Pensando assim, agora, eu realmente fiz uma loucura. Estou com a depressiva mania de analisar os fatos, antes que eles me dominem, procurando encontrar alguma lógica, mesmo que eu saiba claramente que a única coisa que não posso conseguir do lugar onde estou é uma explicação lógica para os acontecimentos.
Então, estou no Sengoku Jidaii, e daí? Realizei o meu maior desejo do momento, um desejo de impulso: Ah, céus, morram de inveja: eu abracei o Sesshoumaru!
O que, é claro, confirma que não sou normal. Primeiro porque pessoas normais não atravessam árvores, nem quinhentos anos no tempo. Segundo que ele foi quase, quase mesmo, a última pessoa que eu abracei na minha vida. Na verdade, o próprio Sesshy tomaria as providências necessárias para que aquela estranha interruptora de batalhas nunca mais abraçasse ninguém. Também não respirasse mais, nem visse a luz do dia outra vez, nem tivesse a cabeça grudada no pescoço. Puxa, tenho a séria desconfiança de que ele não sabe as fãns que tem no mundo inuyástico, nem o efeito que provoca sobre elas.
Terceiro e último... Por incrível que pareça, não me arrependo do que fiz. Vou guardar esse momento comigo para o resto da minha vida, emoldurado em ouro na parede da minha memória. Se alguma dia eu voltar a ter uma vida normal, é claro.
Na verdade, o povo daqui não é tão hospitaleiro quanto nos episódios que eu assistia, gravava, desenhava e decorava cada frase que diziam. Duvida? Me pergunte o que quiser do episódio "O Segredo do Primeiro Dia: InuYasha de Cabelos Pretos". Eu sei cada fala, tá legal! Não é em todo episódio que o Inuyasha diz que gosta do cheiro da Kagome. Certo, talvez seja exagero assisti-lo oito vezes num dia só... Mas também não é exagero atirar-se no cara que tentou matar o próprio meio-irmão, praticamente declarando seu amor por ele de forma imensurável e impulsiva?
Eu não tinha parado para raciocinar sobre tudo isso quando a Sango me colocou no chão, e nem depois de ter desmaiado. E ainda demorei mais alguns segundos para assimilar, quando abri os olhos outra vez e encontrei o Shippou em cima do meu colo, me vigiando com olhos assustados.
O engraçado é que estou tão acostumada com todas as expressões do Shippou, que, ao contrário do que se esperava de mim, não gritei nem empurrei o pobre filhote de youkai do meu colo. Eu apenas observei bem a felpuda cauda dele, balançando de um lado para o outro, levantei os olhos e vi que também os outros me encaravam. A "esses outros" eu também posso me refirir como Kagome, Sango e Miroku.
As coisas voltaram tão depressa na minha cabeça! O barulho, lembrei. Os estrondos, o cheiro da grama chamuscada. As luzes que ofuscavam meus olhos, azuis elétricas, brancas, amarelas... E o retinir das espadas. A vibração que produziam ao se chocar. Tudo tão rápido, incrível e intenso, que na mesma hora em que o quadro se formava na minha precária mente de recém-desmaiada, senti o desagradável indício de uma dor-de-cabeça fulminante. Pensando melhor, talvez a causa tenha sido o baque que levei quando o Sesshoumaru arremessou o meu corpo contra o tronco da árvore, como se fosse um boneco de pano. Ou, mais apropriadamente, um youkai pequeno e intrometido que não se importaria em ganhar alguns galos na cabeça. Bem, parece que além de uma doce lembrança na memória, eu também vou guardar algumas cicatrizes. Mas são detalhes, detalhes!
Dessa vez, não havia mais barulho. Estava apenas o silêncio de um campo aberto. O Sol já estava se pondo, e o vento soprava, mas não conseguia dissipar o calor da luta nem o cheiro das plantas queimadas e do poder emanado.
Eu desisti de tentar organizar minha mente naquele instante. O primeiro passo era me levantar, não era? Ok, então.
Respirei profundamente, experimentando os pulmões. Fora a dor que senti na base das costelas, tudo bem. Esperava não ter quebrado nenhuma. Depois, apoiei as mãos na terra macia e ergui o corpo, me recostando na árvore. Shippou deu um salto para trás, nessa hora.
Algo doeu na minha cabeça, talvez fosse o sangue retomando seu lugar no organismo. Dei um gemido de dor, e na mesma hora Kagome correu, se ajoelhou perto de mim, e ajudou-me a ajeitar minhas costas.
"Está tudo bem?", perguntou, preocupada.
Ah, céus! Eu estava mesmo escutando a voz da Kagome? Aquilo pareceu entrar na minha cabeça e dar voltas, cintilantes e coloridas. A voz doce e prestativa da Kagome Higurashi.
Não respondi. Ainda recolhia forças para virar minha cabeça para o lado onde ela estava e abrir os olhos, portanto, apenas pude escutar quando o Miroku perguntou: "Não seria melhor preparar uma infusão? Ela me parece muito fraca"
Calmo, lento, preciso, esse era o Miroku falando! Não, não precisava de infusão alguma, muito obrigada. Continue falando, por favor.
Eu realmente teria dito isso se conseguisse pronunciar uma frase sequer. Mas apenas sorri. A criatura estava com as costas doendo, uma possível costela quebrada, a cabeça latejando mais do que uma bomba de ar, e estava sorrindo! É incrível o que uma viagem no tempo não faz à você... Ou a mim, já que é o caso.
Eles provavelmente acharam estranho esse meu surto psicótico que gerou um sorriso, porque, ao invés da tal infusão de ervas, ele aproximou-se de mim e fez a pergunta que todos ali esperavam a resposta:
"Quem é você, senhorita?"
Quando foi que, em algum momento da minha existência, me chamaram de "senhorita"? Eu realmente me senti lisonjeada por Miroku em pessoa ser o primeiro a pronunciar essas palavras para mim.
Incentivada pelas palavras do monge (eu sempre me refiro a ele como monge), recolhi forças, voltei minha cabeça para ele, e abri os olhos. Respirei profundamente, olhei para cada um ali, e mandei:
"Cara, eu amo vocês!"
Eu não vi ao certo, mas posso afirmar que a expressão da Kagome e do Miroku quando agarrei os dois pelos pescoços foi de muito assombro. Eles provavelmente acharam que eu iria atacá-los, porque na mesma hora o monge pegou meus ombros e me afastou, de forma gentil. Manteve-me longe pela distância de seus braços. Povinho mais hostil, eles não aceitam nem uma declaração aberta de amor? Puxa!
"Desculpa, mas não devo ter entendido direito. A senhorita disse que nos ama?" ele perguntou, cautelosamente.
"Vocês... Vocês existem de verdade... Que máximo! Espere até a Ingrid saber, ela vai ficar nas nuvens... Ela realmente te adora, sabia? Quero dizer, ela tem uma fixação de verdade por você. Mesmo. Não que eu não te ache muito fofo, porque você realmente é, mas o negócio é que sou vidrada no Sesshoumaru, entende? Ele é tudo de bom" Por incrível que pareça, nos momentos difíceis, complicados e contrangedores, eu perco um pouco o domínio sobre minha própria língua, e começo a falar besteira. Esse foi um desses momentos. "E a Sango, também. Cara, muito obrigada mesmo! Você salvou o meu pescoço, de verdade. Quase que o Sesshoumaru me mata, e o Jaken não ajudou muito. Eu não acredito, eu realmente vi o Jaken!" falei, como que para mim mesma, apertando a palma da mão sobre a boca. Meus batimentos cardíacos começaram a aumentar, ignorando a pergunta do monge e todos os acontecimentos. Eu disparava palavras e afirmações como raios, sem me importar que fosse a única a entender alguma coisa. Cruel que fui. "Sabem de uma coisa, eu me amarro no jeitinho dele de falar. Já repararam? Carregando nos "s"s, parece um francês com espirro preso. Mas é muito engraçado. Quero dizer, eu detesto a maneira como ele trata a Rin, é não insensível com ela, não acham? Mas, oh, Meu Deus, oh, Meu Deus, eu estou mesmo aqui!"
Me levantei, tomada pela a emoção. Comecei a saltitar, batendo os calcanhares enquanto pulava, os braços acima da cabeça.
"Estou no Sengoku Jidaii, estou no Sengoku Jidaii" repetia, cantarolando.
Agora, antenção. O Ministério da Saúde adverte: viajar no tempo-espaço e abraçar seu ídolo de anime preferido causa sérios males à sanidade mental. Evite, se possível.
Eu bem que mereci o comentário do Shippou de "Eu acho que a batida na cabeça foi muito forte para ela". Obrigada, Shippou. Momentaneamente, eu achei a mesma coisa.
Ciente do rídiculo da situação, me voltei para eles, um tanto quanto encabulada. Posso ter certeza de que corei nessa hora. Afinal, eu estava executando uma espécie peculiar de dança na frente de seres de meio século atrás. Tome tendência, falei para mim mesma. Só porque você está numa Era e num lugar diferente não significa que você tenha que pirar de vez. Calminha aí. Vamos pôr as coisas em pratos limpos.
É incrível como posso ser racional às vezes, pensei, enquanto me reaproximava deles.
"Er... hum... desculpem." disse, com um braço atrás da nuca, sem jeito. Uma parte de mim gritava desesperadamente: Alô, acorda! Você está com a turma do InuYasha inteira na sua frente! Faça tudo o que uma fã elouquecida gostaria de fazer, e logo, vai que isso é mais um sonho!
No entanto, a outra parte, mais ligada nos acontecimentos a longo prazo, me obrigou a ficar quieta e analisar os fatos com frieza. "A mesma frieza que o Sesshoumaru usa nas batalhas", ela tratou de me lembrar. E isso lá é hora para analogias?
Num confronto interno, sentei na grama novamente. As conseqüências daquela minha curta exaltação me atacaram: a dor de cabeça dobrou na rebordosa, parecendo agarrar o fundo do meu cérebro com garras afiadas, e a minha costela voltou a latejar. Estiquei uma mão na grama, deixando que meus dedos se afundassem na terra fofa, para evitar que eu caísse.
"De onde... De onde você veio, menina?" foi Kagome quem perguntou, enquanto se ajoelhava do meu lado.
"Da árvore" respondi, olhando de esguelha para ela. Desistindo de conseguir qualquer resposta coerente, ela correu os olhos pelas minhas roupas.
"Você veio da mesma era que eu", concluiu. "Tem algum poder mágico?"
"Não que eu saiba. A não ser, talvez, conseguir desenhar 'eu amo o Inu-kun' quarenta e três vezes na última folha do caderno de Química, se você considerar isso mágico..." eu teria continuado a minha ladainha incoerente, se não houvesse tampado a minha própria boca com uma mão, esbugalhando os olhos, de súbito ciente de um detalhe:
Eu estava falando japonês!
Ah, não isso é demais, pensei, desesperadamente, enquanto dava as costas ao grupo pela segunda vez e despejava um rio de frases sem sentido, experimentando meu próprio vocabulário. Eu realmente, realmente, estava falando japonês! Tudo aquilo fluía como água dos meus lábios, e, por mais absurdo que parecesse (o que ali não parecia?), eu conseguia entender. Todos eles, até aquele momento, falavam o idioma nipônico e eu compreendia tudo perfeitamente.
Tudo bem, que eu faço parte (ao menos fazia) das fãns que arranhavam japonês pelos vocabulários dos sites. Tipo copiar todas aquelas palavras para um arquivo único do computador, gravar algumas e exibir-se para os leigos que não compreendiam nada de anime. Responder "Ohayo!" quando alguém lhe dava bom-dia, gritar "Aishiteru" quando o Sesshoumaru aparece nos episódios; dizer "Moshi-moshi?" ao invés de "Alô?" quando telefonam para a sua casa. Isso era até divertido, é como se você pudesse se sentir parte mais integrante da história. Mas não desse jeito. Não literalmente integrante.
E o engraçado é que eu penso na minha língua natal, mesmo. Mas, falar... Sai tudo em japonês. É como se houvessem colocado uma tecla SAP em mim. Eu juro que tentei algumas palavras do meu nativo idioma, mas não dá... Experimentei falar "Estou na era do InuYasha" e saiu japonês. Apenas nos meus pensamentos e neste diário essa língua não prevalece.
Vendo que nada parecia ter lógica, olhei um tanto desesperadamente para Kagome. Ela mantinha aquele semblante doce e compreensivo de sempre, mas também ansioso por respostas. Sem alternativa, comecei a falar, desta vez, compreensivelmente.
Continua...
