou é o fato de Seiya estar presente que a perturbou? — se arrependeu no momento em que a sentiu ficar tensa ao seu lado. Por que falara aquilo?

Shina sentiu seu coração disparar. Não queria falar sobre isso, ainda mais com Miro. Não pôde deixar de sentir uma pontada no peito ao ouvi-lo fazer aquela pergunta...

— Acho que isso não é da sua conta, Escorpião. — respondeu rispidamente, voltando o rosto na direção dele.

— Desculpe, não pretendia ser indelicado. — disse ele. Onde estava com a cabeça para fazer uma pergunta daquelas? Tinha que controlar sua língua afiada ou poria tudo a perder:

— Acho que indelicadeza... É seu segundo nome, Cavaleiro. — disse cinicamente.

— Por que você tem essa veemente aversão a mim? — perguntou irritado, parando o carro em frente à cabana onde ela morava. Lembrou-se do comentário que fizera sobre Seiya e teve sua resposta, mas não admitiria isso. Seus olhos se voltaram para fitá-la. Ela se virou para segurar a maçaneta e abrir a porta, ignorando-o deliberadamente, mas ele a impediu, segurando-a pelo pulso esquerdo: — Não respondeu a minha pergunta. — disse taxativo.

— Por que se importa, Escorpião? — perguntou, desvencilhando-se da mão dele. — Estou neste Santuário há anos e nós nunca fomos próximos... Por que se importar, agora? — Ele não soube o que responder. — Jogue seu "veneno" para as garotinhas que caem ao chão por sua causa, e me deixe em paz. — disse saindo do carro.

Miro cerrou os dentes e desceu logo atrás, fechando a porta do carro com força. Por que tanta grosseria? Quem ela pensava que era para tratá-lo daquela forma? Segurou-a pelo braço, obrigando-a a se voltar e encará-lo:

— Você é muito arrogante, garota! — disse ele irritado. — Quem pensa que é, para agir assim, com essa petulância!

— Quem VOCÊ pensa que é? — devolveu a pergunta: — O fato de ser um Cavaleiro de Ouro não o torna superior a ninguém! Me larga! — disse puxando o braço do aperto da mão dele.

— Eu já vi a sua face mais dócil, Shina! — disse sem pensar, inclinando-se em direção a ela. A Amazona arregalou os olhos por sob a máscara.

Do que ele estava falando?

— Do que está falando? — ele não respondeu, mas não parou de falar:

— Essa sua arrogância toda é para esconder a mulher fraca que você realmente é? — os olhos azuis brilhavam em cólera. As atitudes dela o irritaram ao extremo e já não media o que dizia. Shina se encolheu ligeiramente. Aquelas palavras a feriram.— Foi por isso que ele não te quis, Shina... — continuou sarcasticamente: — Por que você é fraca! — Miro nem vira o movimento, só se deu conta do que acontecera quando sentiu sua face arder. Ela o estapeara com força e suas unhas chegaram a arranhar-lhe o rosto. Tocou a face com as pontas dos dedos e quando os olhou, viu-os manchados de sangue.

Fitou-a com uma expressão de raiva que se atenuou ao perceber que ela tremia. Não a enfurecera... Fizera muito pior. A magoara...

— Você é um idiota! — disse tentando manter a voz firme, mas ela saíra trêmula. — Vai embora, Escorpião! — esbravejou. Antes que as coisas piorassem, Shina caminhou até a porta de sua cabana e entrou rapidamente.

Miro ficara lá, parado, em pé, em frente à casa dela, a chuva violenta caindo sobre ele. Os cabelos grudados ao rosto, o sangue sendo lavado pela água que escorria por suas faces, as roupas encharcadas. A mão esquerda tocava a face que ainda ardia. Passara dos limites, tinha consciência disso.

Suspirou profundamente e tomou sua decisão:

Aioria tinha razão, ela não precisava de um cretino para atrapalhar sua vida, por que naquele momento era assim que ele se sentia: um cretino.

— Parabéns, Miro... — disse decepcionado consigo mesmo. Entrou no carro, encostou a cabeça ao volante e suspirou irritado, antes de dar a partida e arrancar rumo ao Santuário.

Shina encostara à porta e retirara a máscara, jogando-a sobre o sofá. Escorregara pela porta, até sentar-se no chão. Abraçou os joelhos e descansou o queixo sobre eles. Mais uma lágrima escorreu por seu rosto. Ela fechou os olhos, deixando que o choro a tomasse.

Por que doera tanto ouvir aquilo da boca de Miro? Eles não eram nada um do outro, nem mesmo uma relação de amizade eles tinham... Por que se importara? Ela sabia que era fraca, não precisa daquele desgraçado lhe jogando isso na cara!

Levantando-se do chão frio, caminhou lentamente em direção ao banheiro.

Sentia-se derrotada.


O Cavaleiro chegou em sua casa e retirou depressa aquelas roupas molhadas. Entrou no chuveiro e enquanto a água quente lhe corria pelo corpo, ele pensava no que acontecera minutos antes.

Por que perdera o controle daquela forma? Por que dissera aquelas palavras sabendo que poderia magoá-la?

Viu seu lado frágil, o quanto era sensível, apesar de tentar esconder, e mesmo assim dissera aquelas coisas, sabendo o que provocaria. Tomar consciência de que fizera de propósito o fez se sentir a escória.

Saiu do Box e ao pegar uma toalha para se secar, parou em frente ao espelho, fitando-se. Aproximou-se lentamente. Olhou para os arranhões em sua face esquerda, levando a mão até eles, tocando envolta do ferimento. Eram profundos, mas não tanto. Em alguns dias estariam cicatrizados.

Fechou os olhos e apoiou as mãos na pia. Aquela era a prova de sua cretinice e insensibilidade. Estava ali, estampada na sua cara.

Suspirou.

Saiu do banheiro e enrolou uma toalha na cintura, enquanto com a outra secava os cabelos.

Será que devia pedir desculpas a ela?

Sentou-se na cama e lembrou-se de como pensava em conquistá-la...

De repente tudo aquilo lhe pareceu uma bobagem. Resolvera se aproximar apenas por que se dera conta de que ela não era invulnerável, intocável e superior como gostava de demonstrar. Não era um motivo nobre, muito pelo contrário. Era o motivo mais egoísta que poderia existir.

Recostou-se à cama, as mãos sob a nuca, enquanto fitava o teto, perdido em pensamentos.

Acabara. Não tentaria mais nada.

Não tinha o direito de se aproximar de Shina daquela forma.

Com esses pensamentos, adormecera.

Continua...


Mais um capítulo completo! Espero que tenham gostado! Este ficou um pouco longo... mas não tinha sentido cortar na metade. Agradeço aos comentários de: Dama, Craviée, Aline, Juliane-chan, Ishtar Canavon Gemini,Dana, Fabi Washu, lulu-lilits, T.A. Lovely, Sharon Apple, Misaogap e Megawinsone. Obrigada a todos que estão acompanhando!

Maledettomaldito, em italiano.

Uomini... Tutti i cretinos! — Os homens... são todos uns cretinos!, em italiano.