Bolha Silenciosa
(homenagem a Elnara, que tão bem nomeou esse capítulo)
- Muito bem, Albus, o que é tão importante para deixar Lupin sozinho ?
- Justamente isso : ele não pode ficar sozinho.
Pelo menos nisso dois antigos membros da preciosa Ordem da Fenix concordam. Luz, afinal ! Vermelha, mas luz !
- E... ?
- E teremos de tomar algumas precauções diferentes para esta semana.
- Como vou acompanhar Lupin, Albus ?
- Não disse que seria você, Severus...
- E quem mais seria, caro senhor Diretor ?
Não, Albus, não me diga que está pensando em uma das crianças ! Nosso querido menino-que-sobreviveu não seria uma escolha muito apropriada...afinal, alguém tem que ser herói nessa história e matar o Lord das Trevas. E para isso precisa estar vivo, e de preferência sem ser um lobisomem. Eu sou a escolha mais sensata.
- O medibruxo Theodorus me disse que Lupin não vai poder fazer muita coisa, mesmo transformado. Mesmo assim...
- Mesmo assim eu continuo sendo a melhor escolha.
Vai colocar quem ? Trombadora Tonks ? Gira-gira Moody ? Trombone Shackelbolt ?
- O próprio Theodorus se dispôs a passar as noites da transformação com ele.
- Ele não aguentará.
- Preciso de ambos vivos, Severus.
- Theodorus e Lupin, Albus ?
Era veneno demais, mesmo para Severus... E o completo silêncio que se seguiu a essa frase deixou a sala mais que fria : era como se novamente aquela fosse a vivenda Black, em todo seu esplendor de outrora.
O silêncio gritava, o mesmo silêncio quase cadavérico que precede o encontro de duas cimitarras guiadas por hábeis guerreiros no fulgor da batalha. Sem se dar conta do que fazia, Severus devagar e instintivamente começa a tomar sua posição de ataque, qual ancestral besta defendendo seu território.
Devagar e pausadamente um imóvel Dumbledore finalmente se pronuncia :
- Quer me dizer alguma coisa, Severus ?
Azuis e negros em batalha intensa... e quase imediata capitulação. Nem mesmo ele resistiria. Nem mentiria mais.
- É realmente preciso, Albus ?
- Cuide-se, então. E suba, pois ele precisa de seus cuidados, mais do que nunca, enquanto eu faço alguns preparativos.
- Também preciso fazer os meus. E preciso dos seguintes materiais : ...
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Doce face recortada por cabelos grisalhos e mal-cortados, pele igualmente recortada por garras de tempos passados, mas um sorriso nos lábios entreabertos : esse é meu amor, Remus John Lupin, que finalmente adormeceu quando o deixei sozinho com seus - e meus - temores. Intuitivamente sei que a poção que Theodorus mandou tem algum componente calmante, o cheiro estava diferente daquela que eu fiz pela manhã. Mas foi bom, pelo menos ele conseguirá descansar.
Pelo menos ele.
Instalo-me no maior silêncio possível na poltrona ao lado da cama, e reviso mentalmente o que precisarei preparar para esta noite, enquanto sigo com meus olhos cansados as suaves ondulações do seu respirar : a minha noite insone começa a querer cobrar seu preço, e eu penso se não será melhor aproveitar esse momento de descanso dele e descansar também. Vou precisar de toda minha energia nesta noite.
Eu não posso errar.
Não hoje.
E eu me rendo, pela segunda vez no dia, ao que o meu corpo diz ser o certo.
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Merlin foi complacente comigo : ver Severus adormecido é como saborear um raro manjar de aspecto inusitado. Ele fica com a coluna rígida, mesmo dormindo não permite que seu corpo se solte. Talvez ele goste mais da frase de Olho-Tonto Moody do que pareça. ( Vigilância Constante, Severus Snape, ou o lobo vai te pegar ! )Ou talvez seja apenas seu corpo que goste dela. Porque - assim como eu - a dicotonia existente em Severus é quase clara, nesse momento. Enquanto sua mente descansa e vagueia por algum lugar que o faz sorrir (Morgana, eu daria tudo que possuo e o que não tenho para que eu esteja nesses pensamentos, só isso te peço), seu corpo está sempre pronto para a batalha. Qualquer mínimo movimento o acordará, já vi isso antes e ele acorda como se só estivesse com os olhos fechados, sempre e eternamente esperando ser atacado pelas costas.
As costas... ai, as costas de Severus... Se ele soubesse como eu invejo o seu porte, o seu jeito de andar... como aquele menino arqueado transformou-se nesse homem com as costas retas como suas próprias palavras eu não sei. Eu só queria ter visto você crescer, Severus... mas eu era um tolo maior ainda do que sou hoje. E talvez - apenas talvez - muita coisa não tivesse acontecido. Mas não sei de nada...só sei que desejo tocá-lo.
Como eu gostaria de poder me levantar daqui e afagar-lhe a face adormecida. Mesmo sabendo que à mínima aproximação ele abriria os olhos e a varinha estaria em minha garganta, quase me cortando o ar. Já estive em batalha com Severus, é alguém que ninguém - nem mesmo o Lord Maldito, tenho certeza - desejaria que estivesse do outro lado da varinha apontada para si.
O Lobo deseja mais, é claro. E eu pressinto que Severus fará uma loucura, tentando ficar comigo essa noite. E - o pior - com a conivência de Dumbledore. Aquela conversa "lá fora" não deixou muitas dúvidas sobre o que poderia ser. Eu não irei permitir. Mesmo com o - meu - corpo tão fragilizado, o lobo o alcançaria.
Porque o lobo o deseja.
Como parceiro.
Para sempre.
E isso me mataria.
E isso eu não vou permitir.
