Certo, eu aceito o fato de que tudo isso é muito estranho. Que tal então, se para evitar maiores rombos no fluxo de espaço e tempo contínuo, nós seguirmos a mesma linha de pensamento das pessoas comuns? Vamos lá:
1. Sou uma garota normal do século XXI. Estudo Matemática, Geografia, Ciências, Português, portanto, tenho toda a base científica para saber diferenciar o que é real o que não é. A começar por aí.
2. Eu sou completamente comum. Quero dizer, vou para o colégio todos os dias, tenho que lutar contra as minhas próprias invencionices (é assim que às vezes classificam minhas idéias), aturar a cobra da Ashling e a corja dela, me olhando como se eu fosse do submundo ou, numa comparação mais adequada, como se eu fosse um daqueles youkais insignificantes, e ela, um grupo seleto de tai-youkais.
3. Por favor, mesmo sendo uma maníaca por InuYasha, eu sei que, muito infelizmente, InuYasha é só um anime. Nasceu da mente de uma desenhista genial, virou mangá, e agora é passado na TV. E só. É só isso, certo? Certo? CERTO?
Me parece que não. Do contrário, porque eu estaria agora empoleirada numa árvore de 500 anos atrás, assistindo a Lua surgir cada vez mais brilhante num horizonte verde de tantas árvores, depois de ter visto o que eu...o que eu vi?
E garanto que ninguém no meu século viu isso também. Não do mesmo jeito que eu. Não ao vivo.
Então, tudo bem. Estou aqui, não estou? Só me resta saber o que fazer agora. Já vi que não adianta fechar os olhos, correr o máximo que puder e se jogar para a frente, isso resulta apenas em escoriações por todo o corpo e um arranhão na testa. Beliscões ao estilo "Estou acordado?" também não. Sei disso porquê, quando sonhava demais no colégio, a Ingrid sempre me beslicava e, como numa mágica dolorida demais, eu despertava no meio da aula de química. Tentei fazer isso hoje. Ou melhor, tentaram por mim. Acreditem, levar um beliscão de alguém que possui garras não é nem um pouquinho agradável. Eu, pelo menos, não recomendaria.
Ok, eu expliquei a minha situação. Cabe a você - a ele - a alguém - acreditar. Enquanto isso não acontece, eu vou escrevendo. E rezando para que não acordem com isso.
Como boa jornalista que sou, sempre carrego uma câmera fotográfica. Uma dessas descartáveis, de doze fotos, práticas que só vendo, e junto com elas uns bons rolos de filme. Pois vou te dizer, gastei todos eles, e sabe Kami (conforme dizem, conforme eu mesma digo) se irá funcionar.
E um gravador de voz. Ninguém pode prever quando você será sugada para uma Era japonesa que só conhece por desenho animado, e terá a oportunidade de ouvir o cara mais gato de todo o universo falando que o outro cara mais gato de todo o macroscosmo é um ser desprezível e que deveria morrer.
Como toda boa jornalista, também me previno. Portanto, nunca esqueço de levar ataduras e band-aids, para o caso de correr até o cara que pretendia matar o próprio meio-irmão junto com todos os seus amigos e desconhecidos, e me pendurar no pescoço dele bem na hora do golpe, fazendo assim com que desviasse para a árvore mais próxima, que foi, por sinal, aquela que usaram para me puxar chegar até o presente aqui. Mas eu estava se importando com a destruição da minha passagem de ida? Que nada! Era muito mais interessante ignorar as falas do referido gato, que consistiam em "Me largue, sua humana imbecil, ou então vou matar você!", e simplesmente continuar pendurada no pescoço dele, abraçando aqueles longos e macios cabelos prateados, sentindo o aroma de floresta e rio que ele exalava, e lutando para que o servo do gato não conseguisse de arrancar de perto dele.
As ataduras foram bem úteis aí, por que ninguém avisou ao gato nem ao servo do mesmo que sou uma humana raptada para uma Era séculos diferente da qual eu pertenço, que não tinha culpa nenhuma de estar ali, e que, já que estava ali mesmo e não via nenhuma razão para isso, nada melhor do que encontrar uma. Mesmo que fosse dar de cara com o youkai que venho desenhando há cerca de quatro meses na margem do meu caderno e que me garantiu dever extra de Álgebra. Quero dizer, você não faria o mesmo?
Concordo que foi muita grosseria do Sesshy rodopiar com o corpo ao mesmo tempo que me agarrou pela gola do uniforme, me jogando assim uns cinco metros longe. Enquanto as estrelinhas e planetas paravam de rodar em volta de mim, focalizei a cena. E a primeira coisa que notei foi:
"Puxa, quanto barulho!"
Meio sem nexo, não? Mas o que ali não estava? Considere bem. Estava eu, desenhando numa praça em que o máximo que podia-se ouvir eram os cantos dos pássaros e o farfalhar das árvores. Então, dedos surgem do tronco de uma árvore e me carregam quinhentos anos atrás no tempo e duzentas e cinqüenta mil léguas no espaço geográfico do planeta. Minha cabecinha parece passar por um universo de cores e formas indefinidas, enquanto meu corpo gira e parece ser centrifugado por dentro. Tudo, tudo gira, eu giro, meus pensamentos giram, o espaço em volta de mim... Tudo. Isso não acontecia com a Kagome, certo? Então, quando chego em algum lugar, vejo simplesmente um cara que por pouco não acerta a ponta de uma espada na minha cabeça. Sorte que, por algum motivo, tenho reflexos rápidos. Desviei, mas agora não tenho certeza se o que fiz foi isso mesmo, ou se então caí, e assim desviei. Só sei que foi isso que aconteceu depois. É meio difícil manter-se de pé depois de ter todo o seu organismo sacudido, revirado e posto no lugar num período de cinco minutos, mas terrenamente, quinhentos anos. Caí ali, vendo, enquanto minha cabeça era posta no lugar, a lâmina brilhante da espada sair da madeira e ir na direção de um homem de roupas vermelhas e cabelos prateados, que erguia outra espada. E estava vindo na minha direção, olha só.
Eu engatinhei para o lado, bem a tempo dos dois se chocarem, e fugi dos raios de energia intensa que o impacto das espadas liberou. A grama pisoteada ao redor foi carbonizada. Eu estava ali há dois segundos atrás... Ainda tonta, essa idéia me fez suar frio.
Continuei engatinhando, puro instinto de sobrevivência. O calor ali era sufocante. Os dois homens liberavam uma energia que pareciar surgir da terra, deles, do ar, e que condensava em devastadores ataques. Eu apenas me afastava lentamente... Olhando meio abobada, com os cabelos formando uma cortina cheia em torno do rosto, vendo á minha frente apenas duas garotas, um monge, uma raposa e um tigre...Não...era um menino e um gato, grande demais para ser um tigre, pequeno demais para ser simplesmente um felino doméstico. Também não era isso. O menino tinha um rabo felpudo. E a gata, dois.
"Folhas...", pensei, de repente. E comecei a engatinhar mais rápido em direção àquele estranho grupo, até que sentisse minhas pernas formigando o suficiente para que me impulsionar-se a por-me de pé. E corri, desastradamente, mas ninguém ali pareceu reparar.
Parei quando escutei um estrondo maior. Focalizei o grupo outra vez. Minha mente confusa começou a fazer as conexões necessárias. Estava começando a entender... Como as informações não eram o suficiente, olhei em torno. Mesmo cenário. Tudo construía-se muito rápido na minha cabeça, blocos velozes de dados formando o castelo de conhecimento de fã: gata, raposa, bumerangue, guerreira, monge, colegial, Jóia de Quatro Almas!
Virei a cabeça tão rápido para a cena de luta, que quase quebrei o pescoço. Focalizei os dois seres que combatiam. E, de repente, entendi tudo. Um clarão se fez, como costumam dizer.
Agora é que vem a parte engraçada. Não era de se esperar que esta criatura abrisse a boca, colocasse a mão na frente dela, e arregalasse os olhos enquanto dizia: "Eu estou mesmo no Sengoku Jidaii! Na Era de InuYasha!"? Mas não. Essa foi a última coisa em que pensei no momento. Porque o que essa criatura fez, meus senhores, foi ignorar os gritos de "Vêm para cá!", "É muito perigoso!", emitidos pelo estranho grupo, agora já reconhecido. Essa criatura ignorou tudo isso e simplesmente correu para um dos oponentes da batalha, não viu que ele estava prestes a desferir um golpe mortal no meio irmão, e pulou, jogando os braços em volta do pescoço do referido ser, enquanto durante todo esse percurso gritava: "SEEEEEEEESSHYYYYYY!"
Pois é. Foi isso que eu fiz. Ah, eu esqueci de dizer que tenho uma queda pelo Sesshoumaru, não é? Liguem não, isso surpreendeu até a mim.
Eu só não esperava que ele fosse me ameaçar de morte e me jogar para longe, onde bati de costas numa árvore, minha cabeça indo e voltando no tronco duas vezes, duas fortes e dolorosas vezes. Quando vi que o meu querido Sesshoumaru aproximava-se de mim, enfurecido, com os olhos vermelhos de raiva por ter perdido a oportunidade de acabar com seu irmão, dei-me conta de que dali não passaria. E me contentei com as idéia de que deixaria este mundo, mas que sabendo o que era sentir o cheiro, a pele e a maciez dos cabelos do Sesshoumaru, ao menos uma vez. Penso que o efeito Fã-que-acaba-de-abraçar-o-ídolo ainda não havia passado em mim.
Mas o que aconteceu foi ainda mais surpreendente. Porque, enquanto eu fechava os olhos com força e escutava a lâmina da Toulkingin cortar o ar bem acima da minha cabeça, fui arrancada dali, um segundo antes da espada desferir seu golpe sobre a pobre árvore, partindo-a ao meio verticalmente. Quando abri os olhos, vi que estava em cima da Kirara, há dez metros de altura. Não exatamente em cima, estava do lado, segura por um braço que lutava para me puxar para cima da youkai. Quando movi a cabeça levemente para ver quem era, me deparei com ninguém menos que Sango.
A extermnadora não disse nada, apenas me olhou com preocupação. Eu não estava em condições de contestar, então apenas facilitei o seu trabalho de pôr o meu corpo horizontalmente na Kirara. Minha cabeça ficou balançando enquanto sobrevoávamos o caótico campo de batalha, e eu me despedia do Sesshy-kun... Quando chegamos ao solo, e tanto Kagome quanto Miroku e Shippou vieram para cima de mim, ver quem era aquela desconhecida, eu apenas me recostei, olhei para cada um deles. Era verdade, então.
Essa foi a última coisa que pensei antes de cair profundamente na inconsciência.
