Até que para alguém cuja luta foi interrompida por uma garota de cinco séculos adiante, eles foram bem gentis comigo. Eu não esperava outra coisa. Isso não impede que eu me surpreenda com a forma racional com que trataram tudo aquilo. Numa hora, eu estava desenhando ao pé de uma árvore. Na outra, estava no Japão feudal, pendurada no pescoço de um youkai que pensava só existir em histórias em quadrinhos. Na outra, eu estava explicando para os heróis dessa mesma história quem eu era e como foi que parei ali. Parei, não. A única coisa que eu não fiz foi parar. Estive em movimento contínuo, ao menos até a hora em que o baque das emoções me deixou desacordada.
Acho sinceramente que é uma grande bobagem procurar uma razão nisso tudo. Sei que não vou encontrar. Ao menos, não uma que possa ser explicada por cientistas e pesquisadores. Os fatos são que:
a) Estou numa era mágica, onde existem youkais, hanyous, sacerdotizas, monges (Monges! Agora me lembrei de que nunca havia visto um monge na minha vida, pelo menos até hoje. Nem na TV os monges têm buracos do vento na mão direita. Céus, eu toquei na mão do Miroku! De verdade! Fotografei e tudo), garotas que andam com um bumerangue gigante nas costas. E estou aqui, olhando tudo isso como uma ironia do destino.
b) Isso é totalmente paradoxo. Eu não devia estar aqui. Deveria estar na minha casa, digitando mais uma das minhas fics, esboçando no meu caderno de desenho ou ligada em algum mangá. E não sentada no galho de uma árvore, encarregada de avisar os outros quando o InuYasha voltasse, já que todos estão dormindo e ele decidiu dar uma volta para esfriar a cabeça. Impossível. O InuYasha, esfriar a cabeça? Nem com um balde de água fria. Ele foi é fazer alguma coisa, escondido dos outros e da Kagome. Mas estou muito ligada em acertar as minhas contas com minha própria sanidade para pensar nisso agora.
c) EU NÃO SEI COMO VOLTAR PARA CASA!
Ok. Vocês devem estar se perguntando: "Como raios ela pensa em voltar para casa? Se eu fosse para o Sengoku Jidaii, nunca mais iria quere sair de lá!". Mas não é tão simples assim, queridos. Eu tenho uma vida. Ok, tediosa, sem emoção e reconhecimento na minha era, mas tenho. E, nessa vida, um teste de Matemática na próxima sexta-feira está muito bem incluído. Um teste que, aliás, eu ainda não estudei.
Ora bolas. Se eu posso atravessar o tempo, por que me preocupar com um teste que só vai acontecer daqui a quinhentos anos? Mas a Kagome também não fica neurastênica toda vez que tem prova no colégio dela, em Tóquio? Por que então eu não ficaria?
Antes que o pânico me dominasse (eu realmente sou muito sugestiva quando o assunto é colégio), resolvi dar uma volta. Mas antes, me deixem explicar as coisas até aí. Onde foi que parei mesmo?
Ah, sim. Na minha recém-descoberta aptidão para falar japonês.
Passado minha cacofonia de palavras sem sentido, voltei ao estado de normalidade humana. Isso parece ter encorajado o Miroku e a Kagome a se aproximarem de mim, obviamente achando que eu sofria de algum surto psicótico, por que o monge tocou levemente meu ombro e disse:
-Você está bem? Há algum... algum espírito maligno pertubando sua paz? Eu poderia ajudá-la - disse, apressadamente, quando o encarei com olhos arregalados.
Vamos ver. Eu parei no meio da batalha do InuYasha e do Sesshoumaru. O youkai mais lindo do planeta me jogou numa árvore. Minha cabeça parece que vai entrar em erupção a qualquer momento. Meu estômago ainda não parou de revirar um segundo só. Absolutamente todos os meus ossos doem. 50 do meu corpo está ralado, arranhado e com algumas escoriações, sendo nos joelhos a parte mais agravante. Tenho teste de Álgebra sexta-feira, e estou certa de que meu professor não vai aceitar como desculpa a frase: "Eu não pude vir ao teste porque fui sugada quinhentos anos no tempo para o período das guerras japonesas. Pode me dar segunda chamada?". Não sei como voltar para casa.
Claro, está tudo bem.
Eles pareciam mais preocupados comigo do que com os meus últimos ataques. Cara, que vontade de chorar! Eu realmente os amo!
"Hum, não, tudo bem" achei melhor recobrar a sanidade rapidinho. Ou ao menos parte dela. O suficiente para se dialogar "Não há nenhum espírito ruim".
"Tem certeza?" eles pareceram duvidar.
"Tenho, sim" falei. Em seguida, olhei atentamente para cada um. Ok, não fazia outra coisa há mais de quinze minutos "Bem... Eu acho que vocês gostariam de uma explicação, certo?"
Foi quando escutei uma voz que me deixou pregada no chão, estática. O sangue e a capacidade de articular uma primeira palavra foram varridas do meu cérebro como folhas num vendaval.
"Feh! Seria bem útil, não acha? Quem você pensa que é para atrapalhar minha luta com o Sesshoumaru, sua louca? Pretendia morrer? E daonde que raios você surgiu!"
Não. Não podia ser. Ainda não podia ser.
"Vamos, responda! Ou você é muda também? Acho que não, pela forma como agarrou aquele cretino... Por acaso não sabia que ele podia te matar?" continuou, e minha audição completamente aturdida captou passos. Aproximando-se.
"Quer parar de ser grosso? Não vê que ela está em estado de choque?" censurou-o Kagome, ajoelhada ao meu lado.
Não podia ser. Não podia ser.
"Ela está certa. Não deve pressioná-la. Está claro que o trauma foi grande. Você deveria ser mais compreensivo, InuYasha".
Uma onda de pânico quebrou sobre mim. Não podia ser. Não podia, mas era! Era ele!
Com a sensação de que um fio elétrico corria pelas minhas costas, agora totalmente eretas, fui virando, devagar. Tão devagar que quase não senti. A única coisa de que tinha certeza naquele instante era da voz, indubitavelmente irritada e depreciativa que corria para dentro de mim.
"Trauma! Claro que sim! Qualquer pessoa que agarrasse o Sesshoumaru daquele jeito sofreria um trauma! Agora quero saber quem essa louca é exatamente para fazer isso, porque está vestida com roupas do tempo da Kagome, e... O que você está olhando!" ele disse mais exasperado, quando notou minha extrema atenção na sua pessoa.
Era ele. Era ele. EraeleeraeleEraeleeraeleEraeleeraeleEraeleeraeleEraeleeraeleEraeleeraeleEraeleeraeleEraeleeraele, Era ELE!
"Por favor, não desmaie agora!", pedia para mim mesma, o pensamentozinho espremendo-se nas paredes concretas do "Eraele". Nem percebi que meu corpo estava totalmente virado para o ser de vermelho na minha frente, tampando a imagem do pôr-do-sol. Sentia que meus olhos estavam tão arregalados que poderiam cair das órbitas a qualquer instante, e que lágrimas começavam a nascer, provavelmente porque minhas pálpebras colaram no alto das órbitas.
Enquanto meu corpo todo petrificava-se, o pensamento continuava sua corrida veloz pelo meu cérebro, lutando para se manter consciente.
Era ele. As vestes vermelhas farfalhando enquanto de movia, irrequeito.
Era ele. Os cabelos prateados refulgindo o brilho do sol.
Era ele. A bainha da espada na cintura, que tantas vezes já desenhei.
Era ele. Os olhos dourados, brilhantes, com pupilas alongadas e ferinas, me encarando com irritação e curiosidade disfarçadas.
Era ele. As orelhinhas no topo da cabeça mexendo-se, igualmente irrequietas.
Era ele. Em todos os detalhes, como eu sempre vi, como eu sempre imaginei... Era ele, finalmente!
Eu estava diante do próprio InuYasha!
"Kami..." soltei um gemido baixinho, finalmente canalizando forças para a fala. "O que mais me falta acontecer hoje?"
Tarde demais, eu percebi que nunca, nunca devemos falar isso. Vocês já verão porquê.
Esperaí, lembrei, antes que a tontura que senti naquela hora ficasse mais forte e me levasse a recostar na árvore outra vez. "Você é ou não é uma garota de fibra? Frieza alá Sesshoumaru! Mantenha-se firme! Encare os fatos com precisão!"
"Em que mundo você vive? Alô! O InuYasha está na sua frente, e você ousa pedir frieza? Aonde foi parar seu sentido de chance única?" aquela mesma vozinha irritante começou a gritar na minha cabeça. Aquela, que representa a minha parte de fã, e que teima em falar mais alto.
"Ouso sim" a voz mais coerente respondeu "Qual é, você vai ter tempo de pegar o autógrafo dele depois. O importante agora é voltar para o eixo das coisas!"
"Mas..." a outra protestou.
"Sem mais!" a Voz da Coerência, autoritária, bateu o pé e calou a Voz da Impulsividade.
"Calem a boca..." falei, despercebidamente, em voz alta "Eu estou com dor de cabeça... Fiquem quietas!", ordenei. Não era possível que uma discussão de vozes rompesse na minha cabeça logo agora! Ainda mais vozes que faziam parte de mim mesma...
"Engano meu ou você nos mandou ficar quietos?" perguntou InuYasha, rispidamente, cruzando os braços. Aquilo me jogou de volta à realidade.
Respirei fundo. Com um esforço titânico, joguei todos os pensamentos no estilo "Aishiteru, Inu-kun!" para o fundo da mente, e me concentrei no momento. Pela primeira vez desde que chegara ali.
"Não" respondi, com a voz mais entrecortada do que pretendia. Tentei de novo: "Não. Não era... er... nada. Já estou melhor."
"E que me importa? Eu quero é uma explicação. Você, seja lá quem for, nos deve uma explicação!" exigiu, agachando-se sobre as pernas, de frente para mim.
Grosso.
E daí que o meu sangue foi bombeado diretamente para as orelhas quando ele sentou-se naquela posição de hanyou-cachorro que eu suspirava só de ver? Ora, bolas, hanyou ou não! Grosseria é grosseria. Talvez ele tivesse um pingo de razão... mas poderia ter sido mais gentil.
Ora, bolas. Estamos falando de InuYasha, não estamos?
Engoli uma resposta que com certeza iniciaria uma discussão, coisa que não estava em condições para fazer; e ao mesmo tempo a vontade de tocar naquelas orelhinhas tão kawaii.
"Ok. Vocês merecem mesmo uma explicação" comecei. É incrível como não conseguia desviar os olhos dele. No entanto, movi a cabeça lentamente para o lado da Kagome. Talvez assim conseguisse articular uma palavra.
"Pois bem. Então... Para começar, sou muito fã de vocês, e o meu nome é..."
Continua...
